quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Governador Cid Gomes visita comunidade em Fortaleza e é recebido com resistência às remoções para a Copa de 2014

Na capital nordestina Fortaleza (CE), uma das cidades-sede da Copa do Mundo de Futebol 2014, ocorreu ontem (2) um fato inesperado: o governador do estado do Ceará, Cid Gomes, visitou pessoalmente a comunidade Aldacir Barbosa, umas das 22 ameaçadas de remoção devido às obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), parte do projeto da Copa.

Ele entrou nas residências dos moradores, à noite, por volta das 20h, para defender a construção do VLT e pressioná-los a aceitar as remoções. Estava acompanhado de cerca de 30 seguranças armados, além de autoridades como o chefe da Casa Civil (e irmão do governador), deputado Ivo Gomes, o procurador geral do Estado, Fernando Oliveira, o presidente do Trem Metropolitano de Fortaleza (Metrofor), Rômulo Fortes, o secretário da Infraestrutura do Ceará, Adail Fontenelle, e o superintendente de Meio Ambiente, José Ricardo Araújo.

Em resposta à ofensiva, uma rápida mobilização surpreendeu o governador. Dezenas de moradores saíram às ruas e gritaram palavras de ordem como "Daqui não saio, daqui ninguém me tira” e "Cid é terrorista”, devido ao terror psicológico que a população vem sofrendo pela ameaça de remoção.

Para reforçar a resistência, o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) foi acionado, pelo que compareceram os núcleos das comunidades Trilha do Senhor, Dom Oscar Romero, João XXIII e Montese.

Segundo a professora Francinete Gomes, membro do MLDM e moradora da Trilha do Senhor, Cid Gomes chegou a entrar em cinco residências, onde defendeu o projeto e disse que só haveria duas alternativas – ou aceitavam as indenizações no valor de 10 mil reais, em média, ou seriam realocados em algum conjunto habitacional.

Cerca de mil famílias moram na comunidade Aldacir Barbosa, que está localizada em uma área nobre e das mais valorizadas de Fortaleza, o Bairro de Fátima. Para o movimento, as comunidades que vivem em torno do trilho são vistas como uma "mancha” de pobreza, que os gestores pretendem eliminar com o pretexto das obras da Copa.

Na opinião de Francinete, o governador agiu de maneira inaceitável, intimidando a comunidade. "Os moradores ficaram com medo e abriram a porta. O que ele fez eu chamo até de infantilidade. Se ele quer conversar, por que não marca uma conversa coletiva, no centro comunitário da Aldacir Barbosa, que é grande?”, critica.

Ela denunciou ainda que Cid Gomes descumpre a recomendação do Ministério Público, que entrou com ação pública para que o Governo do Estado suspenda as desapropriações para as obras do VLT, uma vez que o licenciamento ambiental da obra não foi concluído.

Agressão física

Duas mulheres relatam ter sido agredidas por seguranças de Cid Gomes – uma torceu o braço e a outra foi empurrada, caiu e machucou o cotovelo. Elas abriram Boletim de Ocorrência.

Hoje, militantes denunciaram a agressão à comunidade, apresentando fotos e vídeos da visita durante audiência ocorrida no Ministério Público Federal.

Preocupados com a atitude do governador, moradores da comunidade Trilha do Senhor realizarão assembleia geral amanhã (4) para traçar estratégias no intuito de neutralizar uma possível ação de Cid Gomes.

Sobre o VLT

Estudante de sociologia e militante do MLDM e da Organização Resistência Libertária (ORL), Mateus Viana desenvolve pesquisa sobre os impactos sociais do VLT. Segundo ele, o veículo trafegará em 27 quilômetros da capital, ligando o Porto do Mucuripe ao estádio Castelão e, para isso, afetará mais de 3 mil famílias.

De acordo com Mateus, a média das indenizações fica em 10 mil reais, valor insuficiente para a aquisição de outro imóvel em Fortaleza. Já a obra está orçada em 265 milhões de reais, dos quais 90,2 devem ser destinados a indenizações.

O pesquisador denuncia ainda a ausência de projeto habitacional para realocar as famílias, além de grave falha no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que não apresenta alternativas de trajeto.

Dentre os impactos sociais que as famílias sofrerão, cita distância de equipamentos sociais, como hospitais, escolas, terminal de ônibus, além da perda da convivência com a vizinhança – na Trilha do Senhor, por exemplo, há famílias instaladas no local há 70 anos.

Manifesto das comunidades:

A falta de diálogo, transparência e publicidade por parte do poder público tem sido uma marca registrada de todo o processo. Até o momento, nem mesmo os projetos das obras nos foram apresentados, muito menos discutidos! Também não foi apresentado nenhum estudo que comprove a viabilidade e funcionalidade das obras para além do evento Copa do Mundo. Em várias ocasiões, exigimos que nos fosse apresentado e discutido um projeto alternativo que não envolvesse remoções, como determina a Lei Orgânica do Município, mas só tivemos como resposta o silêncio, o descaso e a indiferença. O mais absurdo de tudo: apesar da ameaça de remoção de mais de 4.000 famílias, muitas das quais vivendo no local há 70 anos, nenhum projeto habitacional nos foi apresentado. A única opção que nos tem sido imposta é a desapropriação dos imóveis, sendo que para o valor indenizatório será levado em conta apenas as benfeitorias, o que torna os valores pagos insuficientes para a aquisição de novas casas no mesmo bairro e em condições dignas de moradia.

Para nós, tal situação deve ser tratada como verdadeira REMOÇÃO FORÇADA EM MASSA, pois apresenta o pagamento de indenizações irrisórias como única possibilidade, sem qualquer preocupação com os grupos vulneráveis existentes na área e destituindo MILHARES de moradores não apenas de seus imóveis, mas de toda a rede de relações sociais e da possibilidade de acesso a equipamentos e serviços fundamentais como escolas, hospitais, postos de saúde, oportunidades de trabalho e renda, etc. Diante dessa situação, exigimos que sejam tomadas as seguintes medidas para evitar estas gravíssimas violações de Direitos Humanos:

1) Realização de recomendação e termo de ajustamento de conduta, com a finalidade de comprometer os responsáveis pelas obras, respeitando o devido procedimento legal previsto no processo de licenciamento ambiental;

2) Apresentação e discussão com os moradores de um projeto alternativo que não envolva remoções, sendo reconhecidos como interlocutores legítimos os que hoje estão organizados em nossa luta por moradia;

3) Que sejam suspensos os efeitos do Decreto de Desapropriação de nº 30.263, de 14 de julho de 2010, que declara de utilidade pública área de 381.592,87 m², ao longo da faixa de domínio da RFFSA, com benfeitorias e servidões que nela se encontram;

4) Que sejam invalidados os cadastros já realizados e convocadas com urgência audiências públicas realizadas no âmbito do licenciamento ambiental, antes da decisão do COEMA sobre a licença prévia, visto que desde já manifestamos a existência de sérias irregularidades no processo de elaboração do EIA/RIMA, posto que, como admite o próprio Governo do Estado, não foram realizados os cadastros sócio-econômicos de 979 famílias, num universo de 2.700 imóveis, o que compreende um elevado percentual de 36% do total, representando assim um escandaloso descumprimento do previsto no Termo de Referência que estabelece os procedimentos e os critérios técnicos a serem adotados na elaboração do EIA/RIMA referente à implantação do VLT;

5) A fim de garantir nosso direito à moradia, entendido como direito humano fundamental, exigimos que sejam levados adiante os instrumentos cabíveis previstos no Estatuto da Cidade para garantir a Regularização Fundiária das áreas que há décadas são habitadas pelas mais de 4.000 famílias que hoje correm o sério risco de dano irreparável por conta de REMOÇÃO FORÇADA EM MASSA e HIGIENIZAÇÃO SOCIAL.

Por fim, ressaltamos nossa disposição de permanecermos firmes em nossa legítima luta de resistência pela garantia das nossas moradias, por entendermos que nossos direitos não podem ser violados e pisoteados à revelia de todas as leis nacionais e internacionais de proteção aos Direitos Humanos e sociais, sob o pretexto da realização de um evento como a Copa do Mundo ou de qualquer projeto de desenvolvimento econômico, que vise à construção de uma cidade muito boa para os negócios e para os turistas, mas exclui e despreza os habitantes mais pobres de uma cidade que já é uma das mais desiguais do mundo.

Fortaleza, 18 de junho de 2011.

MOVIMENTO DE LUTA EM DEFESA DA MORADIA/COMUNIDADES DO TRILHO

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