segunda-feira, 8 de julho de 2013

Embora tardiamente a Dilma reagiu ao grampo sendo realizado pelos EUA, um atentado criminoso contra a nossa soberania, mas o ministro da Comunicação Paulo Bernardo suspeitamente tenta relativizar a agressão

Dilma reage a grampo, mas Bernardo
já arranja desculpas para não agir

7 de Jul de 2013 | 
A reação da Presidenta Dilma Rousseff, hoje, em reunião convocada logo cedo no Planalto, foi a de exigir imediatas explicações do Governo americano sobre o esquema denunciado por Edward Snowden que permitiu à National Security Agency– NSA, um serviço secreto americano – espionar mensalmente mais de dois bilhões de comunicações telefõnicas e cibernéticas no Brasil.
Dilma mandou o Ministro Antonio Patriota interpelar os EUA tanto pela embaixada em Washington quanto chamndo o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, imediatamente. E o Itamaraty soltou uma nota oficial onde manifesta “grave preocupação a notícia de que as comunicações eletrônicas e telefônicas de cidadãos brasileiros estariam sendo objeto de espionagem por órgãos de inteligência norte-americanos”.
As demais providências exigidas pela Presidenta, entretanto, correm sério risco de serem inócuas.
Ela determinou, ainda, que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, coloque a Polícia Federal no caso, o que, como todos sabem, não vai resultar em nada.
Menos ainda vai adiantar a ordem para que o Ministro das Telecomunicações, no âmbito dos seus deveres, investigue o caso junto às teles.
Paulo Bernardo já saiu da reunião arranjando desculpas para o “grampo americano”. Primeiro,  disse que não acredita que a espionagem tenha sido feita no Brasil, apesar de os documentos e informações serem claros sobre a cooperação – não se sabe se voluntária – das empresas de telefonia instaladas no Brasil e disse que era provável que tivesse sido feita através dos cabos submarinos. Depois, falou que “a internet é comandada por uma empresa americana sediada na Califórnia.
Ou seja, “não é comigo”.
Ah, mas  melhor (na verdade, a pior) foi dizer que vai colocar a Anatel – será que pelo0800? – no caso, indagando das teles “brasileiras” se elas tem algum acordo de cooperação grampeatória com empresas americanas. Santa ingenuidade, Batman.

Não sei, porém, e não posso informar aos leitores se Paulo Bernardo  anotou o número do protocolo da reclamação.
Mais uma que vai ter de ser com Dilma, pessoalmente, se ela quiser que aconteça algo.
Por: Fernando Brito (Tijolaço)
Mais:

Os EUA sempre espionando o Brasil. Fato antigo, mas sempre atual e em pauta: "Os EUA grampearam o Alvorada" - Carta Capital (24/3/04)

A hora da autópsia
Carlos Costa, que chefiou o FBI no Brasil por quatro anos, fala sobre ordens dos Estados Unidos para “monitorar” o País e relata: como os EUA “compraram a Polícia Federal”, o terrorismo, o atentado tramado na Tríplice Fronteira, a bomba atômica que planejavam detonar em Washington.

SUPLEMENTO COMEMORATIVO DO GOLPE DE 64 – CAPÍTULO 1 –
NO BRASIL E NO MUNDO, O FBI & CIA.


Confira na edição impressa a entrevista completa com Carlos Costa

Almada, do outro lado do rio Tejo e de Lisboa, duas horas da madrugada de 31 de março de 1968. No segundo andar de sua mansão, Antonio da Fonseca Costa, chefe da temível Polícia Internacional da Defesa do Estado, a PIDE, do ditador António de Oliveira Salazar, sacode o filho:
– Acorda, Carlos, acorda, rápido!

Órfão da espanhola Faustina Luengo Mendez, morta por uma leucemia aos 47 anos quando o filho mal chegara aos 7, Carlos Alberto Costa se levanta às pressas, assustado.

Carlos não entende por que o pai recolhe alguns poucos pertences familiares e os amontoa com roupas em duas malas; junto a uma dúzia de garrafas de vinho do Porto de mais de 100 anos. Com um militar amigo ao lado, o chefe da PIDE e o filho partem para o aeroporto de Lisboa. De lá, num avião militar, embarcam para Madri.

Trinta e seis anos depois, na sacada do Iate Clube, em frente à Baía de Todos os Santos, dia nublado no verão de Salvador, Carlos Costa recorda-se da última madrugada da sua infância em Portugal, e dos condutores da fuga:

– Acho que foi a CIA quem nos ajudou até Madri, dias depois fomos para os Estados Unidos... 

O chefe da PIDE havia se tornado um dissidente. Antonio Costa, que recebia o ditador Salazar para almoços e jantares em Almada ou em sua casa de campo em Palmela, vizinha a Setúbal, antevia que os tempos mudariam; não seria possível prosseguir por muito tempo com seqüestros e prisões a cada vez que um vizinho acusasse outro de ser comunista ou antigoverno.

Quatro anos depois, em Cumberland, Rhode Island, Estados Unidos, Antonio da Fonseca Costa morria de câncer, e exaustão; turnos de 12 horas, noites e madrugadas adentro em fábricas de vergalhões, sempre fumando. Morreu paupérrimo. O filho, Carlos, trabalhou dos 18 aos 20 anos até pagar, ao mesmo tempo em que custeava os estudos, US$ 5 mil das despesas do funeral.

Por seis meses, no café da manhã, almoço e jantar, Carlos Costa faria suas refeições à base de um único prato: Corn Flakes e leite.

Carlos Costa tem hoje os mesmos 49 anos que tinha o pai quando deixou a PIDE e Portugal. Carlos acaba de se aposentar. De 1999 ao fim de 2003, foi o poderoso chefe do FBI no Brasil. Como o pai, ao recusar-se a obedecer a toda e qualquer ordem ele construiu uma dissidência, agora revelada.

Em 2001, num jantar no restaurante Antiquarius, em São Paulo, marcado a seu convite e com uma testemunha, Carlos assim se apresentou:

— Sou o chefe do FBI aqui. Sei o que você tem escrito sobre os nossos serviços secretos no Brasil, mas saiba que estamos aqui oficialmente e não vamos agir à margem da lei...

As leis no Brasil, como veremos na devastadora entrevista que se segue, tornam-se inacreditavelmente elásticas, complacentes, a partir da ação, ou omissão, por vezes criminosa, do próprio Estado.

Em 16 de dezembro último, procurado por CartaCapital, Carlos concedeu a primeira de uma série de entrevistas que totalizam oito horas, a se contarem apenas as gravações, feitas em São Paulo, Salvador e Brasília.

Em trechos dessa longa conversa, além do surpreendente e raro fato em si mesmo de um agente de um serviço secreto dos EUA abrir a boca – ainda mais um chefe do FBI com acesso a documentos classificados no mais alto nível –, Carlos Costa atira para dentro e para fora do Brasil.

Ele, que por três anos no governo Fernando Henrique e dez meses no governo Lula comandou o FBI, e na embaixada dos Estados Unidos acompanhou ações dos colegas da Drug Enforcement Administration (DEA), Central Intelligence Agency (CIA), US Customs, NAS e outros “Serviços”, como se autodenominam os agentes secretos, começa por dizer, sem meias palavras: 

— A vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós há anos. (...) Foi comprada por alguns milhões de dólares. (...) Os Estados Unidos compraram a Polícia Federal...

Carlos, cidadão norte-americano nascido em Portugal, fluente em inglês e espanhol, fala português com sotaque lusitano. Fonética, sintaxe e a lógica exata dos portugueses.

Tome-se essa informação em conta na leitura das respostas às perguntas deCarta Capital sobre a instrução, ordem de Washington, para que serviços secretos grampeassem o Palácio da Alvorada e o Itamaraty.

Pela primeira e única vez em muitas horas e dias de conversa, Carlos Costa, sempre bem-humorado, relaxado, fica tenso. Pára, pensa e, visivelmente surpreso, responde com uma pergunta:

— Me diga o que você sabe, como soube disso? 

A ENTREVISTA COMPLETA:

Os EUA grampearam o Alvorada

Por IBGF/Bob Fernandes

CartaCapital: Você chefiou o FBI no Brasil? Por quanto tempo?
Carlos Alberto Costa: Chefiei o FBI no Brasil. Por quatro anos, até quase o final do ano.

CC: Como eram, são, as relações dos serviços secretos dos Estados Unidos com as polícias do Brasil? CAC: Você se refere à polícia de vocês ou à comprada por nós?

CC: Comprada?
CAC: Sim, comprada. Nossas agências doam milhões de dólares por ano para a Polícia Federal, há anos, para operações vitais. No ano passado, a DEA doou uns US$ 5 milhões, a NAS (divisão de narcóticos do Departamento de Estado), também narcóticos, uns US$ 3 milhões, fora todos os outros. Os Estados Unidos compraram a Polícia Federal. Há um antigo ditado, e ele é real: quem paga dá as ordens, mesmo que indiretamente. A verdade é esta: a vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós. Os vossos governos parecem não dar importância à Polícia. Não sei se é herança da ditadura, quando a Polícia era malvista, mas isso é incompreensível. A Polícia, que deve ser uma entidade independente da política, independente de influências internas e externas, está, na prática, em mãos de estrangeiros.

CC: Isso se refere a todas as agências americanas que trabalham aqui?
CAC: A CIA é outra história... A CIA tem a função legal de um Serviço de Inteligência que atua no estrangeiro. CC: Sim, mas também “doa”, e atua com maior ou menor autonomia, se o Brasil permite.
CAC: Bom, eu concordo: atua com maior ou menor autonomia, mas o papel da CIA, do ponto de vista dos Estados Unidos, é correto e legal: é um Serviço de Inteligência no exterior.

CC: Quanto a CIA “doa”?
CAC: Não sei. Os outros serviços secretos são mais abertos, a CIA é fechada... O orçamento da CIA entra no orçamento da Defesa... Mas, óbvio, como qualquer serviço secreto, utiliza o dinheiro para comprar, chantagear, pagar propinas...

CC: Vocês se mexem, se locomovem com facilidade no Brasil?
CAC: Aqui? Com toda a facilidade. Temos no Brasil o FBI, a DEA, a CIA e outros Serviços. Somos identificados como diplomatas: attachés, adidos, assistentes. Eu, por exemplo, fui adido jurídico...

CC: Mas, em bom português, vocês são agentes secretos, espiões...
CAC: Se quiser usar esses termos, é isso mesmo. A questão é que não há razão nenhuma para se ter aqui agentes do FBI, da DEA, da NAS, da US Customs... Admiro muito como é que países com sistemas de Inteligência como a China e a Rússia autorizaram a operação do FBI nos seus territórios com cobertura diplomática. Há um escritório do FBI em Hong Kong e outro em Pequim. Qual é a necessidade de ter agentes de uma polícia, o FBI, cuja jurisdição é apenas nos Estados Unidos? Isso é uma violação à lei, segundo as próprias leis americanas.

CC: Chávez autoriza o FBI na Venezuela?
CAC: Chávez herdou um escritório, mas só que lá esses agentes não fazem nada; são monitorados e não podem se mexer.

CC: Antes de entrarmos no específico, na rotina, no dia-a-dia da embaixada, quais são as funções dos serviços secretos?
CAC: Digo logo: uma das importantes funções que nós temos na embaixada é manipular a imprensa brasileira...

CC: O quê? Explica isso aí...
CAC: Manipular, conduzir, controlar a imprensa brasileira no que nos interessa.

CC: Ah, é?! Manipular...?
CAC: A isso chamamos “influenciar”.

CC: Por favor, detalhe esse “influenciar”, dê exemplos.
CAC: Sem nomes. Começa, digamos assim, com o estabelecimento de boas relações. Detectamos jornalistas que sejam pró-América – evidente que isso em órgãos influentes junto à opinião pública – e os convidamos a ir aos Estados Unidos, com todas as despesas pagas. Essa não era a minha área, mas começa assim. Influenciar é mudar o pensamento contrário aos nossos interesses. A primeira atividade em qualquer reunião da embaixada é uma análise sobre o que diz a mídia a nosso respeito;
CartaCapital, por exemplo, nunca foi vista com bons olhos lá na embaixada, para dizer o mínimo.

CC: Imagino o máximo...
CAC: Pois pode imaginar...

CC: Que argumentos valem para “influenciar”?
CAC: ...muita criatividade. “Influenciar” a imprensa, a mídia, é uma coisa muito natural de fazer...

CC: Em português claro: “Influenciar” significa, inclusive, se necessário, comprar?
CAC: É virar a opinião pública a nosso favor.

CC: Tá, mas...
CAC: Seja lá o que for necessário. Se é comprar, é comprar, há várias maneiras. Mas deixa isso pra lá... Voltemos às funções da CIA.

CC: Voltaremos à mídia adiante. A CIA: depende do Brasil cercear ou não a atuação da CIA, se deixar “comprar”...
CAC: É preferível o termo “influenciar”. E também depende o quanto e a quem a CIA, a DEA e os demais vão “influenciar” no Brasil.

CC: É melhor usar o termo “influenciar”, assim como em relação à imprensa...
CAC: Agora, o FBI, a DEA, a NAS, a US Customs (alfândega), o RSO, que são os seguranças internos da embaixada, e tantos outros serviços, o que estão a fazer aqui? Como é que os brasileiros, o seu governo, não se perguntam sobre isso? Como é que a imprensa não investiga, não diz nada a respeito? Todos têm agentes que entram e saem constantemente, atuam livremente por todo o País, é uma coisa incrível...

CC: O serviço secreto do seu presidente também investiga no Brasil?
CAC: Sim, e sem autorização da embaixada, autonomamente, nem nos avisam. Uma das suas funções é investigar a falsificação e exportação de dólares, modalidade na qual o Brasil, na Tríplice Fronteira, é talvez o maior produtor. Já os outros serviços secretos...

CC: Todos agem como policiais e sem controle algum dentro do Brasil?
CAC: Sim. Se o Brasil assim permite, então muito bem.

CC: Em nosso primeiro encontro há três anos, lhe perguntei como é que atuavam CIA, DEA, etc., como eram suas ações via Policia Federal. À época você, diplomaticamente, esquivou-se...
CAC: Então eu não podia falar, muito menos sobre a extensão e a profundidade da nossa presença aqui. Quando cheguei, em 1999, me surpreendi com a precisão das suas informações sobre nós, sobre os Serviços, e foi inclusive por isso que depois quis conhecê-lo e marquei aquele jantar em São Paulo...

CC: Você pensou em tentar nos “influenciar”?
CAC: Bem... (risos), digamos que eu estava traçando o seu perfil para ver se havia essa possibilidade. Não havia, mas recordo-me que fiquei a pensar que provavelmente muitas das fontes que utilizamos estavam a jogar nos dois lados. Eu estava certo?

CC: ...voltemos às polícias do Brasil...
CAC: Olha, se a ABIN mandar seus agentes trabalharem nos Estados Unidos, isso é muito natural, é função de um Serviço de Inteligência do presidente. Cabe a cada país anfitrião permitir, controlar essa presença ou não. Mas a ABIN é um Serviço de Inteligência sem missão. Não atua no estrangeiro como deve atuar um órgão vinculado à Presidência da República. Vivia, vive a investigar o MST e outros cidadãos brasileiros mais ou menos ilustres. Isso é uma violação de direitos civis em qualquer país democrático. Se a ABIN tivesse que investigar aqui dentro do Brasil, deveria investigar estrangeiros que aqui atuam, como os agentes de outros países.

CC: E se a Polícia Federal fizer ações de polícia dentro dos Estados Unidos?
CAC: Sem monitoramento, nunca aconteceu. Eu autorizava muitos suportes, dava muito suporte à Polícia Federal para fazer investigações dentro dos Estados Unidos, mas nenhum policial brasileiro, em missão oficial, claro, entraria nos Estados Unidos sem a minha autorização e sem ter seus passos controlados pelo FBI. Por quê? Porque assim o protocolo é.

CC: Uma questão muito delicada. Tenho a informação de que vocês – quando eu digo vocês, me refiro aos serviços secretos sediados na embaixada americana – receberam ordens, instruções para grampear a Presidência da República do Brasil e o Itamaraty...
CAC: Bem... essa pergunta me surpreende!

CC: Surpreende? Mas quem executou a missão?
CAC: ...reafirmo: estou surpreso com sua pergunta. O que você sabe? O que você soube disso?

CC: Da ordem e do grampeamento dos Palácios da Alvorada e Itamaraty...
CAC: Não toco nesse assunto. Ponto final!

CC: Então você não confirma nem desmente?
CAC: Não confirmo nem desminto. Ponto final!

CC: Foi você que executou essa ordem?
CAC: ...Como você verá na nossa conversa daqui por diante, me recusei a cumprir ordens bem menos graves do que essa.

CC: O Estado brasileiro não controla os agentes estrangeiros?
CAC: Não controla. Porque quem paga é quem dá as ordens. Os Estados Unidos pagam, eles dão as ordens nos setores que lhe são vitais. Os seus governos não querem uma polícia independente, autônoma, bem paga e bem treinada, porque temem que o feitiço se volte contra o feiticeiro. É óbvio que qualquer polícia federal em qualquer país tem que buscar ser apolítica. Num cenário como o vosso, se instala um nível de corrupção ao qual temos de dar completa atenção. Mas mesmo assim tenho um grande respeito pela instituição da Polícia Federal. Tem bons delegados e agentes, o problema é de falta de autonomia. E que quero fazer uma ressalva...

CC: Faça sua ressalva.
CAC: Fiquei quatro anos na chefia do FBI aqui no Brasil. Os primeiros três no governo passado, do Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual. Até me admirei com o governo atual, que no cenário internacional tem tomado claras atitudes pró-Brasil e pró-independência diante dos Estados Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o governo tenha noção do quanto a sua Polícia Federal está infiltrada por nós há anos, o quanto depende de nós. Por que não tem autonomia na prática, não tem recursos.

CC: Operações como essas, cotidianas no Brasil, se acontecem nos EUA, o que seria dos policiais norte-americanos envolvidos?
CAC: Nunca aconteceria. Se acontecesse, iriam todos para a prisão, de cima a baixo.

CC: Cadeia para o secretário de Justiça?
CAC: Para todos, inclusive para o diretor do FBI. Por quê? Porque isso é uma violação à soberania. Agora, quero lembrar também que nós prestamos suporte e assistência ao Brasil constantemente, por exemplo, na corrente história de investigação do Banestado. Na investigação do juiz Lalau, rastreamos as contas e passamos isso tudo para o Brasil. Uma das coisas de que me honram foi conseguir o Tratado de Cooperação Mútua Legal, que facilita às polícias federais de ambos os países e os respectivos órgãos judiciais a se comunicar diretamente. Se estou nos Estados Unidos e necessito de uma ficha no Brasil para uma investigação, posso requerer diretamente à Polícia Federal ou ao Judiciário. Então não há razão alguma para os Estados Unidos manterem aqui policiais e agentes, o que apenas caracteriza uma agressão à soberania do Brasil.

CC: Então vocês estão aqui para quê?
CAC: É para ser claro? Para buscar informações e “influenciar” o anfitrião.

CC: Influenciar com aspas, inclusive. Vocês fazem qualquer coisa, quando querem?
CAC: Você entra em contato com o cidadão, compra qualquer cidadão, passa informações impunemente...

CC: Pode comprar um cidadão tranqüilamente?
CAC: Lembra o caso de um fugitivo americano, Shalom Weiss, refugiado na comunidade hassídica em São Paulo? Ele havia recebido a maior pena da Justiça americana, 845 anos de prisão por um rombo financeiro na Heritage Insurance Company; pagamos US$ 95 mil dólares, em cheque, a um informante brasileiro.

CC: Como foi essa operação?
CAC: Eu, do FBI, montei uma equipe com delegados da sua Polícia Federal, de Brasília, todos da minha confiança. Eles trabalharam para o FBI por uns três ou quatro meses, tudo pago pelo FBI. No governo Fernando Henrique. Eu não tinha confiança em certos policiais de São Paulo, e também do Rio, então requeri que essa equipe fosse transferida para São Paulo para trabalhar no caso, tudo pago.

CC: Tudo o quê?
CAC: Transporte, alojamento, carros, diárias, tudo. Os policiais federais do Brasil sob nossa direção fizeram um excelente trabalho, inclusive grampearam a namorada brasileira do fugitivo. E aí essa namorada foi acompanhada por uma delegada da Polícia Federal num vôo para Viena, Áustria, onde se reuniu com Weiss. Lá, os agentes do FBI e a polícia local o prenderam. Esse homem era muito inteligente, tão genial que durante o julgamento, no tribunal, apenas com um laptop conseguiu fraudar mais US$ 15 milhões. Nós rastreamos tudo.

CC: Por que fichar brasileiros que visitam os Estados Unidos?
CAC: Nestes tempos, os Estados Unidos cada vez mais se isolam da comunidade das nações. O mundo, desde outubro do ano passado, investe mais capitais fora dos Estados Unidos do que costumava investir. E é com investimentos estrangeiros que os Estados Unidos, o maior devedor do mundo, paga a sua dívida. Se a política externa dos Estados Unidos continuar nesse rumo, a credibilidade que existe no dólar se dissolverá. A dívida externa dos EUA só não preocupa o mundo porque é ancorada na fé e credibilidade total que investidores têm no governo, ou seja, no seu bom nome e na estabilidade política e econômica. Essa fé significa confiança numa crença que não está baseada em prova ou fato. E, hoje, cada vez menos se põe muita fé ou confiança no governo do meu país.

CC: Por quê?
CAC: A administração Bush, com a desculpa de buscar armas de destruição em massa, atropelou a ONU, desmoralizou-a, ao menos naquele momento, e agiu unilateralmente...

CC: O senhor tinha acesso a documentos reservados sobre o Iraque? Existiam informes secretos que confirmassem a existência de arsenais de destruição em massa?
CAC: Eu era, até deixar o FBI, em outubro, um dos únicos 45 chefes do FBI a trabalhar no mundo, fora da fronteira dos Estados Unidos. Na minha posição tinha acesso, no mais elevado nível, Secret, Top Secret, a todo e qualquer documento secreto produzido, o que inclui os da CIA. Afirmo que jamais li um documento secreto que indicasse a existência de armas de destruição em massa no Iraque. Ao contrário, o que li em todos os meus quatro anos no Brasil, e em Washington, foram informes que asseguravam o contrário. Muitas vezes discuti com meus colegas do FBI e da CIA, de qualquer parte do mundo, e concordamos que a administração Bush, e Blair, apenas buscava uma justificativa para invadir o Iraque. Fabricava para a imprensa o contrário do que todos nós afirmávamos, e isso desmoraliza a nossa comunidade de inteligência. Agora é claro que também no topo dos Serviços de Inteligência há sempre quem esteja mais interessado nas suas carreiras do que nos fatos, e são estes os que rearrumam os fatos como quer a administração Bush.

CC: Dê um exemplo pessoal?
CAC: Muitas vezes tive altas discórdias com os meus informes de Inteligência porque Washington queria que eu adaptasse fatos às suas necessidades paranóicas... O problema é que o senhor Bush não tem a menor compreensão do que seja o mundo, aliás, nem mesmo o seu próprio país. E essa arrogância está a isolar os Estados Unidos...

CC: ...do resto do mundo.
CAC: E o mundo está a constatar que a tal fé e credibilidade no governo dos Estados Unidos é simplesmente a crença num governo vacilante, arrogante e paranóico. Sem contar que, noutros tempos, fomos nós, os Estados Unidos, todos nós dos Serviços, que em algum momento ou circunstância armamos o Noriega no Panamá, demos suporte aos Contras na Nicarágua, estivemos no Chile de Allende, em toda a América Latina, Central, Ásia...

CC: Sempre como política de governo...
CAC: Uma política de governo. Assim como fomos nós, todos os nossos Serviços, que treinamos e demos suporte ao Bin Laden. Ora, isso é algo que já sabemos alguma coisa, você pode me dizer. O.k., mas aqui quem está a falar é alguém com a autoridade de quem trabalhou 22 anos no FBI e chefiou uma secção de contra-inteligência e espionagem industrial internacional em Washington.

CC: Vocês treinaram e armaram Bin Laden quando ele...
CAC: ...enquanto ele combatia os soviéticos no Afeganistão. Nós que demos suporte ao Saddam Hussein para ele conter os aiatolás do Irã, nós é que lhe demos armas químicas...

CC: Quando e como vocês deram as armas químicas?
CAC: Fornecemos, por exemplo, o antraz, assim como outras armas químicas que agora nós, hipocritamente, anunciamos ir lá procurar.

CC: Foram mesmo vocês, diretamente, que deram maneiras para produzir o antraz?
CAC: Demos as técnicas e demos toda a assistência.

CC: Quem fez isso? Em que época?
CAC: Donald Rumsfeld, atual secretário de Defesa dos Estados Unidos, à época era um representante emissário especial do presidente Ronald Reagan; início dos anos 80, guerra entre o Iraque e o Irã, com mais de um milhão de mortos em ambos os lados. Nós não tínhamos relações diplomáticas com o Iraque, considerado um país que dava suporte ao terrorismo internacional e que estava na lista de excluídos do Departamento de Estado. No entanto, em 1982, os EUA removeram o Iraque dessa lista e, em 20 de dezembro de 1983, o mesmo Rumsfeld de hoje encontrou-se com Saddam Hussein em Bagdá. Confraternizou-se com Saddam e deu a ele todo o suporte político e militar dos Estados Unidos...

CC: O que significa “todo” o suporte?
CAC: Como já disse, entregamos a ele a tecnologia de algumas das armas que agora iríamos procurar com uma guerra, mas não apenas isso. A Casa Branca e o Departamento de Estado ordenaram ao Banco Export-Import que financiasse o Iraque na guerra. Isso muito antes de os Estados Unidos restaurarem relações diplomáticas com o Iraque, o que só aconteceria em novembro de 1984. E, oficialmente, a nossa posição era de neutralidade.

CC: A propósito de neutralidade, qual foi a posição real dos Estados Unidos, dos seus serviços secretos, na Guerra das Malvinas, da Argentina contra a Inglaterra, em 1982?
CAC: Demos completo suporte de Inteligência, especialmente de satélites, para os ingleses. Fotografávamos, tínhamos a posição dos militares argentinos e passávamos para os ingleses. E, ao mesmo tempo, jogamos também um pouco com os argentinos. Havia uma dúvida: se os ingleses, depois, devolvessem aos argentinos as ilhas, que teriam petróleo embaixo, nós íamos querer que os argentinos nos facilitassem o acesso. Vendemos armas para os argentinos, e mais: navios ingleses, se não me engano dois destróieres que eles destruíram, o fizeram com base em nossas informações, de satélites, sobre a posição dos ingleses. Os ingleses ficaram pasmos: “Como é que os argentinos nos localizaram?” Localizaram porque fomos nós que fornecemos suas posições. À época, Margaret Thatcher esteve em Washington e pressionou o presidente Reagan. Só então paramos de fornecer informações aos argentinos. Passamos a enrolá-los.

CC: Sabe-se que as coisas foram e são assim no mundo real, em especial o das grandes potências, mas essa história...
CAC: Essa é a política externa dos Estados Unidos. São as razões pelas quais hoje não temos paz. É um país que sempre foi isolado pelo Atlântico e pelo Pacífico, mas agora isso chegou ao auge. Ninguém duvida que o Saddam Hussein é um criminoso, mas a hipocrisia do nosso governo é insuperável. Quando, com as nossas armas químicas e nosso dinheiro, as mesmas atrocidades foram cometidas por Saddam contra os curdos do norte e as minorias do sul, ignoramos e viramos a cara, até demos suporte. Hoje, usamos isso como argumento para justificar a guerra. Mas não é possível fazer o mundo todo de imbecil todo o tempo...

CC: O que isso quer dizer hoje ?
CAC: A credibilidade, a fé nos Estados Unidos, já não são as mesmas, por exemplo, na comunidade da União Européia. O euro supera o dólar, os europeus procuram investir na sua própria casa. O valor do dólar é baseado na fé e credibilidade no governo dos Estados Unidos. Qual é o cenário hoje nos EUA?

CC: Diga-nos.
CAC: Clinton havia conseguido um superávit de US$ 127,3 bilhões. Bush, em três anos, cortou impostos, aumentou os gastos, especialmente na área da Defesa, cortou o orçamento de programas sociais e, nesse tempo, produziu um déficit de US$ 541 bilhões de dólares. Esse déficit gera riscos para o mundo. Há muita verdade no velho ditado que diz: “Quando os Estados Unidos espirram, o mundo apanha uma gripe”. A desvalorização do dólar terá, em algum momento, como conseqüência, a elevação dos juros.

CC: Qual será, na economia, o futuro, o legado de Bush?
CAC: Para equilibrar suas contas externas, os Estados Unidos precisam de um fluxo de capitais externos de volume equivalente ao déficit, coisa de US$ 1 bilhão/dia de capital estrangeiro. Hoje o país já não consegue viver simplesmente da sua produção. Simultaneamente, a comunidade internacional compreende que pode dispensar os Estados Unidos; mas os Estados Unidos não podem dispensar o mundo. Os Estados Unidos predatoriamente sacam da economia mundial o máximo que podem. Muito em breve, para manter sua hegemonia e padrão de vida, os Estados Unidos terão que lutar militarmente e diplomaticamente. Somos 4,5% da população do mundo e consumimos entre 45% e 50% da matéria-prima do planeta. Maiores consumidores de petróleo, emitimos por pessoa, a cada ano, 19,7 toneladas de dióxido de carbono, que é poluição. O Brasil emite 1,8 tonelada por pessoa. Não se iludam quanto aos Estados Unidos. O que importa são os seus interesses.

CC: Vocês, agentes secretos, têm plena consciência disso?
CAC: Obviamente. Mas nenhum país vai lutar pelos interesses dos outros. Os governantes americanos fazem o que lhes interessa, e viemos aqui para cuidar dos nossos interesses. Ponto final. O resto é retórica.

CC: Mais claro, impossível.
CAC: Posso te falar uma coisa sobre o juiz Sebastião da Silva?

CC: Aquele juiz que tomou a decisão de fichar os americanos que entram no Brasil?
CAC: Sim. Acho que o juiz mostrou uma fortitude testicular, como se diz no vernáculo americano. Isso é manter a dignidade do povo brasileiro. Se estão a tratar mal os brasileiros nos Estados Unidos, então o mesmo tratamento deve ser dado para com os americanos aqui. Eu o considero um bom brasileiro. Não existe razão nenhuma para que se imponha fichação aos cidadãos brasileiros. Nunca tive conhecimento de um ato terrorista cometido por um brasileiro, exceto no seqüestro do embaixador Charles Elbrick, mas mesmo isso foi em um outro contexto, em 1969. Então, por que fichar brasileiros que não só têm sido aliados dos Estados Unidos, mas são um povo pacífico, até demais? É comum na embaixada ouvir relatos de brasileiros maltratados e humilhados quando entram nos Estados Unidos. E isso aumentou muito depois do 11 de setembro.

CC: Há muitas queixas de maus-tratos a brasileiros dentro dos Estados Unidos?
CAC: Constantemente. Mas se a nossa própria embaixadora queria ser tratada como se fosse um ser superior a todos...

CC: A Donna Hrinak?
CAC: Ela mesma. Um dia tentou furar uma fila na entrada do seu país, mas foi posta na sua posição. Disseram a ela: “Não, você tem de esperar como todas as outras pessoas”. A Polícia Federal agiu certo. Veja o caso do seu ex-chanceler Celso Lafer... foi humilhado, forçado a tirar os sapatos quando embarcava nos Estados Unidos.

CC: O fato é que aqui parece ser a casa-da-mãe-joana.
CAC: Já sei o que é a mãe-joana, e é isso mesmo. Mas, em relação aos Serviços Secretos nossos, ao FBI, até no Congresso dos Estados Unidos já existe uma controvérsia. Alguns congressistas com mais perspicácia questionam a presença operacional do FBI, uma polícia federal, no estrangeiro. Mas os próprios agentes do FBI nos Estados Unidos requerem operações de lá; operações como se o Brasil fosse uma extensão do território norte-americano. Eu recebia instruções assim: “Localize, conduza a investigação apropriada e prenda fulano de tal...”.

CC: Recebia documentos secretos que diziam “localize e prenda tal cidadão”, como se você estivesse em Chicago, Miami?
CAC: Isso. Diziam: “Esse fugitivo está no Brasil”. Eu respondia: “Nós não temos autoridade para fazer uma coisa dessas, temos de trabalhar em conjunto com a Polícia Federal”.

CC: E qual era a contra-argumentação de Washington?
CAC: Muitos respondiam, indignados: “Porra, isso aí é o Brasil! Just do it!(Apenas faça!)”.

CC: Imagino como vocês operam, por exemplo, no Paraguai?
CAC: O Paraguai é uma marionete dos Estados Unidos. Isso ninguém contesta. Muitos altíssimos membros do governo têm contato direto com os agentes, é uma ligação direta com a embaixada.

CC: Inclusive o presidente da República?!
CAC: (Risos. Apenas risos.) 

CC: E o Congresso americano...
CAC: O Congresso americano, que financia os escritórios do FBI e os outros Serviços no estrangeiro, questiona muitas vezes, mas eles são enrolados pelo bom marketing comunicativo, especialmente o do FBI: o ego da instituição FBI é movido a poder e dinheiro. É comum ouvir os agentes e o comando a dizerem: nós somos os melhores e mais poderosos, temos influência no Congresso para obter orçamento e temos poder. Temos uma unidade na sede em Washington que é só para lidar, influenciar o Congresso quanto a verbas e outros assuntos. O FBI luta tenazmente para manter o seu poder e expandi-lo diante dos outros Serviços. E na verdade o FBI tornou-se uma gorda burocracia que não faz justiça à lenda e ao contribuinte.

CC: O Congresso brasileiro deveria estar mais preocupado com o que o FBI e os outros serviços estão fazendo aqui do que o Congresso do EUA...
CAC: O FBI até não é dos piores. A DEA, por exemplo, “contribui” com milhões de dólares na conta privada de delegados da Polícia Federal... Se quer fazer uma doação, que a faça aberta. Agora, pôr numa conta privada? Isso é indicativo de que alguma coisa está errada.

CC: Que estão a “influenciar”...
CAC: Isso é indicativo de que você compra a polícia e, quando pede alguma coisa, tem de ser dado. Veja a preocupação número 1, por exemplo, do representante do Departamento de Estado na Seção de Narcóticos, a NAS. A primeira preocupação dele, a número 1, é que a Polícia Federal aceite o dinheiro que ele está a doar, entre aspas. Geralmente, uma quantia que varia, a cada ano, de US$ 1 milhão a US$ 3 milhões.

CC: Todo ano a preocupação da NAS é que o Brasil aceite o dinheiro que ele está a “doar”. Por quê?
CAC: Porque, se a Polícia Federal recusar esse dinheiro, não aceitar, esse representante da NAS não será bem avaliado, isso vai afetar a sua carreira. Ele não terá demonstrado capacidade para “influenciar”.

CC: Então, quem não consegue “influenciar” no Brasil, seja a mídia, a polícia, seja o governo, o Parlamento, é um fracasso?
CAC: Uma instituição mal remunerada, como a Polícia Federal, que não tem dinheiro para pagar a conta do telefone, não vai aceitar uma doação? Isso é absolutamente ridículo. O Brasil carece de investir no treinamento e no pagamento. Como diz o velho ditado americano, não existe almoço grátis. No FBI, como qualquer outra instituição americana, nós não podemos aceitar um centavo de ninguém. A minha diferença aqui é que eu, como chefe do FBI, não dava dinheiro ao Brasil, não comprava o Brasil. Dava assistência técnica, treinos, treinava os vossos policiais...

CC: Mas treinar já é “influenciar”, você já está a se infiltrar...
CAC: Ah, sim, mas isso é natural. Nós treinamos colegas brasileiros em técnicas de investigação, a pedido de vocês. Estamos a desenvolver uma cooperação nesse sentido, não estamos a comprar.

CC: Voltemos à mídia. Então, jornalistas também são mandados aos EUA?
CAC: Isso são outros programas que não têm a ver com o FBI...

CC: Têm a ver com a CIA?
CAC: Têm a ver, por exemplo, com o Departamento de Estado, que manda, além de jornalistas, outros profissionais para conhecerem os seus iguais. É um intercâmbio... mas voltemos às polícias do Brasil (risos): nós não deveríamos ter, como tivemos e temos, contato direto com as polícias civis, militares. Só deveríamos nos mover com monitoramento da Polícia Federal, e todos se movem aqui como querem. Falamos direto com as polícias, temos relações diretas com, por exemplo, municípios ou polícias civis ou militares. Como eu fazia e como o outro faz ainda.

CC: Direto com governadores, secretários de Estado, chefes de polícia, comandantes da PM, soldados...
CAC: Com todos. Se eu faço e ninguém reclama, continuo a fazer porque está a me servir. Eu tinha mais sucesso nas relações com as polícias estaduais do que, por exemplo, com a Polícia Federal, que está muito isolada, às vezes, da realidade da rua, dos acontecimentos.

CC: Com você o FBI trabalhava em companhia, em parceria com alguma outra instituição dos EUA?
CAC: Sim. A CIA é o nosso primo na área de contra-inteligência, nós trabalhamos muito em conjunto. Muito mais com a CIA do que com a DEA ou outra organização. O FBI é constituído por uma seção criminal e outra de contra-inteligência.

CC: Na contra-inteligência vocês e a CIA se encontram?
CAC: Óbvio, somos colegas, primos.

CC: Vocês trabalharam juntos na questão da Tríplice Fronteira?
CAC: Trabalhamos. A função da CIA é buscar informações fora do seu país. Se o outro país permite, é uma outra questão. Já a função do FBI no estrangeiro está errada. A função do FBI é investigar casos criminais dentro dos Estados Unidos e não fora. Se está fora, é indicativo de que...

CC: Está fazendo o que não deveria, como, aliás, já indica a própria denominação FBI: Federal Bureau of Investigation. O.k. Federal, mas lá!
CAC: É um órgão federal que não deveria ter poder investigatório aqui. É desperdício do dinheiro do contribuinte americano, é falseamento de atividade. Queremos ser tudo e terminamos não sendo nem bons agentes de investigação criminal nem bons agentes de contra-inteligência – que deveria ser um órgão distinto, como em outros países, França, Inglaterra, Espanha...

CC: Há razões estratégicas para que o FBI atue fora dos Estados Unidos?
CAC: Nem o FBI nem a DEA, nem a US Customs nem a NAS, nenhuma instituição policial federal deveria estar no Brasil, fora dos Estados Unidos. A própria “segurança da embaixada”, RSO, que também é uma polícia entre eles, tem influência para obter informações da Polícia Federal sobre dados de cidadãos brasileiros.

CC: Ah, é? Até esses?
CAC: Eu muitas vezes precisava de uma informação rápida sobre alguém e, para não expor o FBI, pedia a esses seguranças: vão à Polícia Federal obter um cadastro sobre fulano de tal. Em minutos eu tinha a resposta. Um policial brasileiro não tem a mesma facilidade. Em outras situações, eu sentava em frente a um terminal da sua polícia e lia informações sobre brasileiros, estacionava sempre meu carro na garagem da sede da PF. Sabe quando isso aconteceria com um policial brasileiro nos Estados Unidos, na Europa, Ásia? Nunca. Um policial ou representante de uma polícia de um outro país entrar com facilidade e obter informações sobre um cidadão do seu território sem haver uma razão? Acorda, Brasil! Aqui fala quem gosta e respeita o seu país.

CC: Então essas polícias, entre elas as norte-americanas, estão aqui a fazer o quê?
CAC: Toda e qualquer coisa que seja do nosso interesse. Ponto final. Mas isso é o que nós chamamos de ações de Inteligência ou contra-inteligência.

CC: Que eu poderia chamar de espionagem?
CAC: Bom, contra-inteligência é uma coisa e espionagem é outra.

CC: O.k. A rede que você montou no Brasil, pelas minhas informações, é imensa. E isso eram só você e os seus. E a dos demais Serviços?
CAC: Bem... Vamos para outro assunto. Veja: há alguns dos meus colegas de outros países com funções limitadas; eles vêm aqui só para facilitar alguns contatos, por exemplo, na área de drogas, mas eles não estão a comprar. A Espanha tem contatos próprios e não está a comprar ninguém.

CC: Como é que era o jogo entre vocês, os russos, a ABIN?
CAC: A ABIN é um órgão que não dá para definir...

CC: Não dá para ser definida?
CAC: Não dá para ser definida. A ABIN foi criada com as boas intenções de um Serviço de Inteligência, mas não tem as divisas suficientes para se desenvolver. Quando um Serviço de Inteligência se torna pedinte ante estrangeiros, se expõe, deixa de ser secreto. Corre imensos riscos. A ABIN, como a Polícia Federal, pede equipamentos, recursos, treinamento, a vários países, e não apenas aos Estados Unidos. Pedem para Israel, Rússia, Japão, França, entre outros. A ABIN se prostitui. Quando você recebe equipamentos de serviços secretos, deve saber que é rotineira a clonagem...

CC: O que é clonagem?
CAC: É um duplo embutido no seu equipamento, que transfere para o “doador” as informações disponíveis naquele equipamento.

CC: Uma outra informação que antes não tive como publicar: a ABIN foi grampeada através de equipamentos que vocês haviam fornecido?
CAC: Não sei... não posso falar... fazer suposição sobre isso, mas...

CC: Mas vocês forneceram equipamentos?
CAC: ...não sei, mas calculo, pelos meus contatos, que a ABIN tinha também outros países a fornecer equipamentos. Deixa eu lhe dizer uma outra coisa: se eles grampearam ou grampeiam alguém, se eles o fazem com algum equipamento nosso ou alguma coisa, é irrelevante para nós. O uso que outros fazem dos equipamentos não é problema nosso.

CC: Vocês, os serviços secretos dos EUA, forneceram equipamentos a ABIN para grampear?
CAC: Sim. Nós prestamos essa assistência aos nossos parceiros. Mas isso não indica que nós vamos saber aquilo que eles estão a fazer.

CC: O.k. Agora apenas uma hipótese e não sobre grampeamento direto: se houver a necessidade de monitorar, por exemplo, o que se passa no Palácio da Alvorada num domingo de tarde. Isso é possível?
CAC: É. Essa é uma tecnologia, de satélite, que todos sabem que existe.

CC: A propósito de monitoramento por satélite vem à cabeça o Sivam, Amazônia...
CAC: Isso de dizer que os americanos querem a Amazônia é paranóia, é uma invenção dos militares brasileiros para obter verbas. Sempre tive acesso aos documentos secretos e nunca li uma coisa assim, nunca houve esse interesse, nem há. Até porque a invasão da Amazônia seria uma missão impossível. Se nós estamos com esse problema no Iraque, que só tem areia, e fomos derrotados na selva do Vietnã, imagine a Amazônia, um território desconhecido, com milhões de árvores... Seríamos comidos. Senão pelos caboclos, pelo pessoal treinado na selva ou pelos índios, seríamos devorados por mosquitos e cobras. Esqueçam essa paranóia, a maioria dos norte-americanos pensa que Buenos Aires é a capital do Brasil... Eles não têm a menor idéia do que é a Amazônia. Aliás, tenho a impressão de que o meu ilustre presidente não tem a mais vaga idéia nem do que seja a Amazônia. Muito menos onde ela se encontra.

CC: E o Brasil, eles sabem onde fica?
CAC: O ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Neil Harrington me disse que, quando lhe ofereceram o cargo, teve que olhar no mapa para saber onde era o Brasil. Durante um coquetel, algumas caipirinhas depois, o embaixador me revelou que não conhecia “absolutamente nada” sobre o Brasil, a sua história, cultura, e pensava que a língua aqui falada era o espanhol.

CC: Terroristas no Brasil. O que é fato, o que é ficção? Vocês apuraram o quê, chegaram aonde?
CAC: Fizemos uma investigação conjunta dos atentados à embaixada israelense em Buenos Aires, que em 17 de março de 1992 matou 29 pessoas e feriu centenas, e à sede da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), que matou 85 pessoas e feriu mais de 300 em 1994. O FBI e a CIA prestaram assistência às autoridades argentinas que investigavam. Eu, antes de assumir no Brasil, tive acesso às informações e reuniões sobre esses assuntos com os próprios argentinos, em Buenos Aires. O que eu posso dizer é que os atentados na Argentina foram organizados no Brasil, em território brasileiro.

CC: Isso é absolutamente seguro? Foram organizados no Brasil?
CAC: Foram organizados no Brasil, na região de Foz do Iguaçu.

CC: Como? Houve reuniões, encontros?
CAC: Foi dali que eles planejaram os atentados. Agora, as pessoas que os organizaram e os fizeram não foram pessoas que necessariamente viviam no Brasil e muito menos eram brasileiros.

CC: Mas usaram o território brasileiro?
CAC: Usaram o território brasileiro, mas ali é uma Tríplice Fronteira...

CC: Aí entramos numa outra questão: há células terroristas na fronteira? Vocês investigaram. Há ou não há?
CAC: Não há. Planejaram-se atentados ali, é verdade, mas investigamos exaustivamente, nós, a CIA, os serviços secretos dos países, e não conseguimos comprovar a existência de células terroristas ali, no entanto...

CC: No entanto o quê?
CAC: Havia, e há, uma obsessão, uma paranóia do governo Bush, para encontrar terroristas. Ali não há, pelo menos não comprovamos, apesar de amplas investigações. Há simpatizantes, mas essa é uma outra questão. Sempre houve uma obsessão com a Tríplice Fronteira, e sempre achei isso uma coisa muito ridícula. Os nossos Serviços de Informação e de Inteligência estavam, estão, focados no lugar errado. Na Tríplice Fronteira, existem mais ou menos 40 mil árabes ou descendentes, enquanto São Paulo tem mais libaneses ou descendentes, por exemplo, do que o próprio Líbano.

CC: O que acontece, então, na Tríplice Fronteira?
CAC: Algumas coisas. A primeira delas é que ali é um lugar que por si só é fora-da-lei. É um lugar de contrabando, e muitos desses grupos árabes são bons contrabandistas, bons comerciantes, vamos dizer assim. É um lugar que facilita a troca de mercadorias de segunda classe, pirataria de equipamento, lavagem de dinheiro...

CC: Mas grupos terroristas vocês nunca detectaram?
CAC: Terroristas nunca foram detectados. E investigamos muito, até porque o Brasil sempre perguntou a nós: “Vocês sabem onde estão os grupos terroristas?” O que tem é muita retórica...

CC: Vocês monitoram aquela fronteira já há muitos anos, não?
CAC: Eu, o FBI pelo menos, jamais consegui confirmar um único caso de células terroristas ali. Sempre informei isso e os colegas da CIA informaram o mesmo. O que há são atividades criminosas de outra ordem. Agora, que dinheiro é recolhido para organizações que têm seus braços terroristas, isso é uma outra questão.

CC: Isso vocês identificaram?
CAC: Há quem envie dinheiro para o Hezbollah? É certo que há, mas o Hezbollah é um partido político legal que tem o seu braço armado, terrorista. Bem, em Detroit, em Nova York, nós temos cidadãos americanos que mandam dinheiro para o Hezbollah, para orfanatos, hospitais, mas que destino final tem esse dinheiro é algo tão incerto quanto parte do dinheiro que, Brasil e mundo afora, grupos judaicos enviam para Israel. Quando os israelenses fazem suas operações, alguém financiou, e certamente o fez via um braço legal. Da mesma forma, em Boston, em Nova York, simpatizantes do IRA mandam e sempre mandaram dinheiro para a Irlanda....

CC: E o IRA é também um partido político com vida legal, assim como os bascos têm partido político com vida legal...
CAC: A própria família Kennedy, de católicos irlandeses, sempre simpatizou com os católicos irlandeses, e esses envolvimentos às vezes são arriscados. Você manda uma contribuição para uma escola, mas não tem certeza se aquele dinheiro, ou todo ele, servirá exatamente à escola. Mas, se você me pergunta se é possível que dinheiro da Tríplice Fronteira chegue aos braços armados do Hezbollah, aí eu respondo: “Sim, possível é, o que não quer dizer que tenha sido confirmado”.

CC: Bem, vocês têm uma extrema-direita que age dentro do próprio território americano, com atentados...
CAC: Essas milícias de direita que provocam e provocaram atentados como em Oklahoma existem, isso é fato. Como é fato que o que temos hoje no governo dos Estados Unidos são facções políticas também da extrema-direita, e elas estão a alienar cada vez mais o país do mundo.

CC: Dentro dessa moldura, do pós 11 de setembro, houve a determinação, um empenho extra para que vocês achassem terroristas dentro do Brasil?
CAC: Sim. Em todo o mundo, e também no Brasil. Mas essa é uma outra questão muito delicada...

CC: Muito delicada por quê? O senhor, além daquela, recebeu alguma outra ordem, instrução, determinação específica relacionada ao Brasil...
CAC: Bem... Depois do 11 de setembro, o FBI queria justificar que estava a fazer alguma coisa contra o terrorismo. E muita gente dentro do FBI não tem noção de como combater o terrorismo, não faz a mínima idéia...

CC: Certo, certo, mas que questão delicada é essa a que o senhor se referiu?
CAC: Houve uma determinação, uma ordem de Washington, e houve uma recusa minha. Uma das minhas recusas nesses quase quatro anos no Brasil...

CC: Recusa a qual ordem?
CAC: A um monitoramento das mesquitas que existiam...

CC: No Brasil?
CAC: No Brasil.

CC: “Monitoramento” que todos os que conhecem um mínimo de espionagem, contra-inteligência, sabem o que é: fazer escutas, vigiar, vasculhar. Quem eram os alvos, os xeques?
CAC: Xeques, aiatolás, líderes da comunidade muçulmana, todos os membros e de todas as formas possíveis. Claro que eu me recusei a fazer isso.

CC: Isso numa das maiores comunidades árabes do mundo...
CAC: Eu me recusei a fazer uma coisa dessas porque...
CC: Com que argumentação recusou, se você é da contra-inteligência, se é exatamente um espião?
CAC: A minha argumentação foi simples: isso é um crime. É crime nos Estados Unidos porque fere a Constituição, assim como os direitos civis, é crime na Europa e é crime segundo a Constituição no Brasil. Uma democracia não pode admitir isso, ainda mais numa escala como a que pretendiam fazer no Brasil, onde está prescrita a liberdade de religião e culto.

CC: Pela lei lá e cá você não poderia “monitorar” xeques e mesquitas sem autorização legal?
CAC: Correto. E eles ainda pediram que eu fizesse listas...

CC: Que levantasse quem eram as pessoas, o que faziam...
CAC: Quem eram as pessoas, suas atividades... Não me admiraria se hoje em dia isso estiver a acontecer no Brasil, e se isso um dia vier à tona. Vivemos, infelizmente, um neomacarthismo e eu, algumas vezes, me recusei a fazer parte disso. Há certas ocasiões em que uma pessoa deve se recusar a cumprir ordens inconstitucionais.

CC: Setores importantes da Inteligência no Brasil temem que esteja a se fabricar um ato terrorista que justifique esse tipo de política. Isso é uma informação. CAC: É provável. Todas as sociedades temem que um ato de terrorismo vá acontecer dentro delas. Agora, se será implantado...

CC: ...fabricado...
CAC: ...fabricado num país alheio. Pelo menos os Estados Unidos não o fariam... Melhor, escreva aí, com aspas: “Eu não o autorizaria”, e não creio que os Estados Unidos fariam uma coisa dessas com o Brasil.

CC: Ainda com relação à Tríplice Fronteira e às comunidades árabes, e a ordens e instruções: o fato de você não ter feito ações não significa que à sua revelia não possam ter sido feitas, ou que um outro Serviço não o tenha feito?
CAC: Se fizeram, eu não saberia te dizer, só asseguro que com autorização minha não fizeram. Agora, eu não posso falar do que está a acontecer hoje em dia, nem quais são as ordens dos que me substituíram...

CC: Você não sabe se foi cumprido ou não. Isso vale para tudo? Vale desde o “monitoramento” até...
CAC: Vale para tudo.

CC: Pelo protocolo, você deveria ser monitorado pela Polícia Federal brasileira...
CAC: E deveria ter contato só com uma autoridade da Polícia Federal. A DEA e a NAS, apesar de “doarem”, vamos dizer assim, milhões de dólares para a conta de um só indivíduo da Polícia Federal, não poderiam ter contato com outras instituições, especialmente estaduais.

CC: No total, entre todos os Serviços, vocês são uns cem funcionários dentro do Brasil, pelo menos. É isso?
CAC: Não sei. Não sei quantos estão aqui. E você deve entender que há coisas que não posso e não devo falar, mesmo depois de aposentado.

CC: Você e a CIA informavam a embaixadora sobre tudo o que se passava? Como é que funciona isso?
CAC: Todos os órgãos do governo federal respondem ao embaixador... Agora há embaixadores, ou embaixadoras, que querem saber de tudo e há outros que não: “Vocês fazem aí, não me digam nada a não ser que alguma coisa possa ter graves repercussões e eu tenha necessidade de saber antes”.

CC: No caso, você informava?
CAC: Eu e outros Serviços informávamos apenas o que nos interessava informar.

CC: Na verdade, os Serviços dizem o que querem dizer e pronto, acabou.
CAC: É, o que nos interessa. Essa história de dizer que nós estamos debaixo dela, no caso a embaixadora, é verdade do ponto de vista legal, mas, na realidade, cada um faz o que tem de fazer e, claro, vai contar ao embaixador...

CC: ...metade da missa.
CAC: Conforme. Às vezes nem a metade nem a missa. Há certas coisas que interessam contar, há outras coisas que nem vale a pena contar, e há outras que não se deve contar. Agora, se houver um problema, algo que possa causar um problema, nós vamos informar. Por exemplo: eu quando vou pagar um indivíduo...

CC: Avisa à embaixadora, ao embaixador.
CAC: Às vezes eu posso informar: “Olha, vai ser pago um indivíduo e tal”. Em outros casos não se informa nada. Em relação à embaixadora Hrinack, ela até fez um bom trabalho, embora na maior parte do tempo o seu trabalho fosse pôr...

CC: ...perfume?
CAC: Perfume na shit...

CC: ...que produz o governo americano.
CAC: Que a administração Bush está a produzir (risos). Essa é a realidade.

CC: Ela perfumava bem a substância que o governo Bush produz em grandes quantidades?
CAC: Produz muito daquilo... Agora, como diplomata, acho que ela é até uma pessoa muito boa nesse assunto, mas como alguém realista das coisas do mundo ainda falta-lhe muito. Por quê? Porque o mundo do Departamento do Estado... eles estão sentados em cadeiras de marfim, ou são, como dizemos também sobre outros no comando do próprio FBI, yes people, pessoas que dizem sim a tudo e a todos.

CC: Não foi o seu caso?
CAC: Não foi o meu caso. Há um ditado no FBI: grandes casos, grandes problemas, pequenos casos, pequenos problemas, se não há casos, não há problemas. Esses, que nunca tiveram um caso, nunca investigaram um caso, não fizeram uma operação, são os que entram pela área administrativa...

CC: E são os que têm o poder.
CAC: O poder. São os que estão no comando do FBI hoje, sem problemas, mas também sem casos, sem ações em suas carreiras. O diretor do FBI, Robert Muller, é uma pessoa que não tem o respeito da instituição. E é detestado, odiado. As pessoas o vêem como um cavaleiro que monta e galopa o cavalo até morrer, até o cavalo cair de tanto cavalgar, de exaustão. Muitos dos bons que existiam no FBI, muitos dos mais capacitados, saíram. Um agente hoje gasta 75% do tempo empacado em burocracia e 25%, se tanto, em investigação. E, ao investigar, se passa a maior parte do tempo atento ao lema CYA.

CC: O que é isso?
CAC: Cover Your Ass (Proteja o teu traseiro). Esse se tornou o lema principal no FBI, desde a instrução na academia. Agora, para quem está no topo do FBI, o lema é KMA, que vem a ser Kiss My Ass (Beije minha bunda). A instituição está a se desmoralizar, os agentes sabem que investigações e agentes que não atendam aos interesses da visão do diretor, da administração Bush, correm o risco da marginalização.

CC: Já falamos do FBI, da CIA, até onde você quis ir. Como é a atuação, especificamente, da DEA no Brasil? Como é que é essa história, a relação deles no Brasil?
CAC: A DEA doa milhões de dólares para a Polícia Federal, e não só em equipamentos, também em dinheiro. A DEA faz o que quer, onde quer, e, ao contrário do protocolo, não tem monitoramento algum nas suas ações. Contrata informantes, montou uma rede, paga por informações a cidadãos brasileiros, infiltra-se e vale-se das informações e dos homens da Policia Federal. E tudo isso porque “doa”.

CC: Cash?
CAC: Cash.

CC: Através do dinheiro, também a DEA monitora ou executa as operações da Polícia Federal, em nome da Polícia Federal ou em parceria com a Policia Federal, como CartaCapital descrevia desde 1999?
CAC: Como a Carta havia descrito, mas ainda mais. E isso é uma coisa absolutamente impensável nos Estados Unidos. Nunca ia acontecer com a DEA, o FBI, ou alguma das nossas instituições. Ninguém dessas instituições pode receber dinheiro como se faz aqui. É corrupção. E, se a coisa é tão aberta, por que o dinheiro vai para a conta de uma pessoa privada?

CC: Porque, se está na conta da polícia, do Ministério da Justiça, quando o governo contingencia gastos, segura o uso desse dinheiro, prende também esse dinheiro.
CAC: Ora, se o fizer, esse dinheiro vai para o Tesouro. Agora, em nome disso, entregam a polícia para os estrangeiros? Não entendo essa lógica.

CC: Nem eu. Mas o que a própria DEA diz é que não dá o dinheiro direto para a Polícia Federal, porque quando o governo contingencia não repassa mais esse dinheiro.
CAC: Mas é a DEA quem toma decisões aqui ou é o Congresso brasileiro, o governo do País?

CC: Essa é uma boa pergunta. E CartaCapital a tem feito nesses últimos anos, há cinco anos para ser exato.
CAC: Isso é uma vergonha e é uma quantia completamente irrisória para nós e para um país continental como o Brasil.

CC: À venda por alguns milhões de dólares?
CAC: Pronto. Como é que um país vende a sua Polícia Federal por alguns milhões de dólares? Outra coisa: será que esse delegado paga impostos sobre esse dinheiro que entra na sua conta? Isso é, ainda, uma violação da lei brasileira feita por delegados federais e com a conivência do Estado. E também, provavelmente, é uma violação das leis americanas, pois não se deve dar dinheiro a indivíduos e, sim, para instituições. Como é que vocês esperam ser levados a sério?

CC: Ou seja: um chefe de seção da Polícia Federal que recebe US$ 4 milhões, US$ 5 milhões em sua conta pessoal está violando a lei se não declara ao Imposto de Renda. E, se declara, como paga?
CAC: Cinco milhões, mas não só. Não apenas a DEA, a NAS, todas as nossas instituições estão doando...

CC: O americano é tão bonzinho!
CAC: Nada disso é proibido nos Estados Unidos. Agora, se o Brasil autoriza, então...

CC: Estejamos “influenciados”.
CAC: Então não reclamem. “Dinheiro nosso, ordens nossas”.

CC: A informação que tenho é que, em mais de uma dessas reuniões dos serviços secretos na embaixada, às segundas-feiras, discutiu-se seriamente a questão de como “influenciar a imprensa brasileira”. É correto?
CAC: Bom, eu não posso confirmar uma coisa dessas. Eu não posso afirmar o que é que se passa...

CC: Numa reunião secreta. O.k., compreendo perfeitamente...
CAC: Nós estamos aqui a falar em assuntos abertamente, mas...

CC: ...Há aspectos de assuntos secretos sobre os quais você tem que manter...
CAC: ...Que eu tenho que manter, porque eu tenho responsabilidades para com o meu país e a instituição à qual servi por 22 anos. Agora, se o Brasil é um pouco ingênuo nas suas maneiras de dirigir politicamente... Então, também eu, como um cidadão americano, tenho direito de expressar certas coisas que eu acho erradas, desde que não influenciem ou afetem o meu país e ajudem o seu. Compreende?

CC: Compreendo, claro, e isso não significa que você não seja leal ao seu país e não respeite o Brasil...
CAC: Claro que não. Veja uma coisa: eu sou um cidadão americano, eu amo o meu país, mas acho que a política externa do país já há muito está...

CC: Está errada?
CAC: Está errada e agora eu tenho o direito e até o dever de me pronunciar sobre isso. Faço essa entrevista, essas revelações, porque eu gosto do Brasil, respeito o Brasil, tenho mulher e filho brasileiros...

CC: Você está criticando a política, as decisões, não os países. Isso para mim está claro.
CAC: Estou criticando a política, não estou a criticar outra coisa.

CC: Você vai ficar no Brasil?
CAC: A minha decisão é de viver nos Estados Unidos e viver no Brasil. Eu não tenho, é proibido ter uma coisa dessas, mas eu sei, por exemplo, que há agentes que têm cidadania dupla e, tenho quase certeza, o FBI não quer saber desse problema.

CC: É verdade que há entre os agentes secretos um certo receio de retornar aos Estados Unidos nos dias de hoje?
CAC: Já ouvi dentro do próprio FBI, da CIA, adidos militares, principalmente de colegas meus que trabalham no exterior, que há um certo receio...

CC: Por que o receio de retornar?
CAC: Por que nós, que somos a primeira linha de frente, que obtemos informações, sabemos o quanto é possível que amanhã uma ou duas bombas nucleares sejam detonadas dentro de uma cidade norte-americana. Eu espero que isso nunca aconteça, mas que há esse grande receio, há. Agora mesmo vimos esse terrível, mas previsível, atentado em Madri. Como é previsível que tentarão na Inglaterra, em Londres.

CC: Quando você diz “ter informações”, é porque já houve ou vocês interceptaram algum episódio do gênero?
CAC: Sim, já houve um episódio desses...

CC: Que episódio?
CAC: Uma ...uma bomba suja que podia ser detonada em Washington... uma bomba radioativa foi impedida de ser detonada.

CC: Em que ano isso?
CAC: Há quase dois anos. Depois do 11 de setembro, muitas coisas aconteceram.

CC: Isso seria em Washington, próximo à sede do FBI?
CAC: Em Washington, ali próximo, sim, mas obviamente não se fez alarde, isso, se revelado em toda sua extensão, provocaria pânico na população americana...

CC: Peraí. Essa história tem a ver com um certo Padilha, ou algo assim, que foi preso em Chicago, creio, e que está incomunicável até hoje?
CAC: Eu não posso falar em nomes, mas já que você está a dizer, é exatamente esse o homem.

CC: Qual era o alvo?
CAC: Washington. Oito quarteirões na área do Mall, aquela região seria o epicentro, atingiria o Congresso Nacional, a Casa Branca, o Supremo, mesmo sendo uma bomba suja, rudimentar...

CC: Quando o senhor fala em “bomba suja”, quer dizer exatamente o quê?
CAC: Quero dizer uma bomba atômica, embora de menor potência, nesse caso.

CC: Vocês conseguiram impedir uma, mas podem não conseguir impedir a segunda?
CAC: Depois da queda da União Soviética, muitos daqueles países que faziam parte das repúblicas ficaram com armas, artefatos, ogivas nucleares. Nós suspeitamos, por exemplo, de que o Cazaquistão pode ter vendido uma ou duas ogivas nucleares ao Irã. Lembre-se do caso mais recente, do pai do programa nuclear do Paquistão que estava a vender segredos a outras nações.

CC: Na verdade, não se sabe onde está todo o antigo arsenal soviético?
CAC: Não é muito animador falar isso, ainda mais em público, mas, na verdade não, não se sabe. Não houve um inventário muito sério logo depois, principalmente da parte da Rússia. E outra coisa: muitos dos generais russos tiveram que vender armas para conseguir manter os seus exércitos.

CC: Para manter exércitos particulares?
CAC: Não, exércitos do Estado, mas eles, em meio àquela balbúrdia do pós- União Soviética, eram os comandantes-em-chefe, os gestores de uma enorme máquina de guerra. Então, para sobreviver, manter o mínimo daquilo tudo, era necessário fazer dinheiro...

CC: Vendendo armas?
CAC: Vendendo armas, nada mais lógico. Então há um receio muito grande de que amanhã algo catastrófico possa acontecer dentro dos Estados Unidos, ou num dos países aliados. Espero que não aconteça, mas esse receio existe entre os Serviços.

CC: Por que o senhor está a revelar isso?
CAC: Entre outros motivos para que o mundo saiba que o cidadão norte-americano comum não é arrogante, prepotente e antidemocrático, como é a atual administração.

CC: O senhor pretenderia mostrar que nem todas as forças secretas americanas agem da mesma forma?
CAC: Nem todas. Os meus próprios colegas dos Serviços de Inteligência, muitos deles, discordam da maneira como as coisas estão sendo feitas no governo do Bush. Grande parte dos meus colegas do FBI, dos serviços secretos, pensa igual a mim e esse é outro motivo pelo qual estou a falar, é preciso que as pessoas saibam disso, inclusive nos Estados Unidos. Se quiserem, vou ao Congresso depor.

CC: Ao Congresso dos Estados Unidos ou ao do Brasil?
CAC: Com garantias, vou ao Congresso dos Estados Unidos e vou ao do Brasil! O que eu penso é que até chefes, alguns chefes, mesmo colegas da CIA, membros do Departamento de Estado – e eu estou a falar de altos funcionários do Departamento de Estado e outros órgãos do governo – pensam e sentem. Exatamente da maneira que eu estou aqui a me expressar, mas não vão falar, têm receio de falar. Também eles acham que a administração de Bush é, basicamente, uma cambada de loucos...

CC: De fundamentalistas, fanáticos...
CAC: Não tem nada a ver com religião e sim com interesses políticos e interesses privados de quem não tem o mínimo conhecimento do que seja o mundo. O governo de vocês, esse de agora, do Lula, está agindo com cautela, com alguma distância necessária, inclusive nos negócios.

CC: Me dê um exemplo.
CAC: O GPS, o sistema de navegação global. O mundo depende dos Estados Unidos, embora existam dois sistemas: o GPS nos Estados Unidos e o sistema russo...

CC: E o Brasil adotou qual?
CAC: O Brasil está a adotar o sistema europeu, o Galileu.

CC: E daí, qual é a diferença? Não captei nada.
CAC: É uma boa medida, porque o Brasil não fica sujeito, primeiro, a alterações de localização. Quer dizer, o GPS é um sistema militar que serve também para o mundo civil; um barco, um avião, um carro podem ter o GPS. Durante várias ocasiões, por exemplo, nas guerras da Bósnia e do Iraque, o Departamento de Defesa simplesmente fechou acesso a civis. Pôs em perigo aeronaves civis, barcos, que tiveram que voltar aos mapas e bússolas.

CC: Fechou o acesso por quê?
CAC: Num caso de conflito, guerra, esses são os olhos na escuridão. Se só você tem acesso, a sua vantagem estratégica é enorme. Você tem olhos num mundo de cegos.

CC: Exemplo: se o Brasil tivesse, hipoteticamente, um desentendimento com os Estados Unidos e o sistema GPS brasileiro fosse o dos Estados Unidos?
CAC: Se o sistema fosse o americano, bastaria fechar o acesso e as suas Forças Armadas ficariam cegas.

CC: Você conheceu o Coaf, o sistema brasileiro de rastrear lavagem de dinheiro, chefiado no governo Fernando Henrique por Adriane Sena?
CAC: Eu mantive boas relações com ela e com alguns dos seus altos subordinados, inclusive prestei treinamento especializado em lavagem de dinheiro a vários membros do Coaf. Agora, ela gostava muito de falar que as leis de lavagem de dinheiro do Brasil, embora copiadas dos Estados Unidos, as superaram.

CC: Isso é verdadeiro?
CAC: É verdade? É. Que vocês têm lei, têm; vocês têm umas leis fantásticas e maravilhosas para combater esse tipo de crime.
CC: E quanto aos resultados?
CAC: Where is the beef, onde está o bife? Essa era sempre a pergunta que eu fazia a Adriane quando ela vinha com essa história da ótima legislação. Que eu saiba, o Brasil nunca recuperou dinheiro ilícito valendo-se do Coaf e suas leis. Só o fez quando eu, do FBI, recuperei o dinheiro do juiz Lalau, e através da nossa legislação, certamente inferior à da Adriane. Várias vezes eu tive de dizer: “Bom, vocês esqueceram do dinheiro”. “Ah, é verdade, vamos buscá-lo”, me respondiam. E levou não sei quanto tempo para o dinheiro ser entregue, e só foi porque eu tive de lembrar, além de fazer todo o trabalho para eles. Imagine que o Lalau quase conseguiu vender o apartamento de US$ 1 milhão em Miami. Não o fez porque eu consegui uma ordem judicial, por minha iniciativa. O caso Banestado foi outro em que eu prestei assistência. Quem instituiu o conceito de força-tarefa, de ação conjunta entre as instituições, foi o FBI, fui eu. Treinei, dei cursos em todo o País a policiais civis, militares, federais, juízes, procuradores, promotores, e muitos deles foram aos Estados Unidos, a treino, com meu orçamento. O órgão que realmente funciona, pelo menos funcionava, é a parte investigativa do INSS.

CC: E por que não conseguem recuperar o dinheiro ilegal fora?
CAC: O Coaf, tecnicamente, é para rastrear os ativos ilícitos, para depois encaminhá-los ao Ministério Público para o processo e a recuperação. Há pouco, o Ministério da Justiça criou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Pelo que vimos e conhecemos, nesses órgãos não se tem, para dizer o mínimo, idéia do que e como fazer esses processos. Até agora não justificaram suas existências. Nos Estados Unidos, quando há escassez de pessoal, o governo costuma contratar empresas privadas para fazer esse tipo de investigação, e dá uma porcentagem, de 10% a 25% do que é rastreado. Vocês, aqui, têm algumas empresas capacitadas a fazer esse trabalho. Por quê não as usam?

CC: Como é com os políticos brasileiros? Vocês os acompanham?
CAC: Sim, sim.

CC: Têm um dossiê de cada um?
CAC: Bom, todas as coisas sobre quem interessa ter, sobre quem tem poder e influência. Isso faz parte dos deveres no estrangeiro, saber quem são as pessoas. Isso é fundamental. Agora, se o Brasil o faz ou não faz, não sei. Deveria fazer por intermédio da suas Agências de Inteligência.

CC: Como eram as suas relações, de chefe do FBI, com políticos, com governadores...
CAC: Conheci vários. Amazonino Mendes (AM), um bom amigo, Esperidião Amin (SC), conheci o Jaime Lerner (PR), entre vários outros. Acho que eles, em relações internacionais, são um pouco ingênuos, à exceção do Amazonino, um homem perspicaz. O Garotinho...

CC: Você conheceu o Garotinho?
CAC: Ele é um bom amigo, um político talentoso. Ele foi o único político brasileiro convidado para a posse do presidente Bush, em janeiro de 2000. Convidado por mim através do então prefeito de Miami, Joe Carollo, ele foi apresentado ao governador Jeb Bush, irmão do presidente, numa noite de nevas.

 
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