sĂ¡bado, 11 de fevereiro de 2012

HistĂ³ria: Linha de trem chega ao Contestado, expulsa caboclos e dĂ¡ inĂ­cio a uma guerra


Eles eram crianças quando, em 1912, tropas do ExĂ©rcito e agentes policiais desembarcaram nos sertões de Santa Catarina e ParanĂ¡ para combater seus pais, mĂ£es, tios e avĂ³s que pegaram em facões de pau e velhas espadas farroupilhas e julianas, num movimento contra o projeto de uma ferrovia em suas posses de terra e os desmandos de lideranças emergentes da RepĂºblica, proclamada duas dĂ©cadas antes.
Ă€s vĂ©speras do centenĂ¡rio da Guerra do Contestado, a maior rebeliĂ£o civil do PaĂ­s no sĂ©culo 20, que agitou o Sul entre os anos de 1912 e 1916, o Estado investigou o paradeiro das Ăºltimas testemunhas do conflito que deixou um saldo estimado de 10 mil mortos. Altino Bueno da Silva, hoje com 108 anos, Maria Trindade Martins, 105, e Sebastiana Medeiros, 102, foram localizados em porões de casas e barracos de bairros pobres, numa investigaĂ§Ă£o jornalĂ­stica de 12 meses, para dar a versĂ£o dos derrotados sobre os cem dias decisivos da vitoriosa campanha militar (dezembro de 1914 a abril de 1915) comandada pelo general Fernando Setembrino de Carvalho - o cerco, a tomada e a destruiĂ§Ă£o do reduto caboclo de Santa Maria, principal acampamento dos revoltosos, no atual municĂ­pio catarinense de TimbĂ³ Grande, a 400 quilĂ´metros de FlorianĂ³polis.

A luta sertaneja marcou uma Ă¡rea de 30 mil quilĂ´metros quadrados, maior que Alagoas e o Haiti, ainda hoje uma regiĂ£o tratada como "maldita" pelo Poder PĂºblico - as terras do Contestado, cercadas por cidades colonizadas por europeus e com padrões de primeiro mundo, apresentam Ă­ndices de desenvolvimento humano equivalentes a rincões pobres do Nordeste. É uma histĂ³ria de renegados em pleno Sul do Brasil.

As memĂ³rias de infĂ¢ncia de trĂªs brasileiros que sobreviveram a uma guerra militar e enfrentam a guerra da pobreza, ultrapassando cem anos de idade numa regiĂ£o onde a expectativa de vida Ă© inferior Ă  mĂ©dia nacional, foram confrontadas com todos os documentos militares que se tĂªm registro sobre o Contestado - duas mil pĂ¡ginas de relatĂ³rios e fotografias. As lembranças dos "meninos", que surgem lentamente, influenciadas durante anos pelos relatos de adultos, e os papĂ©is amarelados dos vencedores, retirados de caixas de um arquivo do Rio de Janeiro, usado pelos pesquisadores do tema, embora com suas versões distintas, compõem um mosaico de violações de direitos humanos que nĂ£o tinha sido visto desde o massacre das revoltas regenciais. A aproximaĂ§Ă£o entre o passado e o presente fica ainda mais nĂ­tida na anĂ¡lise das ações e prioridades dos governos em Santa Catarina, um Estado reconhecido por sua pujança econĂ´mica.

Prisioneiros. Em 1910, a Brazil Railway Company, subsidiĂ¡ria da holding Lumber Company, criada pelo empresĂ¡rio norte-americano Percival Farquhar, concluĂ­a a construĂ§Ă£o do trecho da ferrovia SĂ£o Paulo- Rio Grande do Sul no territĂ³rio disputado por Santa Catarina e ParanĂ¡, o Contestado. Quatro mil ex-detentos e miserĂ¡veis de Santos, Rio de Janeiro e SĂ£o Paulo recrutados para as obras foram demitidos e expulsos de cabanas de palha levantadas nas margens da estrada.

A Lumber conseguiu concessĂ£o do governo para explorar pinhos e imbuias nos 15 quilĂ´metros de cada lado da ferrovia. Os renegados engrossaram redutos formados por caboclos nativos que, por orientaĂ§Ă£o de monges andarilhos, pregavam nos desertos sulistas a chegada do exĂ©rcito celeste de SĂ£o SebastiĂ£o, chefiado por uma tropa de elite chamados de os "Pares de França", figuras de histĂ³rias medievais reproduzidos em folguedos de origem portuguesa e folhetins.

As "cidades santas", abertas em clareiras da mata do Planalto Catarinense, abrigavam ainda soldados "maragatos" opositores do governo Floriano Peixoto derrotados por tropas legais, de 1893 a 1895, e pequenos comerciantes e proprietĂ¡rios de terras opositores dos novos coronĂ©is da recĂ©m proclamada RepĂºblica. O Contestado foi uma aliança inesperada e explosiva do caboclo simples do oeste, do polĂ­tico derrotado e magoado do Rio Grande do Sul, do ex-presidiĂ¡rio e do braçal sem rumo do Rio de Janeiro e de SĂ£o Paulo. Brasileiros com qualidades, defeitos e dramas pegavam em armas. SĂ³ maquiados serviriam, mais tarde, de exemplo para grupos polĂ­ticos.

A guerra dos jagunços, como o conflito foi chamado pelos caboclos, ou dos fanĂ¡ticos, na designaĂ§Ă£o dos militares, nĂ£o teve relaĂ§Ă£o direta com a disputa entre os governos paranaense e catarinense pelo territĂ³rio dos campos de Irani e Palmas, uma Ă¡rea que poucos anos antes era reivindicada pela Argentina. Somente em tempos mais recentes que pesquisadores passaram a chamar a revolta de Guerra do Contestado.

O estopim da revolta ocorreu em 22 de outubro de 1912, quando o capitĂ£o JoĂ£o Gualberto Gomes de SĂ¡ Filho, do Regimento de Segurança do ParanĂ¡, na liderança de 50 homens a cavalo e 200 a pĂ©, atacou um grupo de caboclos que estavam em volta do monge JosĂ© Maria de Jesus, em Irani, Santa Catarina. Antes da batalha, no deslocamento atĂ© Irani, os militares tinham perdido sua principal arma, uma metralhadora "Maxim", durante a travessia de um rio. O prĂ³prio JoĂ£o Gualberto teria matado o monge, reconhecendo-o por um bonĂ© de pele de onça. O militar foi retalhado a facĂ£o pelos rebeldes.

Gualberto virou um novo Moreira CĂ©sar - oficial morto pelos conselheiristas de Canudos. A morte de Gualberto deixou em pĂ¢nico autoridades de Curitiba, FlorianĂ³polis e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a notĂ­cia da morte de JosĂ© Maria, no mesmo combate, correu pelos campos de araucĂ¡ria juntamente com a ideia de que o religioso ressuscitaria. Surgiam as "cidades santas", comandadas por "virgens" de 14 e 15 anos, que repassavam para os homens as "instruções" recebidas em visões do monge. A primeira delas foi Taquaruçu, organizada por um pequeno comerciante, EusĂ©bio Ferreira dos Santos. Uma neta dele, Teodora, dizia conversar todas as tardes com o monge JosĂ© Maria.

Aos poucos, o movimento exclusivamente religioso ganhou contornos de guerrilha. Era a luta dos pelados (caboclos) contra os peludos (militares). Os facões de guamirim, madeira dura encontrada na regiĂ£o, esculpidos no fogo eram substituĂ­dos por armas de aço tomadas de fazendeiros, soldados e oficiais em combates na Serra da Esperança, no oeste catarinense. Winchesters, revĂ³lveres e espadas usadas na RevoluĂ§Ă£o Farroupilha (1835-1840), na proclamaĂ§Ă£o da RepĂºblica Juliana (1839) e na RevoluĂ§Ă£o Federalista (1893-1895) voltavam a ser usadas em batalhas. As prĂ¡ticas da degola, do fuzilamento de prisioneiros e das mutilações de orelhas, assombrações das velhas guerras gaĂºchas, tambĂ©m foram reutilizadas.

A 12 de setembro de 1914, Setembrino de Carvalho assumiu o comando da 11ª RegiĂ£o Militar, com sede em Curitiba. Ele tinha por missĂ£o chefiar a operaĂ§Ă£o de massacre dos caboclos. Este caderno descreve a campanha de Setembrino. Entre o final de dezembro de 1914 e começo de abril de 1915, o Contestado viveu o auge da guerra. Dos 18 mil homens do ExĂ©rcito, sete mil estavam na regiĂ£o. A estimativa de dez mil mortos, levantada desde o fim do conflito, nĂ£o foi derrubada por novos estudos publicados. É praticamente o dobro de mortes registradas na Guerra de Canudos, na Bahia, em 1897.

Baixas. Uma anĂ¡lise de 76 relatĂ³rios da campanha do general Setembrino indica que, nos cem dias decisivos da guerra, cerca de 1.500 a 2 mil rebeldes morreram. A avaliaĂ§Ă£o sobre os nĂºmeros apresentados pelos comandantes nos documentos deve levar em conta as tentativas dos militares em dar um carĂ¡ter "Ă©pico" a suas ações e justificar o tamanho das tropas e a quantidade de armas e suprimentos para reprimir os caboclos. Em quatro anos de guerra, portanto, o nĂºmero de mortos pode ter sido bem inferior aos dez mil registrados em estudos.

Pesquisa. O Estado consultou 13 caixas de documentos militares produzidos durante a Guerra do Contestado. Mais de dois mil papĂ©is, fontes de livros produzidos sobre o episĂ³dio nos anos 1960 e 2000, e 87 fotografias foram reproduzidos e estĂ£o, agora, Ă  disposiĂ§Ă£o dos leitores e pesquisadores no portal estadĂ£o.com.br.

Documentos como a lista dos prisioneiros e de guias civis do ExĂ©rcito vĂªm a pĂºblico na Ă­ntegra pela primeira vez. TambĂ©m foram consultadas coleções de periĂ³dicos da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, e processos de terras dos cartĂ³rios de registros de Lebon RĂ©gis e Porto UniĂ£o, em Santa Catarina. As referĂªncias deste trabalho sĂ£o os livros "Lideranças do Contestado", de Paulo Pinheiro Machado, "Messianismo e Conflito Social", de MaurĂ­cio Vinhas de Queiroz, "Contestado, a Guerra Cabocla", de Aureliano Pinto de Moura, e "Guerra do Contestado: A OrganizaĂ§Ă£o da Irmandade Cabocla", de Marli Auras.

Foi a partir da anĂ¡lise do acervo militar, em especial do olhar das crianças prisioneiras retratadas em antigas fotografias, que a equipe do jornal percorreu cidades e povoados de Santa Catarina e do ParanĂ¡, num total de 8,5 mil quilĂ´metros de estradas, para colher a versĂ£o do "outro lado" da histĂ³ria e conhecer o legado deixado pelo conflito. Remanescentes da revolta e descendentes de caboclos que lutaram contra os militares dĂ£o sua versĂ£o ou apresentam o imaginĂ¡rio popular dos fatos descritos em documentos militares. Eles falam tambĂ©m da vida atual. As impressões sobre a realidade do Contestado e a coleta de histĂ³rias orais foram obtidas em cem dias de observaĂ§Ă£o e acompanhamento do dia-a-dia dos moradores e na anĂ¡lise das ações e repasses de verbas do governo para as cidades da regiĂ£o.

Os depoimentos dos primeiros prisioneiros de Santa Maria destacam a difĂ­cil situaĂ§Ă£o dos moradores do reduto, que enfrentam a tifo e a falta de comida. "Tem morrido muita gente de doença e muito pouco de bala", relatou o prisioneiro Jorge Pires do Prado, sem descriĂ§Ă£o de idade, a 3 de abril.

Outro prisioneiro, JosĂ© Ribeiro da Costa, de "cinquenta e poucos anos", fala que os rebeldes estavam se alimentando de couro cozido. "As famĂ­lias tĂªm muitas que nĂ£o saem do reducto porque nĂ£o deixam, que essas famĂ­lias jĂ¡ se alimentam de couro cosido", relata. Ele ressalta que um dos comandantes rebeldes, Joaquim, e seus homens "estĂ£o dispostos a morrerem antes que se entreguem". "Hoje, o plano do Joaquim Ă© nĂ£o atacar as forças federais e por isso, ele jĂ¡ pela aĂ§Ă§Ă£o da artilharia, retirou-se com seus homens para o pĂ© da serra, dentro do mato, e estĂ¡ esperando que as forças entrem no reducto para ataca-la pela retaguarda." O prisioneiro relata o suposto uso de crianças pelos rebeldes. "A criançada tem incumbĂªncia de fazer gritaria, que a muniĂ§Ă£o Ă© pouca e, alĂ©m disso, jĂ¡ os homens estĂ£o enfraquecidos pela fome", afirma.

Labirinto. Para localizar os "meninos" do Contestado, a equipe recorreu a cinco rĂ¡dios da regiĂ£o, sistemas de som de postes, blogs comunitĂ¡rios, pequenos jornais, comunidades religiosas e cartĂ³rios de registros civis. Foi nos cartĂ³rios tambĂ©m que estavam guardados documentos de terra e processos contra lĂ­deres rebeldes para complementar as informações colhidas no acervo do ExĂ©rcito.

Exército conclui extermínio dos 'defensores' da monarquia

Os lĂ­deres do movimento do Contestado defendiam uma monarquia que nĂ£o necessariamente era um regime de governo. Na visĂ£o dos rebeldes caboclos, a monarquia tinha elementos subjetivos e religiosos, observam pesquisadores. Mais que monarquistas, eles eram homens e mulheres descontentes com um novo regime, a RepĂºblica, que chegava Ă  regiĂ£o ao mesmo tempo em que uma grande companhia estrangeira tomava suas terras, coronĂ©is aumentavam seus poderes regionais e nĂ£o era mais possĂ­vel sobreviver com roças de subsistĂªncia.

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Os depoimentos dos prisioneiros destacam que a "monarquia" cabocla estava ligada Ă  religiĂ£o. O prisioneiro Innocencio Manoel de Mattos, 43 anos, que prestava serviço de guarda num acampamento de 250 "fanĂ¡ticos", na Serra dos Pinheirais, liderado pro InĂ¡cio de Lima, relatou: "O ideal daquele povo sĂ£o a restauraĂ§Ă£o da monarchia e a transformaĂ§Ă£o da religiĂ£o, sendo isto o assunto do dia entre elles, mesmo quando executavam as suas manobras gritando vivas Ă  monarchia e diversos santos, vivando tambĂ©m o nome de JoĂ£o Maria."

Um imigrante estrangeiro feito prisioneiro - situaĂ§Ă£o rara - destaca em seu depoimento que os rebeldes do reduto da ColĂ´nia Vieira pretendiam brigar atĂ© o Rio de Janeiro para instaurar a monarquia. O agricultor Pedro Zalcalugeme, que diz apenas ter nascido na Europa, ressaltou a disposiĂ§Ă£o dos caboclos. "Que querem elles? Dizem que monarchia. EstĂ£o convencidos que ela virĂ¡. Elles brigarĂ£o atĂ© o rio de Canoinhas, enquanto no Rio de Janeiro, se revoltarĂ£o, obrigando as forças a irem para lĂ¡. Por isso elles fazem questĂ£o de tomar Canoinhas e Papanduva, pois sĂ³ quando chegarem nesses dois pontos, repontarĂ¡ a revoluĂ§Ă£o no Rio. Quem os convence de tal? NĂ£o sei."

Zalgalugeme tambĂ©m comentou o problema da falta de alimentos e remĂ©dios. "Como passam e como se alimentam os moradores da ColĂ´nia Vieira? LĂ¡ hĂ¡ muita doença. NĂ£o hĂ¡ dia que eles nĂ£o venham buscar remĂ©dio com Stanislau que jĂ¡ os nĂ£o possue para o caso das doenças delles. Alguns, com os quaes falei, afirmam que a mortandade lĂ¡ Ă© medonha, pois, Ă© raro o dia em que nĂ£o haja mortes, tendo Ă©pocas de perderem 7 ou 8 diariamente."

Os rebeldes estavam em farrapos. "Relactivamente Ă  roupa - estĂ£o quase nus, as ultimas que arranjaram foi de um negociante que mataram em Papanduva, na vez que tomaram esse lugar. Quanto Ă  alimentaĂ§Ă£o, acham-se na misĂ©ria, sendo canjica seu Ăºnico alimento", ressalta. "Desde quando estĂ£o faltando recursos para a ColĂ´nia Vieira? Faz dois meses, nem tanto, que elles nada recebem, pois quem lhes fornecia tudo era aquele armazĂ©m que a estrada de ferro tinha no TimbĂ³ e do qual jĂ¡ fallei. Dizem que um tal coronel FabrĂ­cio, foi quem atacou o armazĂ©m e "esculhambou com elle"."



LĂ­deres da repressĂ£o foram 'lavar roupa suja' em pĂºblico

ApĂ³s a guerra, o general gaĂºcho Setembrino de Carvalho (1867-1947) voltou prestigiado para a capital federal. Os rumores de que tinha superfaturado preços de rações e munições se restringiam Ă  caserna. Ele foi nomeado ministro da Guerra pelo presidente Artur Bernardes (1922-1926), um dos governos mais criticados por violações de direitos humanos da RepĂºblica, por fuzilamentos de presos polĂ­ticos e bombardeios de Ă¡reas civis.

O coronel cearense Tertuliano de Albuquerque Potyguara (1873-1957) tentou levar adiante a imagem de oficial destemido e brilhante. Em 1918, embarcou para a Europa, onde se juntou ao 70º BatalhĂ£o de Caçadores do ExĂ©rcito FrancĂªs, que atuou Primeira Guerra Mundial. Foi ferido em combate. Na crise militar de 1922, num acalorado debate no Clube Militar, chamou de "cretino" o tenente Gwyer de Azevedo, adversĂ¡rio de seu grupo na instituiĂ§Ă£o. Azevedo rebateu: "Cretino Ă© Vossa ExcelĂªncia. NĂ£o estamos no Contestado, onde Vossa ExcelĂªncia mandava fuzilar a torto e a direita".

Potyguara sempre esteve ao lado do governo, ajudando a reprimir os movimentos revoltosos dos 18 do Forte e do movimento de 1924 em SĂ£o Paulo. Nesse ano, no Rio, perdeu um braço ao abrir uma correspondĂªncia com explosivo, enviada por um militar desafeto. Mesmo com apenas um braço, atuou na repressĂ£o aos paulistas que voltaram a pegar em armas contra o governo federal, em 1932. Potyguara chegou a general do ExĂ©rcito e foi eleito deputado federal pelo CearĂ¡, mas nĂ£o foi longe na vida pĂºblica e em cargos militares. Morreu em 1957, aos 84 anos.

O general Francisco Raul d´Estillac Leal passou o resto de seus dias tentando justificar o motivo de nĂ£o dar apoio ao "destemido" capitĂ£o Potyguara e nĂ£o obter sucesso na tomada de Santa Maria. Era criticado por jogar a culpa nos subordinados. Um de seus filhos, Newton Estillac Leal, foi ministro da Guerra nos anos de 1951 e 1952 do governo constitucionalista de GetĂºlio Vargas. Caiu apĂ³s uma forte campanha de setores da imprensa que o acusavam de acolher comunistas em seu gabinete e ser uma das vozes decisivas para Vargas nĂ£o mandar tropas para a Guerra da CorĂ©ia. Ao aceitar a demissĂ£o de Estillac Leal, Vargas admitia seu enfraquecimento e dava inĂ­cio ao processo de sua prĂ³pria queda, em 1954.


EmpresĂ¡rio norte-americano ficou milionĂ¡rio construindo ferrovias fantasmas

O empresĂ¡rio norte-americano Percival Farquhar foi o maior investidor estrangeiro no PaĂ­s no começo do sĂ©culo 20. Com dinheiro do governo brasileiro, ele lucrou construindo ferrovias fantasmas, como a Madeira MamorĂ©, em RondĂ´nia. Foi tambĂ©m idealizador dos projetos bem-sucedidos do porto de BelĂ©m e da estrada de ferro VitĂ³ria-Minas.

Ele conseguia fechar contratos com o governo por meio de uma rede de advogados e lobistas que incluĂ­a nomes de "vultos" da histĂ³ria, como Rui Barbosa. No ParanĂ¡ e Santa Catarina, Estados por onde passava os trilhos da ferrovia que foi o estopim da guerra do Contestado, Farquhar contratou advogados com poder polĂ­tico, como o vice-governador do ParanĂ¡, Affonso Camargo.

O contrato de concessĂ£o da ferrovia SĂ£o Paulo-Rio Grande do Sul previa que o governo pagaria a Farquhar por quilĂ´metro construĂ­do. O empresĂ¡rio, entĂ£o, teria excedido nas curvas, evitando a construĂ§Ă£o de pontes e tĂºneis. ApĂ³s a conclusĂ£o da ferrovia, Farquhar ergueu em TrĂªs Barras e Calmon, cidades hoje pertencentes Ă  Santa Catarina, um complexo madeireiro onde trabalhavam cerca de mil funcionĂ¡rios. Ele conseguiu do governo o direito de explorar as madeiras nos 15 quilĂ´metros de cada margem da ferrovia. No alojamento de TrĂªs Barras, ele instalou um cinema com o Ăºnico projeto de filmes do Sul do Brasil. Uma milĂ­cia monitorava os trabalhadores e recebia a tiros caboclos que ameaçavam destruir as instalações da madeireira.

Especulador nato do mercado financeiro, Farquhar começou a falir ainda em 1913, quando os combates entre militares e caboclos ainda nĂ£o vivia seu auge. O complexo madeireiro foi Ă  bancarrota em 1917, um ano depois do fim da guerra. O "monstro" criado no Contestado pelo empresĂ¡rio norte-americano se arrastou atĂ© os anos 1940, quando foi estatizado pelo presidente GetĂºlio Vargas. Farquhar morreu em 1953, aos 89 anos.

Fraudes atĂ© os anos 1940. Centenas de contratos de terras dos cartĂ³rios de Lebon RĂ©gis e Caçador, analisados pelo Estado, revelam que a madeireira Lumber fraudou processos de terras atĂ© os anos 1940, quando jĂ¡ tinha sido estatizada pelo governo Vargas. Os caboclos eram convencidos ou forçados por procuradores da empresa a passar para a Lumber a responsabilidade de legalizar no nome deles as posses de terras junto ao governo de Santa Catarina. Em troca, os caboclos passavam para a empresa o direito de explorar, por dez anos, as Ă¡rvores das glebas. No papel, os caboclos ficavam com a terra legalizada, mas tinham de ir embora para a entrada dos homens da companhia.

Um dos contratos analisados, de 17 de abril de 1942, foi firmado entre a Lumber e dois casais de agricultores, OlĂ­mpia e Augusto de Souza e Maria Ribeiro e Augustinho Borges, de Lebon RĂ©gis, entĂ£o distrito de Curitibanos. A Lumber foi representado por JoĂ£o Pacheco Sobrinho. Como pagamento pelo "serviço" de legalizaĂ§Ă£o, os colonos passavam para a companhia o direito de exploraĂ§Ă£o das posses por ocupaĂ§Ă£o primĂ¡ria de terras de domĂ­nio do Estado de Santa Catarina. Assim, a empresa poderia explorar "na gleba titulada, todas as Ă¡rvores de pinho, imbuia e cedro, com as descrições assinaladas e ao preço estipulado, na escritura". "As Ă¡rvores a que se refere a clĂ¡usula fixada ficam pertencendo em plena propriedade e irrevogavelmente Ă  outorgada, para os fins de sua exploraĂ§Ă£o industrial."

Em outro processo, do cartĂ³rio de Lebon RĂ©gis, de 20 de abril de 1942, a Lumber estipula o tamanho das Ă¡rvores que poderiam ser extraĂ­das das glebas legalizadas. Nesse contrato firmado com os posseiros VergĂ­lio Mariano, Manoel Ferreira de Jesus, Ibraim Cardoso dos Santos e JoĂ£o Raimundo de Almeida, a companhia estabelece que as Ă¡rvores deveriam ter uma altura mĂ­nima de um metro acima do solo e 15 polegadas inglesas de largura. O contrato garante, porĂ©m, que a companhia poderia explorar toda espĂ©cie "suscetĂ­vel de aproveitamento industrial" a seu "juĂ­zo".

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DocumentĂ¡rio:

TV ESTADĂƒO


90 anos da semana de arte moderna: Banquete canibal da modernidade

Imagem histĂ³rica com alguns dos mais cĂ©lebres participantes da Semana de Arte Moderna - Arquivo MIS/DivulgaĂ§Ă£o
Arquivo MIS/DivulgaĂ§Ă£o
Imagem histĂ³rica com alguns dos mais cĂ©lebres participantes da Semana de Arte Moderna

TrĂªs noites - 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 - deveriam definir hĂ¡ 90 anos a vocaĂ§Ă£o cosmopolita de SĂ£o Paulo, mas o cĂ©u estava nublado, fazia um calor insuportĂ¡vel (prĂ³ximo dos 30 graus) e a elite que patrocinou a Semana de Arte Moderna sofria com o desconforto das poltronas do Teatro Municipal, alugado em nome do empresĂ¡rio RenĂ© Thiollier por 847 mil rĂ©is. Mais interessados em fechar naquela semana a exportaĂ§Ă£o de 2 milhões de sacas de cafĂ© para a França do que propriamente provar que existiam no Brasil simulacros do futurista Filippo Tommaso Marinetti e do cubista Pablo Picasso, os fazendeiros e empresĂ¡rios que bancaram os modernistas tinham lĂ¡ seus motivos para gastar tanto dinheiro com um bando de poetas, mĂºsicos, pintores e escultores rebeldes, o mais novo com 24 anos (o pintor Di Cavalcanti) e o mais velho com 34 anos (o maestro Villa-Lobos). Um deles poderia ser o de desbancar o Rio como capital cultural e escancarar o potencial moderno de uma provĂ­ncia de taipa de pilĂ£o, ruas sem pavimento e apenas 20 mil telefones.

Ao sugerir como modelo a Semaine de FĂªtes de Deauville, elegante balneĂ¡rio francĂªs, Marinette Prado, mulher do cafeicultor Paulo Prado, patrono da Semana, devia ter em mente apenas um concorrido festival de mĂºsica, pintura e moda. PorĂ©m, eram outros os planos dos modernistas, inclusive do pintor Di Cavalcanti, tido como idealizador do evento. Havia muito de genuĂ­na rebeldia entre os protagonistas da Semana de 22 e igual dose de oportunismo, a ponto de um de seus mentores - o escritor Oswald de Andrade, dizem - encomendar uma claque para aplaudir alguns dos colegas e um coro de descontentes para vaiar o poeta carioca Ronald de Carvalho quando declamasse o poema Os Sapos, do pernambucano Manuel Bandeira, que satirizava os poetas parnasianos, comparando-os a batrĂ¡quios.

Coaxos, latidos e miados foram ouvidos no Municipal nesse segundo dia da Semana, que marcou o ano zero do modernismo no Brasil, analisado neste nĂºmero do SabĂ¡tico pelos professores JoĂ£o Cezar de Castro Rocha, Antonio Arnoni Prado e Elias ThomĂ© Saliba, pelo crĂ­tico musical JoĂ£o Marcos Coelho e o curador do Masp, JosĂ© Roberto Teixeira Coelho. Castro Rocha defende que Ă© hora de reconhecer que o modernismo nĂ£o começou com a Semana nem se limitou ao eixo Rio-SĂ£o Paulo. Arnoni Prado, com justa razĂ£o, lembra que o historiador SĂ©rgio Buarque de Holanda, embora sem haver participado da Semana, foi um modernista avant la lettre. Elegeu nĂ£o o espalhafato de Oswald, mas a seriedade de MĂ¡rio de Andrade como farol da modernidade (auto)crĂ­tica. De fato, Ă© sĂ³ ler o começo e o fim do PrefĂ¡cio InteressantĂ­ssimo de Pauliceia Desvairada (escrito em 1921 e publicado no ano seguinte) para dar razĂ£o a ele. MĂ¡rio inaugura com a obra o desvairismo, para seguir livremente a impulsĂ£o lĂ­rica, abjurando logo depois, no mesmo texto, a escola poĂ©tica que fundara. NĂ£o sĂ³ decreta sua morte como diz ao leitor que nĂ£o veio ao mundo para criar discĂ­pulos. Em arte, lembra ele, “escola Ă© igual Ă  imbecilidade de muitos para vaidade de um sĂ³”.

O recado parecia ter destinatĂ¡rio certo: o parceiro modernista de primeira hora - e depois desafeto - Oswald de Andrade, cuja obsessĂ£o era criar uma escola com discĂ­pulos canibais e obedientes aos seus mandamentos de devorar a cultura estrangeira, intenĂ§Ă£o finalmente revelada seis anos depois da Semana, no Manifesto AntropĂ³fago (1928). Ela foi a prĂ©-escola dos inconformistas de 22, decretando a ruptura com a estĂ©tica do passado (a poesia parnasiana, a pintura acadĂªmica) no templo da elite esclarecida, o Municipal, ruptura essa convenientemente selada com o dinheiro da alta burguesia e o talento dos escritores MĂ¡rio e Oswald, dos artistas visuais Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret e mĂºsicos como Villa-Lobos, entre outros. SĂ£o Paulo, que jĂ¡ era a locomotiva do Brasil, dominando 70% das exportações, fazia renascer o mito do bandeirante paulista para colonizar o resto do PaĂ­s. E Paulo Prado assumia, finalmente, seu papel nos bastidores da Semana. Seis anos depois, quase que simultaneamente ao lançamento do Manifesto AntropĂ³fago de Oswald, Prado definiria o brasileiro, em seu livro Retrato do Brasil (relançado e comentado nesta ediĂ§Ă£o por Elias ThomĂ© Saliba), como um povo triste, filho da luxĂºria, da cobiça e do romantismo.

MĂ¡rio de Andrade, evidentemente, chegou a um perfil diferente, mais prĂ³ximo e fiel do brasileiro em seu livro MacunaĂ­ma. No entanto, os bandeirantes modernistas de 1922 nĂ£o estavam lĂ¡ tĂ£o interessados nessa questĂ£o de identidade ao organizar a Semana. NoSuplemento LiterĂ¡rio do Estado, em 17 de fevereiro de 1962, Di Cavalcanti, ao comentar os 40 anos do evento, garante que a Semana surgiu de uma conversa entre ele, Guilherme de Almeida e o livreiro Jacinto Silva na livraria do Ăºltimo. NinguĂ©m falava em antropĂ³fagos e canibais, mas em copiar, sem pudor, o SalĂ£o dos Independentes dos franceses. Graça Aranha, diplomata esperto e um ano mais velho que Paulo Prado, entĂ£o com 52 anos, tinha outros interesses - mais exatamente, a irmĂ£ de Prado, NazarĂ© - e era um acadĂªmico, autor de CanaĂ£, sobre dois colonos alemĂ£es com visões diferentes do mundo. O clĂ¡ssico nĂ£o Ă© o tipo do livro que modernos levariam para uma banquete antropofĂ¡gico, atĂ© mesmo porque a obra sincrĂ©tica de Aranha patina entre o idealismo de Tolstoi e o realismo francĂªs.

É certo que CanaĂ£ foi publicado 20 anos antes da Semana, mas tentativas como essa de discutir o Brasil da miscigenaĂ§Ă£o de raças, usando como modelo a literatura (e a filosofia) dos europeus, jĂ¡ recebiam crĂ­ticas bem antes da Semana de 22. Em 1917, Monteiro Lobato, por exemplo, condenou a importaĂ§Ă£o caricatural de estilos pictĂ³ricos em voga na Europa por Anita Malfatti (no artigo A PropĂ³sito da ExposiĂ§Ă£o Malfatti, publicado no Estado em 20 de dezembro de 1917, depois rebatizado por ele, em livro, de Paranoia ou MistificaĂ§Ă£o). Lobato, que nĂ£o era avesso Ă  modernidade (contratou o serviço de ilustradores modernos em sua editora, publicando posteriormente um livro de Oswald com capa de Anita), considerava que a pintura de Malfatti era falsamente revolucionĂ¡ria, por replicar o expressionismo alemĂ£o e outras escolas europeias. MĂ¡rio de Andrade discordou. Comprou O Homem Amarelo (1915-7), uma das telas que voltariam a ser expostas na Semana, no Municipal.

No fundo, Lobato nĂ£o deixava de ter razĂ£o. Assim como Anita, Tarsila foi tocada pelo discurso antropofĂ¡gico de Oswald, idealizando o Brasil mestiço com as cores dos fauvistas franceses para se converter, apĂ³s 1930, ao mais rudimentar realismo socialista e acabar pintando murais religiosos e casinhas caipiras. Anita abjurou seu passado modernista e chafurdou na pintura ingĂªnua. Di Cavalcanti, Ă³timo desenhista, intuitivo e vanguardista mesmo antes de 22, morreu pintando mulatas saĂ­das de um molde Ăºnico. Brecheret esqueceu as lições de Arp, Brancusi e Metrovic: acabou esculpindo cavalos e militares.

Ao falar da Semana de Arte Moderna 20 anos depois, numa palestra aos estudantes da Faculdade de Direito, em SĂ£o Paulo, MĂ¡rio de Andrade disse que estava delirando quando recitou versos no Municipal e que o movimento modernista foi aristocrĂ¡tico e destruidor. No entanto, mesmo que o escritor nĂ£o tenha vivido para atestar sua ressonĂ¢ncia (ele morreu trĂªs anos depois da conferĂªncia), certo Ă© que movimentos como o Tropicalismo, nos anos 1960, agregaram mĂºsicos (Caetano, Gil), artistas plĂ¡sticos (Oiticica, Gerchman), diretores de teatro (ZĂ© Celso) reverentes ao Manifesto AntropĂ³fago de Oswald. MĂ¡rio estava certo: Ă© na Ă¡rea de pesquisa estĂ©tica da cultura nacional que a Semana sobrevive no outono de sua rebeldia.

Mercadante quer dar bônus para escola que alfabetizar aluno de até 8 anos

HĂ¡ menos de duas semanas no cargo de ministro da EducaĂ§Ă£o, Aloizio Mercadante chegou Ă  conclusĂ£o de que a escola nĂ£o estĂ¡ “interessante”. Isso explicaria parte do fato de 3,8 milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos estarem fora da escola, segundo dados divulgados no inĂ­cio da semana pela ONG Todos pela EducaĂ§Ă£o. Em entrevista ao Estado, o ministro anunciou que discute o pagamento de bĂ´nus para as escolas que alfabetizarem todos os alunos atĂ© 8 anos. Essa seria sua prioridade na pasta.

Para Mercadante, ensino mĂ©dio Ă© o maior nĂ³ - Beto Barata/AE
Beto Barata/AE
Para Mercadante, ensino mĂ©dio Ă© o maior nĂ³

Para evitar que a primeira prova do Exame Nacional do Ensino MĂ©dio (Enem) sob seu comando nĂ£o se transforme em nova crise, Mercadante disse que trabalha para aumentar o banco de questões da prova, atualmente com cerca de 6 mil questões - um dĂ©cimo do mantido nos EUA. Para ele, ainda hĂ¡ risco logĂ­stico na prova. A seguir, a entrevista:

O sr. assumiu o cargo anunciando a distribuiĂ§Ă£o de tablets para professores do ensino mĂ©dio. Mas como pretende cumprir o compromisso assumido pela presidente Dilma Rousseff na campanha de erradicar o analfabetismo? Quase 10% dos jovens e adultos nĂ£o sabem ler nem escrever um bilhete simples.

A leitura, a redaĂ§Ă£o e as primeiras contas sĂ£o um direito civilizatĂ³rio. É um objetivo que estamos perseguindo jĂ¡ hĂ¡ algum tempo e tardiamente, porque o PaĂ­s estĂ¡ muito atrasado no processo educacional. Nossa prioridade vai ser alfabetizar na idade certa, ou seja, reverter essa tendĂªncia do analfabetismo funcional.

É muito mais inteligente resolver na idade certa que fazer programa de recuperaĂ§Ă£o depois. E muitas dessas crianças, que vĂ£o seguindo sem ler ou escrever, vĂ£o abandonar a escola. Estamos concluindo um programa amplo, focando dos 6 aos 8 anos. Precisamos de um programa que motive as prefeituras para colocar os melhores professores nas salas de aulas, que haja bĂ´nus nesse processo para o desempenho da escola e um processo de monitoramento, com avaliaĂ§Ă£o pedagĂ³gica.

Como vai ser o bĂ´nus?

Bônus para as escolas que atinjam os resultados. É um tema que estamos amadurecendo. Se a escola consegue todas as crianças alfabetizadas na idade certa, temos de valorizar essa conquista. Tem de ser um grande esforço nacional.

E o que fazer com o estoque de analfabetos jovens e adultos que diminui lentamente, quase imune aos gastos do Programa Brasil Alfabetizado?

TambĂ©m Ă© muito importante que a criança frequente a prĂ©-escola. E estamos com um problema. O governo antecipa o pagamento para as prefeituras, mas as creches estĂ£o demorando de dois anos a dois anos e meio para ficarem prontas. E o tempo das crianças Ă© agora. Estamos acelerando uma pesquisa sobre novos meios construtivos, estrutura prĂ©-moldadas, abrir opĂ§Ă£o para os prefeitos, com custo competitivo, fazer algum tipo de pregĂ£o eletrĂ´nico de serviços de engenharia. Se a gente resolver a entrada, com um programa pedagĂ³gico forte, nĂ£o carregaremos essa herança que carregamos hoje.

Resta o jovem adulto analfabeto nas grandes metrĂ³poles. Vai dar para tirar do papel a meta de erradicar o analfabetismo?

Temos de ser realistas: eleger prioridades e saber o que Ă© uma herança muito antiga. É muito mais fĂ¡cil construir um programa de alfabetizaĂ§Ă£o em parceria com indĂºstria que no interior. A presidente tem uma forma de ver a questĂ£o das metas que eu compartilho. Ela diz que sempre precisamos estabelecer metas como quem lida com arco e flecha: mira um pouco mais acima para acertar o alvo. A meta assumida pelo governo em Dacar Ă© chegarmos a 2015 com 6,7% de jovens e adultos analfabetos - temos 9,6%.

O Plano Nacional de EducaĂ§Ă£o prevĂª a prova nacional de docentes. Isso vai esperar a votaĂ§Ă£o do projeto no Congresso?

Vamos fazer neste ano, acho que a ideia estĂ¡ bem amadurecida. Pretendemos que essa prova ajude a motivar professores para trabalhar em municĂ­pios de baixo desempenho na educaĂ§Ă£o e em Ă¡reas de risco. Seria uma oportunidade para atrair bons professores para essas Ă¡reas. É isso que vai mudar a qualidade da educaĂ§Ă£o.

O sr. mudou o eixo do programa de inclusĂ£o digital nas escolas ao anunciar a distribuiĂ§Ă£o de tablets para professores do ensino mĂ©dio. O programa de distribuiĂ§Ă£o de laptops a alunos foi abandonado, como sugere o estudo encomendado pela Secretaria de Assuntos EstratĂ©gicos (SAE)?

O Brasil Ă© o terceiro paĂ­s onde mais se vende computadores. Para a parcela da populaĂ§Ă£o mais pobre, a Ăºnica opĂ§Ă£o de acesso verdadeiro Ă© a escola. NĂ£o queremos um apartheid digital, como tivemos um apartheid educacional no passado. Tanto hĂ¡ uma demanda por inclusĂ£o digital que as lan houses da periferias estĂ£o entupidas de jovens, que entram nas redes sociais sem usar todo o potencial dos computadores. É indispensĂ¡vel que a escola se modernize. O arranjo social da escola e o quadro negro sĂ£o do sĂ©culo 18, os professores, do sĂ©culo 20 e os alunos, do sĂ©culo 21. NĂ³s, que somos do sĂ©culo 20, somos imigrantes digitais, viemos de uma cultura analĂ³gica. A reflexĂ£o internacional demonstra que o computador na escola deve começar pelo professor.

O ensino mĂ©dio Ă© o maior nĂ³ em termos de evasĂ£o escolar. NĂ£o dĂ¡ para o Brasil se acomodar com uma manchete que diz que 3,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estĂ£o fora da escola. E estĂ£o fora da prĂ©-escola e do ensino mĂ©dio. De um lado, porque nĂ£o alfabetizou plenamente. O aluno perde a motivaĂ§Ă£o e a capacidade de acompanhar, porque a escola nĂ£o estĂ¡ interessante e porque o mundo do trabalho estĂ¡ aquecido.

E como podemos reagir de forma rĂ¡pida? Dando tablet para o professor e conteĂºdo para ele preparar as aulas.

Uma questĂ£o mais urgente: como o sr. pretende blindar a prĂ³xima ediĂ§Ă£o do Enem de mais uma crise?

O Brasil precisa ter convicĂ§Ă£o de que nenhum paĂ­s desenvolvido deixa de usar instrumento semelhante ao Enem. Os Estados Unidos tĂªm hĂ¡ 85 anos um exame nacional. A China tem um exame que o aluno pode fazer uma Ăºnica vez na vida. Alemanha, ItĂ¡lia, França e GrĂ£-Bretanha tĂªm prova uma vez por ano. O Enem Ă© critĂ©rio de meritocracia num Estado republicano, especialmente entre os mais pobres. Houve aprimoramento ao longo desses anos, como a superaĂ§Ă£o de grandes desafios logĂ­sticos de uma prova para 5,4 milhões de alunos. O Brasil nĂ£o tem culpa de ser tĂ£o grande. E hĂ¡ riscos na logĂ­stica.

Mas como evitar mais uma ediĂ§Ă£o problemĂ¡tica?

Precisamos de um banco com um volume grande de questões. Nos EUA, hĂ¡ mais de 100 mil questões. Eles podem fazer sete vezes por ano, porque seleciona na hora as questões. Quando tivermos banco amplo, o risco acabarĂ¡. É tanta questĂ£o a que vocĂª teria de ter acesso que o Ăºnico caminho Ă© estudar. A segunda questĂ£o sĂ£o as redações. Precisamos aprimorar o critĂ©rio de correĂ§Ă£o, para que tenhamos mais segurança na avaliaĂ§Ă£o, pois sempre hĂ¡ componente subjetivo. Essas sĂ£o as duas frentes mais importantes em que estamos trabalhando. (AE)

 
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