Em 1995, o jesuĂta Francisco Jalics publicou
um livro, "Ejercicios de meditaciĂ³n". Ao narrar seu
sequestro, dizia que "muitas pessoas que sustentavam convicções polĂticas
de extrema direita viam com maus olhos nossa presença nas favelas.
Interpretavam o fato de que vivĂªssemos ali como um apoio Ă guerrilha e se
propuseram nos denunciar como terroristas.
NĂ³s sabĂamos de onde soprava o vento e quem era o
responsĂ¡vel por essas calĂºnias. Assim, fui falar com a pessoa em questĂ£o e lhe
expliquei que ele estava jogando com as nossas vidas. O homem me prometeu que
faria saber aos militares que nĂ£o Ă©ramos terroristas. Por declarações
posteriores de um oficial e 30 documentos aos quais pude ter acesso mais tarde,
pudemos comprovar sem lugar a dĂºvidas que esse homem nĂ£o cumpriu sua promessa,
mas, pelo contrĂ¡rio, havia apresentado uma falsa denĂºncia aos militares".
Em outra parte do livro, ele acrescenta que essa pessoa tornou "crĂvel a
calĂºnia, valendo-se de sua autoridade" e "testemunhou diante dos
oficiais que nos sequestraram que havĂamos trabalhado na cena da aĂ§Ă£o
terrorista. Pouco antes, eu havia manifestado a essa pessoa que ele estava
jogando com as nossas vidas. Ele devia ter consciĂªncia de que nos mandava a uma
morte certa com as suas declarações".
A identidade dessa pessoa que Ă© revelada em uma carta que Orlando
Yorioescreveu em Roma em novembro de 1977, dirigida ao assistente
geral daCompanhia de Jesus, padre Moura. Esse texto permite conhecer o
resto da histĂ³ria, pelo testemunho direto de uma das vĂtimas.
A reportagem Ă© de Horacio Verbitsky, publicada no jornal PĂ¡gina/12,
10-04-2010. A traduĂ§Ă£o Ă© de MoisĂ©s Sbardelotto.
Nessa recapitulaĂ§Ă£o escrita 18 anos antes que o livro de Jalics, Yorio conta a
mesma coisa, mas em vez de "uma pessoa" diz Jorge Mario
Bergoglio[cardeal arcebispo de Buenos Aires]. Conta que Jalics
falou duas vezes com o provincial, que "se comprometeu a frear os rumores
dentro da Companhia e a se adiantar para falar com os membros das Forças
Armadas para testemunhar nossa inocĂªncia". TambĂ©m menciona as
crĂticas que circulavam na Companhia de Jesus contra ele e Jalics: "Fazer
orações estranhas, conviver com mulheres, heresias, compromisso com a
guerrilha", semelhantes Ă s que Bergoglio transmitiu Ă Chancelaria. Yorio
nĂ£o conhecia a existĂªncia desse documento, que eu encontrei cinco anos depois
de sua morte. Em seu livro, Bergoglio diz o mesmo que lhes transmitia a Jalics
e Yorio: que ele nĂ£o acreditava na veracidade dessas acusações. Por que, entĂ£o,
devia comunicĂ¡-las ao governo militar, como prova o documento que se reproduz
abaixo?
Uma boca importante
Quando Bergoglio disse que havia recebido relatĂ³rios
negativos sobre ele, Yorio falou com os consultados por meio de seu superior.
Pelo menos trĂªs deles (os sacerdotes Oliva, JosĂ© Ignacio Vicentini e Juan
Carlos Scannone) lhe disseram que nĂ£o haviam opinado contra ele, mas sim a
favor. No clima da Argentina, a acusaĂ§Ă£o de pertencimento Ă guerrilha em
"uma boca importante (como a de um jesuĂta) podia significar simplesmente
a nossa morte. As forças de extrema direita jĂ¡ haviam metralhado um
sacerdote em sua casinha e haviam raptado, torturado e abandonado morto a um
outro. Os dois viviam em favelas. NĂ³s havĂamos recebido avisos no
sentido de nos cuidarmos", escreveu Yorio ao padre Moura.
Ele acrescenta que Jalics falou nĂ£o menos do que duas vezes
com Bergoglio para fazer com que ele visse o perigo em que essas versões os
colocavam. Segundo Yorio, "Bergoglio reconheceu a gravidade do fato e se
comprometeu a frear os rumores dentro da Companhia e a falar com membros das
Forças Armadas para testemunhar nossa inocĂªncia. [Mas como] o provincial nĂ£o
fazia nada para nos defender, começamos a suspeitar de sua honestidade.
EstĂ¡vamos cansados da provĂncia e totalmente inseguros".
Tinham seus motivos. Durante anos, Bergoglio os
havia submetido a um fustigamento insidioso, sem assumir de forma aberta as
acusações contra ele, que sempre atribuĂa a outros sacerdotes ou bispos que,
uma vez confrontados, o desmentiam. Bergoglio havia lhes garantido uma
continuidade de trĂªs anos em seu trabalho na vila de Bajo Flores. Mas informou
ao arcebispoJuan Carlos Aramburu que estavam ali sem autorizaĂ§Ă£o. O aviso
lhes chegou por meio de um dos fundadores do Movimento de Sacerdotes para
o Terceiro Mundo e da pastoral "villera",Rodolfo
Ricciardelli, a quem o prĂ³prio Aramburu havia contado. Quando Yorio o
consultou, Bergoglio lhe disse que Aramburu "era um mentiroso" e que
empregava essas "tĂ¡ticas para incomodar a Companhia".
A infĂ¢mia pĂºblica
Em nosso intercĂ¢mbio epistolar, Yorio defendeu que, no clima
de medo e delaĂ§Ă£o instalado dentro da Igreja e da sociedade, os
sacerdotes que trabalhavam entre os mais pobres "eram demonizados, postos
em suspeita dentro de nossas prĂ³prias instituições e acusados de subverter a
ordem social".
Nesse contexto, foram submetidos por Bergoglio "Ă proibiĂ§Ă£o e Ă infĂ¢mia
pĂºblica de nĂ£o poder exercer o sacerdĂ³cio, dando assim ocasiĂ£o e justificaĂ§Ă£o
para que as forças repressivas fizessem com que desaparecĂªssemos. Podiam nos
avisar de que havia perigos, mas sem frear as difamações das que os mesmos que
nos faziam o serviço de nos avisar eram cĂºmplices. Podiam nos alertar que
estĂ¡vamos marcados e acusados, mas mantendo no mistĂ©rio e na ambiguidade as
causas da acusaĂ§Ă£o, tirando-nos assim a possibilidade de nos defender".
Uma vez que saĂram da Companhia de Jesus, Bergoglio lhe recomendou
que fossem ver o bispo de MorĂ³n, Miguel Raspanti, em
cuja diocese poderiam salvar o sacerdĂ³cio e a vida. O provincial se ofereceu
para enviar um relatĂ³rio favorĂ¡vel para que os aceitasse. Yorio e Jalics
souberam pelo vigĂ¡rio e por alguns sacerdotes da diocese de MorĂ³n que la carta
do provincial Bergoglio a Raspanti continha acusações "suficientes para
que nĂ£o pudĂ©ssemos exercer mais o sacerdĂ³cio".
– NĂ£o Ă© verdade. Meu relatĂ³rio foi favorĂ¡vel. O que acontece Ă© que Raspanti Ă©
uma pessoa de idade que Ă s vezes se confunde – defendeu-se Bergoglio diante de
Yorio. Mas em seu novo encontro com o bispo de MorĂ³n, ratificou as acusações,
segundo o relato que Raspanti transmitiu a outro sacerdote da comunidade de
Bajo Flores, Luis DourrĂ³n. Yorio insistiu entĂ£o com Bergoglio.
– Raspanti diz que seus sacerdotes se opõem a que vocĂªs entrem na diocese –
arguiu desta vez o provincial.
Outra alternativa possĂvel era que eles se integrassem Ă Equipe da Pastoral "Villera" do
Arcebispado de Buenos Aires. Seu responsĂ¡vel, padre HĂ©ctor BotĂ¡n,
propĂ´s isso ao arcebispo Aramburu.
– ImpossĂvel. HĂ¡ acusações muito graves contra eles. NĂ£o quero nem vĂª-los –
respondeu-lhe.
Um dos sacerdotes "villeros" se queixou ao vigĂ¡rio
episcopal da regiĂ£o de Flores, Mario JosĂ© Serra.
– As acusações vĂªm do provincial – explicou-lhe Serra.
O prĂ³prio Serra foi encarregado de comunicar a Yorio que
haviam lhe retirado sua licença para exercer seu ministério na arquidiocese,
devido ao fato de que o provincial havia informado que "eu saĂ da
Companhia".
– NĂ£o tinham por que te tirar a licença. Essas sĂ£o coisas do Aramburu. Eu te
dou licença para que continues celebrando missa em privado, até que consigas um
bispo – disse-lhe Bergoglio.
A Ăºltima tentativa para lhes conseguir um bispo que os incardinasse foi feita
pelo sacerdote da arquidiocese Eduardo GonzĂ¡lez. Convocado Ă Assembleia
PlenĂ¡ria do Episcopado que começou no dia 10 de maio de 1976, ele
propĂ´s o caso ao arcebispo de Santa Fe, Vicente Zazpe.
– NĂ£o Ă© possĂvel se encarregar deles, porque o provincial anda dizendo que vai
lhes tirar da Companhia – defendeu.
A Equipe da Pastoral "Villera" enviou uma carta de
protesto a Bergoglio, com cĂ³pia ao nuncioPio Laghi, a Aramburu e
a Raspanti, que nĂ£o responderam. O tempo havia se esgotado, epoucos
dias depois Yorio e Jalics foram sequestrados, conduzidos Ă Esma [Escola
de MecĂ¢nica da Armada] e depois a uma casa operativa, na qual foram
torturados.
Um interrogador com ostensivos conhecimentos teolĂ³gicos disse a Yorio que
sabiam que ele nĂ£o era guerrilheiro, mas que, com o seu trabalho na vila, unia
os pobres, e isso era subversivo. Sua liberdade foi negociada pelo
governo em troca de que o episcopado recebesse o chefe do Estado Maior do
Exército, Roberto Viola, e o ministro da Economia, José
MartĂnez de Hoz. Um dia antes dessa visita ao episcopado, Yorio e Jalics
foram drogados e depositados por um helicĂ³ptero em um banhado de Cañuelas.
Depois de recuperar a liberdade, Yorio se refugiou em uma
igreja e depois na casa de sua mĂ£e. A proteĂ§Ă£o de um bispo era mais urgente do
que nunca. O Ăºnico que o aceitou foi Jorge Novak. Quando começaram
as batidas policiais na regiĂ£o e soube que perguntavam por Yorio, Novak
insistiu para que ele saĂsse do paĂs. "Bergoglio nĂ£o queria me mandar para Roma,
mas por pressĂ£o da minha famĂlia e de Novak eu saĂ. Estava escondido, porque
houve uma ordem deVidela para me buscar", escreveu-me Yorio em
1999.
Quando reapareceram em Cañuelas, a entĂ£o irmĂ£ Norma GorriarĂ¡n, da Companhia
de Maria, visitou Yorio na casa de sua mĂ£e. Em uma entrevista para o meu
livro "Historia polĂtica de la Iglesia CatĂ³lica argentina",
realizada no dia 27 de julho de 2006, ele lembrou que estavam descascando
ervilhas quando chegou a irmĂ£ de Yorio com a informaĂ§Ă£o de que o estavam
buscando. "Eu o levei a uma casa de irmĂ£s em Villa Urquiza,
onde tive Orlando por um mĂªs, em uma salinha, no
terraço".
Bergoglio exigiu que dissesse onde estava Yorio,
"aparentemente para protegĂª-lo. Mas nĂ£o me parecia confiĂ¡vel". A
religiosa se negou. Bergoglio "tremia, furioso pelo fato
de que uma freira insignificante o enfrentava. Apontava para mim e me dizia:
`VocĂª Ă© responsĂ¡vel pelos riscos que Orlando corre, onde quer que esteja`. Ele
queria saber onde ele estava".
Por Ăºltimo, Laghi conseguiu os documentos para ele, e Bergoglio lhe
pagou a passagem para Roma. "Mas ele nĂ£o pĂ´de me dar nenhuma explicaĂ§Ă£o
sobre o ocorrido antes. Adiantou-se a me pedir por favor que nĂ£o as desse,
porque se sentia muito confuso e nĂ£o saberia me dar essas informações. Eu
tambĂ©m nĂ£o lhe disse nada. O que poderia lhe dizer?".
Yorio lembrou que apenas em Roma o secretĂ¡rio do geral dos jesuĂtas
"tirou a venda dos meus olhos". Esse jesuĂta colombiano, o padre CĂ¡ndido
Gaviña, "me informou que eu havia sido expulso da Companhia. Também me
contou que o embaixador argentino no Vaticano havia lhe informado que o governo
dizia que havĂamos sido capturados pelas Forças Armadas porque os nossos
superiores eclesiĂ¡sticos haviam informado o governo que pelo menos um de nĂ³s
era guerrilheiro. Gavigna pediu-lhe que confirmasse isso por escrito, e o
embaixador o fez".
Em troca, Jalics viajou aos Estados Unidos e
depois Ă Alemanha. Escreveu que tinha mais ressentimento para quem
os havia entregue do que contra seus capturadores e, apesar da distĂ¢ncia,
"nĂ£o cessavam as mentiras, calĂºnias e ações injustas". Mas, conta em
seu livro, em 1980, queimou os documentos comprovatĂ³rios do que ele chama de
"o delito" de seus perseguidores. AtĂ© entĂ£o, os havia guardado com a
secreta intenĂ§Ă£o de utilizĂ¡-los. "Desde entĂ£o me sinto verdadeiramente
livre e posso dizer que perdoei de todo o coraĂ§Ă£o".
Em 1990, durante uma de suas visitas ao paĂs, Jalics se reuniu no instituto Fe
y OraciĂ³n, da rua Oro 2760, com Emilio e Chela
Mignone. Segundo a ata desse encontro, escrita por Mignone, Jalics lhes
disse que "Bergoglio se opĂ´s a que, uma vez posto em
liberdade, ele permanecesse na Argentina e falou com todos os bispos para que
nĂ£o o aceitassem em suas dioceses em caso de se retirar da Companhia de
Jesus". Bergoglio diz agora que, quando Jalics vem ao paĂs, ele o visita. A
famĂlia de Yorio tem uma informaĂ§Ă£o diferente: Ă© Bergoglio quem o busca, como
parte de sua operaĂ§Ă£o de dissimulaĂ§Ă£o.
O papel de Bergoglio na ditadura argentina
Bergoglio amistosamente cumprimentando o ditador genocĂda Videla
Fonte : Unisinos
Diante de um grande pĂºblico, no qual se encontravam membros da Igreja CatĂ³lica
e de outras confissões, foi apresentado nesta sexta-feira o livro "El
jesuita: Conversaciones con el cardenal Jorge
Bergoglio", dos jornalistas Francesca Ambrogetti e Sergio
Rubin.
A nota Ă© do jornal ClarĂn, 12-06-2010. A traduĂ§Ă£o Ă© de MoisĂ©s
Sbardelotto.
No livro, Bergoglio defende sua atuaĂ§Ă£o durante a Ăºltima ditadura depois que o
jornalistaHoracio
Verbitsky o acusou em uma série de artigos de ter virtualmente
"entregue" ao governo militar dois sacerdotes de sua congregaĂ§Ă£o, a Companhia
de Jesus, que trabalhavam em uma vila portenha.
Bergoglio tambĂ©m se refere Ă atuaĂ§Ă£o da Igreja nos anos de chumbo. A
apresentaĂ§Ă£o esteve a cargo de "Canela" (a
jornalista Gigliola Zecchin); Juan Carr, da Rede
SolidĂ¡ria e de Alberto Zimerman, da DAIA..
A "operaĂ§Ă£o conclave" de Bergoglio
Bergoglio com o general Videla: colaboraĂ§Ă£o com a ditadura
Fonte: Unisinos.
12 de Abril de 2010
Quando a publicaĂ§Ă£o mais importante da Alemanha, a revista Der Spiegel, se refere ao "papado falido" do seu compatriota Joseph Ratzinger (o mesmo termo que a InteligĂªncia norte-americana aplica aos Estados com vazio de poder nos quais justifica sua intervenĂ§Ă£o), o primaz da Argentina e arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Bergoglio (foto), empreende uma operaĂ§Ă£o de lavagem de sua imagem com a publicaĂ§Ă£o de um livro autobiogrĂ¡fico.
O ostensivo propĂ³sito de "El Jesuita", como o livro Ă© intitulado, Ă© defender seu desempenho como provincial da Companhia de Jesus entre 1973 e 1979, manchado pelas denĂºncias dos sacerdotes Orlando Yorio e Francisco Jalics, que ele entregou aos militares. Ambos foram sequestrados cinco meses a partir de maio de 1976. Em troca, as quatro catequistas e dois de seus esposos sequestrados dentro da mesma operaĂ§Ă£o nunca reapareceram. Entre eles, estavam MĂ³nica Candelaria Mignone, filha do fundador do CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), Emilio Mignone, e MarĂa Marta VĂ¡zquez Ocampo, da presidente das MĂ£es da Praça de Maio, Martha Ocampo de VĂ¡zquez.
A reportagem Ă© de Horacio Verbitsky, publicada no jornal PĂ¡gina/12, 10-04-2010. A traduĂ§Ă£o Ă© de MoisĂ©s Sbardelotto.
Ratzinger tem 83 anos e, segundo a Der Spiegel, muitas vozes pedem a sua renĂºncia. O sacerdote Paolo Farinella escreveu na prestigiosa revista italiana de filosofia MicroMega, cujo diretor Paolo Flores D’Arcais participou de debates pĂºblicos sobre filosofia com o Papa, queBento XVI deveria pedir perdĂ£o aos crentes afetados pela restriĂ§Ă£o do celibato, pelas condições nos seminĂ¡rios e pelos milhares de casos de abusos de crianças e dizer-lhes: "Vou me retirar para um monastĂ©rio e passarei o resto dos meus dias fazendo penitĂªncia pelo meu fracasso como sacerdote e como Papa".
NinguĂ©m se surpreenderia se, depois de beber uma tisana noturna falhasse o coraĂ§Ă£o de um homem entristecido e angustiado por causa das injustas crĂticas que atingem seu desempenho como bispo da Baviera e nĂ£o perdoam nem seu amado irmĂ£o Georg. A revista alemĂ£ menciona o antecedente de Celestino V, um Papa do sĂ©culo XIII, que renunciou porque nĂ£o se sentiu capaz de cumprir com suas funções.
Se algo disso ocorrer, Bergoglio precisa de uma folha de serviços limpa. Diante de uma pergunta sobre o Papa ideal, o presidente da AssociaĂ§Ă£o AlemĂ£ da Juventude CatĂ³lica, Dirk Tänzler, disse Ă Der Spiegel que preferiria que o escolhido tivesse trabalhado em uma parte pobre da AmĂ©rica do Sul ou em outra regiĂ£o atingida pela pobreza, jĂ¡ que teria uma visĂ£o diferente do mundo. A compaixĂ£o pela pobreza, compartilhada com a Sociedade Rural e aAssociaĂ§Ă£o Empresarial AEA, Ă© o nicho de oportunidade escolhido pelo episcopado sob a conduĂ§Ă£o de Bergoglio.
O SilĂªncio
É o cardeal que vincula seu descarrego com a eleiĂ§Ă£o papal. Seu livro narra que quando a vida de JoĂ£o Paulo II se apagava e o nome de Bergoglio figurava nos prognĂ³sticos dos jornalistas especializados, "voltava a se agitar uma denĂºncia jornalĂstica publicada poucos anos atrĂ¡s emBuenos Aires" e que, "Ă s vĂ©speras do conclave, que devia escolher o sucessor do Papa polonĂªs, uma cĂ³pia de um artigo com a acusaĂ§Ă£o, de uma sĂ©rie do mesmo autor, foi enviada aos endereços de correio eletrĂ´nico dos cardeais eleitores com o propĂ³sito de prejudicar as chances que eram outorgadas ao purpurado argentino". Bergoglio diz em seu livro que nunca responder Ă acusaĂ§Ă£o "para nĂ£o fazer o jogo de ninguĂ©m, nĂ£o porque tivesse algo para esconder". Ele nĂ£o explica porque mudou agora.
Pastores e lobos
Na realidade, a primeira versĂ£o do episĂ³dio nĂ£o se deve a nenhum jornalista, mas sim a Emilio Mignone. Em seu livro "Iglesia y dictadura", editado em 1986, quando Bergoglio nĂ£o era conhecido fora do mundo eclesiĂ¡stico, Mignone exemplificou com seu caso "a sinistra cumplicidade" com os militares, que "se encarregaram de cumprir a tarefa suja de limpar o pĂ¡tio interior da Igreja, com a aquiescĂªncia dos prelados".
Segundo o fundador do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), durante uma reuniĂ£o com a Junta Militar em 1976, o entĂ£o presidente da ConferĂªncia Episcopal e vigĂ¡rio castrense,Adolfo Servando Tortolo, concordou que, antes de deter um sacerdote, as Forças Armadas iriam avisar o bispo respectivo. Mignone acrescenta que, "em algumas ocasiões, a luz verde foi dada pelos prĂ³prios bispos. No dia 23 de maio de 1976, a Infantaria da Marinha deteve, no bairro de Bajo Flores, o presbĂtero Orlando Yorio e o manteve durante cinco meses na qualidade de desaparecido. Uma semana antes da detenĂ§Ă£o, o arcebispo [Juan Carlos]Aramburu havia lhe retirado sua licença ministerial, sem motivo nem explicaĂ§Ă£o. Por diferentes expressões ouvidas por Yorio em sua detenĂ§Ă£o, fica claro que a Armada interpretou tal decisĂ£o e, possivelmente, algumas manifestações crĂticas de seu provincial jesuĂta, Jorge Bergoglio, como uma autorizaĂ§Ă£o para proceder contra ele. Sem dĂºvida, os militares haviam advertido a ambos acerca de sua suposta periculosidade". Mignone se pergunta "o que a histĂ³ria irĂ¡ dizer sobre esses pastores que entregaram suas ovelhas ao inimigo sem defendĂª-las nem resgatĂ¡-las".
A chaga aberta
Eu publiquei a histĂ³ria nesta mesma coluna, no dia 25 de abril de 1999. AlĂ©m da opiniĂ£o deMignone, a nota incluiu a opiniĂ£o de quem foi sua colaboradora no CELS, a advogada Alicia Oliveira, que disse o que agora repete no livro: que seu amigo Bergoglio, preocupado com a iminĂªncia do golpe, temia pelo destino dos sacerdotes do assentamento e lhes pediu que saĂssem dali. Quando foram sequestrados, ele tentou localizĂ¡-los e buscar sua liberdade, assim como ajudou os outros perseguidos.
Por causa dessa nota, Orlando Yorio se comunicou comigo do Uruguai, onde vivia. Por telefone e por e-mail, refutou as afirmações de Bergoglio e Oliveira. "Bergoglio nĂ£o nos avisou do perigo iminente" e "tambĂ©m nĂ£o tenho nenhum motivo para pensar que ele fez alguma coisa pela nossa liberdade, mas sim todo o contrĂ¡rio", disse.
Os dois sacerdotes "foram libertados pela gestĂ£o de Emilio Mignone e a intercessĂ£o do Vaticano e nĂ£o pela atuaĂ§Ă£o de Bergoglio, que foi quem os entregou", acrescentou AngĂ©lica Sosa de Mignone, Chela, a esposa durante meio sĂ©culo do fundador do CELS. Seus testemunhos foram incluĂdos na nota "La llaga abierta", publicada no dia 09 de maio de 1999. TambĂ©m foram transmitidas ali as posições de Bergoglio e do outro padre sequestrado naquele dia, Francisco Jalics.
QuestĂ£o de Estilo
Em seu livro, Bergoglio diz agora que Yorio e Jalics "estavam preparando uma congregaĂ§Ă£o religiosa, e lhe entregaram o primeiro rascunho das regras aos bispos Pironio, Zazpe e Serra. Conservo a cĂ³pia que me deram". Bergoglio tambĂ©m me entregou uma cĂ³pia. Expressa o tipo de dĂºvidas e de conflitos que foram comuns em um alto nĂºmero de sacerdotes a partir doConcĂlio Vaticano II, com "a crise das congregações religiosas, os sinais dos tempos modernos, a coincidĂªncia com o sentir da busca dos jovens e a confirmaĂ§Ă£o espiritual que sentimos em nosso modo de viver atual".
O problema, nesse caso, era como compatibilizar "o estilo inaciano da vida religiosa" com "a vida moderna [que] pedia um estilo novo". A ata acrescenta que as Congregações ApostĂ³licas estĂ£o organizadas de modo que seus superiores "parecem se ocupar mais com as obras do que pela atenĂ§Ă£o espiritual de seus sĂºditos". Em troca, eles idealizam o modelo das fundações monĂ¡sticas e propõem que "a comunidade se una em torno de uma busca espiritual e de um projeto de vida e nĂ£o em torno de obras". Isso apresenta uma "incompatibilidade pessoal" aos sacerdotes subordinados Ă disciplina de sua congregaĂ§Ă£o.
Em sua carta ao padre Moura, Yorio menciona essa ata como resposta Ă pressĂ£o deBergoglio para que dissolvessem a comunidade em Bajo Flores. Acrescenta que deixaram paraPironio, Zazpe e Serra "um esboço de estruturaĂ§Ă£o de vida religiosa em caso de que nĂ£o pudĂ©ssemos continuar na Companhia e fosse possĂvel realizĂ¡-la fora", o que nĂ£o implica que eles quisessem sair dela. Em uma viagem posterior Ă Argentina, Pironio disse-lhe que nĂ£o havia consultado o assunto em Roma, porque Bergoglio "havia ido lhe ver para lhe dizer que o padre geral era contrĂ¡rio a nĂ³s". Zazpe respondeu que "o provincial andava dizendo que nos tiraria da Companhia", e Serra comunicou-lhe que lhe retirariam a licença na arquidiocese porqueBergoglio havia comunicado "que eu estava saindo da Companhia".
Segundo Bergoglio, o superior jesuĂta Pedro Arrupe disse que eles deviam escolher entre a comunidade em que viviam e a Companhia de Jesus. "Como eles persistiram em seu projeto e o grupo se dissolveu, pediram a saĂda da Companhia". Bergoglio acrescenta que a renĂºncia de Yorio foi aceita no dia 19 de março de 1976. "Diante dos rumores da iminĂªncia do golpe, eu lhes disse que tivessem muito cuidado. Lembro que lhes ofereci, se chegasse a ser conveniente para sua segurança, que viessem viver na casa provincial da Companhia", disse Bergoglio. Afirma tambĂ©m que nunca acreditou que eles estivessem envolvidos em atividades subversivas. "Mas, por causa de sua relaĂ§Ă£o com alguns padres das vilas de emergĂªncia, eles ficavam muito expostos Ă paranoia da caça Ă s bruxas. Como permaneceram no bairro, Yorio e Jalics foram sequestrados durante um rastreamento".
Papeizinhos
Bergoglio tambĂ©m nega ter aconselhado os funcionĂ¡rios de Culto da Chancelaria que rejeitassem a solicitaĂ§Ă£o de renovaĂ§Ă£o do passaporte de Jalics, que ele mesmo apresentou. Segundo Bergoglio, o funcionĂ¡rio que recebeu o pedido lhe perguntou pelas "circunstĂ¢ncias que precipitaram a saĂda de Jalics". Ele diz que respondeu: "Ele e seu companheiro sĂ£o acusados de serem guerrilheiros e nĂ£o tinham nada a ver".
O cardeal acrescenta que "o autor da denĂºncia contra mim revisou o arquivo da Secretaria de Culto, e a Ăºnica coisa que mencionou foi que encontrou um papelzinho daquele funcionĂ¡rio no qual ele havia escrito que eu lhe disse que fossem acusados como guerrilheiros. Eu havia entregue essa parte da conversa, mas nĂ£o a outra na qual eu lhe indicava que os sacerdotes nĂ£o tinham nada a ver. AlĂ©m disso, o autor da denĂºncia ignora minha carta, na qual eu colocava minha cara por Jalics e fazia o pedido".
NĂ£o foi nada disso. Em notas publicadas aqui e em meus livros "El Silencio" e "Doble juego", narrei a histĂ³ria completa e publiquei todos os documentos, começando pela carta de cuja omissĂ£o Bergoglio reclama. Depois, segue a recomendaĂ§Ă£o do funcionĂ¡rio de Culto que o recebeu, Anselmo Orcoyen: "Em atenĂ§Ă£o aos antecedentes do requerente, esta DireĂ§Ă£o Nacional Ă© da opiniĂ£o de que nĂ£o deve aceder".
O terceiro documento Ă© o definitĂ³rio. Esse papelzinho, assinado por Orcoyen, diz que Jalicstinha atividade dissolvente em comunidades religiosas femininas e conflitos de obediĂªncia, que esteve com Yorio na ESMA (detido, diz, em vez de sequestrado) por "suspeito contato com guerrilheiros". O ponto mais interessante Ă© o seguinte, porque remete a intimidades da Companhia de Jesus, vistas a partir da Ă³tica de Bergoglio, que nĂ£o tinha nenhuma necessidade de confiar ao funcionĂ¡rio da ditadura: "Viviam em uma pequena comunidade que o Superior JesuĂta dissolveu em fevereiro de 1976 e se negaram a obedecer solicitando a saĂda da Companhia em 19/03".
Ele acrescenta que Yorio foi expulso da Companhia e que "nenhum bispo da Grande Buenos Aires quis lhe receber". A "Nota Bene" final Ă© inegĂ¡vel: Orcoyen diz que esses dados lhe foram repassados "pelo padre Jorge Mario Bergoglio, firmante da nota, com especial recomendaĂ§Ă£o de que nĂ£o se fizesse o que Ă© solicitado".
(nĂ£o duvido nada que Bergoglio seja eleito Papa - ele tem o perfil ideal para o cargo)