quinta-feira, 14 de março de 2013

O novo Papa e a ditadura militar argentina


O cardeal Bergoglio e os trinta anos do golpe na Argentina

Dando comunhão ao general Vilela, ex-ditador e genocida 

 Eis de novo em evidência a Igreja católica da Argentina, uma das mais conservadoras, senão reacionária da América Latina e cuja cumplicidade durante os atrozes anos da ditadura militar, entre 1976 e 1983, escandalizaram o mundo. 

Quem traz para a superfície a memória daquele período nefasto, cravejado de 30 mil desaparecidos, é Horácio Verbitski, jornalista e escritor argentino que foi nestes 22 anos de democracia um dos mais próximos companheiros das Mães da Praça de Maio.

Agora, com Kirchner, o vento mudou e são disse Verbitski "ao menos 200 os militares na prisão" e 1.400 as causas judiciárias pela violação dos direitos humanos. A notícia é do Il Manifesto, 10-5-06.

Segundo o Il Manifesto, Verbitski é autor de quinze livros, entre eles O Vôo que relata o testemunho do capitão da marinha Adolfo Scilingo sobre os vôos da morte, nos quais detentos vivos eram jogados dos aviões no Rio da Prata.

Agora, Verbitski - afirma o jornal italiano - lança na Itália o seu livro A Ilha do Silêncio no qual desenvolve uma implacável acusação contra o papel da Igreja na ditadura argentina.

Em A Ilha do Silêncio, que se lê como um romance de fato e atroz, diz o Il Manifesto, comparecem todos os nomes notáveis da Igreja na Argentina, os cardeais Caggiano, Aramburo e Pimatesta, os bispos e vigários castrenses Tortolo, Bonamin e Grasseli, e o habitual núncio Pio Laghi. Mas também o nome do atual cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que poderia ter se tornado o primeiro papa latino-americano no conclave após a morte de Wojtyla, vencido por Ratzinger.

De acordo com Il Manifesto, "uma vitória do jesuíta Bergoglio teria sido uma desgraça não menor daquela do pastor alemão". E Verbitski, segundo o jornal, explica e documenta o porque.

Esclarecedor e demolidor, em particular, é o acontecimento dos dois padres jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que fizeram o erro de trabalhar nas favelas de Buenos Aires e por isto foram traídos e entregues aos militares por Bergoglio (que obviamente nega), diz o jornal a partir de relatos do jornalista.

Verbitski contou estes fatos na Universidade de Roma, apresentando o livro, acompanhado pelo vice-reitor Maria Rosalba Stabili e pelo professor Cláudio Tognonato. Eles três e outros inumeráveis participantes falarão hoje e amanhã da "Argentina; trinta anos do golpe. O Exílio na Itália" destaca o Il Manifesto.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=3649

Bergoglio - "Mentiras e calúnias" na Igreja argentina


 Fonte: Unsinos
 Em 1995, o jesuíta Francisco Jalics publicou um livro, "Ejercicios de meditación". Ao narrar seu sequestro, dizia que "muitas pessoas que sustentavam convicções políticas de extrema direita viam com maus olhos nossa presença nas favelas. Interpretavam o fato de que vivêssemos ali como um apoio à guerrilha e se propuseram nos denunciar como terroristas. 
Nós sabíamos de onde soprava o vento e quem era o responsável por essas calúnias. Assim, fui falar com a pessoa em questão e lhe expliquei que ele estava jogando com as nossas vidas. O homem me prometeu que faria saber aos militares que não éramos terroristas. Por declarações posteriores de um oficial e 30 documentos aos quais pude ter acesso mais tarde, pudemos comprovar sem lugar a dúvidas que esse homem não cumpriu sua promessa, mas, pelo contrário, havia apresentado uma falsa denúncia aos militares".

Em outra parte do livro, ele acrescenta que essa pessoa tornou "crível a calúnia, valendo-se de sua autoridade" e "testemunhou diante dos oficiais que nos sequestraram que havíamos trabalhado na cena da ação terrorista. Pouco antes, eu havia manifestado a essa pessoa que ele estava jogando com as nossas vidas. Ele devia ter consciência de que nos mandava a uma morte certa com as suas declarações".

A identidade dessa pessoa que é revelada em uma carta que Orlando Yorioescreveu em Roma em novembro de 1977, dirigida ao assistente geral daCompanhia de Jesus, padre Moura. Esse texto permite conhecer o resto da história, pelo testemunho direto de uma das vítimas.

A reportagem é de Horacio Verbitsky, publicada no jornal Página/12, 10-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Nessa recapitulação escrita 18 anos antes que o livro de Jalics, Yorio conta a mesma coisa, mas em vez de "uma pessoa" diz Jorge Mario Bergoglio[cardeal arcebispo de Buenos Aires]. Conta que Jalics falou duas vezes com o provincial, que "se comprometeu a frear os rumores dentro da Companhia e a se adiantar para falar com os membros das Forças Armadas para testemunhar nossa inocência". Também menciona as críticas que circulavam na Companhia de Jesus contra ele e Jalics: "Fazer orações estranhas, conviver com mulheres, heresias, compromisso com a guerrilha", semelhantes às que Bergoglio transmitiu à Chancelaria. Yorio não conhecia a existência desse documento, que eu encontrei cinco anos depois de sua morte. Em seu livro, Bergoglio diz o mesmo que lhes transmitia a Jalics e Yorio: que ele não acreditava na veracidade dessas acusações. Por que, então, devia comunicá-las ao governo militar, como prova o documento que se reproduz abaixo?

Uma boca importante
Quando Bergoglio disse que havia recebido relatórios negativos sobre ele, Yorio falou com os consultados por meio de seu superior. Pelo menos três deles (os sacerdotes Oliva, José Ignacio Vicentini e Juan Carlos Scannone) lhe disseram que não haviam opinado contra ele, mas sim a favor. No clima da Argentina, a acusação de pertencimento à guerrilha em "uma boca importante (como a de um jesuíta) podia significar simplesmente a nossa morte. As forças de extrema direita já haviam metralhado um sacerdote em sua casinha e haviam raptado, torturado e abandonado morto a um outro. Os dois viviam em favelas. Nós havíamos recebido avisos no sentido de nos cuidarmos", escreveu Yorio ao padre Moura.

Ele acrescenta que Jalics falou não menos do que duas vezes com Bergoglio para fazer com que ele visse o perigo em que essas versões os colocavam. Segundo Yorio, "Bergoglio reconheceu a gravidade do fato e se comprometeu a frear os rumores dentro da Companhia e a falar com membros das Forças Armadas para testemunhar nossa inocência. [Mas como] o provincial não fazia nada para nos defender, começamos a suspeitar de sua honestidade. Estávamos cansados da província e totalmente inseguros".

Tinham seus motivos. Durante anos, Bergoglio os havia submetido a um fustigamento insidioso, sem assumir de forma aberta as acusações contra ele, que sempre atribuía a outros sacerdotes ou bispos que, uma vez confrontados, o desmentiam. Bergoglio havia lhes garantido uma continuidade de três anos em seu trabalho na vila de Bajo Flores. Mas informou ao arcebispoJuan Carlos Aramburu que estavam ali sem autorização. O aviso lhes chegou por meio de um dos fundadores do Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo e da pastoral "villera",Rodolfo Ricciardelli, a quem o próprio Aramburu havia contado. Quando Yorio o consultou, Bergoglio lhe disse que Aramburu "era um mentiroso" e que empregava essas "táticas para incomodar a Companhia".


A infâmia pública
Em nosso intercâmbio epistolar, Yorio defendeu que, no clima de medo e delação instalado dentro da Igreja e da sociedade, os sacerdotes que trabalhavam entre os mais pobres "eram demonizados, postos em suspeita dentro de nossas próprias instituições e acusados de subverter a ordem social". 

Nesse contexto, foram submetidos por Bergoglio "à proibição e à infâmia pública de não poder exercer o sacerdócio, dando assim ocasião e justificação para que as forças repressivas fizessem com que desaparecêssemos. Podiam nos avisar de que havia perigos, mas sem frear as difamações das que os mesmos que nos faziam o serviço de nos avisar eram cúmplices. Podiam nos alertar que estávamos marcados e acusados, mas mantendo no mistério e na ambiguidade as causas da acusação, tirando-nos assim a possibilidade de nos defender".

Uma vez que saíram da Companhia de Jesus, Bergoglio lhe recomendou que fossem ver o bispo de Morón, Miguel Raspanti, em cuja diocese poderiam salvar o sacerdócio e a vida. O provincial se ofereceu para enviar um relatório favorável para que os aceitasse. Yorio e Jalics souberam pelo vigário e por alguns sacerdotes da diocese de Morón que la carta do provincial Bergoglio a Raspanti continha acusações "suficientes para que não pudéssemos exercer mais o sacerdócio".

– Não é verdade. Meu relatório foi favorável. O que acontece é que Raspanti é uma pessoa de idade que às vezes se confunde – defendeu-se Bergoglio diante de Yorio. Mas em seu novo encontro com o bispo de Morón, ratificou as acusações, segundo o relato que Raspanti transmitiu a outro sacerdote da comunidade de Bajo Flores, Luis Dourrón. Yorio insistiu então com Bergoglio.

– Raspanti diz que seus sacerdotes se opõem a que vocês entrem na diocese – arguiu desta vez o provincial.

Outra alternativa possível era que eles se integrassem à Equipe da Pastoral "Villera" do Arcebispado de Buenos Aires. Seu responsável, padre Héctor Botán, propôs isso ao arcebispo Aramburu.

– Impossível. Há acusações muito graves contra eles. Não quero nem vê-los – respondeu-lhe.

Um dos sacerdotes "villeros" se queixou ao vigário episcopal da região de Flores, Mario José Serra.

– As acusações vêm do provincial – explicou-lhe Serra.

O próprio Serra foi encarregado de comunicar a Yorio que haviam lhe retirado sua licença para exercer seu ministério na arquidiocese, devido ao fato de que o provincial havia informado que "eu saí da Companhia".

– Não tinham por que te tirar a licença. Essas são coisas do Aramburu. Eu te dou licença para que continues celebrando missa em privado, até que consigas um bispo – disse-lhe Bergoglio.

A última tentativa para lhes conseguir um bispo que os incardinasse foi feita pelo sacerdote da arquidiocese Eduardo González. Convocado à Assembleia Plenária do Episcopado que começou no dia 10 de maio de 1976, ele propôs o caso ao arcebispo de Santa Fe, Vicente Zazpe.

– Não é possível se encarregar deles, porque o provincial anda dizendo que vai lhes tirar da Companhia – defendeu.

A Equipe da Pastoral "Villera" enviou uma carta de protesto a Bergoglio, com cópia ao nuncioPio Laghi, a Aramburu e a Raspanti, que não responderam. O tempo havia se esgotado, epoucos dias depois Yorio e Jalics foram sequestrados, conduzidos à Esma [Escola de Mecânica da Armada] e depois a uma casa operativa, na qual foram torturados.

Um interrogador com ostensivos conhecimentos teológicos disse a Yorio que sabiam que ele não era guerrilheiro, mas que, com o seu trabalho na vila, unia os pobres, e isso era subversivo. Sua liberdade foi negociada pelo governo em troca de que o episcopado recebesse o chefe do Estado Maior do Exército, Roberto Viola, e o ministro da Economia, José Martínez de Hoz. Um dia antes dessa visita ao episcopado, Yorio e Jalics foram drogados e depositados por um helicóptero em um banhado de Cañuelas.

Depois de recuperar a liberdade, Yorio se refugiou em uma igreja e depois na casa de sua mãe. A proteção de um bispo era mais urgente do que nunca. O único que o aceitou foi Jorge Novak. Quando começaram as batidas policiais na região e soube que perguntavam por Yorio, Novak insistiu para que ele saísse do país. "Bergoglio não queria me mandar para Roma, mas por pressão da minha família e de Novak eu saí. Estava escondido, porque houve uma ordem deVidela para me buscar", escreveu-me Yorio em 1999.

Quando reapareceram em Cañuelas, a então irmã Norma Gorriarán, da Companhia de Maria, visitou Yorio na casa de sua mãe. Em uma entrevista para o meu livro "Historia política de la Iglesia Católica argentina", realizada no dia 27 de julho de 2006, ele lembrou que estavam descascando ervilhas quando chegou a irmã de Yorio com a informação de que o estavam buscando. "Eu o levei a uma casa de irmãs em Villa Urquiza, onde tive Orlando por um mês, em uma salinha, no terraço".

Bergoglio exigiu que dissesse onde estava Yorio, "aparentemente para protegê-lo. Mas não me parecia confiável". A religiosa se negou. Bergoglio "tremia, furioso pelo fato de que uma freira insignificante o enfrentava. Apontava para mim e me dizia: `Você é responsável pelos riscos que Orlando corre, onde quer que esteja`. Ele queria saber onde ele estava".

Por último, Laghi conseguiu os documentos para ele, e Bergoglio lhe pagou a passagem para Roma. "Mas ele não pôde me dar nenhuma explicação sobre o ocorrido antes. Adiantou-se a me pedir por favor que não as desse, porque se sentia muito confuso e não saberia me dar essas informações. Eu também não lhe disse nada. O que poderia lhe dizer?".

Yorio lembrou que apenas em Roma o secretário do geral dos jesuítas "tirou a venda dos meus olhos". Esse jesuíta colombiano, o padre Cándido Gaviña, "me informou que eu havia sido expulso da Companhia. Também me contou que o embaixador argentino no Vaticano havia lhe informado que o governo dizia que havíamos sido capturados pelas Forças Armadas porque os nossos superiores eclesiásticos haviam informado o governo que pelo menos um de nós era guerrilheiro. Gavigna pediu-lhe que confirmasse isso por escrito, e o embaixador o fez".

Em troca, Jalics viajou aos Estados Unidos e depois à Alemanha. Escreveu que tinha mais ressentimento para quem os havia entregue do que contra seus capturadores e, apesar da distância, "não cessavam as mentiras, calúnias e ações injustas". Mas, conta em seu livro, em 1980, queimou os documentos comprovatórios do que ele chama de "o delito" de seus perseguidores. Até então, os havia guardado com a secreta intenção de utilizá-los. "Desde então me sinto verdadeiramente livre e posso dizer que perdoei de todo o coração".

Em 1990, durante uma de suas visitas ao país, Jalics se reuniu no instituto Fe y Oración, da rua Oro 2760, com Emilio e Chela Mignone. Segundo a ata desse encontro, escrita por Mignone, Jalics lhes disse que "Bergoglio se opôs a que, uma vez posto em liberdade, ele permanecesse na Argentina e falou com todos os bispos para que não o aceitassem em suas dioceses em caso de se retirar da Companhia de Jesus". Bergoglio diz agora que, quando Jalics vem ao país, ele o visita. A família de Yorio tem uma informação diferente: é Bergoglio quem o busca, como parte de sua operação de dissimulação.


O papel de Bergoglio na ditadura argentina
Bergoglio amistosamente cumprimentando o ditador genocída Videla
Fonte : Unisinos

Diante de um grande público, no qual se encontravam membros da Igreja Católica e de outras confissões, foi apresentado nesta sexta-feira o livro "El jesuita: Conversaciones con el cardenal Jorge Bergoglio", dos jornalistas Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin.

A nota é do jornal Clarín, 12-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No livro, Bergoglio defende sua atuação durante a última ditadura depois que o jornalistaHoracio Verbitsky o acusou em uma série de artigos de ter virtualmente "entregue" ao governo militar dois sacerdotes de sua congregação, a Companhia de Jesus, que trabalhavam em uma vila portenha.

Bergoglio também se refere à atuação da Igreja nos anos de chumbo. A apresentação esteve a cargo de "Canela" (a jornalista Gigliola Zecchin); Juan Carr, da Rede Solidária e de Alberto Zimerman, da DAIA..
 

A "operação conclave" de Bergoglio

Bergoglio com o general Videla: colaboração com a ditadura
Fonte: Unisinos.

12 de Abril de 2010

Quando a publicação mais importante da Alemanha, a revista Der Spiegel, se refere ao "papado falido" do seu compatriota Joseph Ratzinger (o mesmo termo que a Inteligência norte-americana aplica aos Estados com vazio de poder nos quais justifica sua intervenção), o primaz da Argentina e arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Bergoglio (foto), empreende uma operação de lavagem de sua imagem com a publicação de um livro autobiográfico.

O ostensivo propósito de "El Jesuita", como o livro é intitulado, é defender seu desempenho como provincial da Companhia de Jesus entre 1973 e 1979, manchado pelas denúncias dos sacerdotes Orlando Yorio e Francisco Jalics, que ele entregou aos militares. Ambos foram sequestrados cinco meses a partir de maio de 1976. Em troca, as quatro catequistas e dois de seus esposos sequestrados dentro da mesma operação nunca reapareceram. Entre eles, estavam Mónica Candelaria Mignone, filha do fundador do CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), Emilio Mignone, e María Marta Vázquez Ocampo, da presidente das Mães da Praça de Maio, Martha Ocampo de Vázquez.

A reportagem é de Horacio Verbitsky, publicada no jornal Página/12, 10-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ratzinger tem 83 anos e, segundo a Der Spiegel, muitas vozes pedem a sua renúncia. O sacerdote Paolo Farinella escreveu na prestigiosa revista italiana de filosofia MicroMega, cujo diretor Paolo Flores D’Arcais participou de debates públicos sobre filosofia com o Papa, queBento XVI deveria pedir perdão aos crentes afetados pela restrição do celibato, pelas condições nos seminários e pelos milhares de casos de abusos de crianças e dizer-lhes: "Vou me retirar para um monastério e passarei o resto dos meus dias fazendo penitência pelo meu fracasso como sacerdote e como Papa".

Ninguém se surpreenderia se, depois de beber uma tisana noturna falhasse o coração de um homem entristecido e angustiado por causa das injustas críticas que atingem seu desempenho como bispo da Baviera e não perdoam nem seu amado irmão Georg. A revista alemã menciona o antecedente de Celestino V, um Papa do século XIII, que renunciou porque não se sentiu capaz de cumprir com suas funções.

Se algo disso ocorrer, Bergoglio precisa de uma folha de serviços limpa. Diante de uma pergunta sobre o Papa ideal, o presidente da Associação Alemã da Juventude Católica, Dirk Tänzler, disse à Der Spiegel que preferiria que o escolhido tivesse trabalhado em uma parte pobre da América do Sul ou em outra região atingida pela pobreza, já que teria uma visão diferente do mundo. A compaixão pela pobreza, compartilhada com a Sociedade Rural e aAssociação Empresarial AEA, é o nicho de oportunidade escolhido pelo episcopado sob a condução de Bergoglio.

O Silêncio

É o cardeal que vincula seu descarrego com a eleição papal. Seu livro narra que quando a vida de João Paulo II se apagava e o nome de Bergoglio figurava nos prognósticos dos jornalistas especializados, "voltava a se agitar uma denúncia jornalística publicada poucos anos atrás emBuenos Aires" e que, "às vésperas do conclave, que devia escolher o sucessor do Papa polonês, uma cópia de um artigo com a acusação, de uma série do mesmo autor, foi enviada aos endereços de correio eletrônico dos cardeais eleitores com o propósito de prejudicar as chances que eram outorgadas ao purpurado argentino". Bergoglio diz em seu livro que nunca responder à acusação "para não fazer o jogo de ninguém, não porque tivesse algo para esconder". Ele não explica porque mudou agora.

Pastores e lobos

Na realidade, a primeira versão do episódio não se deve a nenhum jornalista, mas sim a Emilio Mignone. Em seu livro "Iglesia y dictadura", editado em 1986, quando Bergoglio não era conhecido fora do mundo eclesiástico, Mignone exemplificou com seu caso "a sinistra cumplicidade" com os militares, que "se encarregaram de cumprir a tarefa suja de limpar o pátio interior da Igreja, com a aquiescência dos prelados".

Segundo o fundador do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), durante uma reunião com a Junta Militar em 1976, o então presidente da Conferência Episcopal e vigário castrense,Adolfo Servando Tortolo, concordou que, antes de deter um sacerdote, as Forças Armadas iriam avisar o bispo respectivo. Mignone acrescenta que, "em algumas ocasiões, a luz verde foi dada pelos próprios bispos. No dia 23 de maio de 1976, a Infantaria da Marinha deteve, no bairro de Bajo Flores, o presbítero Orlando Yorio e o manteve durante cinco meses na qualidade de desaparecido. Uma semana antes da detenção, o arcebispo [Juan Carlos]Aramburu havia lhe retirado sua licença ministerial, sem motivo nem explicação. Por diferentes expressões ouvidas por Yorio em sua detenção, fica claro que a Armada interpretou tal decisão e, possivelmente, algumas manifestações críticas de seu provincial jesuíta, Jorge Bergoglio, como uma autorização para proceder contra ele. Sem dúvida, os militares haviam advertido a ambos acerca de sua suposta periculosidade". Mignone se pergunta "o que a história irá dizer sobre esses pastores que entregaram suas ovelhas ao inimigo sem defendê-las nem resgatá-las".

A chaga aberta

Eu publiquei a história nesta mesma coluna, no dia 25 de abril de 1999. Além da opinião deMignone, a nota incluiu a opinião de quem foi sua colaboradora no CELS, a advogada Alicia Oliveira, que disse o que agora repete no livro: que seu amigo Bergoglio, preocupado com a iminência do golpe, temia pelo destino dos sacerdotes do assentamento e lhes pediu que saíssem dali. Quando foram sequestrados, ele tentou localizá-los e buscar sua liberdade, assim como ajudou os outros perseguidos.

Por causa dessa nota, Orlando Yorio se comunicou comigo do Uruguai, onde vivia. Por telefone e por e-mail, refutou as afirmações de Bergoglio e Oliveira. "Bergoglio não nos avisou do perigo iminente" e "também não tenho nenhum motivo para pensar que ele fez alguma coisa pela nossa liberdade, mas sim todo o contrário", disse.

Os dois sacerdotes "foram libertados pela gestão de Emilio Mignone e a intercessão do Vaticano e não pela atuação de Bergoglio, que foi quem os entregou", acrescentou Angélica Sosa de Mignone, Chela, a esposa durante meio século do fundador do CELS. Seus testemunhos foram incluídos na nota "La llaga abierta", publicada no dia 09 de maio de 1999. Também foram transmitidas ali as posições de Bergoglio e do outro padre sequestrado naquele dia, Francisco Jalics.

Questão de Estilo

Em seu livro, Bergoglio diz agora que Yorio e Jalics "estavam preparando uma congregação religiosa, e lhe entregaram o primeiro rascunho das regras aos bispos Pironio, Zazpe e Serra. Conservo a cópia que me deram". Bergoglio também me entregou uma cópia. Expressa o tipo de dúvidas e de conflitos que foram comuns em um alto número de sacerdotes a partir doConcílio Vaticano II, com "a crise das congregações religiosas, os sinais dos tempos modernos, a coincidência com o sentir da busca dos jovens e a confirmação espiritual que sentimos em nosso modo de viver atual".

O problema, nesse caso, era como compatibilizar "o estilo inaciano da vida religiosa" com "a vida moderna [que] pedia um estilo novo". A ata acrescenta que as Congregações Apostólicas estão organizadas de modo que seus superiores "parecem se ocupar mais com as obras do que pela atenção espiritual de seus súditos". Em troca, eles idealizam o modelo das fundações monásticas e propõem que "a comunidade se una em torno de uma busca espiritual e de um projeto de vida e não em torno de obras". Isso apresenta uma "incompatibilidade pessoal" aos sacerdotes subordinados à disciplina de sua congregação.

Em sua carta ao padre Moura, Yorio menciona essa ata como resposta à pressão deBergoglio para que dissolvessem a comunidade em Bajo Flores. Acrescenta que deixaram paraPironio, Zazpe e Serra "um esboço de estruturação de vida religiosa em caso de que não pudéssemos continuar na Companhia e fosse possível realizá-la fora", o que não implica que eles quisessem sair dela. Em uma viagem posterior à Argentina, Pironio disse-lhe que não havia consultado o assunto em Roma, porque Bergoglio "havia ido lhe ver para lhe dizer que o padre geral era contrário a nós". Zazpe respondeu que "o provincial andava dizendo que nos tiraria da Companhia", e Serra comunicou-lhe que lhe retirariam a licença na arquidiocese porqueBergoglio havia comunicado "que eu estava saindo da Companhia".

Segundo Bergoglio, o superior jesuíta Pedro Arrupe disse que eles deviam escolher entre a comunidade em que viviam e a Companhia de Jesus. "Como eles persistiram em seu projeto e o grupo se dissolveu, pediram a saída da Companhia". Bergoglio acrescenta que a renúncia de Yorio foi aceita no dia 19 de março de 1976. "Diante dos rumores da iminência do golpe, eu lhes disse que tivessem muito cuidado. Lembro que lhes ofereci, se chegasse a ser conveniente para sua segurança, que viessem viver na casa provincial da Companhia", disse Bergoglio. Afirma também que nunca acreditou que eles estivessem envolvidos em atividades subversivas. "Mas, por causa de sua relação com alguns padres das vilas de emergência, eles ficavam muito expostos à paranoia da caça às bruxas. Como permaneceram no bairro, Yorio e Jalics foram sequestrados durante um rastreamento".

Papeizinhos

Bergoglio também nega ter aconselhado os funcionários de Culto da Chancelaria que rejeitassem a solicitação de renovação do passaporte de Jalics, que ele mesmo apresentou. Segundo Bergoglio, o funcionário que recebeu o pedido lhe perguntou pelas "circunstâncias que precipitaram a saída de Jalics". Ele diz que respondeu: "Ele e seu companheiro são acusados de serem guerrilheiros e não tinham nada a ver".

O cardeal acrescenta que "o autor da denúncia contra mim revisou o arquivo da Secretaria de Culto, e a única coisa que mencionou foi que encontrou um papelzinho daquele funcionário no qual ele havia escrito que eu lhe disse que fossem acusados como guerrilheiros. Eu havia entregue essa parte da conversa, mas não a outra na qual eu lhe indicava que os sacerdotes não tinham nada a ver. Além disso, o autor da denúncia ignora minha carta, na qual eu colocava minha cara por Jalics e fazia o pedido".

Não foi nada disso. Em notas publicadas aqui e em meus livros "El Silencio" "Doble juego", narrei a história completa e publiquei todos os documentos, começando pela carta de cuja omissão Bergoglio reclama. Depois, segue a recomendação do funcionário de Culto que o recebeu, Anselmo Orcoyen: "Em atenção aos antecedentes do requerente, esta Direção Nacional é da opinião de que não deve aceder".

O terceiro documento é o definitório. Esse papelzinho, assinado por Orcoyen, diz que Jalicstinha atividade dissolvente em comunidades religiosas femininas e conflitos de obediência, que esteve com Yorio na ESMA (detido, diz, em vez de sequestrado) por "suspeito contato com guerrilheiros". O ponto mais interessante é o seguinte, porque remete a intimidades da Companhia de Jesus, vistas a partir da ótica de Bergoglio, que não tinha nenhuma necessidade de confiar ao funcionário da ditadura: "Viviam em uma pequena comunidade que o Superior Jesuíta dissolveu em fevereiro de 1976 e se negaram a obedecer solicitando a saída da Companhia em 19/03".

Ele acrescenta que Yorio foi expulso da Companhia e que "nenhum bispo da Grande Buenos Aires quis lhe receber". A "Nota Bene" final é inegável: Orcoyen diz que esses dados lhe foram repassados "pelo padre Jorge Mario Bergoglio, firmante da nota, com especial recomendação de que não se fizesse o que é solicitado".

(não duvido nada que Bergoglio seja eleito Papa - ele tem o perfil ideal para o cargo)



Bergoglio - Novos testemunhos sobre Bergoglio e a ditadura argentinaa ditadura argentina

Fonte - Unisinos

O papel do agora cardeal Bergoglio, da Argentina, no desaparecimento de sacerdotes e o apoio à repressão ditatorial é confirmado por cinco novos testemunhos. Falam um sacerdote e um ex-sacerdote, uma teóloga, um integrante de uma fraternidade leiga que denunciou noVaticano o que acontecia na Argentina em 1976 e um leigo que foi sequestrado junto com dois sacerdotes que não reapareceram.

A reportagem é de Horacio Verbitsky, publicada no jornal Página/12, 18-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Cinco novos testemunhos, oferecidos de forma espontânea a partir da notícia "Seu passado o condena", confirmam o papel do agora cardeal Jorge Bergoglio na repressão do governo militar sobre as fileiras da Igreja Católica que ele hoje preside, incluindo o desaparecimento de sacerdotes. As testemunhas são uma teóloga que durante décadas deu catequese em colégios do bispado de Morón, o ex-superior de uma fraternidade sacerdotal que foi dizimada pelos desaparecimentos forçados, um integrante da mesma fraternidade que denunciou os casos ao Vaticano, um sacerdote e um leigo que foram sequestrados e torturados.


Teóloga de minissaia

Dois meses depois do golpe militar de 1976, o bispo de Morón, Miguel Raspanti, tentou proteger os sacerdotes Orlando Yorio e Francisco Jalics porque temia que fossem sequestrados, mas Bergoglio se opôs. Assim indica a ex-professora de catequese em colégios da diocese de Morón, Marina Rubino, que nessa época estudava teologia no Colégio Máximo de San Miguel, onde Bergoglio vivia. Por essa circunstância, ela conhecia a ambos. Além disso, ela havia sido aluna de Yorio e Jalics e sabia do risco que eles corriam. Marina decidiu dar seu testemunho depois de ler a nota sobre o livro de descargo de Bergoglio.

Marina Rubino vive em Morón desde sempre. No Colégio do Sagrado Coração de Castelar, ela dava catequese às crianças e formava os pais, o que lhe parecia mais importante. "Uma vez por mês, nos reuníamos com eles. Era um trabalho muito bonito. Essa experiência durou 15 anos". Também deu cursos de iniciação bíblica "em todos os lugares não turísticos da Argentina. Tínhamos uma publicação, com comentários aos textos dos domingos. Queríamos que as comunidades tivessem elementos para pensar". Desde que se aposentou, dá aulas de tecelagem em centros culturais, sociedades de fomento ou em casas.

Ela não quis ingressar no seminário de Villa Devoto porque não lhe interessava a formação tomista, mas sim a Bíblia. Em 1972, começou a estudar teologia na Universidad del Salvador. A carreira era cursada no Colégio Máximo de San Miguel. No primeiro ano, teve como professor Francisco Jalics e, no segundo, Orlando Yorio. Enquanto estudava, coordenava a catequese no colégio Sagrado Coração de Castelar, onde também estava a religiosa francesa Léonie Duquet. "Eram tempos difíceis. Por fazer no colégio uma opção pelos pobres levando a sério oConcílio Vaticano II e a reunião do Celam de Medellín, perdemos a metade dos alunos. Mas mantivemos essa opção e continuamos formando pessoas mais abertas à realidade e ao compromisso com os mais necessitados, defendendo que a fé tem que fortalecer essas atitudes, e não as contrárias".

O bispo era Miguel Raspanti, que então tinha 68 anos e havia sido ordenado em 1957, nos últimos anos do reinado de Pio XII. Era um homem bem intencionado que fez todos os esforços para se adaptar às mudanças do Concílio, do qual participou. Depois do "cordobazo" de 1969, repudiou as estruturas injustas do capitalismo e estimulou o compromisso com a "libertação de nossos irmãos necessitados". Mas o problema mais grave que ele pôde identificar em Morón foi o aumento dos impostos sobre o pequeno comerciante e o proprietário da classe média. "Muitas vezes, foi preciso discutir e defender essas opções no bispado, e Dom Raspanti costumava terminar as entrevistas dizendo-nos que, se acreditávamos que era preciso fazer esta ou aquela coisa, se estávamos convencidos, ele nos apoiava", lembra Marina. Suas palavras são acompanhadas com atenção por seu esposo, Pepe Godino, um ex-padre de Santa María, Córdoba, que integrou o Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo.

Marina cursava teologia em San Miguel das 8h30min às 12h30min. Não haviam lhe dado a bolsa, porque era mulher, mas, como era a coordenadora de catequese em um colégio do bispado, Raspanti intercedeu e obteve que uma entidade alemã se encarregasse dos custos dos seus estudos. Também não quiseram lhe dar o título quando se formou em 1977. O diretor da teologia,José Luis Lazzarini, lhe disse que havia um problema, que não haviam se dado conta de que ela era mulher. Marina partiu em busca de quem a havia recebido ao ingressar, o jesuíta Víctor Marangoni:

- Quando você me viu pela primeira vez, você se deu conta de que eu era mulher ou não?

- Sim, claro, por quê? - respondeu atordoado o vice-reitor diante dessa forte mulher de minissaia.

- Porque Lazzarini não quer me dar o título.

Marangoni se encarregou de reparar essa absurdo. Marina tem seu título, mas a entrega oficial nunca ocorreu.

A desproteção

Em um meio-dia, ao sair de seus cursos, "encontrei Dom Raspanti de pé no hall da entrada, sozinho. Não sei por que o mantinham ali esperando. Estava muito silencioso. Perguntei se estava esperando por alguém, e ele me disse que sim, o padre provincial Bergoglio. Tinha o rosto desfigurado, pálido, acreditei que estava mal de saúde. Cumprimentei-o, perguntei se ele se sentia bem e o convidei a passar para uma salinha que havia no hall".

- Não, não me sinto mal, mas estou preocupado – respondeu Raspanti.

Marina diz que tem uma memória fotográfica daquele dia. Ela fala com voz calma, mas se percebe o apaixonamento em seus olhos grandes e expressivos. Pepe a olha com ternura.

"Me impressionou ver Raspanti sozinho, ele que sempre ia com o seu secretário", diz. Marina sabia que seus professores Jalics e Yorio e um terceiro jesuíta que trabalhava com ela no colégio de Castelar, Luis Dourron, haviam pedido para passar para a diocese de Morón. Yorio, Jalics, Dourron e Enrique Rastellini, que também era jesuíta, viviam em comunidade desde 1970, primeiro em Ituzaingó e depois no Barrio Rivadavia, junto à Gran Villa do Bajo Flores, com conhecimento e aprovação dos sucessivos provinciais da Companhia de Jesus, Ricardo Dick O’Farrell e Bergoglio.

"Eu lhe disse que Orlando e Francisco haviam sido meus professores e que Luis trabalhava conosco na diocese, que eram irrepreensíveis, que não duvidasse em recebê-los. Todos estávamos inclinados para que pudessem vir para Morón. Nenhum dos que conheciam a situação se opunha. Raspanti me disse que era sobre isso que vinha falar com Bergoglio. Já havia recebido Luis, mas precisava de uma carta na qual Bergoglio autorizasse a passagem de Yorio e Jalics".

Marina entendeu que era uma simples formalidade, mas Raspanti lhe esclareceu que a situação era mais complicada. "Com as más referências que Bergoglio havia mandado, ele não podia recebê-los na diocese. Estava muito angustiado porque, nesse momento, Orlando e Francisco não dependiam de nenhuma autoridade eclesiástica e me disse:

- Não posso deixar dois sacerdotes nessa situação, nem posso recebê-los com o relatório que ele me mandou. Venho para lhe pedir que simplesmente os autorize e que retire esse relatório que dizia coisas muito graves.

Qualquer um que ajudasse a pensar era guerrilheiro, comenta Marina. Acompanhou seu bispo até que Bergoglio o recebeu e depois foi embora. Ao sair, viu que o carro de Raspanti também não estava no estacionamento. "Deve ter vindo de ônibus, para que ninguém o seguisse. Queria que a coisa ficasse entre eles dois. Estava fazendo o impossível para dar-lhes proteção".

A teóloga acrescenta que a angústia de Raspanti lhe impressionou, porque, "mesmo que ele não pudesse ser qualificado de bispo progressista, sempre nos defendeu, defendeu os padres questionados da diocese, levava a dormir na casa episcopal aqueles que corriam mais risco e nunca nos proibiu de fazer ou dizer algo que considerássemos fruto do nosso compromisso cristão. Como bom salesiano, se comportava como uma galinha choca com seus padres e seus leigos, abrigava, cuidava, mesmo que não estivesse de acordo. Eram pontos de vista diferentes, mas ele sabia escutar e aceitava muitas coisas".

Um desses padres é Luis Piguillem, que havia sido ameaçado. Ele voltava de bicicleta quando se topou com uma barreira policial que impedia a passagem. Insistiu que queria passar, porque sua casa ficava no bairro, e um policial lhe disse:

- Você vai ter que esperar porque estamos fazendo uma operação na casa do padre.

Piguillem deu meia volta com sua bicicleta e se afastou sem olhar para trás. Dali, foi para o bispado de Morón, onde Raspanti lhe deu refúgio. Os militares disseram que ele havia se escondido debaixo das saias do bispo. Mas não se atreveram a ir buscá-lo ali.

- Raspanti era consciente do risco que Yorio e Jalics corriam?

- Sim. Disse que tinha medo de que desaparecessem. Dois sacerdotes não podem ficar no ar, sem um responsável hierárquico. Poucos dias depois, soubemos que eles os haviam levado.

De Córdoba a Cleveland

Outro testemunho recolhido a partir da publicação do domingo é o do sacerdote Alejandro Dausa, que, na terça-feira 03 de agosto de 1976, foi sequestrado em Córdoba, quando era seminarista da Ordem dos Missionários de Nossa Senhora de La Salette. Depois de seis meses nos quais foi torturado pela polícia cordobesa no Departamento de Inteligência D2, ele pôde viajar para os Estados Unidos, aonde o responsável do seminário já havia chegado, o sacerdote norte-americano James Weeks, por quem o governo de seu país se interessou. Neste ano, irá se realizar em Córdoba o julgamento daquele episódio, cujo principal responsável é o general Luciano Menéndez. Agora, Dausa vive na Bolívia e conta que tanto


Ao chegar aos EUA, soube por órgãos de direitos humanos que Jalics se encontrava em Cleveland, na casa de uma irmã. Dausa e os outros seminaristas, que estavam iniciando o noviciado, convidaram-lhe para dirigir dois retiros espirituais. Ambos foram realizados em 1977, um em Altamont (Estado de Nova York) e outro em Ipswich (Massachusetts). Dausa lembra: "Como é natural, conversamos sobre os sequestros respectivos, detalhes características, antecedentes, sinais prévios, pessoas envolvidas etc. Nessas conversas, ele nos indicou que Bergoglio os havia entregue e denunciado".

Na década seguinte, Dausa trabalhava como padre na Bolívia e participava dos retiros anuais da La Salette na Argentina. Em um deles, os organizadores convidaram Orlando Yorio, que nessa época trabalhava em Quilmes. "O retiro foi em Carlos Paz, Córdoba, e também nesse caso conversamos sobre a experiência do sequestro. Orlando indicou o mesmo que Jalics sobre a responsabilidade de Bergoglio".

Os assuncionistas

Yorio e Jalics foram sequestrados no dia 23 de maio de 1976 e conduzidos à Esma [Escola de Mecânica da Armada], onde um especialista em assuntos eclesiásticos que conhecia a obra teológica de Yorio lhes interrogou. Em um dos interrogatórios, perguntou-lhe sobre os seminaristas assuncionistas Carlos Antonio Di Pietro e Raúl Eduardo Rodríguez. Ambos eram colegas de Marina Rubino no curso de teologia de San Miguel e desenvolviam trabalhos sociais no bairro popular La Manuelita, de San Miguel, onde viviam e atendiam à capela Jesus Operário. Dali, foram sequestrados dez dias depois que os dois jesuítas, no dia 04 de junho de 1976, e levados para a mesma casa operativa que Yorio e Jalics. Na metade da manhã, Di Pietro telefonou para o superior assuncionista Roberto Favre e lhe perguntou pelo sacerdote Jorge Adur, que vivia com eles em La Manuelita.

- Recebemos um telegrama para ele e temos que lhe entregar – disse.

Desse modo, conseguiu que a Ordem se pusesse em movimento. O superior Roberto Favreapresentou um recurso de habeas corpus, que não obteve resposta. Adur conseguiu sair do país, com a ajuda do núncio Pio Laghi, e se exilou na França. Voltou de forma clandestina em 1980, convertido em capelão do autodenominado "Exército Montonero" e foi preso-desaparecido no trajeto para o Brasil, onde procurava se encontrar com o Papa João Paulo II.

O mesmo caminho do exílio foi seguido por um dos detidos na batida policial do bairro La Manuelita, o então estudante de medicina e hoje médico Lorenzo Riquelme. Quando recuperou sua liberdade, a Fraternidade dos Irmãozinhos do Evangelho lhe deu hospitalidade em sua casa portenha da rua Malabia. Em comunicações desde a França com quem era então o superior dos Irmãozinhos do Evangelho, Patrick Rice, Riquelme disse que quem o denunciou foi um jesuíta do Colégio de San Miguel, que era por sua vez capelão do Exército. Ele está convencido de que esse sacerdote presenciou as torturas que lhe foram aplicadas, em Campo de Mayo, acredita ele.

O amolecedor

Também em consequência da notícia do domingo, um fundador da fraternidade leiga dos Irmãozinhos do Evangelho Charles de Foucauld, Roberto Scordato, aceitou narrar seu conhecimento do caso. Entre o fim de outubro e o começo de novembro de 1976, Scordato se reuniu em Roma com o cardeal Eduardo Pironio, que era prefeito da Congregação para os Religiosos do Vaticano, e lhe comunicou o nome e o sobrenome de um sacerdote da comunidade jesuíta de San Miguel que participava das sessões de tortura em Campo de Mayocom o papel de "amolecer espiritualmente" os detidos.

Scordato pediu-lhe que transmitisse ao superior geral Pedro Arrupe, mas ignora o resultado de sua gestão, se é que teve algum. Consultado para esta nota, Rice, que também foi sequestrado e torturado nesse ano, disse que isso não teria sido possível sem a aprovação do padre provincial. Rice e Scordato acreditam que esse jesuíta tinha o sobrenome González, mas, a 34 anos de distância, não lembra com certeza.

Fúria

Como todas as vezes em que seu passado o alcança, Bergoglio atribui a divulgação de seus atos ao governo nacional. Nesta semana, ele reagiu com fúria durante a homilia que pronunciou em uma missa para estudantes. Naquilo que seu porta-voz descreveu como "uma mensagem para o poder político", ele disse que "não temos direitos a mudar a identidade e a orientação da Pátria", mas sim a "projetá-la para o futuro em uma utopia que seja continuidade com aquilo que nos foi dado", que os jovens não têm outro horizonte do que comprar drogas e que os dirigentes procuram ascender, aumentar o caixa e promover os amigos.

Com esse ânimo irascível, ele inaugurará em San Miguel a primeira assembleia plenária do Episcopado de 2010.

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