O conflito entre o exercício de uma atividade econômica e os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas sempre esteve presente em nossos registros históricos. Os mais de quinhentos anos que marcam a história nacional são contados pelos olhos dos primeiros habitantes através do desrespeito à sua cultura e da dizimação de seu povo. Uma população que se contava em milhões na época da conquista, hoje, segundo dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI (2005), está estimada em aproximadamente 345 mil índios, dispostos em 215 sociedades indígenas, que perfazem 0,2% da população nacional. Dados que demonstram explicitamente a política etnocêntrica que fomos adotando ao longo de todos esse anos.
Estimulados por um crescimento econômico que prometia o desenvolvimento do país, caracterizado como progresso, adotamos, dentre outros, uma política de abertura das fronteiras agrícolas e de incentivo à exploração dos recursos naturais, como a mineração e a construção de usinas hidrelétricas. No entanto, essa expansão, que visava principalmente a ocupação da região Norte do país, não levou em consideração os povos indígenas, seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e a importância da manutenção da pluralidade étnica e da dignidade humana como requisitos fundamentais para a construção de um país efetivamente justo e democrático. Pelo contrário, esses povos eram tidos como empecilhos ao desenvolvimento e não raras vezes a medida adotada era a de “limpeza da área”, ou seja, de dizimação de comunidades indígenas inteiras para que o avanço se concretizasse. Como exemplo desse desrespeito, pode-se citar o Massacre do Paralelo 11 , como ficou conhecido o extermínio, na década de 60, de aldeias de índios Cinta Larga, no Estado do Mato Grosso. Uma tragédia que ficou internacionalmente conhecida e denunciou a prática de genocídio indígena no Brasil.
Juridicamente há referências sobre os direitos dos povos indígenas desde o Brasil colonial, entretanto, a garantia aos índios da preservação de sua organização social, língua e tradições de modo permanente, só ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 . Em relação às terras ocupadas pelos índios, nossa Carta Magna garante aos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231, “caput”), assegurando-lhes a posse permanente sobre essas terras e o usufruto exclusivo sobre os recursos naturais nelas existentes (art. 231, § 2°). Já a exploração das riquezas do subsolo, a Constituição remete o assunto à autorização do Congresso Nacional, que ainda não se manifestou sobre a matéria, com a necessidade de se ouvirem as comunidades afetadas e assegurando a estas uma participação nos resultados da lavra, na forma da lei (art. 231, § 3°). A Constituição prevê ainda que os dispositivos sobre garimpo em seu texto não se aplicam às terras indígenas (art. 231, § 7°), não estando, portanto, permitida a atividade por terceiros nessas terras. Sobre o assunto, o Estatuto do Índio determina a exclusividade do exercício da garimpagem, faiscação e cata pelos povos indígenas (art. 44).
Além de dispositivos constitucionais, a problemática da atividade minerária em terras indígenas encontra respaldo jurídico em leis infraconstitucionais, como o Estatuto do Índio, o Código de Mineração, dentre outros. O arcabouço legal é amplo, mas pode-se dizer que ainda existe uma certa inadequação e muitas vezes ausência de dispositivos jurídicos para regular a questão de forma sustentável. Visando suprir algumas dessas deficiências e tentando adaptar a legislação às necessidades atuais, tramitam hoje no Congresso Nacional projetos de lei para a criação de um novo Estatuto do Índio, como o PL Nº 2.057/91 e projetos, como o PL Nº 1.610/96, que dispõe com exclusividade sobre a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais em áreas indígenas.
No que se refere ao tratamento dado aos recursos minerais por nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal faz uma diferenciação entre as propriedades do solo e do subsolo e determina que todos os minérios aí existentes são de propriedade da União (art. 176, caput). Isso ocorre porque nossa Carta Constitucional assumiu a premissa de que os recursos minerais são estratégicos para o desenvolvimento nacional e que, portanto, caberia à União regular o modo de acesso a esses recursos. Esse controle sobre os recursos minerais que permite a União estipular, segundo o “interesse nacional”, quais devem ser as reservas exploradas e quais devem ser resguardadas para uso futuro, bem como determinar quais os particulares mais adequados para realizar a exploração mineral, caracteriza um processo de concessão de uso extremamente burocrático e centralizado, realizado através do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Dessa forma, não raras vezes, os processos de autorização de pesquisa ou concessão de lavra são realizados totalmente à revelia da realidade local, não havendo qualquer tipo de interação entre a política minerária, que estipula onde e quando serão exploradas as jazidas, e as demais políticas “setoriais”, como a ambiental, a habitacional, a sanitária etc.
Nesse sentido, devido às características da exploração mineral no país, percebe-se a construção de um paradoxo, pois, ao mesmo tempo em que a mineração é considerada uma atividade econômica importante no contexto produtivo nacional, contribuindo para o crescimento econômico de diversas regiões e para o ingresso de divisas no país, ela também pode ser uma atividade geradora de muitas externalidades negativas em nível local, responsável por grandes impactos socioambientais. Uma situação que se torna ainda mais crítica quando o exercício da lavra ocorre em terras indígenas, pois a dinâmica típica da exploração mineral ocorre de maneira contrária à dinâmica comunitária dessas populações.
Os impactos da mineração formal e informal sobre as comunidades indígenas, caracterizados principalmente pela degradação do meio ambiente natural e pela introdução de elementos estranhos à sua cultura, demonstram um processo insustentável de desenvolvimento, pois o modo como essas atividades são realizadas explicita o descaso com a perenização da vida, ou seja, com a sustentabilidade, devido à falta de preservação da biodiversidade, da diversidade cultural etc. Uma prática ilegal que ocorre principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país, por serem áreas que concentram o maior número de populações indígenas e pela geologia dessas regiões , que propicia o aparecimento de ouro e metais básicos, concentrando, portanto, os grandes projetos minerários e intensificando o conflito entre a mineração e a garantia dos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas.
A mineração, como qualquer outra atividade econômica, deve ter seu desenvolvimento baseado nos princípios da sustentabilidade , ou seja, mais do que a obtenção de uma rentabilidade econômica, esta deve assegurar uma melhoria na qualidade de vida da população e um meio ambiente saudável. Assim, a mineração em terras indígenas além de gerar crescimento econômico, deve ser compatível com a preservação da biodiversidade e com a garantia dos direitos culturais e sociais dos povos indígenas, garantindo-lhes bem-estar social e proporcionando benefícios para a população como um todo. A própria lei mineral prevê a possibilidade da mineração não ser exercida caso não venha assegurar, devido às suas conseqüências deletérias, a preservação de bens e interesses de maior valor perante a sociedade. Segundo o artigo 42 do Código de Mineração, a autorização para a exploração será “recusada se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo”.
A sobrevivência física e cultural das comunidades indígenas supera em muito o interesse na apropriação privada dos recursos minerais, portanto deve ser considerada como um bem de maior valor perante a sociedade, assegurado acima de qualquer crescimento econômico propriamente dito. Deve-se levar em consideração, como bem salienta VALLE (2002), que o crescimento gerado pela mineração se baseia na utilização de recursos finitos, que geram um aparente crescimento imediato, mas deixa um rastro de impactos sócio-ambientais que se inicia no presente e se perpetua no tempo, o que pode diminuir significativamente a qualidade de vida das atuais e futuras gerações.
Assim, antes que a mineração em terras indígenas seja de fato efetivada, deve-se analisar quais serão os impactos sobre essa comunidade e sobre o meio ambiente natural, o que varia de caso para caso. Faz-se necessário considerar, por exemplo, o grau de integração dessa comunidade com a sociedade dominante e se a atividade minerária gerará um impacto suportável para que a comunidade indígena mantenha sua integridade física e cultural. Pode-se dizer, portanto, que não há como criar uma legislação que regulamente de maneira geral e uniforme a mineração em terras indígenas, pois se deve levar em consideração as particularidades e essencialidades de cada caso, tanto em relação aos povos indígenas envolvidos, quanto ao mineral a ser explorado, sua essencialidade e forma de exploração.