sábado, 24 de setembro de 2011

A PROPÓSITO DO "ROCK" IN RIO

Senô Junior

Ainda não apareceu uma crítica musical de esquerda. Não apareceu uma geração de críticos que pudesse pensar a música brasileira numa visão realmente de esquerda, sem falsos folclorismos. Uma crítica que una visibilidade e coerência, senso crítico e humildade, e com uma postura sócio-cultural que vá muito além do "socialismo de botequim".

Até agora, o que vemos é apenas a expressão ideologicamente alienígena de um crítico musical badalado pela intelligentzia, Pedro Alexandre Sanches, que escreve para três periódicos esquerdistas: Carta Capital, revista Fórum e Caros Amigos, sendo que nesta última ele tem uma coluna chamada "Paçoca".
Ele é ideologicamente alienígena porque até hoje ele não representou qualquer ruptura com o pensamento crítico musical que vemos na grande mídia de direita. Pelo contrário, ele muitas vezes reforça esse ponto de vista, como no caso do tecnobrega. De que adiantou botar Gaby Amarantos na capa de Fórum (na edição de março de 2010) se, no decorrer do ano, a mídia golpista se ajoelhou a ela, até mesmo a ranzinza revista Veja?
Ou seja, será que ninguém se deu conta da comunhão de pensamento de Pedro Sanches com a de Otávio Frias Filho, Ali Kamel e outros? A desculpa de que cultura é "apolítica" não cola, quando a intelectualidade brasileira consegue tirar de letra as posições ideológicas do Oriente Médio, mas não consegue identificar o coronelismo midiático que está por trás dos ditos "sucessos do povão" das rádios FM e TV aberta.
O próprio Pedro Alexandre Sanches, antes de ter entrado na mídia esquerdista, trabalhou com muito gosto na Folha de São Paulo, e passou pela revista Bravo (Editora Abril) e Época (Organizações Globo).
Ele tornou-se cobra criada da mídia direitista, do contrário de jornalistas de visão independente que trabalharam na mídia conservadora. Tanto que ele nem fez parte da debandada de jornalistas dissidentes da Folha, que vieram a compor o quadro de Caros Amigos em 2003-2004, como José Arbex Jr. e Marilene Felinto. Sanches foi "sozinho" para a mídia esquerdista em 2008, e tudo indica que é por "indicação" da DINAP, que distribui nacionalmente os periódicos de esquerda, mas é de propriedade do Grupo Abril.

CRÍTICA MUSICAL BRASILEIRA: HEGEMONIA DE POUCOS

O que faz com que Pedro Alexandre Sanches seja adotado pela ala mais frágil da intelectualidade progressista, tal qual um filhote de pato que, vendo uma pedra à sua frente, a trata como se fosse sua mãe, é uma situação de indigência que vive a crítica musical no nosso país.
Afinal, a imprensa brasileira se marcou por experiências fracassadas de revistas musicais que fazem história mas depois desaparecem pelos seus próprios descaminhos. Nem mesmo as influentes Geração Pop e Bizz ficaram para as gerações mais recentes, cujo gosto musical acabou sendo formatado apenas por uma meia-dúzia de críticos musicais "modernos".
Há dez anos atrás, com o colapso da Bizz (que havia se tornado Showbizz e havia tido uma má fase entre 1991 e 1998), vieram várias revistas obscuras de curta duração. Até que depois veio uma entressafra. Enquanto isso, a maioria da juventude viveu a hegemonia de uns poucos críticos que definiam o gosto musical padrão da moçada, e naqueles tempos somente quatro tiveram essa missão: os cariocas Tom Leão e Carlos Albuquerque e os paulistas Álvaro Pereira Júnior e Lúcio Ribeiro.
Resultado: os jovens passaram a ter um estranho gosto musical restrito a referenciais dos anos 90 e derivados, como o grunge, oposer metal, o techno, o hip-hop, com poucas variações. A superficialidade era notória e o preconceito contra tendências anteriores a 1989 era muito grande. Tudo porque, com poucos críticos musicais influentes, a transmissão de informação musical estava muito longe de ser abrangente, diversificada e de boa qualidade.
Por isso, anos depois, esse contexto até tentou ser resolvido com a volta da Bizz e, depois, com a introdução da Rolling Stone Brasil (numa atitude bem diferente daquela de 1971-1972). Ou seja, o problema de uma informação musical abrangente e diversificada, independente do plano ideológico, tentava ser resolvido, pelo menos mostrando um pouco mais do "feijão com arroz" que uma juventude pouco afeita à "garimpagem" - ou seja, a procura de informações musicais menos óbvias e pouco acessíveis - está acostumada a usufruir.
É até um desperdício de potencial, já que os jovens não querem apostar em coisas menos óbvias. Apenas usam seu estilo musical predileto, seja o que for, para se contrapor àquele que simboliza a "tendência dominante". Por exemplo, jovens que usam o poser metalcomo contraponto ao "pagode romântico". Ou jovens que usam o "pagode romântico" como contraponto à MPB "feijão-com-arroz" de Jorge Vercilo.
Mesmo assim, houve outro fracasso. A Rolling Stone peca pelos textos muito longos em tipos gráficos pequenos, de leitura difícil para o público jovem médio. A Bizz fracassou por não ter recuperado a credibilidade perdida, e pela ameaça do revival de sua fase anos 80 se converter no revival dos anos 90, da sua fase ruim de André Forastieri, Carlos Eduardo Miranda etc.
E, com o colapso do meio radiofônico - que divulgava novidades no mundo da música - , ocorreu um vácuo que fez o público juvenil aderir ao brega-popularesco da grande mídia golpista. Aí ídolos da axé-music, "pagode romântico", "funk carioca", "forró eletrônico" e "sertanejo", entre outros estilos, sob as bênçãos dos barões da grande mídia, entraram até mesmo nos salões de festas dos grandes condomínios e nas "cervejadas" das faculdades (cujos universitários organizadores eram literalmente "comprados" pelos barões do entretenimento popularesco).
Mas, tendenciosismo aqui e ali, Pedro Alexandre Sanches aproveitou a visibilidade conquistada por muitos serviços à famiglia Frias para - talvez sob a "recomendação" da DINAP - migrar para a imprensa esquerdista como um verdadeiro "tampão", para falar de "cultura brasileira" sob o ponto de vista dos jornalistas da Folha de São Paulo e dos produtores da Rede Globo de Televisão.
Sem algum outro crítico que representasse uma visão mais crítica ao establishment popularesco, Pedro Alexandre Sanches caiu na mídia esquerdista de pára-quedas, entrou na festa pela porta dos fundos e foi se passar pelo anfitrião.
A essas alturas Ruy Castro, apesar de sua visão lúcida sobre música brasileira, escreve para a imprensa conservadora. José Ramos Tinhorão, idoso, aposentou-se, depois de lançar suas ideias nos livros publicados pela Editora 34. E Dioclécio Luz, o jornalista claramente de esquerda, perdeu uma boa oportunidade de se destacar pela lucidez crítica contra o brega-popularesco, quando investiu numa desnecessária polêmica relacionada à Turma da Mônica.
Num contexto em que a imprensa escrita de esquerda ainda começa o seu caminho - temos que reconhecer que ela ainda está no começo - , ainda não se tem uma visão esquerdista de cultura popular.
Num mercado jornalístico dominado por agências de notícias, é muito mais fácil os analistas brasileiros identificarem posições ideológicas relacionadas à política do Oriente Médio do que verificar alguma posição relacionada ao entretenimento "popular" no Brasil. E isso apesar de ser uma tarefa não muito difícil de se executar.
Pelo contrário, o que vemos foi Pedro Alexandre Sanches, apesar de seu conhecimento sobre MPB e sua experiência como repórter, investir em momentos contrangedores como o endeusamento do tecnobrega, ritmo apadrinhado pelos barões da grande mídia paraense (como O Liberal, cuja família proprietária representa a Rede Globo na TV Liberal), apesar de toda a pregação de que o estilo (no fundo, um subproduto do "forró eletrônico" que começa a decair no Norte-Nordeste) supostamente não tem espaço na grande mídia, logo na capa da revista Fórum, em março de 2010.
Os fatos comprovaram que esse papo de que o tecnobrega, assim como o "funk", não tem espaço na grande mídia, demonstrou-se uma grande lorota. A grande mídia do Sul/Sudeste, tanto a Folha de São Paulo, O Globo, Rede Globo, o "refinado" Estadão e a "ranzinza" Veja, divulgaram com gosto o tecnobrega.
A Fórum, envergonhada, achou que o tecnobrega iria apavorar a grande mídia. Não apavorou. Pelo contrário, foi todo mundo aparecer para o Fausto Silva e beijar as mãos de Otávio Frias Filho. Reportagens de primeira página da Ilustrada, da Folha, e do Segundo Caderno, de O Globo, escreviam praticamente a mesma coisa que Pedro Sanches escreveu sobre o tecnobrega na Fórum.
Em suas passagens na Fórum, Caros Amigos e Carta Capital, Pedro Sanches fez muito mais coisas lamentáveis, como uma raposa cuidando de um galinheiro à noite. Escreveu na Carta Capital um texto sobre a crise da MPB, mas elogiando a mesma Banda Calypso que foi abraçar o (des)animador do Instituto Millenium, o casseta Marcelo Madureira. Tentou fazer elogios a Parangolé, Calcinha Preta e no todo-querido-da-Globo Fábio Jr., em vários de seus textos na Caros Amigos. E ainda tentou elogiar o "funk carioca", incluindo a lamentável Tati Quebra-Barraco, com direito à mesma ladainha do "preconceito" que também escreveu no seu texto sobre o tecnobrega.
Até hoje, não temos um crítico musical que unisse senso crítico e visibilidade. Mantém-se Pedro Alexandre Sanches na imprensa esquerdista como se hipoteticamente um partido trotskista chamasse Fernando Henrique Cardoso para ser seu diretor-executivo.
Até agora, temos tentativas de transmissão de informação musical na revista A Nova Democracia - cuja linha esquerdista é mais radical que o trio Caros Amigos-Fórum-Carta Capital - , principalmente baseadas nas abordagens críticas de José Ramos Tinhorão. Ou então há as dicas musicais de Luís Nassif, que no caso da música brasileira se voltam para os ritmos de raiz, principalmente samba.
Mas até mesmo nos primórdios do regime militar, quando a imprensa tentou reagir aos arbítrios e quando os generais ainda adotavam um simulacro de democracia, periódicos como a revista Manchete, Correio da Manhã e Última Hora fizeram preciosos questionamentos sobre indústria cultural, sobre cultura popular e sobre a então emergente cultura de massa. Com uma objetividade e coerência que faria seus leitores jogarem os livros de Paulo César Araújo no lixo, indignados.
No entanto, num Brasil carente de estudos constantes e consistentes sobre indústria cultural, a geração de Pedro Sanches, Hermano Vianna, Bia Abramo e outros se perde por uma abordagem apologética, que esvazia qualquer intenção de abordagem crítica. E isso oitenta anos depois dos EUA iniciarem estudos similares, é lamentável que a crítica musical brasileira ainda viva sua fase desertificada, árida, estéril. Um bom texto analisando criticamente o gosto musical da "cultura de massa" norte-americana data, pasmem, de 1948!
Como desenvolver uma crítica musical que desvendasse as relações de poder por trás dos "sucessos do povão"? Como desenvolver uma crítica musical que não se contentasse com os arremedos atuais dos antigos ritmos populares, como samba, afoxé, baião, catiras e modinhas? Como desenvolver uma crítica musical reflexiva, e não demagógica, sem qualquer prática jabazeira nem abordagens etnocêntricas?
Que crítica musical de esquerda será possível que veja a população das periferias, roças e sertões sem a visão caricata, estereotipada e apátrida que a própria mídia golpista já desenvolve há décadas? Afinal, não é esse mau costume do brega-popularesco entre o grande público que fará essa pseudo-cultura parecer "natural" e "espontânea".
Muito jabá e muito marketing foram usados para fixar esse mau gosto musical no grande público. É preciso reconhecer que, por trás dessa "cultura", existe uma estrutura empresarial perversa, que inclui meios de comunicação ligados a oligarquias, grandes senhores do atacado e varejo e latifundiários, gente que age contra os movimentos populares.
É essa crítica que ainda falta nesse país. De que adianta tirar de letra a trajetória de Itamar Assumpção, diante da tentação de exaltar a cafonice do tecnobrega e do "funk carioca"? De que adianta achar a Gal Costa de 1967-1972 genial, se lamenta que o Calcinha Preta e o Parangolé "não têm reconhecimento artístico"? De que adianta 80% de inteligência acrescido de constrangedores 20% de estupidez? De que adianta ser jornalista musical "de esquerda" que apenas reafirma preconceitos e estigmas já trabalhados pela mais golpista mídia de direita?
Espera-se que este texto traga luz ao debate público e se espalhe pelos fóruns de blogueiros progressistas de todo o país.

http://senojr.blogspot.com/

O Lula Secreto

Segue coletânea de artigos sobre o já mítico ex-presidente Lula:

Mário Garnero, testa de ferro do Barão Rothschild no Brasil conta sobre o “Lula Secreto”

Mistério (e suspeita) na gênese desse lider politico

“Um dos grandes mistérios da história politica brasileira é compreender por que, afinal, os próceres do regime militar deixaram um jovem e desconhecido metalúrgico Luís Inácio da Silva, sem origem partidária e sem referência, sem grandes articulações, de repente se transformar em grande líder. Lula tem estrela? Sorte? É um predestinado? Ou teria sido construído, meticulosamente, nos arquivos secretos da ditadura? Fala-se inclusive, entre os militares da repressão, que Lula seria invenção do general Golbery do Couto e Silva, em armação com o empresário Mario Garnero. Será? Esta última possibilidade, a de haver um “Lula Secreto”, sempre foi aventada, mas nunca provada.

Recebi tempos atrás (de Alfredo Pereira dos Santos) cópia do capitulo de um livro de autoria do próprio Mário Garnero, “JOGO DURO”, relatando sua relação com Lula nos anos 70. O livro, já esgotado, foi editado pela Best Seller em 1988. O depoimento em questão vai da página 130 à 135. “Alguém já estranhou o fato do Lula jamais ter contestado o que o Garnero disse no livro nem tê-lo processado?”, indaga Alfredo Pereira Santos, autor da digitalização do trecho. Seria essa recusa decorrente da afirmação do próprio Garnero, segundo a qual…

“Longe de mim querer acusá-lo de ser o Cabo Anselmo do ABC, mesmo porque, ao contrário do que ocorre com o próprio Lula, eu só acuso com as devidas provas. Só me reservo o direito de achar estranho” (…) “Lula foi a peça sindical na estratégia de distensão tramada pelo Golbery – o que não sei dizer é se Lula sabia ou não sabia que estava desempenhando esse papel”, escreve ainda Garnero.

Procurei o próprio Mário Garnero para conversar sobre o assunto. Ele me recebeu com toda deferência, na sede do Brazilinvest, na av. Faria Lima, São Paulo. Em almoço com talheres de prata. “Não quero mais falar sobre isso”, desconversou Garnero. Sobre o livro, ele disse que já passou, que os tempos são outros (escreveu-o depois de ser preso, quando ainda guardava muitas mágoas), e que hoje não tem qualquer intenção de ressuscitar o assunto. Insisti daqui, perguntei das mais diversas formas. Sempre muito gentil, nada de novo informou. Mas o essencial está registrado em livro. Fiquem com o depoimento do Garnero, vale à pena ler até o fim e a fim de tirar as próprias conclusões.”

Hugo Studart


Um dos motivos para a recusa de Garnero em comentar o assunto pode se dar ao fato de que quase 20 anos depois de ter sido banido do mercado financeiro, Mário Garnero voltou ao centro do poder abraçado ao governo Lula. À frente dos presidentes do Senado, José Sarney, e do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, dos ministros Dilma Rousseff e Ciro Gomes e de sete governadores, foi anfitrião das autoridades e dos 300 empresários presentes em seminário no ano de 2004.

Foi em 2002 que Garnero entrou em ação e ofereceu seus serviços para aproximar o PT e os banqueiros internacionais. Uma resposta ao tal “lulometro”, um índice de desconfiança do capital estrangeiro com a possível eleição de Lula a presidência.

Garnero até articulou uma viagem de José Dirceu aos Estados Unidos que incluiu desde palestras para investidores no banco Morgan Stanley até visitas a gabinetes de altos funcionários em plena Casa Branca.

Eis a transcrição de seu livro de 1988:

“Eu me vi obrigado, no final do ano passado, a enviar um bilhetinho pessoal a um velho conhecido, dos tempos das jornadas sindicais do ABC. Esse meu conhecido tinha ido a um programa de tevê e, de passagem, fez comentários a meu respeito e sobre o Brasilinvest que não correspondem à verdade e não fazem jus à sua inteligência.

Sentei e escrevi: “Lula…” Achei que tinha suficiente intimidade para chamá-lo assim, embora, no envelope, dirigido ao Congresso Nacional, em Brasília, eu tenha endereçado, solenemente: “A Sua Excelência, Sr. Luiz Ignácio Lula da Silva”. Espero que o portador o tenha reconhecido, por trás daquelas barbas.

No bilhete, tentei recordar ao constituinte mais votado de São Paulo duas ou três coisas do passado, que dizem respeito ao mais ativo líder metalúrgico de São Bernardo: ele próprio, o Lula. Não sei como o nobre parlamentar, investido de novas preocupações, anda de memória. Não custa, portanto, lembrar-lhe. É uma preocupação justificável, pois o grande líder da esquerda brasileira costuma se esquecer, por exemplo, de que esteve recebendo lições de sindicalismo da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, ali por 1972, 1973, como vim a saber lá, um dia. Na universidade americana até hoje todos se lembram de um certo Lula com enorme carinho

Além dos fatos que passarei a narrar, sinto-me no direito de externar minha estranheza quanto à facilidade com que se procedeu à ascensão irresistível de Lula, nos anos 70, época em que outros adversários do governo, às vezes muito mais inofensivos, foram tratados com impiedade. Lula, não – foi em frente, progrediu. Longe de mim querer acusá-lo de ser o Cabo Anselmo do ABC, mesmo porque, ao contrário do que ocorre com o próprio Lula, eu só acuso com as devidas provas. Só me reservo o direito de achar estranho..

Lembro-me do primeiro Lula, lá por 1976, sendo apresentado por seu patrão Paulo Villares ao Werner Jessen, da Mercedes-Benz, e, de repente, eis que aparece o tal Lula à frente da primeira greve que houve na indústria automobilística durante o regime militar, ele que até então era apenas o amigo do Paulo Villares, seu patrão. Recordo-me de a imprensa cobrir Lula de elogios, estimulando-o, num momento em que a distensão apenas começava, e de um episódio que é capaz de deixar qualquer um, mesmo os desatentos, com um pé atrás.

Foi em 1978, início do mês de maio. Os metalúrgicos tinham cruzado os braços, a indústria automobilística estava parada e nós, em Brasília, em nome da Anfavea , conversando com o governo sobre o que fazer. Era manhã de domingo e estive com o ministro Mário Henrique Simonsen. Ele estivera com o presidente Geisel, que recomendou moderação: tentar negociar com os grevistas, sem alarido. Imagine: era um passo que nenhum governo militar jamais dera, o da negociação com operários em greve. Geisel devia ter alguma coisa a mais na cabeça. Ele e, tenho certeza, o ministro Golbery.

Simonsen apenas comentou, de passagem, que Geisel tinha recomendado que Lula não falasse naquela noite na televisão, como estava programado. Ele era o convidado do programa Vox Populi, que ia ao ar na TV Cultura-o canal semi-oficial do governo de São Paulo. Seria uma situação melindrosa. “Nem ele, nem ninguém mais que fale em greve”, ordenou Geisel.

Saí de Brasília naquela manhã mesmo, reconfortado pela notícia de que ao governo interessava negociar. Desci no Rio com as malas e me preparei para embarcar naquela noite para uma longa viagem de negócios que começava nos Estados Unidos e terminava no Japão. Saí de Brasília também com a informação de que Lula não ia ao ar naquela noite.

Mas foi, e, no auge da conflagração grevista, disse o que queria dizer, numa televisão sustentada pelo governo estadual. Fiquei sabendo da surpreendente reviravolta da história num telefonema que dei dos Estados Unidos, no dia seguinte. Senti, ali, o dedo do general Golbery. Mais tarde, tive condições de reconstituir melhor o episódio e apurei que Lula só foi ao ar naquele domingo porque no vai-não-vai que precedeu o programa, até uma hora e meia antes do horário, prevaleceu a opinião de Golbery, que achava importante, por alguma razão, que Lula aparecesse no vídeo. O general Dilermando Monteiro, comandante do II Exército, aceitou a argumentação, e o governador Paulo Egydio Martins, instrumentado pelo Planalto, deu o nihil obstat final ao Vox Populi.

Lula foi a peça sindical na estratégia de distensão tramada pelo Golbery – o que não sei dizer é se Lula sabia ou não sabia que estava desempenhando esse papel. Só isso pode explicar que, naquele mesmo ano, o governo Geisel tenha cassado o deputado Alencar Furtado, que falou uma ou outra besteira, e uns políticos inofensivos de Santos, e tenha poupado o Lula, que levantava a massa em São Bernardo. É provável que, no ABC, o governo quisesse experimentar, de fato, a distensão. Lula fez a sua parte.

Mais tarde, ele chegou a ser preso, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentou a ameaça de helicópteros do Exército voando rasantes sobre o estádio de Vila Euclides, mas tenho um outro testemunho pessoal que demonstra o tratamento respeitoso, eu diria quase especial, conferido pelo governo Geisel ao Lula- por governo Geisel eu entendo, particularmente, o general Golbery. Dois ex-ministros do Trabalho- Almir Pazzianotto e Murilo Macedo – podem dar fé ao que vou narrar.

Aí, já estávamos na greve de 1979, que foi especialmente tumultuada. O movimento se prolongava, a indústria estava parada havia quinze dias, e todos nós, exaustos, empresários e trabalhadores, tentávamos uma solução. Marcamos, no fim de semana, uma reunião na casa do ministro do Trabalho, Murilo Macedo, aqui em São Paulo.

Domingo , 8 da noite. O ministro, mais o Theobaldo de Nigris, presidente da Fiesp, dois ou três representantes de sindicatos patronais, eu, pela indústria automobilística, e a diretoria dos três sindicatos operários, o de São Bernardo, o de São Caetano e o de Santo André. Reunião sigilosa. Coisas do Brasil: como era um encontro reservado, a imprensa ficou sabendo. Chegou antes de nós.

Muita tensão, muito cansaço. E como o uísque do ministro era generoso, por volta das 2 da manhã tivemos a primeira queda. Literalmente, desabou sobre a mesa de negociações o deputado federal Benedito Marcílio, presidente do Sindicato de São Caetano, continuamos sem ele. Por volta das 4 e meia da madrugada , fechamos o acordo com Lula e com o outro (Pazzianotto servia como assessor jurídico do Sindicato de São Bernardo). Saem todos. Lula assume o compromisso de ir direto para a assembléia permanente em Vila Euclides, e desmobilizar a greve. O ministro do Trabalho, aliviado, ainda teve tempo de confidenciar: “Olha, se não saísse esse acordo, teria intervenção nos sindicatos”. Fomos dormir.

Quando acordei, disposto a saborear os frutos do trabalhoso entendimento, sou informado de que, de fato, Lula tinha ido direto para a assembléia. Como prometera. Chegou lá e botou fogo na massa. A greve iria continuar. Acho difícil que ele tenha feito de má fé. Sujeito maleável, sensível, ele deve ter percebido que o seu poder de persuasão sobre a assembléia não era tão amplo assim. Cedeu. Mesmo sabendo que as conseqüências se voltariam contra ele, como havia dito o ministro Murilo Macedo: intervenção no sindicato, ele afastado. Foi o que se deu.

Gostaria de lembrar ao Lula – que me trata como um desafeto – que sua volta ao sindicato, em 1979, começou a acontecer num escritório da Avenida Faria Lima, número 888, um dia depois da intervenção decretada. Ocorre que esse escritório era o meu e que ainda guardo uma imagem bastante nítida do Lula e do Almir Pazzianotto, sentadinhos nesse mesmo sofá que eu ainda tenho sob meus olhos, enquanto eu ligava alternadamente para o Murilo Macedo e para o Mário Henrique Simonsen, em Brasília.

- Se a intervenção acabar no ato, eu paro a greve – dizia Lula.

Eu transmitia o recado aos dois ministros que negociavam em nome do governo.

- Não é possível, o governo não pode fazer isso. Pára a greve que, em quinze, vinte dias, o sindicato estará livre – me respondiam, de Brasília.

Lula foi cedendo, aconselhado pelo Pazzianotto. Mas o acordo empacou num ponto:

- Como é que vou lá propor isso à peãozada, se não tenho nenhuma garantia de que o governo vai cumprir a promessa de acabar com a intervenção? – observou ele, cauteloso.

Confesso que também empaquei. Mas decidi arriscar:

- E se for eu o fiador? – perguntei. Era a única garantia que poderia oferecer.

- Como assim? – quis saber Pazzianotto.

- O seguinte: se o Lula não voltar ao sindicato, eu, na qualidade de presidente da Anfavea, vou ao público e conto esta história, dizendo que eu também fui ludibriado. Entro nisso com vocês.

Lula pensou um minuto:

- Aceito.

Liguei para o ministro Simonsen, para o Murilo Macedo, e, depois, para o Golbery, que prometeu: “Nós suspendemos a intervenção dentro de um mês e ele volta”.

A greve terminou. A intervenção foi suspensa em dez dias. Lula voltou à presidência do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, para se preparar para vôos mais ambiciosos, que eu ainda acompanho, à distância, com bastante interesse.

No programa de tevê que citei, Lula reclamava de o Brasilinvest não ter pago seus débitos. O Brasilinvest nunca deveu aos trabalhadores, nem aos contribuintes brasileiros. Naquele momento em que Lula falava, os únicos credores com os quais os Brasilinvest ainda não tinha resolvido todas as suas pendências eram uns poucos bancos estrangeiros. Curioso que o presidente do Partido dos Trabalhadores tomasse as dores de banqueiros internacionais.“


Dora Kramer fragmento de artigo publicado no Jornal do Brasil, 18 de agosto de 2004:

“O sindicalista Lula – ao contrário do que parece - não se absteve de estudar. Há relatos – nunca desmentidos – de sua preparação em cursos de AFL CIO, as centrais sindicais norte-americanas, quintessência do peleguismo e do anti-esquerdismo em geral e na John Hopkins University, em Baltimore, Estados Unidos (em 1972 ou 73), onde teria feito um curso de liderança sindical, desenhado sob medida para parecer de esquerda, apenas parecer, mas servir ao sistema dominante. Merece um doutorado honoris causa, ou seria horroris causa? E, além disso, já como diretor do sindicato dos Metalúrgicos, cursou o Instituto Interamericano para o Sindicalismo Livre, (Iadesil), sustentado pela CIA e passou a adotar sua própria “agenda”, livrando-se do próprio irmão, o Frei Chico, quadro do Partido Comunista.”


Da entrevista do ex-deputado Sinval Boaventura ao Jornal Opção na edição de 22 a 28 de janeiro de 2006. (Foto: Golbery)

“Repórter: É verdadeira a história de uma reunião na casa do então deputado Simões da Cunha, na qual a deputada Ivete Vargas teria contado que saíra de um encontro com o general Golbery e este revelou que ia projetar o sindicalista Lula para ser o anti-Brizola ?

Sinval Boaventura: A Ivete Vargas* disse que tinha estado com o ministro Golbery, na chácara dele, e que ele dissera que precisava trazer o Brizola para o Brasil, porque ele estava se tornando um mito muito forte fora do país. Que era melhor ele voltar e disputar eleição, porque assim perderia o prestigio politico. Fui ao Golbery e ele confirmou a conversa com a Ivete. Explicou que sua estratégia era estimular a imprensa para projetar o Luiz Inácio da Silva, o Lula, um grande lider metalúrgico de São Paulo como uma liderança inteligente expressiva, para ser preparado como o anti-Brizola. Sou testemunha deste tese do general Golbery. “

*Ivete Vargas cujo marido trabalhava para Golbery, em 1979 presidiu uma das facções que disputaram o controle da sigla do PTB, com o grupo de Leonel Brizola, e finalmente, em 1980, por decisão do TSE, ganhou a disputa, e se tornou a Presidente Nacional do Novo PTB. Um novo PTB, governista, criado exclusivamente para enfraquecer Brizola.

Da entrevista de Jarbas Passarinho de 2008 na Terra Magazine:

Terra Magazine – As vitórias de FHC e Lula, um intelectual e um operário, podem ser consideradas uma herança de 68?

Jarbas Passarinho – Do Fernando Henrique, sim. Porque, como disse o Delfim (Netto), ele foi auto-exilado. Ele saiu do Brasil como o Delfim dizia: com passaporte e bagagem despachada (risos).

Mas é um julgamento suspeito. FHC e Delfim não se dão bem…

Tanto ele como o (José) Serra. Todos os dois depois ficaram meus amigos. Esse (FHC) eu considero um subproduto direto. O Lula, não. Lula pode constar como do Golbery (do Couto e Silva, 1911-1987, general e fundador do SNI).

Golbery, por quê?

Golbery fez tudo para conquistar o Lula. E a mudança de posição do próprio Figueiredo foi quando Lula começou a fazer as greves. Entendia que ele fosse um êmulo de Gandhi, já que ele não tinha lido o (Henry David) Thoreau, mestre da desobediência civil. Ele não leu nada, então é isto. Mas Gandhi ele devia saber… Me lembro quando ele deu uma declaração à TV, não aceitando a decisão do Tribunal do Trabalho de São Paulo sobre a reposição salarial dos trabalhadores. Lula disse: “Não reconheço esse tribunal”. Me lembro bem. Era desobediência civil! Coloco bem diferente do resto, até porque a reação dele já foi quando todas as liberdades fundamentais estavam restabelecidas.

O senhor conversou com Golbery, alguma vez, sobre Lula?

Não. Minhas relações com Golbery foram difíceis. No final, como eu faço muito no meu estilo, quando ele se demitiu do governo, eu era ministro e fui visitá-lo. Aliás, fiquei impressionado porque era um sítio cheio de animais, a esposa dele gostava muito. E as estantes dele eram muito precárias do ponto de vista da madeira. Mas eram enormes, um pavilhão inteiro de livros. Com a vantagem de que eram livros que eu também tinha lido (risos). Ele não comprava a coisa por metro.

O governo militar estimulou a liderança de Lula?

Creio que a política sindical é tipicamente isso. Agora, cada vez mais, o líder sindical trabalha sempre pra ter as melhorias imediatas. Aqui e agora. Saiu numa publicação aí de São Paulo que os colegas do Lula ficaram decepcionados com as adesões ao governo. Foi todo mundo pescar na represa Billings (risos). Lula, do ponto de vista original, iludiu demais. E tem esse grupo da esquerda burocrática, ao mesmo tempo uma esquerda suave, como a do intelectual Fernando Henrique, que pediu pra esquecerem o que ele escreveu; porque o mundo mudou. Realmente, mudou muita coisa. O Fernando Henrique, pra chegar ao poder, veio apoiado pelo que hoje é o DEM.


‘Não sabia que Lula tinha derrotado os comunistas’

Em 1975, antes mesmo de tomar posse como governador, Paulo Egydio deu posse a Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

“Isso provocou uma reação da chamada comunidade de informações”, diz. Geisel teria perguntado “o que deu na cabeça” de Paulo Egydio. Ele explicou que Lula era adversário dos comunistas. Geisel relaxou: “Mas eu não sabia que ele tinha derrotado os comunistas”. Segundo Egydio, Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, manobrou para “atrair” Lula para a política.


Brasil, 2008

“Na comemoração dos 60 anos do grupo pão de açúcar [eu estive presente], a única coisa que se ouviu da ‘direita conservadora’ é a união do Brasil grande com Lula.

Está se formando na elite empresarial brasileira um pensamento de que o Lula é um homem que a elite pode confiar com segurança.

Empresários, banqueiros e ruralistas demonstraram ao Lula, pessoalmente, suas intenções e projetos de que o PT continue no governo por mais 8 anos.

O empresário Abílio Dinis, presidente do Grupo Pão de Açucar, foi pessoalmente se desculpar ao Lula pelo seu seqüestro em 1989 atribuído ao Lula e ao PT (o pedido de desculpa foi público). A imprensa de hoje já dá sinais de que o pedido de desculpas foi aceito e que, agora, vão em frente como aliados empresários e Lula].

O golpe que muitos temiam neste grupo da resistência e de militares não virá da esquerda e sim da direita e das elites corporativas.

Detalhe:

Havia muita gente da UDR e dos frigoríficos de carne bovina [setor a que eu pertenço] presente no encontro e todos, quase por unanimidade, estão embarcando neste projeto de ‘Lula mais 8 anos’,[DILMA!] no maior e mais rico estado da federação. Isto é um bom sinal do que poderá acontecer no futuro.

Rui Vicentini”


O que os empresários acham de Lula:

O mundo já deu tantas voltas nestes quase vinte anos que separam o seqüestro da festa dos Dinizque o dono do Pão de Açúcar não apenas convida Lula para ser uma das estrelas de seu jantar como lidera um grupo de empresários para um projeto pós-2010 em torno do presidente. De acordo com um interlocutor de Diniz, o grupo, do qual fariam parte também o empreiteiro Emílio Odebrecht, da Odebrecht, e Beto Sicupira, da InBev e amigo de Diniz, quer aproximar o presidente da gestão e do dia-a-dia das grandes empresas brasileiras depois que ele deixar o cargo.

“Esse grupo de empresários critica o hábito que os políticos brasileiros têm de deixar os cargos e fazer cursos nos EUA, ficando lá como bobos, sem nem entender direito inglês”, diz o amigo de Diniz. Eles acreditariam que Lula, mesmo tendo dirigido o país por oito anos, ainda teria o que aprender com as empresas brasileiras, muitas delas hoje multinacionais. A coluna tenta conversar com Diniz sobre o “projeto Lula pós-2010″. Ele sorri. A coluna insiste. E Diniz, sempre sorrindo: “Não posso comentar nada.”

O jantar do Pão de Açúcar reuniu tantos empresários e autoridades, como os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Dilma Roussef, da Casa Civil, entre outros -que foram mobilizados 30 agentes de segurança da Presidência da República, 20 batedores do aeroporto até o local do jantar, 20 agentes do Pão de Açúcar e mais seguranças da Casa Fasano para zelar pela tranqüilidade dos convidados. Cerca de 200 funcionários do Fasano serviam guloseimas como tartare de salmão envolto em papel de arroz, camarão em crosta de gergelim e vieiras com perfume de gengibre sobre risoto de pistache, mini-folhado de perdiz e papoula, vol-au-vent de camembert e damasco; para beber, espumante Valentim, nacional, feito em homenagem ao patriarca do Pão de Açúcar, Valentim Diniz, que morreu em março, aos 94 anos.


Lula já deu aos banqueiros 75 bilhões em duas semanas

O governo Lula já tirou mais de R$ 75 bilhões das reservas brasileiras, ou seja, dinheiro público, para aliviar os bancos da falência

9 de outubro de 2008

Apesar da imunidade fictícia criada pelo governo Lula, da interferência da crise financeira sobre o Brasil, somente nas duas últimas semanas foram despejados nos cofres dos banqueiros, nada mais, nada menos que R$ 75 bilhões. Este valor é o que já foi entregue para conter as falências dos bancos privados, mas a tendência é que a transferência de dinheiro público para os bancos seja ainda maior, pois o governo está preparando novas medidas para dar liberdade total para o Banco Central atuar na defesa incondicional de bancos e instituições financeiras.

O governo está prevendo repasse de R$ 5 bilhões para o setor da Agricultura. São outros R$ 10 bilhões para o Fundo da Marinha Mercante e R$ 15 bilhões a mais para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poder disponibilizar na forma de linhas de crédito.

O governo tirou a obrigação dos bancos de realizar os depósitos compulsórios, depósitos realizados no Banco Central, diariamente, pelas instituições. Com esta isenção, os bancos possuem mais dinheiro em caixa para assim evitar falta de liquidez. Foi aumentada de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões o valor que os bancos podem deixar de depositar a título de depósito compulsório. Somente esta medida fez com que os bancos tivessem à disposição para gastar, R$ 5,2 bilhões.

Ainda sobre os depósitos compulsórios o governo deu aos bancos a isenção do depósito em 40% para os bancos que comprarem carteiras de empréstimos de instituições que estiverem em crise. Com esta medida serão repassados para os bancos, mais R$ 23,4 bilhões. Ainda há a medida que adia o prazo de aumento da alíquota do depósito compulsório para as empresas que trabalham com leasing. Isso elevou o montante em mais R$ 8 bilhões.


José de Souza Martins*

Quem viu as fotografias e leu o noticiário sobre a visita do presidente Luiz Inácio a Palmeira dos Índios, em Alagoas, deve ter estranhado exuberantes elogios (além da carona no Aerolula) ao ex-presidente Collor, extensivos a Renan Calheiros, que teve problemas na presidência do Senado. A que se pode juntar os elogios e o empenhado apoio que nestes dias deu a José Sarney, presidente do Senado, enrolado na questão dos atos secretos de nomeações para funções naquela casa do Congresso.

REABILITAÇÃO – Em Alagoas, o presidente fala de Collor com ênfase, após lhe dar carona no Aerolula

O Lula e o PT de hoje são irreconhecíveis em face do que disseram que seriam, no manifesto de fundação do partido, em 1980. Eles se tornaram interessantes enigmas para a compreensão dos nossos impasses políticos, os de uma história política que avança recuando. Em discurso de 1980, na Escola Superior de Guerra, o general Golbery do Couto e Silva, militar culto, ideólogo do regime instaurado pelo golpe de Estado de 1964, deu indicações sobre a armação do futuro político do País e do lugar que nele vislumbrara para Lula. O discurso está centrado nos requisitos da segurança nacional e se refere ao âmbito da liberdade política que romperia a dependência de facções da oposição em relação à polarização da Guerra Fria.

Para ele, a redução da liberdade política criara uma rede de organizações extrapolíticas de oposição ao regime. A abertura se justificava como meio de fazer com que os partidos renascessem “na plenitude de sua função de partidos”, para que a política retornasse ao seu leito natural, forma de manter as oposições divididas. Dedica umas poucas palavras à “ala esquerdista da Igreja”, e é quando cita Lula enquanto membro de uma elite sindical de líderes autênticos, “sem revanchismo ideológico”. Lula “poderia ter sido” um desses líderes, diz Golbery, que se confessa desapontado com ele porque fora atraído “para as atividades mais políticas do que propriamente sindicais”.

Intuitivo e prático, tudo sugere que Lula aos poucos compreendeu o plano de Golbery melhor do que o próprio Golbery. Era evidente a orfandade das esquerdas, que culminaria com a queda do Muro de Berlim no fim de 1989. No Brasil essa orfandade se traduzia numa fragmentação tão extensa que Paulo Vannuchi, hoje secretário de Direitos Humanos, chegou a escrever utilíssimo manual que mapeia e lista todos os grupos partidários da esquerda clandestina, indicando a origem de cada um como fragmento de outro. Sem passar pela aglutinação de ao menos parte dessa esquerda fragmentária, Lula nunca teria conseguido a legitimidade propriamente política que o tornaria a personagem que é.

Assim como Golbery, Lula também compreendeu que a Igreja Católica estava dividida em consequência das inovações do Concílio Vaticano II e que nela havia uma importante facção, que ia de leigos a bispos, ansiosa por aliar-se às esquerdas com base no capital político das comunidades eclesiais de base. A Igreja tinha seus motivos, temerosa de ver-se repudiada por ponderáveis parcelas da população, vitimadas por notórias carências sociais. A primeira manifestação da Igreja em favor da reforma agrária fora em 1950 e viera de um bispo conservador da diocese de Campanha (MG), dom Inocêncio Engelke, que alude em sua carta pastoral ao risco de que o êxodo de trabalhadores rurais para a cidade os colocasse à mercê do proselitismo comunista. É evidente que essa Igreja também compreendeu que Lula era um personagem politicamente à deriva ao qual poderia aliar-se, como se aliou.

Operário qualificado e bem pago de multinacional, Lula compreendia que o sindicalismo da era Vargas se tornava obsoleto e agonizava, impróprio para a nova militância do entendimento e da mesa de negociação. O sindicalismo lulista era apenas o instrumento da nova realidade das relações laborais, divorciadas da concepção de classes sociais, tendente ao fortalecimento das categorias profissionais e setoriais. Longe, portanto, do mito da greve geral, a greve política, mais de confronto com o Estado do que com o capital, que era a estratégia dos comunistas, fortes no ABC operário. Lula e o PT serão decisivos na demolição da esquerda característica e histórica.

O carisma crescente de Lula, a figura mítica buscada pelas esquerdas órfãs e pelo catolicismo social, foi fundamental para o salto de modernização política representado pelo surgimento do PT (e também pelo PSDB, entre outros partidos), com a abertura política promovida pela ditadura no marco das concepções de Golbery. Lula e o PT cresceram, aglutinando o que nem sempre corretamente se autodefine como esquerda. O manifesto de 2002, pelo qual o PT realinha suas orientações ideológicas a favor de uma generosa aliança com o capital e com as multinacionais, bem como com os grupos políticos de origem oligárquica, representa o cume na construção de esquerda do partido e o início do processo de sua desconstrução de direita. Ainda antes das eleições presidenciais daquele ano, Lula, falando a usineiros de açúcar e fornecedores de cana de Pernambuco e da Paraíba, fez a crítica do socialismo e lhes prometeu benefícios de política econômica, o que resultou na imediata adesão de todos a sua candidatura.

Daí em diante, Lula no poder e o próprio PT foram descartando pessoas e facções internas à esquerda de sua opção conservadora. Foram descartando também as organizações que atuam como movimentos sociais, abandonando ou atenuando programas e projetos. Inicialmente, para trazer o apoio do latifúndio e do grande capital a sua pessoa e a seu governo. Depois, para agregar a sua base política o que de mais representativo há do remanescente oligarquismo brasileiro e da obsoleta, e não raro corrupta, dominação patrimonial.

O solidário e empolgado abraço de Lula, com sorrisos, nesses três aliados, emblemáticos senadores da República, é sobretudo um fraterno e decisivo abraço no retrocesso histórico e nos reacionários arcaísmos da política brasileira. O general Golbery achou que se enganara. Não se enganou.

Fonte:

http://internacionalpress.wordpress.com/2011/01/09/o-lula-secret

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Podres poderes - Caetano Veloso

Brasil intensifica protecionismo contra investimento estrangeiro

No dia 15 de setembro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um aumento de 30% nos impostos brasileiros sobre os automóveis. O valor foi alarmante, mas o propósito é um tanto familiar. Carros produzidos no Brasil, no México ou no Mercosul estarão isentos, e apenas importadores serão taxados. “O consumo brasileiro foi tomado por importados”, disse o ministro ao anunciar o imposto.

De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (ANFAVEA), a infraestrutura ruim e os altos custos do crédito e da força de trabalho tornaram os automóveis 60% mais caros no Brasil do que na China. A manufatura local dependeu de altas tarifas durante muito tempo. Os importados estão ganhando sua porção de mercado, de 16% das vendas de 2009 para 23% em 2011. A nova medida irá provavelmente reverter essa tendência, já que aumentará o preço dos importados em 25%.

O governo adotou pequenas medidas para ajudar as empresas locais. Em agosto, cortou o imposto sobre a folha de pagamento de alguns setores de trabalho intensivo. Mas em sua maior parte, tentou manter bens e capital estrangeiro afastados. Mantega diz que o Brasil está “sitiado” pelas importações. No mês passado, o governo distorceu as regras para favorecer os produtos locais. Em 2010, ele aumentou os impostos sobre o capital estrangeiro. Mantega quer que a Organização Mundial do Comércio (OMC) deixe que os países imponham tarifas em artigos importados de países que enfraquecem artificialmente suas moedas.

Essa abordagem desafiadora dá continuidade a uma prática de reescrever as regras para favorecer a economia local. Empresas estrangeiras só podem extrair petróleo nos recém-descobertos campos de pré-sal como parceiros juniores da Petrobras. Em breve, isenções de impostos tornarão os tablets nacionais um terço mais baratos que os importados, o que fará com que a Foxconn crie uma fábrica no Brasil para produzir iPads. O BNDES deixou de ser um tradicional emprestador de dinheiro para se transformar em um apontador dos principais nomes da indústria brasileira. Seu livro de empréstimos agora tem o dobro do tamanho do livro do Banco Mundial, e ele financia a compra de ações estrangeiras por empresas brasileiras.

Assim como o petróleo, a terra fértil está sendo tratada com um bem estratégico. No ano passado, assustado com a ideia de fundos estrangeiros e empresas estatais comprando largas extensões de terra, o governo ressuscitou uma lei de 1971, que limita a quantidade de terras rurais que podem ser compradas por estrangeiros. A lei, que havia sido rapidamente recuperada nos anos 1990, havia sido considerada incompatível com a nova constituição democrática e a economia aberta, e está sendo revista aos poucos: estrangeiros podem comprar um pouco mais sem restrições, e mais ainda se o governo considerar que a compra faz parte dos interesses nacionais. Mas não há previsão de uma nova lei. A Sociedade Rural Brasileira estima que US$ 15 bilhões em investimentos rurais estão sendo abandonados.

A força do novo clima protecionista pode ser medida pela disposição do governo em tolerar incertezas legais e danos colaterais. Mesmo sabendo que a lei era falha e atrapalharia o investimento estrangeiro necessário, o governo a trouxe de volta. Como ela limita o total de cada distrito que pode pertencer a estrangeiros, muitos cartórios estão evitando riscos e rejeitando todas as compras estrangeiras. Kory Melby, um consultor agrário, presta consultoria a estrangeiros sobre compras de terras no Brasil. Ele conta que ouviu vários clientes furiosos com negócios que agora “não servem para nada”.

As importadoras de automóveis estão planejando desafiar o aumento de impostos na OMC, e discutir se a possibilidade de evitar os impostos produzindo localmente não seria na verdade uma tarifa sobre importação camuflada. Seu grupo comercial tentará outra tática: ele diz que o governo foi obrigado a dar a notícia com 90 dias de antecedência, e não com um, como foi feito. Montadoras chinesas construindo fábricas no Brasil estão intensificando seu lobby, alegando que serão terrivelmente prejudicadas, já que a construção de uma fábrica leva anos. Estrangeiros com planos menos avançados devem considerar toda uma nova abordagem. (The Economist)

 
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