domingo, 22 de julho de 2012

Putin quer firmar a imagem da RĂºssia como potĂªncia mundial, afirma analista


O presidente russo, Vladimir Putin (direita), e o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev (esquerda), durante sessĂ£o do Conselho de Estado no Kremlin, Moscou
O Conselho de Segurança das Nações Unidas tentou aprovar na Ăºltima quinta-feira (19/07), pela terceira vez sem sucesso, uma resoluĂ§Ă£o sobre o conflito armado que atinge a SĂ­ria. Enquanto França, Alemanha e Estados Unidos apoiam uma atitude mais severa em relaĂ§Ă£o ao regime de Bashar al Assad, RĂºssia e China se opõem veementemente a essas tentativas. O governo de Vladimir Putin jĂ¡ deixou claro que nĂ£o aprovarĂ¡ textos que façam qualquer menĂ§Ă£o ao capĂ­tulo VII da Carta da ONU que, em Ăºltima instĂ¢ncia, permitem intervenções militares.
Principal aliado do governo sĂ­rio no jogo das grandes potĂªncias, a RĂºssia tem impedido uma atitude mais drĂ¡stica de outros paĂ­ses em relaĂ§Ă£o ao paĂ­s Ă¡rabe. Mesmo os recentes acontecimentos no paĂ­s nĂ£o foram suficientes para uma mudança no posicionamento de Moscou.

Na opiniĂ£o de Oliveiros Ferreira, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e da USP, o objetivo do governo russo Ă© reconduzir o paĂ­s Ă  condiĂ§Ă£o de potĂªncia mundial geopolĂ­tica, papel que foi enfraquecido apĂ³s o fim da Guerra Fria (1945-1991) e o desmembramento da UniĂ£o SoviĂ©tica. Em entrevista ao Opera Mundi, ele destacou os interesses da RĂºssia na SĂ­ria e na regiĂ£o.
Outros analistas seguem posicionamentos semelhantes a respeito da relaĂ§Ă£o entre russos e sĂ­rios. Para Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Pesquisa de AnĂ¡lise de EstratĂ©gia e Tecnologias, a RĂºssia se mantĂ©m favorĂ¡vel ao governo de Assad porque nĂ£o deseja perder o seu poder de influĂªncia no paĂ­s, consolidado na Ă©poca da Guerra Fria durante o governo de Hafez al Assad, pai do atual presidente sĂ­rio.
Nikolas Gvosdev, professor de segurança nos Estados Unidos e editor da revista The National Interest, acrescenta que o governo de Putin nĂ£o viu outra opĂ§Ă£o a nĂ£o ser apoiar Assad atĂ© o fim, uma vez que a oposiĂ§Ă£o sĂ­ria nĂ£o deu nenhuma garantia de que continuarĂ¡ sendo sua aliada.
A SĂ­ria Ă© importante para a RĂºssia em diversas dimensões. AlĂ©m de ser um importante aliado na regiĂ£o do Oriente MĂ©dio, o governo russo mantĂ©m uma relaĂ§Ă£o comercial relevante com o paĂ­s (Assad teria comprado cerca de 3,5 bilhões de dĂ³lares em armamento russo). A RĂºssia tambĂ©m possui uma base militar no porto de Tartus, que estratĂ©gico por sua posiĂ§Ă£o no Mar MediterrĂ¢neo, devido principalmente pela grande circulaĂ§Ă£o de dutos de petrĂ³leo.
* * *
Opera Mundi - Por que a RĂºssia veta as resoluções da ONU em relaĂ§Ă£o Ă  SĂ­ria?
Oliveiros Ferreira - Ă‰ necessĂ¡rio considerar toda a projeĂ§Ă£o internacional da RĂºssia. O governo russo tem interesses na SĂ­ria que nĂ£o se resumem apenas ao comĂ©rcio de armas e a sua basa naval no paĂ­s. A RĂºssia tem e sempre teve interesses no Oriente MĂ©dio e nĂ£o permitirĂ¡ uma intervenĂ§Ă£o da ONU ou de qualquer outro paĂ­s que prejudique seus interesses geopolĂ­ticos. Ela quer ter um pĂ© no Oriente MĂ©dio, assim como os EUA.

OM - O senhor jĂ¡ citou os interesses da RĂºssia no paĂ­s. Mas o que o governo russo perde com a saĂ­da de Assad?
OF - NĂ£o temos informações corretas sobre o que a RĂºssia estĂ¡ fazendo no Oriente MĂ©dio. Mas, a saĂ­da de Al Assad, no fundo, vai fazer com que a RĂºssia perca a influĂªncia que tem no Oriente MĂ©dio. Porque, seguramente, serĂ¡ difĂ­cil que alguĂ©m favorĂ¡vel Ă  RĂºssia assuma o poder. Quem Ă© que vai ganhar se Assad sair? Na dimensĂ£o regional, serĂ¡ a ArĂ¡bia Saudita. E o IrĂ£ irĂ¡ perder. 
OM - Questões internas podem ter influenciado o posicionamento da RĂºssia?
OF - NĂ£o, nĂ£o, nĂ£o. Isso Ă© uma questĂ£o do Estado russo e que nĂ£o tem relações com a polĂ­tica interna.
OM - A polĂ­tica externa russa pode ser entendida, de certa maneira, como uma continuidade das polĂ­ticas seguidas durante a Guerra Fria?
OF - NĂ£o. É uma nova fase das relações de poder na Europa e no Oriente MĂ©dio que nada tem a ver com o perĂ­odo da Guerra Fria. O que assistimos, atualmente, Ă© o Putin querendo firmar a RĂºssia como potĂªncia mundial.
OM - Qual a possibilidade de os EUA realizarem uma intervenĂ§Ă£o na SĂ­ria sem a autorizaĂ§Ă£o da RĂºssia?
OF - Eu diria que nenhuma. A situaĂ§Ă£o estĂ¡ muito complicada no AfeganistĂ£o e no Iraque e os EUA nĂ£o tĂªm mais a condiĂ§Ă£o econĂ´mica para custear uma guerra. Neste caso, nĂ£o se trata apenas da autorizaĂ§Ă£o da RĂºssia, mas sim do Conselho de Segurança da ONU o que torna a intervenĂ§Ă£o na SĂ­ria uma questĂ£o internacional. AlĂ©m disso, eu me pergunto se os EUA vĂ£o cooperar diretamente caso haja uma intervenĂ§Ă£o no paĂ­s. No caso da LĂ­bia, eles deixaram a Europa cuidar do assunto e nĂ£o se intrometeram de forma direta. 

Brasil contrata ExĂ©rcito dos EUA para planejar hidrovia no SĂ£o Francisco

Comandante do Comando Militar Sul dos EUA, responsĂ¡vel pelas operações americanas na AmĂ©rica Latina,
recebe informações sobre o projeto



A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do SĂ£o Francisco e do ParnaĂ­ba (Codevasf), Ă³rgĂ£o do governo federal subordinado ao MinistĂ©rio da IntegraĂ§Ă£o, contratou o Corpo de Engenharia do ExĂ©rcito dos Estados Unidos (Usace) para estudar alternativas que tornem navegĂ¡vel o Rio SĂ£o Francisco, um dos mais importantes cursos d´Ă¡gua do paĂ­s e da AmĂ©rica Latina.

O contrato, de R$ 7,8 milhões (US$ 3,84 milhões), foi assinado em dezembro do ano passado e, em março deste ano, os primeiros engenheiros do ExĂ©rcito norte-americano chegaram ao Brasil com a missĂ£o de desenvolver projetos que contenham a erosĂ£o nas margens e facilitem a construĂ§Ă£o de uma hidrovia no SĂ£o Francisco.

Na semana passada, o comandante do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, brigadeiro Douglas Fraser (que responde diretamente ao secretĂ¡rio de Defesa e ao presidente Barack Obama), esteve em BrasĂ­lia para saber como anda o trabalho.

“O contrato tem o prazo de trĂªs anos, em que os engenheiros do Usace devem nos apresentar 12 projetos de assessoria tĂ©cnica para a navegaĂ§Ă£o do rio. SĂ£o estudos sobre dragagem, controle de erosĂ£o e estabilizaĂ§Ă£o das margens, geotecnia, dentre outros”, disse ao G1 o gerente de concessões e projetos especiais da Codevasf, Roberto Strazer.




Segundo ele, a parceria teve inĂ­cio apĂ³s troca de e-mails entre funcionĂ¡rios da Codevasf e o Usace para aproveitar o conhecimento da engenharia militar dos EUA no Rio SĂ£o Francisco.

“Eles possuem em um conhecimento incrĂ­vel em navegaĂ§Ă£o que querĂ­amos usar. SĂ£o tĂ©cnicos e temos muito a ganhar com a parceria. A navegaĂ§Ă£o do SĂ£o Francisco Ă© extremamente precĂ¡ria e subutilizada, principalmente na Ă©poca de estiagem”, acrescentou Strazer.
O corpo de engenheiros militar dos EUA foi criado em 1882 para atuaĂ§Ă£o em desastres, como enchentes, terremotos e furacões, e reconstruĂ§Ă£o, apoiando as ações militares no Iraque e AfeganistĂ£o. O Usace Ă© responsĂ¡vel pela navegaĂ§Ă£o dos rios Mississipi e Ohio e tambĂ©m por parte do controle do transporte marĂ­timo interno nos EUA. Todos os chefes do Ă³rgĂ£o sĂ£o militares, com a patente de general, do ExĂ©rcito americano.
“É preciso que se explore mais a navegaĂ§Ă£o do SĂ£o Francisco. AlĂ©m de ter o menor custo por tonelada, o transporte atravĂ©s dos rios tem menor impacto no meio ambiente”, afirmou Strazer.

A Codevasf aponta que hĂ¡ grande potencial de navegabilidade em uma faixa de de 1.371 km, entre Pirapora (MG) atĂ© Juazeiro (BA)/Petrolina (PE), que Ă© ainda inexplorado.



EstabilizaĂ§Ă£o de margens

Dois engenheiros civis do Usace ficam permanentemente no Brasil fazendo os estudos e avaliações nas margens dos rios e trabalhando, de forma coordenada, comum grupo de militares e civis do Exército norte-americano em Washington

“Um dos projetos que eles desenvolvem Ă© validar conhecimentos de navegaĂ§Ă£o e estabilizaĂ§Ă£o de margens em um campo de provas que temos em Barras, na Bahia”, disse Strazer. A ideia Ă© tornar todo o rio navegĂ¡vel a partir de pequenos trechos ao longo do seu curso.

Em BrasĂ­lia, no Ăºltimo dia 10, o presidente da Codevasf, Elmo Vaz, apresentou ao comandante do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA - responsĂ¡vel por todas as ações militares norte-americanas na AmĂ©rica Latina - o andamento dos trabalhos. SĂ³ para cumprir a meta de tornar os primeiros 657 km do Velho Chico navegĂ¡veis, servindo de via de escoamento da produĂ§Ă£o, serĂ£o investidos atĂ© o final de 2012 mais de R$ 73 milhões.
O Rio SĂ£o Francisco atravessa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e serve de divisa natural entre Sergipe e Alagoas atĂ© desaguar no Oceano AtlĂ¢ntico.

Um projeto do MinistĂ©rio da IntegraĂ§Ă£o busca transpor parte das Ă¡guas do rio para aproveitĂ¡-lo tambĂ©m para irrigaĂ§Ă£o no CearĂ¡ e Rio Grande do Norte, servindo de eixo de ligaĂ§Ă£o do Sudeste e do Centro-Oeste com o Nordeste do paĂ­s.
Engenheiros do ExĂ©rcito dos EUA (sem uniforme) visitam Ă¡rea do SĂ£o Francisco com militares brasileiros  
Segurança nacional


O gerente de projetos da Codevasf disse nĂ£o ver riscos Ă  segurança nacional em trabalhar com o ExĂ©rcito norte-americano. “Essa preocupaĂ§Ă£o foi levantada na fase inicial do contrato. Eu jĂ¡ o recebi fechado, no inĂ­cio deste ano. NĂ£o vejo riscos, pois as informações que eles estĂ£o tendo acesso no local nĂ£o sĂ£o nada que se possa ocultar por imagens de satĂ©lite”, afirmou Roberto Strazer.

Ele acrescentou ainda que o ExĂ©rcito brasileiro tambĂ©m estĂ¡ trabalhando no rio com projetos de navegabilidade e estĂ¡ em contato com os miltiares americanos. “HĂ¡ engenheiros do ExĂ©rcito brasileiro em um projeto de estabilizaĂ§Ă£o das margens de Ilha da Tapera, na Bahia, que estĂ£o em contato com os americanos tambĂ©m. HĂ¡ interesses nacionais envolvidos, mas buscamos intercĂ¢mbio tĂ©cnico."

O ExĂ©rcito informou, por meio da assessoria de imprensa, que visitou a sede do Usace, nos EUA, e que engenheiros militares brasileiros estĂ£o prĂ³ximos Ă  Ă¡rea onde os americanos estĂ£o trabalhando no SĂ£o Francisco. O ExĂ©rcito tambĂ©m disse que nĂ£o vĂª riscos na parceria em relaĂ§Ă£o ao vazamento de dados relativos Ă  segurança nacional.

O chefe da missĂ£o do Usace no Brasil, Calvin Creech, confirmou que atualmente trabalham no paĂ­s dois engenheiros civis do Ă³rgĂ£o, especializados em hidrĂ¡ulica e geotecnologia. "O Usace estĂ¡ apoiando a Codevasf. Esse trabalho Ă© importante para os Estados Unidos porque melhorar a navegaĂ§Ă£o do Rio SĂ£o Francisco trarĂ¡ benefĂ­cios sociais para a regiĂ£o, reduzindo os custos associados com o transporte de produtos agrĂ­colas", disse Creech ao G1.

Ultra-capitalismo: do terrorismo ao calote mundial



Por que nĂ£o podemos classificar o terrorista norueguĂªs como ultra-capitalista? Por que temos que nos conformar com o rĂ³tulo na capa da revista Veja, que o chama de ultra-nacionalista, ou com as variantes usadas no restante das corporações de mĂ­dia (atirador, terrorista, extremista e outros tantos, que confundem muito mais do que explicam). SĂ£o confiĂ¡veis esses veĂ­culos de comunicaĂ§Ă£o que imediatamente apĂ³s o tiroteio apontavam o dedo para um providencial “extremista islĂ¢mico”? -- versĂ£o que, aliĂ¡s, nĂ£o resistiu a 24 horas.

Estou sendo radical? O capitalismo nĂ£o prega genocĂ­dios? O capitalismo tem um lado humano? 

Quando digo que o marginal norueguĂªs Ă© ultra-capitalista nĂ£o estou pensando nos postulados de Adam Smith ou naquilo que Ă© permitido que se publique a respeito do sistema que domina o mundo. Estou me referindo ao que Ă© escondido (o trabalho escravo ou semi-escravo e a mĂ¡quina de moer essa gente que trabalha por um salĂ¡rio mĂ­nimo de fome) e ao que estĂ¡ implĂ­cito, Ă s sutis formas de produĂ§Ă£o e reproduĂ§Ă£o de subjetividades, que interferem nas formas de sentir, pensar e agir dos cidadĂ£os e, conseqĂ¼entemente, da prĂ³pria sociedade em que estes estĂ£o inseridos. 

O assassino em massa que chocou o mundo agiu influenciado por doutrinas que pregam a concorrĂªncia violenta, o Ă³dio ao prĂ³ximo. Essa teoria que joga a culpa de tudo em estrangeiros, negros, gays, ou em qualquer um que seja diferente. É reducionista, mas funciona. Em vez de reconhecer os prĂ³prios defeitos, o que demanda tempo, reflexĂ£o e anĂ¡lise, basta jogar a culpa em alguĂ©m com quem a pessoa nĂ£o se reconhece: o outro.

NĂ£o me parece casual que o alvo do assassino tenha sido um acampamento da juventude socialista, que reuniu centenas de jovens de todos os cantos do mundo – inclusive do Brasil. O bandido criticava o multiculturalismo e chegou a dizer que esse era o grande problema do nosso paĂ­s. Essa seria a razĂ£o para sermos uma sociedade “disfuncional”, de segunda classe.

É evidente que o genocida norueguĂªs nunca assistiu a um desfile da EstaĂ§Ă£o Primeira de Mangueira. E nem viu um Neymar da vida jogando. Muito menos teve a oportunidade de apreciar uma partida como a de quarta-feira, entre Flamengo e Santos. Ali, na Vila Belmiro, quando todos os deuses do futebol (que nĂ£o sĂ£o nĂ³rdicos, por suposto) baixaram simultaneamente em campo, ficou provada a existĂªncia de milagres. Esses milagres que permitem uma jogada como a do terceiro gol do Santos, quando o miscigenado Neymar fez com a bola algo que desafia a compreensĂ£o atĂ© mesmo dos deuses. Esses milagres que fizeram com que o Flamengo virasse uma partida apĂ³s estar perdendo por trĂªs gols de diferença, sendo que o miscigenado Ronaldinho fez trĂªs e foi chamado de “gĂªnio” pelo melhor jogador do mundo na atualidade. Foi um jogo que serĂ¡ lembrado daqui a cem a nos. Deve ser duro para os racistas ouvirem isso, mas a verdade Ă© que esses milagres nascem justamente com a miscigenaĂ§Ă£o que as teorias nazistas repudiam. Futebol e mĂºsica soam melhor quando tem mistura, Ă© assim em qualquer lugar do mundo. 

A propĂ³sito: o nazismo nĂ£o era capitalista? Se nĂ£o, o que era?

A dificuldade de se entender o discurso do premiĂª da Noruega Ă© compreensĂ­vel. Todos ficaram chocados quando ele afirmou que discursos de ultra-direita sĂ£o legĂ­timos. Isso porque as corporações de mĂ­dia nĂ£o conseguiram traduzir para o bom portuguĂªs; preferiram fingir que ele nĂ£o estava se referindo Ă  ultra-direita, ou seja, a versĂ£o mais descarada do capitalismo. Para as corporações de mĂ­dia Ă© melhor apostar na confusĂ£o do que mostrar ao povo brasileiro que seus sĂ³cios e amigos defendem, por exemplo, o cercamento de favelas. Ou o abandono da gente pobre. A tortura de traficantes varejistas. 

Os tiros disparados na Noruega tambĂ©m ecoam nos Estados Unidos. O extremismo do assassino nĂ³rdico tem tudo a ver com o fundamentalismo neoliberal de mercado. Ambos reivindicam para si a verdade, como se existisse apenas uma, a deles. Ambos consideram-se pertencentes a uma casta superior. E ambos agiram com planejamento, mĂ©todo e frieza. 

Agora a maior economia do mundo anuncia tranqĂ¼ilamente que pode dar um calote amplo, geral e irrestrito, mas nĂ£o aparece um economista para entoar os cĂ¢nticos de “irresponsĂ¡vel”. Onde estĂ£o os fiscais dos fundamentos da economia? Onde os que diziam que Lula quebraria o Brasil? CadĂª a turma que defendia o modelo estadunidense como digno de ser seguido? EstĂ£o todos quietinhos, debaixo da cama, morrendo de medo das conseqĂ¼Ăªncias, imprevisĂ­veis, de uma moratĂ³ria dos Estados Unidos.

O mundo nĂ£o estĂ¡ nessa situaĂ§Ă£o porque de vez em quando aparece um lunĂ¡tico disposto a tudo para fazer valer sua irracionalidade. Chegamos a este ponto porque o modelo de sociedade adotado pela maior parte do mundo nĂ£o presta. Quem sabe a UniĂ£o de Nações Sul-Americanas – Unasul – aponte uma nova direĂ§Ă£o.

Marcelo Salles Ă© jornalista, colaborador do www.fazendomedia.com e outros veĂ­culos de comunicaĂ§Ă£o democrĂ¡ticos.

ConcentraĂ§Ă£o popular na CĂ¢mara de Londrina pela cassaĂ§Ă£o de Barbosa Neto


Em nĂ­vel mundial, nĂ£o se avista nenhuma saĂ­da da crise: 'Estamos navegando em Ă¡guas nunca dantes navegadas'


Em nĂ­vel mundial, nĂ£o se avista nenhuma “saĂ­da da crise” num horizonte temporal previsĂ­vel. Assim como eu, outros jĂ¡ explicaram a necessidade inevitĂ¡vel, absoluta, de preparar-se para a perspectiva de uma grande quebra financeira e para tomar os bancos. Outro mundo Ă© possĂ­vel, certamente, mas nĂ£o se poderĂ¡ desenhĂ¡-lo senĂ£o na medida em que a aĂ§Ă£o abra caminho ao pensamento, o qual, mais do que nunca, nĂ£o pode ser senĂ£o coletivo. No SĂ©culo XVI, os navegantes ingleses forjaram a expressĂ£o “uncharted Waters”: Ă¡guas nunca dantes navegadas, para as quais nĂ£o havia carta nĂ¡utica nem mapa algum. Hoje estamos nesta situaĂ§Ă£o. O artigo Ă© de François Chesnais.

Primeira parte do artigo: A luta de classes na Europa e as raĂ­zes da crise econĂ´mica mundial (I) 

O capital “recapturado” pelos mĂ©todos escolhidos durante 40 anos para superar as barreiras imanentes

Como jĂ¡ dissemos, a atual crise ocorre no tĂ©rmino da fase de acumulaĂ§Ă£o ininterrupta mais longa de toda a histĂ³ria do capitalismo. As burguesias aproveitaram plenamente a polĂ­tica aplicada pela URSS e mais tarde pela China (especialmente na IndonĂ©sia entre 1960 e 1965) para conter a revoluĂ§Ă£o social anticapitalista e anti-imperialista onde esta aparecesse e para quebrar o movimento anti-burocrĂ¡tico, desde Berlim em 1953 e Budapest, em 1965, atĂ© Tiananmen, em 1989. O capital – os governos dos principais paĂ­ses capitalistas com suas cambiantes relações com os nĂºcleos privados de centralizaĂ§Ă£o do capital e do poder das finanças e da grande indĂºstria – puderam encontrar, a partir de 1978-1980, respostas Ă s barreiras resultantes de suas contradições internas. 

Em 1973-1975, com a recessĂ£o, terminou o perĂ­odo chamado “os trinta gloriosos” cujo fundamento foi – nunca Ă© demais repetir – a imensa destruiĂ§Ă£o de capital produtivo e meios de transporte e comunicaĂ§Ă£o provocada pelo efeito sucessivo da crise dos anos 1930 e da Segunda Guerra Mundial. O capital encontrou-se novamente confrontado com suas contradições internas, sob a forma do que alguns chamaram de “crise estrutural do capitalismo”.

Foram dadas trĂªs respostas sucessivas – que se sobrepuseram umas Ă s outras – que permitiram ao capital prolongar a acumulaĂ§Ă£o de mais de 30 anos. Em primeiro lugar – apĂ³s a Ăºltima tentativa de “relançamento keynesiano” em 1975-77 – houve a adoĂ§Ă£o, a partir de 1978, de polĂ­ticas neoconservadoras de liberalizaĂ§Ă£o e de desregulamentaĂ§Ă£o com o que se teceu a mundializaĂ§Ă£o do capital. A “terceira revoluĂ§Ă£o industrial” das Tecnologias da InformaĂ§Ă£o e da ComunicaĂ§Ă£o (TIC) esteve intimamente associada a isso. Mas se as TIC foram um fator que contribuiu para assegurar seu Ăªxito, tratou-se de uma resposta, sobretudo, polĂ­tica. Esteve baseada no forte embasamento ideolĂ³gico-polĂ­tico construĂ­do por Friedrich Hayek e Milton Friedman (Dardot & Laval, 2009). Depois veio o “regime de crescimento” antes descrito, onde o instrumento central de acumulaĂ§Ă£o passou a ser o endividamento privado e, em menor medida, o endividamento pĂºblico. E a terceira resposta foi a incorporaĂ§Ă£o, por etapas, da China nos mecanismos da acumulaĂ§Ă£o mundial, coroada com seu ingresso na OrganizaĂ§Ă£o Mundial do ComĂ©rcio.

Tomando como fio condutor a ideia de que o capital se encontra na situaĂ§Ă£o de que “voltam a se erguer os mesmos limites, mas com maior força”, e partindo dos trĂªs fatores que acabo de assinalar, pode apreciar-se a magnitude e a provĂ¡vel duraĂ§Ă£o da grande crise iniciada em agosto de 2007.

A superacumulaĂ§Ă£o como substrato fundamental da crise

A excepcional duraĂ§Ă£o da fase de acumulaĂ§Ă£o, que teve momentos de desaceleraĂ§Ă£o e uma quantidade crescente de advertĂªncias (especialmente a crise asiĂ¡tica de 1988), mas nunca um verdadeiro corte, a que se soma a integraĂ§Ă£o da China, ao finalizar esse perĂ­odo, no mercado mundial, fazem com que a superacumulaĂ§Ă£o seja a maior barreira que o capital encontra novamente diante de si. Mais alĂ©m dos traços especĂ­ficos de cada grande crise, a razĂ£o primeira de todas elas Ă© a superacumulaĂ§Ă£o de capital. A insaciĂ¡vel sede de mais valia do capital e o fato de que o capital “se paralisa nĂ£o onde exige a satisfaĂ§Ă£o das necessidades, mas sim onde impõe a produĂ§Ă£o e a realizaĂ§Ă£o do lucro” (Marx, 1973: III, 276), explicam que as crises sejam sempre crises de superacumulaĂ§Ă£o de meios de produĂ§Ă£o, cujo corolĂ¡rio Ă© a superproduĂ§Ă£o de mercadorias. Essa superacumulaĂ§Ă£o e superproduĂ§Ă£o sĂ£o “relativas”, seu ponto de referĂªncia Ă© a taxa mĂ­nima de lucro com a qual os capitalistas continuam investindo e produzindo. A amplitude da superacumulaĂ§Ă£o hoje se deve a que as condições especĂ­ficas que conduziram Ă  crise e a sua duraĂ§Ă£o ocultaram durante muito tempo o subjacente movimento de queda do lucro. Isso Ă© algo completamente distinto da clĂ¡ssica euforia dos booms de fim de ciclo. Menos ainda trata-se de ações imputĂ¡veis aos “traders”.

No caso dos Estados Unidos e dos paĂ­ses da UE, houve uma desativaĂ§Ă£o dos mecanismos de advertĂªncia devido ao endividamento cada vez mais elevado possibilitado pelas “inovações financeiras”. No caso da China, sĂ£o razões polĂ­ticas as que impedem que a queda da taxa de lucro chegue a frear a acumulaĂ§Ă£o de novas capacidades produtivas e, menos ainda, detĂª-la (Gaulard, 2010).

Em cada crise a superacumulaĂ§Ă£o de capacidades de produĂ§Ă£o e a superproduĂ§Ă£o de mercadorias se dĂ¡ em setores e indĂºstrias especĂ­ficas. A crise conduz por contĂ¡gio ao estado de superproduĂ§Ă£o em outras indĂºstrias e setores. O nĂ­vel de anĂ¡lise pertinente Ă© setorial e, frequentemente, nacional. 

A partir do momento em que a crise financeira começou, em 2007-2008, a dificultar os mecanismos de endividamento e a provocar a contraĂ§Ă£o do crĂ©dito (o “credit crunch”), alguns setores (imobiliĂ¡rio e construĂ§Ă£o nos EUA, Irlanda, Espanha e Reino Unido) e algumas indĂºstrias (automotriz nos EUA e em todos os fabricantes na Europa) evidenciaram estar com uma supercapacidade muito forte. Ainda hoje se encontram estoques de edifĂ­cios de apartamentos e escritĂ³rios sem vender nem alugar. Nas indĂºstrias elĂ©tricas e mecĂ¢nicas, as supercapacidades dos rivais oligopĂ³lios mais dĂ©beis (Renault, Peugeot, Fiat, Goodyear) e de seus fornecedores foram reabsorvidas pelo fechamento de estabelecimentos e a destruiĂ§Ă£o ou deslocamento das maquinarias. Mas as supercapacidades mundiais se mantĂªm intactas.

No final de 2008 e 2009, houve uma destruiĂ§Ă£o de “capital fĂ­sico”, de capacidades de produĂ§Ă£o na Europa e EUA. Os efeitos de saneamento com vistas a uma “recuperaĂ§Ă£o” foram contrapostos pela continuaĂ§Ă£o da acumulaĂ§Ă£o na China. De 2000 a 2010, o crescimento do investimento fixo bruto na China foi de uma mĂ©dia de 13,3% ao ano, de tal modo que o percentual de investimento fixo no PIB saltou de 34% para 46%. Esta expansĂ£o do investimento nĂ£o se deve tanto ao aumento dos gastos pĂºblicos, por que os outros membros do G20 se cumprimentaram, em 2009, mas, antes, Ă© o resultado de mecanismos profundos, reveladores de processos descontrolados, ou deve-se a um verdadeiro expediente evasivo. 

Os primeiros estĂ£o relacionados Ă  competiĂ§Ă£o encarniçada que as provĂ­ncias e as grandes cidades mantĂªm, pelo investimento nas indĂºstrias manufatureiras e na construĂ§Ă£o. EstĂ£o em jogo o prestĂ­gio, mas tambĂ©m as receitas ocultas de setores inteiros da ‘burocracia-burguesia’ chinesa. Os ministĂ©rios de Beijing reconhecem a existĂªncia de sobre capacidades muito importantes nas indĂºstrias pesadas [3]. Por que, entĂ£o, nĂ£o intervĂªm? Porque as relações polĂ­ticas e sociais caracterĂ­sticas da China embretaram o Partido Comunista ChinĂªs na seguinte situaĂ§Ă£o. Como condiĂ§Ă£o para um mĂ­nimo de paz social, a direĂ§Ă£o do PCC prometeu ao povo ‘o crescimento econĂ´mico’ e, inclusive, calculou que uma taxa de crescimento de 7-8% era o mĂ­nimo compatĂ­vel com a estabilidade polĂ­tica. Mas o crescimento nĂ£o pode se basear no consumo da maioria da populaĂ§Ă£o, o PCC nĂ£o pode conceder aos trabalhadores as condições polĂ­ticas que lhes permitam lutar pelo aumento de salĂ¡rios, nem pelo estabelecimento de serviços pĂºblicos (saĂºde, educaĂ§Ă£o universitĂ¡ria, previdĂªncia), visto que, na tradiĂ§Ă£o polĂ­tica chinesa, da qual Tienanmen foi o grande padrĂ£o, isto seria interpretado como um sinal de debilidade de seu controle polĂ­tico. 

Os 7-8% de taxa de crescimento foram obtidos, entĂ£o, por meio de uma expansĂ£o demencial do setor de bens de investimento (o setor nĂºmero um nos esquemas de reproduĂ§Ă£o ampliada). A queda, entre 2000-2010, do percentual de consumo privado no PIB foi de 46% a 34% e dĂ¡ uma dimensĂ£o da encruzilhada em que o PCC se meteu. O excedente comercial da China Ă© “somente” de 5-7% do PIB, mas suas vendas representam quase 10% das exportações mundiais. As exportações sĂ£o a o diferencial da superacumulaĂ§Ă£o da China e o canal pelo qual esta cria um efeito depressivo sobre todos os paĂ­ses que sofrem com a competiĂ§Ă£o dos produtos chineses. Isto provoca um efeito rebote de tal modo que, desde o verĂ£o, a China experimenta uma diminuiĂ§Ă£o de suas exportações. 

A destruiĂ§Ă£o das capacidades e produĂ§Ă£o da indĂºstria manufatureira de muitos paĂ­ses de que se fala pouco (Marrocos, Egito, TunĂ­sia, por exemplo), mas tambĂ©m em outros de que se fala mais, que sĂ£o a contrapartida da exportaĂ§Ă£o de produtos resultantes dos ramos tecnolĂ³gicos de metais ferrosos e nĂ£o ferrosos e da agroindĂºstria (caso do Brasil), expressa o peso que a superproduĂ§Ă£o chinesa impõe sobre o mercado mundial como um todo. 

Peso esmagador do capital fictĂ­cio e poder quase inconcebĂ­vel dos bancos

Voltemos agora Ă s finanças e ao capital fictĂ­cio, de que venho tratando desde 2007, em meus artigos e no meu livro recente, As dĂ­vidas ilegĂ­timas. Efetivamente, o segundo traço especĂ­fico da crise atual Ă© que o que se manifestou depois de se ter recorrido, por no mĂ­nimo durante vinte anos, ao endividamento como a grande forma de sustento da demanda nos paĂ­ses da OCDE. Esse processou levou a uma criaĂ§Ă£o extremamente elevada de tĂ­tulos que tĂªm o carĂ¡ter de ‘tĂ­tulos’ sobre a produĂ§Ă£o presente e futura. Esses ‘tĂ­tulos’ tĂªm um lastro cada vez mais estreito. Ao lado dos dividendos sobre as ações e dos juros sobre os emprĂ©stimos aos estados, esteve o crescimento do crĂ©dito para o consumo e do crĂ©dito hipotecĂ¡rio, que sĂ£o punções diretas dos salĂ¡rios. O peso do capital se exerce sobre os assalariados, simultaneamente, no lugar do trabalho, e como devedor dos bancos. SĂ£o, pois, “papeis” cada vez mais frĂ¡geis os que serviram como base para uma acumulaĂ§Ă£o (utilizo esta palavra na falta de uma melhor) de ativos “fictĂ­cios Ă  enĂ©sima potĂªncia”. 

A crise dos subprimes destruiu momentaneamente uma pequena parte. Mas os bancos centrais nem sequer conhecem realmente seu astronĂ´mico montante, nem – em razĂ£o do sistema financeiro operar “na sombra” – os circuitos e titulares exatos. Apenas dispomos de estimativas vagas. O que temos denominado financeirizaĂ§Ă£o tem sido a imersĂ£o quase estrutural numa situaĂ§Ă£o descrita por Marx num parĂ¡grafo pouco comentado o primeiro capĂ­tulo do Livro II de O Capital. Ele observa que, por incrĂ­vel que possa parecer, em pleno triunfo do capital industrial, 

“O processo de produĂ§Ă£o nĂ£o Ă© mais que o elo inevitĂ¡vel, o mal necessĂ¡rio para poder fazer dinheiro. Por isso, todas as nações em que impera o sistema capitalista de produĂ§Ă£o se veem assaltadas periodicamente pela quimera de quererem fazer dinheiro, sem utilizarem como meio o processo de produĂ§Ă£o”(Marx, 1973, II, 52).

A partir dos anos 1980, nos paĂ­ses capitalistas centrais, encabeçados pelos Estados Unidos, a “quimera” começou a tomar um carĂ¡ter quase estrutural. As finanças tem dado a essa quimera, fruto do fetichismo do dinheiro, respaldos polĂ­tico-institucionais muito fortes. Conseguiu fazer com que “o poder das finanças” e as crenças fetichistas que o mesmo arrasta consigo se sustentassem num grau de mundializaĂ§Ă£o especialmente financeira inĂ©dito na histĂ³ria do capitalismo.

A peça-chave desse poder Ă© a dĂ­vida pĂºblica dos paĂ­ses da OCDE. Num primeiro momento, a partir de 1980, o serviço da dĂ­vida produziu, por meio dos impostos, uma imensa transferĂªncia de valor e mais-valia aos fundos de investimento e aos bancos, com o canal da dĂ­vida do Terceiro Mundo, claro, mas numa escala muitĂ­ssimo mais elevada do que aquela dos paĂ­ses capitalistas avançados. Esta transferĂªncia Ă© uma das causas da profunda modificaĂ§Ă£o na distribuiĂ§Ă£o de renda entre capital e trabalho. na medida em que o capital reforçava mais o seu poder social e polĂ­tico, em melhores condições estavam as empresas, os detentores de tĂ­tulos e os maiores patrimĂ´nios de atuar politicamente para se liberarem das cargas tributĂ¡rias. 

A obrigaĂ§Ă£o dos governos de buscarem socorro em emprĂ©stimos cresceu continuamente. A partir do primeiro governo Clinton, nos Estados Unidos, começou a “captura do Estado” pelos grandes bancos (Johnson & Kwak, 2010). A designaĂ§Ă£o de Robert Rubin, Presidente do Goldmann Sachs, foi um dos momentos dessa captura. A crise de setembro de 2008, com Henry Paulson no comando, completou o processo. E isso nos trouxe Ă  fase atual, que estĂ¡ marcada por uma contradiĂ§Ă£o caracterĂ­stica do respaldo ao crescimento durante perĂ­odo tĂ£o prolongado. 

Nos prĂ³ximos meses tomaremos consciĂªncia de maneira mais apurada – nĂ£o sĂ³ os redatores e leitores desta publicaĂ§Ă£o, mas tambĂ©m os “atores”, aqueles que decidem! Os “mercados”, quer dizer, os bancos e os investidores financeiros ditam a conduta dos governos ocidentais pondo como eixo – como tĂ£o claramente se pĂ´de ver na GrĂ©cia – a defesa dos interesses econĂ´micos e polĂ­ticos dos credores, sejam quais forem as consequĂªncias em termos de sofrimento social. Mas em razĂ£o do montante e das condições de acumulaĂ§Ă£o de ativos fictĂ­cios, a qualquer momento pode se desencadear uma grande crise financeira, mesmo que nĂ£o se possa prever, nem o momento nem o lugar do sistema financeira que vai quebrar.

As razões vĂ£o mais alĂ©m das caracterĂ­sticas das operações bancĂ¡rias, nas quais geralmente se põe acento – a natureza dos ativos fictĂ­cios, a depuraĂ§Ă£o muito incompleta dos ativos tĂ³xicos de 2007, especialmente pelos bancos europeus, o que dĂ¡ a dimensĂ£o do que acaba de se designar como ‘efeito alavanca’, etc. O capital sofre de uma aguda falta de mais valia, carĂªncia que a super-exploraĂ§Ă£o dos trabalhadores empregados (consequĂªncia do exĂ©rcito industrial de reserva), assim como a pilhagem do planeta, compensam cada vez menos. Se a massa de capital posto na extraĂ§Ă£o de mais valia estanca ou se recupera, chega a um momento em que nenhum incremento de taxa de exploraĂ§Ă£o pode impedir seus efeitos. 

É o que ocorre quando o poder dos bancos Ă© quase inconcebĂ­vel e quando existe, como nunca anteriormente, uma massa muito importante e muito vulnerĂ¡vel de ‘tĂ­tulos’ sobre a produĂ§Ă£o, assim como derivativos e outros ativos ‘fictĂ­cios Ă  enĂ©sima potĂªncia’. Contra um pano de fundo de superacumulaĂ§Ă£o e de superproduĂ§Ă£o crĂ´nicos, temos diversas consequĂªncias. 

Em primeiro lugar, dĂ¡-se espaço a polĂ­ticas econĂ´micas e monetĂ¡rias que perseguem dois objetivos que produzem efeitos contraditĂ³rios. É preciso, mediante as privatizações, abrir o capital a setores protegidos socialmente, para lhes oferecer oportunidades de ganho atĂ© que, ou melhor dizendo, com a esperança de que se reconstituam as condições de conjunto para a “saĂ­da da crise” e, para isso, sĂ£o aplicados e reiterados projetos de privatizaĂ§Ă£o e de “abertura Ă  concorrĂªncia”. Mas Ă© tambĂ©m preciso tratar de evitar que se produza uma depressĂ£o econĂ´mica, que necessariamente representaria a destruiĂ§Ă£o de uma parte do capital fictĂ­cio, começando pelo que tenha a forma de acreencias, de tĂ­tulos da dĂ­vida, mas o carĂ¡ter procĂ­clico (acentuando a recessĂ£o) do primeiro objetivo tem o efeito de reforçar a possibilidade de tal depressĂ£o. 

Existe, paralelamente, a contradiĂ§Ă£o, algo semelhante, mas diferente, que consiste na imposiĂ§Ă£o pelos “mercados” de polĂ­ticas de austeridade por medo de default, fazendo com que este seja cada vez mais inevitĂ¡vel pelo simples fato, mecĂ¢nico, da acentuada contraĂ§Ă£o da atividade econĂ´mica. E outra importante consequĂªncia do poder das finanças e de sua incapacidade para limitar a destruiĂ§Ă£o do capital fictĂ­cio nos paĂ­ses da OCDE Ă© a existĂªncia desta imensa massa de dinheiro – massa fictĂ­cia, mas com efeitos reais – que continuamente passa de uma outra forma de colocaĂ§Ă£o, criando uma instabilidade financeira muito forte, gerando bolhas, que podem ser desencadeantes de crise generalizada e, frequentemente, agudizando – especialmente quando a especulaĂ§Ă£o se realiza com os produtos alimentares – conflitos sociais.

A extrema debilidade dos instrumentos de polĂ­tica econĂ´mica 

Finalmente, o Ăºltimo grande aspecto da crise Ă© que a mesma estourou e se desenvolveu depois de as polĂ­ticas de liberalizaĂ§Ă£o e desregulamentaĂ§Ă£o chegaram a destruir as condições geopolĂ­ticas e macrossociais, nas quais instrumentos anticĂ­clicos de certa eficĂ¡cia tinham sido preparados precedentemente. Para o capital, as polĂ­ticas de liberalizaĂ§Ă£o tiveram seu lado “bom”, mas tambĂ©m tem seu “lado mau”. A liberalizaĂ§Ă£o pĂ´s os trabalhadores expostos Ă  competiĂ§Ă£o entre paĂ­ses e continentes, como nunca antes. Abriu-se a via Ă  desregulamentaĂ§Ă£o e Ă s privatizações. As posições do trabalho frente ao capital foram muito debilitadas, eliminando atĂ© o presente o “medo das massas” como balizadores das condutas do capital. 

O outro lado da moeda estĂ¡ constituĂ­do por esta carĂªncia de instrumentos anticĂ­clicos, visto que nĂ£o se encontrou nenhum substituto aos keynesianos, assim como a intensa rivalidade entre os grandes protagonistas da economia capitalista mundializada, numa fase em que a potĂªncia hegemĂ´nica estabelecida perdeu todos os meios de sua hegemonia – com a exceĂ§Ă£o dos meios militares, que sĂ³ podem ser utilizados em parte e, atĂ© o momento, sem grande Ăªxito. 

O Ăºnico instrumento disponĂ­vel Ă© a emissĂ£o de moeda, a mĂ¡quina de imprimir bilhetes por conta dos governos (no caso dos Estados Unidos, onde o FED compra uma parte dos bĂ´nus do Tesouro), mas, sobretudo, em benefĂ­cio dos bancos. Este terreno Ă© tambĂ©m o Ăºnico em que certa forma de cooperaĂ§Ă£o internacional funciona. O anĂºncio em 30 de novembro de 2011 da criaĂ§Ă£o do plano para aumentar a liquidez em dĂ³lares, de comum acordo entre bancos centrais e por iniciativa do FED, para contrarrestar o estamento das fontes de refinanciamento dos bancos europeus por parte de seus correlatos estadunidenses foi o Ăºltimo exemplo.

Resistir e lançar-se em Ă¡guas atĂ© agora nunca navegadas

Assim como eu, outros jĂ¡ explicaram a necessidade inevitĂ¡vel, absoluta, de preparar-se para a perspectiva de uma grande quebra financeira e para tomar os bancos. Mas este artigo requer uma conclusĂ£o mais ampla. Em nĂ­vel mundial, nĂ£o se avista nenhuma “saĂ­da da crise” num horizonte temporal previsĂ­vel. Para os grandes centros de valorizaĂ§Ă£o do capital, que sĂ£o os grupos industriais europeus, Ă© tempo de migrar para cĂ©us mais benevolentes, para economias que combinem uma taxa de exploraĂ§Ă£o alta e um mercado domĂ©stico importante. As condições da reproduĂ§Ă£o social das classes populares estĂ£o ameaçadas. O crescimento da pobreza e a pauperizaĂ§Ă£o galopante que afeta a cada vez mais setores assalariados demonstra isso. 

O Reino Unido foi um dos laboratĂ³rios, antes atĂ© do estouro da crise. Quanto mais dure, mais se tornarĂ¡ difĂ­cil para os assalariados qualquer outro futuro que nĂ£o seja a precarizaĂ§Ă£o e a queda do nĂ­vel de vida. As palavras chave que se repetem sĂ£o “adaptaĂ§Ă£o”, “sacrifĂ­cio necessĂ¡rio”. Para manter um mĂ­nimo de legitimidade, os sindicatos pedem jornadas de luta. A greve de um dia dos servidores pĂºblicos no Reino Unido Ă© o exemplo mais recente. Mas, como escrevi antes, o futuro dos trabalhadores e dos jovens depende, sobretudo, senĂ£o inteiramente, de sua capacidade para dar-se espaços e “tempos de respiraĂ§Ă£o” prĂ³prios, a partir de dinĂ¢micas que sĂ³ eles mesmos podem pĂ´r em marcha. 

Outro mundo Ă© possĂ­vel, certamente, mas nĂ£o se poderĂ¡ desenhĂ¡-lo senĂ£o na medida em que a aĂ§Ă£o abra caminho ao pensamento, o qual, mais do que nunca, nĂ£o pode ser senĂ£o coletivo. É uma completa inversĂ£o dos perĂ­odos em que existiam, ao menos aparentemente, planos preestabelecidos da sociedade futura, fossem eles de alguns socialistas utĂ³picos ou do Komintern de Dimitrov. No SĂ©culo XVI, os navegantes ingleses forjaram a bela expressĂ£o “uncharted Waters”: Ă¡guas nunca dantes navegadas, para as quais nĂ£o havia carta nĂ¡utica nem mapa algum. Hoje estamos nesta situaĂ§Ă£o.

(*) François Chesnais Ă© professor emĂ©rito da Universidade Paris 13 – Villetaneuse. Marxista, integra o Conselho CientĂ­fico da ATTAC França. É autor, entre outros livros, de “A mundializaĂ§Ă£o do capital” e coordenador de “La Finance MondialisĂ©e, racines sociales et politiques, configuration, consĂ©quences”. 

O HSBC e o narcotrĂ¡fico no MĂ©xico: O lado mais sinistro do sistema bancĂ¡rio


Os cartĂ©is e as rotas do narcotrĂ¡fico no MĂ©xico


FlĂ¡vio Aguiar

Uma investigaĂ§Ă£o de mais de ano, feita pelo Senado dos EUA, concluiu insofismavelmente que a seĂ§Ă£o norte-americana do banco HSBC lavou dinheiro dos cartĂ©is mexicanos de narcotrĂ¡fico de 2002 a 2009, apesar dele ter sido advertido por agentes do fisco e atĂ© por investigações internas de seus prĂ³prios funcionĂ¡rios.

De crise em crise, de susto em susto, de revelaĂ§Ă£o em revelaĂ§Ă£o, vem Ă  tona dia apĂ³s dia o lado mais sinistro do sistema bancĂ¡rio internacional.

Desde 2008, em que pese o esforço midiĂ¡tico de concentrar fogo e visões em torno das “crises das dĂ­vidas soberanas”, foi ficando evidente o quanto a desregulamentaĂ§Ă£o do sistema financeiro internacional custou aos cofres pĂºblicos das nações – daquelas em crise aberta (como a GrĂ©cia) e daquelas que aparentemente sobrenadam no dilĂºvio (caso da Alemanha). Naquelas sonhos coletivos e individuais se transformam em pesadelos, enquanto direitos individuais e coletivos se desmancham no ar ou Ă s custas de cassetadas ou bombas de gĂ¡s lacrimogĂªnio nas ruas. 

Bilhões de euros sĂ£o arrancados do poder aquisitivo da populaĂ§Ă£o para impor uma “austeridade fiscal” recessiva, depressora, depressiva e deprimento enquanto continua o engorde das taxas de juro extorsivas cobradas para refinanciar a dĂ­vida pĂºblica, que certamente nĂ£o serĂ£o pagas por nenhum sistema bancĂ¡rio ou financeiro, mas novamente pelas camadas mais frĂ¡geis da populaĂ§Ă£o, Ă s custas de arcarem com mais pesadelos. Nas que guardam algum resĂ­duo de organizaĂ§Ă£o e prosperidade – como a Alemanha – bilhões de euros foram e sĂ£o transferidos para bancos, oriundos de fundos pĂºblicos, quer dizer, tambĂ©m do bolso de contribuintes e trabalhadores, para cobrir contas abertas nacionais e internacionais.

Mas nos Ăºltimos dias mais lados sinistros – e mais sinistros – vieram Ă  tona. Semanas atrĂ¡s foi o caso da manipulaĂ§Ă£o da taxa Libor da banca britĂ¢nica, promovida pelos representantes do banco Barclays na AssociaĂ§Ă£o de Bancos de Londres para favorecer a obtenĂ§Ă£o e/ou a manutenĂ§Ă£o de clientes investidores. O banco manipulava seus dados e induzia a manipulaĂ§Ă£o da Libor por parte das autoridades financeiras londrinas para baixo, para parecer mais saudĂ¡vel do que era, a fim de manter clientes; ou inchava a taxa para prometer melhor remuneraĂ§Ă£o para atrair clientes em Ă©pocas de escassez. E as autoridades – inclusive do Banco da Inglaterra engoliam as pĂ­lulas – isso, pelo menos, de 2007 a 2010. Os prejuĂ­zos sĂ£o incalculĂ¡veis, uma vez que a taxa Libor, alĂ©m de incidir pobre emprĂ©stimos entre bancos britĂ¢nicos, era uma referĂªncia mundial no setor.

Agora foi a vez do HSBC. Uma investigaĂ§Ă£o de mais de ano, feita pelo Senado norte-americano, concluiu insofismavelmente que a seĂ§Ă£o norte-americana do banco lavou dinheiro dos cartĂ©is mexicanos de narcotrĂ¡fico de 2002 a 2009, apesar dele ter sido advertido por agentes do fisco e atĂ© por investigações internas de seus prĂ³prios funcionĂ¡rios.

Na terça-feira isso redundou numa sessĂ£o humilhante para altos executivos do banco, que renunciaram a seus cargos numa sessĂ£o pĂºblica do comitĂª do Senado, embora negassem ter “conhecimento completo” das contravenções. JĂ¡ antes houve uma espĂ©cie de “mea culpa” por parte do banco perante um comitĂª semelhante de autoridades britĂ¢nicas do setor financeiro.

AlĂ©m disso, o banco (sempre a seĂ§Ă£o norte-americana) foi acusado por uma sĂ©rie de outras contravenções, indo desde negĂ³cios ocultos com finanças sĂ­rias e iranianas, Ă  prestaĂ§Ă£o de serviços para instituições financeiras da ArĂ¡bia Saudita e de Bangladesh suspeitas de terem financiado em parte a Al Qaeda.

O Barclays jĂ¡ pagou 450 milhões de libras em indenizações a clientes que se julgaram lesados. O Serviço da Autoridade Financeira de Londres vai ser extinto e substituĂ­do por outra agĂªncia, alĂ©m de parte de suas atribuições passarem para o Banco da Inglaterra. O HSBC promete uma revisĂ£o de seu sistema interno de segurança.

A ver, para crer.

*FlĂ¡vio Aguiar Ă© correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

Procuradoria do Chile descobre conta secreta de filha de Pinochet nos EUA



Em mais um desdobramento das investigações que buscam a origem da fortuna do ex-ditador Augusto Pinochet, o MinistĂ©rio PĂºblico do Chile anunciou que descobriu uma conta bancĂ¡ria nĂ£o declarada nos Estados Unidos em nome de sua filha mais velha, InĂ©s LucĂ­a Pinochet Hiriart.
O anĂºncio foi feito pelo Twitter da Procuradoria do Chile, que garantiu que "notificarĂ¡ o Poder Judicial sobre a descoberta” dessa conta bancĂ¡ria. Em entrevista Ă  agĂªncia AFP, um funcionĂ¡rio do Ă³rgĂ£o revelou que a descoberta foi feita pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que, logo em seguida, comunicou as autoridades chilenas. NĂ£o hĂ¡ informações sobre os fundos que LucĂ­a mantinha no paĂ­s.
Um dossiĂª serĂ¡ enviado ao juiz Mario Carroza para que os novos dados sejam agregados ao conjunto da investigaĂ§Ă£o. HĂ¡ suspeitas de que a fortuna de Pinochet chegue Ă  marca dos 26 milhões de dĂ³lares. AtĂ© o momento, apenas seis milhões de dĂ³lares foram justificados, por meio da identificaĂ§Ă£o de reservas da famĂ­lia e da posse de 25 imĂ³veis.
O jornal chileno La Tercera teve acesso a Carroza, que disse que “serĂ£o realizadas diligĂªncias para estabelecer a veracidade dos fatos” e ouvidos “depoimentos das pessoas vinculadas a estas contas".
As investigações começaram em 2004, quando autoridades chilenas descobriram a existĂªncia de dezenas de contas bancĂ¡rias que Augusto Pinochet mantinha ocultas em instituições financeiras norte-americanas como o Riggs Bank de Washington. No final de 2007, LucĂ­a, sua mĂ£e e seus quatro irmĂ£os acabaram presos sob a acusaĂ§Ă£o de "desvio de recursos pĂºblicos". Pouco depois, a Suprema Corte decretou a liberaĂ§Ă£o de todos. No Ăºltimo dia 4 de julho, autoridades abriram o testamento de Pinochet, que priorizava a entrega de bens a LucĂ­a, mas nĂ£o apresentava maiores detalhes sobre quantias e valores.
O regime de Pinochet deixou mais de trĂªs mil pessoas mortas ou desaparecidas. O ditador contudo, morreu sem qualquer condenaĂ§Ă£o sobre acusações de violaĂ§Ă£o dos direitos humanos no Chile. (Efe)

 
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