segunda-feira, 1 de abril de 2013

O presídio indígena da ditadura


Sede do reformatório onde funcionava a sede da Funai na Fazenda Guarani e onde fi cava a solitária onde os índios eram confinados 

Em julho, a Comissão Nacional da Verdade – sancionada pela presidenta Dilma Rousseff para investigar violações de direitos humanos cometidas, durante a ditadura militar, por agentes do Estado – anunciou que também irá apurar os crimes contra os índios. “Vamos investigar isso, sim, porque na construção de rodovias há histórias terríveis de violações de direitos indígenas”, afirmou, na ocasião, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da Comissão.                      
Mas o massacre de etnias que se opuseram a grandes obras é apenas um dos capítulos dessa história. Tal como outros grupos subjugados nos “porões da ditadura”, os habitantes de aldeias Brasil afora também foram alvo de prisões clandestinas, associadas a denúncias de tortura, desaparecimentos e detenções por motivação política. E que, ao contrário de outros crimes cometidos pelo Estado à época, ainda não foram objeto de nenhum tipo de reparação oficial ou política indenizatória.                  
Tais violações de direitos humanos apontam para o município de Resplendor (MG), onde funcionou o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um velho conhecido do pataxó Diógenes Ferreira dos Santos. “Eu não gosto nem de falar, porque ainda me dá ódio”, diz, com o semblante fechado de quem está prestes a tocar em lembranças difíceis. “Mas quando puxa o assunto, meu irmão...” Quando começa, ele fala sem parar. Diógenes era ainda uma criança no dia em que, conforme conta, viu dois policiais se aproximarem da casa onde vivia, na Terra Indígena Caramuru Paraguaçu, encravada em meio às fazendas de cacau da região sul da Bahia. Vieram, diz ele, acionados por um fazendeiro, que reclamava ser o dono daquele local. Para não deixarem dúvidas sobre suas intenções, cravejaram de balas uma árvore próxima. E, logo depois, colocaram fogo na casa onde o pataxó vivia com sua família.    
Exilados de seu território, Diógenes e seus pais viveram por cinco anos trabalhando numa fazenda próxima. Até serem novamente expulsos, no final da década de 1960. “Já que não tínhamos apoio de ninguém, decidimos voltar para o Caramuru”, conta.                   
Lá chegando, não demorou nem 15 dias para novamente apareceram policiais. Dessa vez estavam incumbidos de escoltar Diógenes e seu pai até a cidade. “Ficamos seis dias presos na delegacia de Pau Brasil (BA)”, relembra. “Até que veio a ordem de nos levarem para o reformatório Krenak, que eu nem sabia o que era”.     
O índio pataxó Diógenes Ferreira dos Santos
No Krenak, a cerca de 700 km de sua terra natal, Diógenes, então ainda um adolescente, descreve ter vivido uma rotina de trabalhos forçados, realizados sob o olhar vigilante de policiais militares. “Íamos até um brejo, com água até o joelho, plantar arroz”, revela. Cotidiano interrompido apenas para esporádicos jogos de futebol, organizados pelos guardas e de participação obrigatória, segundo o pataxó. “Meu pai não gostava, nunca tinha jogado bola na vida.  Aquilo era uma humilhação para ele.”           
Ironicamente, mais de 40 anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, em maio de 2012, todos os direitos de propriedade dos fazendeiros que, nos dias atuais, ainda ocupavam a Terra Indígena Caramuru Paraguaçu. Sacramentando, portanto, a legitimidade do pleito de Diógenes na querela fundiária que o levou ao cárcere       
Pedagogia da tortura
O reformatório Krenak começou a funcionar em 1969, em uma área localizada dentro do extinto Posto Indígena Guido Marlière. Suas atividades eram comandadas por agentes da Polícia Militar mineira, que, à época, recebeu a incumbência de gerir as terras indígenas daquele estado por meio de um convênio com a recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai).         
Num boletim informativo da Funai de 1972, encontramos uma das poucas menções oficiais a respeito do local, qualificando-o como uma experiência de “reeducação de índios aculturados que transgridem os princípios norteadores da conduta tribal, e cujos próprios chefes, quando não conseguem resguardar a ordem na tribo, socorrem- se da Funai visando restaurar a hierarquia nas suas comunidades”. Osires Teixeira, então senador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) – o partido de sustentação da ditadura –, se pronunciou sobre o tema na tribuna do Senado, afirmando que os índios do Krenak “retornam às suas comunidades com uma nova profissão, com melhores conhecimentos, com melhor saúde e em melhores condições de contribuir com o seu cacique”.   
À época, fora do governo – eram os “anos de chumbo” da ditadura –, também se contam nos dedos as referências à instituição. Em 1972, um enviado especial do Jornal do Brasilchegou a entrar clandestinamente no reformatório, naquela que provavelmente é a única reportagem in loco sobre o tema. Mas sua presença durou poucos minutos – segundo a própria matéria, ele foi expulso sob ameaças da polícia.      
Ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário em Minas Gerais (Cimi/ MG), a pedagoga Geralda Chaves Soares conheceu diversos ex-internos do Krenak. Aquilo que ela relata ter ouvido sobre os “métodos reeducacionais” da instituição – que incluíam indígenas açoitados e arrastados por cavalos – sugerem o real motivo por trás de tanto sigilo. “Uma das histórias contadas é a de dois índios urubu-kaápor que, no Krenak, apanharam muito para que confessassem o crime que os levou até lá”, conta ela. “O problema é que eles nem sequer falavam português”.         
Foto atual de morador da Terra Indígena

 Maxacali
Um dos mais graves exemplos de tortura remete ao indígena Gero Maxacali, ex-morador da Aldeia Água Boa, em Santa Helena de Minas (MG). Levado ao Krenak, conta Geralda, lá ele teria sido literalmente queimado por dentro ao ser obrigado a beber, de forma alternada, leite fervendo e água gelada. Depois disso, com dificuldades para se alimentar, passou a ter sérios problemas de saúde – que, anos depois, o levariam à morte.     
O Brasil de Fato teve acesso a documentos da Funai que desnudam diversos aspectos sobre o cotidiano do presídio indígena. Eles revelam que ao menos 120 indivíduos, pertencentes a 25 etnias dos mais diferentes rincões brasileiros, passaram pela instituição correcional. Pessoas que, via de regra, chegavam a Resplendor a pedido dos chefes de posto local da Funai. Mas também, em alguns casos, por ordem direta de altos escalões em Brasília.            
É o caso, por exemplo, de um índio canela, do Maranhão, encaminhado à instituição em julho de 1969. “Além do tradicional comportamento inquieto da etnia – andarilhos contumazes –, o referido é dado ao vício da embriaguez, quando se torna agressivo e por vezes perigoso. Como representa um péssimo exemplo para a sua comunidade, achamos por bem confiá-lo a um período de recuperação na Colônia de Krenak”, atesta ofício emitido pelo diretor do Departamento de Assistência da Funai.                
Homicídios, roubos e o consumo de álcool nas aldeias – na época reprimido com mão de ferro pela Funai – estão entre os principais motivos alegados para o envio de índios a temporadas corretivas. Além disso, também transparecem na burocracia oficial situações de brigas internas, uso de drogas, prostituição, conflitos com servidores públicos e indivíduos penalizados por atos descritos como vadiagem.   
Boa parte desses supostos roubos, conforme revelam os próprios ofícios internos da Funai, remetem a atos de periculosidade risível, para dizer o mínimo. Gente como, por exemplo, um maxacali flagrado afanando uma cigarreira, três camisas de tergal, uma caixa de botões e alguns outros cacarecos na sede do seu posto indígena. Ou, ainda, o xerente que, após beber em uma “festa de civilizados”, voltou à aldeia pedalando a bicicleta de outra pessoa, tendo esquecido a sua própria para trás – engano provocado pela embriaguez segundo o próprio servidor local que solicitou a sua remoção.  
 Imagens atuais do espaço onde funcionava a solitária
As estadias no reformatório podiam durar de poucos dias a até mais de três anos. Para serem libertados, os internos dependiam da avaliação comportamental dos policiais custodiantes, mas também de certa dose de sorte para não se tornarem “índios extraviados” na confusa burocracia da Funai. “Não sabemos a causa real que motivou o seu encaminhamento, uma vez que não recebemos o relatório de origem”, escreveu aos seus superiores o cabo da PM Antônio Vicente, um dos responsáveis locais, sobre um índio xavante, considerado de bom comportamento, que lá estava há mais de cinco meses.            
Nesse balaio de gatos, alguns casos soam quase surrealistas. Um deles ocorreu em 1971, quando chegou ao reformatório um índio urubu-kaápor, com ordens de permanecer sob severa vigilância e em alojamento isolado. Seu encaminhamento a um “período de recuperação” justificava-se, segundo a Ajudância Minas-Bahia – órgão da Funai ao qual estava subordinado o reformatório – por ele ter praticado “atos de pederastia” em sua aldeia.   
Dois meses depois, consta nos documentos do órgão indigenista que ele se apoderou de uma Gilette para tentar suicídio com um corte no abdômen. Recebeu atendimento médico e, após alguns meses, tentou uma fuga, sendo recapturado já em outro município.            
Entre os internos, havia também pessoas aparentemente acometidas de transtornos mentais, vivendo no Krenak sem qualquer tipo de amparo psiquiátrico. A exemplo de um índio da etnia campa, clinicamente diagnosticado como esquizofrênico segundo relatório do próprio órgão indigenista. E que, entre outras excentricidades, dizia possuir vários automóveis e aviões, além de ser amigo íntimo do mandatário supremo da nação. “Sempre que um avião passa sobre esse reformatório ele pula e grita, dizendo que é o presidente vindo busca-lo”, relata um ofício a seu respeito.                 

 Ocrides Krenak: preso pelo consumo
 de cachaça
Para alguns dos indígenas, a ida ao Krenak provou-se um caminho sem retorno. É o caso de Manoel Vieira das Graças, o Manelão Pankararú, levado ao presídio indígena em 1969 após uma briga violenta com outros índios de sua aldeia. Com mulher e filhos, Manelão está até hoje instalado em Resplendor. Tal como outros índios que, desativado o reformatório, permaneceram na região por conta de amizades e casamentos oriundos dos anos de cárcere – havia também mulheres entre os prisioneiros.       
Atualmente, ele faz planos para revisitar a aldeia onde nasceu pela primeira vez desde que saiu preso da Terra Indígena Pankararú, no sertão pernambucano. “Eu me arrepio só de lembrar das nossas danças, das brincadeiras e do Toré (ritual típico da etnia)”, confidencia, saudoso e emocionado. Sua casa atual fica a poucos quilômetros da antiga sede do Krenak, às margens do rio Doce, onde ainda existem as ruínas de concreto e aço da sede da instituição, parcialmente derrubadas por duas cheias no rio. Quando vier a próxima enchente, acreditam alguns moradores da região, devem também vir abaixo as últimas paredes que insistem em ficar de pé.           
Entre os que não retornaram há também aqueles cujo destino, ainda hoje, permanece uma incógnita. Situação que remete, por exemplo, a Dedé Baena, ex-morador do Posto Indígena Caramuru, na Bahia. “Ninguém sabe se é vivo ou morto porque foi mudado para o presídio Krenak e desapareceu”, revela um não-índio, nascido na área do referido Posto Indígena, em depoimento de 2004 à pesquisadora Jurema Machado de Andrade Souza. Outros relatos atuais de indígenas da região confirmam o sumiço.        
Em agosto de 1969, conforme está registrado em um ofício da Funai, Dedé foi levado a Resplendor a pedido do chefe do Posto em questão, que o qualificou como um “índio problema”, violento quando embriagado e dono de vasto histórico de agressões a “civilizados”. Lá chegou inclusive necessitando de cuidados médicos, com uma agulha de costura fincada na perna – ferimento ocorrido em circunstâncias não explicadas.          
Nos documentos aos quais teve acesso, o Brasil de Fato não encontrou registros de sua eventual libertação, morte ou mesmo fuga.           
“Índios vadios”
Paralelamente à chegada dos “delinquentes”, dezenas de índios krenaks ainda habitavam áreas vizinhas ao reformatório. Estavam submetidos à tutela dos mesmos policiais responsáveis pela instituição correcional, o que os tornava um alvo preferencial para ações de patrulhamento. Diversos deles acabaram confinados.             
Homens e mulheres krenaks foram também recrutados para trabalhar na prisão indígena, e dão testemunho sobre as violências desse período. “Quem fugia da cadeia sofria na mão deles”, afirma Maria Sônia Krenak, ex-cozinheira no local. “E a mesma coisa as crianças da aldeia. Se fugissem da escola, também apanhavam”.   
Por mais incrível que pareça, até mesmo a vida amorosa dos índios locais passava pelo crivo da polícia. “Antes de responder ao ‘pedido de casamento’, procedi (sic) uma sindicância sigilosa e sumária na vida pregressa do pretendente, apurando-se que é pessoa pobre, porém honesta”, aponta ofício escrito pelo sargento da PM Tarcisio Rodrigues, então chefe do Posto Indígena, pedindo aos seus superiores deliberação sobre o noivado de uma índia com um não índio dos arredores.               
Na Terra Indígena Krenak, homologada em 2001 em Resplendor, muitos ainda tem histórias para contar sobre esse período. “Eu, uma vez, fiquei 17 dias preso porque atravessei o rio sem ordem, e fui jogar uma sinuquinha na cidade”, rememora José Alfredo de Oliveira, patriarca de uma das famílias locais. É um exemplo típico do que, para a polícia, era considerado um ato de vadiagem.     
Assim como ocorria em outras regiões do país, os krenaks só podiam deixar o território tribal mediante a autorização do chefe local da Funai. Até mesmo a caça e a pesca fora dos postos indígenas – frequentemente inadequados para prover a alimentação básica – podiam, à época, levar índios Brasil afora diretamente ao reformatório.        
Para Geralda, ex-Cimi, por trás de situações como essas – de sedentarismo forçado, prisões de “índios vadios” e até mesmo de supostos ladrões – havia, na verdade, um contexto de conflito territorial. “Por exemplo, os maxacalis (habitantes do Vale do Mucuri, no nordeste de Minas Gerais). Nessa época eles atacavam as fazendas de gado. Estavam confinados num posto indígena, passando fome, então caçar uma vaca era uma atividade de caçador mesmo. E aí prendiam o índio porque ele tinha roubado uma vaca”, contextualiza. “Mas, de fato, era uma questão de sobrevivência, e também de resistência. Achavam que, pressionando os fazendeiros, eles iriam embora. A compreensão maior de que a luta pela terra tem esse viés da Justiça só veio depois.”         
No início dos anos de 1970, até mesmo a área ocupada pelos krenaks e pelo reformatório vivia dias de intensa disputa, reivindicada por posseiros que arrendaram lotes nos arredores. Como saída para o imbróglio, o governo de Minas Gerais e a Funai negociaram uma permuta entre tais terras e a Fazenda Guarani, área localizada em Carmésia (MG) e que pertencia à Polícia Militar mineira. Em 1972, foram todos – os krenaks, o reformatório e os confinados – deslocados para lá.   
Logo após essa mudança, mudou também o chefe da Ajudância Minas- Bahia. Quem o assumiu foi o juruna João Geraldo Itatuitim Ruas, um dos primeiros servidores de origem indígena a ocupar postos de comando na Funai. “Imagina o que era para mim, como índio, ouvir a ordem do dia do cabo Vicente, botando todos os presidiários em fila indiana, antes de tomarem um café corrido, e falando que seria metido o cacete em quem andasse errado. E que, para aquele que fugisse, havia quatro cachorros policiais, treinados e farejadores, prontos para agir”, exemplifica. “Eles não trabalhavam no sábado, que era dia de lavar a roupa, costurar, essas coisas todas. Mas, durante a semana, era trabalho escravo!”           
Frente a essa realidade, Ruas afirma ter procurado o ministro do Interior – Maurício Rangel Reis, morto em 1986 – para discutir o fim da instituição correcional. Um encontro do qual diz ter saído sob ameaças de demissão. Mesmo assim, ele conta ter começado a enviar, de volta às aldeias de origem, diversos dos confinados. Ruas perdeu seu cargo pouco tempo depois.    
Mas enquanto alguns saíam, a Fazenda Guarani ainda recebia, em meados da década de 1970, outras levas indígenas fruto de litigâncias fundiárias no Brasil. Foi o que ocorreu com os guaranis da Aldeia Tekoá Porã, em Aracruz (ES).             
Os guaranis, explica o cacique Werá Kwaray – que passou parte da sua adolescência em Carmésia –, caminham pelo mundo seguindo revelações. E foi uma revelação que levou o seu grupo a sair do sul do país, na década de 1940, em busca da “terra sem males” – local onde, segundo as crenças da etnia, é possível alcançar uma espécie de perfeição mística, algo como um paraíso na terra. Liderados por uma xamã, chegaram a Aracruz duas décadas depois. Mas sobre aquele lugar também repousavam planos para viabilizar enormes plantações de eucalipto, um choque de interesses levou os indígenas, sob pressão e a contragosto, para a Fazenda Guarani. “Foi uma violação dos direitos sagrados dos nossos líderes religiosos”, expõe o cacique.   
Depois de alguns anos em Carmésia, os guaranis retornaram a Aracruz, onde, em 1983, conseguiram a homologação da área indígena que habitam até hoje.                  
 A virada dos anos de 1970 para os anos de 1980 marca as últimas denúncias sobre o uso da Fazenda Guarani como local de prisão, confinamento ou despejo de índios “sem terra”. Todos foram embora do local, à exceção de um grupo pataxó que lá se instalou definitivamente após sair de áreas em Porto Seguro (BA). Atualmente, o casarão que servia como sede aos destacamentos policiais foi convertido em moradia para alguns desses indígenas. E a antiga solitária local virou um depósito onde se empilham os cachos de banana abundantemente colhidos nas redondezas. (BF)

EUA tentaram impedir programa brasileiro de foguetes, revela WikiLeaks


Acidente na Base de Alcântara?

José Meirelles Passos
RIO – Ainda que o Senado brasileiro venha a ratificar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas EUA-Brasil (TSA, na sigla em inglês), o governo dos Estados Unidos não quer que o Brasil tenha um programa próprio de produção de foguetes espaciais. Por isso, além de não apoiar o desenvolvimento desses veículos, as autoridades americanas pressionam parceiros do país nessa área – como a Ucrânia – a não transferir tecnologia do setor aos cientistas brasileiros.
A restrição dos EUA está registrada claramente em telegrama que o Departamento de Estado enviou à embaixada americana em Brasília, em janeiro de 2009 – revelado agora pelo WikiLeaks ao GLOBO. O documento contém uma resposta a um apelo feito pela embaixada da Ucrânia, no Brasil, para que os EUA reconsiderassem a sua negativa de apoiar a parceria Ucrânia-Brasil, para atividades na Base de Alcântara no Maranhão, e permitissem que firmas americanas de satélite pudessem usar aquela plataforma de lançamentos.
Além de ressaltar que o custo seria 30% mais barato, devido à localização geográfica de Alcântara, os ucranianos apresentaram uma justificativa política: “O seu principal argumento era o de que se os EUA não derem tal passo, os russos preencheriam o vácuo e se tornariam os parceiros principais do Brasil em cooperação espacial” – ressalta o telegrama que a embaixada enviara a Washington.
A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que “embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”. Mais adiante, um alerta: “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.
O Senado brasileiro se nega a ratificar o TSA, assinado entre EUA e Brasil em abril de 2000, porque as salvaguardas incluem concessão de áreas, em Alcântara, que ficariam sob controle direto e exclusivo dos EUA. Além disso, permitiriam inspeções americanas à base de lançamentos sem prévio aviso ao Brasil. Os ucranianos se ofereceram, em 2008, para convencer os senadores brasileiros a aprovarem o acordo, mas os EUA dispensaram tal ajuda.
Os EUA não permitem o lançamento de satélites americanos desde Alcântara, ou fabricados por outros países mas que contenham componentes americanos, “devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil”, diz outro documento confidencial.

Viagem de astronauta brasileiro é ironizada

Sob o título “Pegando Carona no Espaço”, um outro telegrama descreve com menosprezo o voo do primeiro astronauta brasileiro, Marcos Cesar Pontes, à Estação Espacial Internacional levado por uma nave russa ao preço de US$ 10,5 milhões – enquanto um cientista americano, Gregory Olsen, pagara à Rússia US$ 20 milhões por uma viagem idêntica.
A embaixada definiu o voo de Pontes como um gesto da Rússia, no sentido de obter em troca a possibilidade de lançar satélites desde Alcântara. E, também, como uma jogada política visando a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Num ano eleitoral, em que o presidente Lula sob e desce nas pesquisas, não é difícil imaginar a quem esse golpe publicitário deve beneficiar.
Essa pode ser a palavra final numa missão que, no final das contas, pode ser, meramente ‘um pequeno passo’ para o Brasil” – diz o comentário da embaixada dos EUA, numa alusão jocosa à célebre frase de Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar na Lua, dizendo que seu feito se tratava de um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade. (AG)





Ronaldo Schlichting e outros    

A estratégia de guerra dos EUA autoriza “a realização de Operações Decisivas Rápidas (RDO), na área psicológica, econômica e cibernética”. Nesta, “admite invadir computadores inimigos para impedir o lançamento de mísseis e proteger interesses americanos”. (general Charles E. Wilhelm, do Centro de Informações para a Defesa, do Southcom) 2

Dados preliminares

1.1. TÉCNICOS

a. O combustível sólido do VLS-1
Sabemos que o nosso Veículo Lançador de Satélites, o VLS -1, antes de ser um lançador de satélites, é um míssil balístico, cujo propelente é sólido; o uso desse tipo de combustível sólido é, indiscutivelmente, a opção mais acertada, exatamente pelas suas características e pelos motivos abaixo descritos.
1) O propelente consiste de uma mistura de polibutadieno (o combustível), com perclorato de amônio (o oxidante); a essa mistura são acrescidos aditivos como alumínio em pó e óxido de ferro para elevar a temperatura de queima da mistura, e outros com finalidades específicas.
A essa mistura — depois de homogeneizada, mas ainda pastosa — é adicionado um catalisador, para, em seguida, ser derramada no vaso do motor, onde ela endurece lentamente, transformando seu estado pastoso em sólido, até tomar a consistência de uma borracha dura.
Essa mistura não deflagra nem detona quando submetida a choques normais. Ao fogo ela acende, queima, mas não explode, e nem sequer aquece quando submetida a microondas. Para que esse propelente venha a acender, é necessário que no seu interior se introduza um ignitor — este, acionado normalmente por uma espoleta detonada eletricamente — e o jato desse ignitor é que deflagra o propelente.
Esse propelente também pode, eventualmente, explodir, quando atingido por um projétil metálico, a velocidades muito altas, acima de 3.000 pés/segundo, como, por exemplo, o de um projétil disparado por um fuzil tipo Barrett .50 ou similar.

Figura esquemática dos componentes principais do motor do VLS-1
2) O motor: a figura esquemática — ver desenho acima — permite uma boa visualização do motor e de seus componentes principais.
Esse tipo de motor, e os dispositivos de ignição são praticamente os mesmos (ou muito semelhantes) em todos os mísseis propulsionados a combustível sólido, em todo os arsenais do mundo.
Para se ter uma idéia da segurança e universalidade desse tipo de motor, basta saber que o motor S-43 do nosso VLS é idêntico aos dois propulsores auxiliares do ônibus espacial americano. A diferença está apenas no tamanho. Os do VLS são carregados com 7 toneladas cada unidade e os do "space shutlle" com 500 toneladas de propelente sólido cada um.
Mesmo quando explodiram, os tanques de combustível líquido da nave Challenger em 1986, apesar da violência da detonação, nada sofreram, se desprenderam e continuaram voando aleatoriamente, mas sem explodir.
b. O uso universal desse tipo de míssil a propelente sólido
Existem nos arsenais do mundo inteiro, milhares de mísseis balísticos de emprego militar (e civil), do mesmo porte e até maiores do que o nosso VLS-1, dotados de motores iguais ou semelhantes ao nosso S-43, qua constituem o primeiro e o segundo estágio do nosso foguete. Praticamente todos eles usam como propelente esse "composite", (o mesmo combustível sólido a base de polibutadieno que descrevemos, com pequenas variações apenas nos aditivos), com os quais são abastecidos e que usam sistemas de ignição em tudo semelhantes ao que nós usamos.
Esses milhares de mísseis, depois de montados e testados pelos fabricantes, são entregues para as unidades de tropa (navais, de terra e de ar), e a partir daí são mantidos e operados por soldados, que embora treinados, não são altos especialistas e nem cientistas com 20 anos de experiência.
Esses foguetes são amplamente utilizados em campanhas militares, nos mais variados teatros de operação, quentes, frios, gelados, úmidos, chuvosos, etc. São também utilizados em campos de instrução, onde ficam cercados por militares com pouca habilitação (gente que fuma e usa telefone celular nas proximidades dos mísseis), que até serem disparados, ficam expostos ao sol, à chuva, à neve, ao frio e ao calor extremos, etc., são submetidos a vibrações de várias intensidades quando são transportados de lá para cá em caminhões (Sistema Astros e Patriot), em navios (o Exocet e o Tomahawk naval), em submarinos (mísseis Poseidon), em aviões (Piranha) e, mesmo assim, são depois disparados com total sucesso, e não se tem notícia de que tenha acontecido rigorosamente nenhuma "explosão" ou iniciação "intempestiva".
Por isso, podemos afirmar categoricamente que é ato grosseiro de contra-informação difundir que poderia ter havido uma "ignição espontânea", "descarga elétrica" e tudo o mais que já divulgaram, como "eletricidade estática" (e sabe-se lá o que ainda vão inventar) como causa "natural" para justificar a ignição intempestiva ("espontânea") que sacrificou 21 técnicos brasileiros.
O que pretendem aqueles que difundem tais mentiras? Obviamente desejam deixar implícito que a nossa opção por mísseis balísticos militares movidos a propelente sólido para colocar em órbitas baixas cargas úteis (satélites e outras) está errada e deve ser abandonada, e os militares devem ser afastados dessa atividade, alegando que eles nela já tiveram três fracassos.
Nada mais falso e nada mais caviloso!
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1.2. LANÇAMENTOS JÁ REALIZADOS COM SUCESSO NO BRASIL

O Brasil dispõe de dois Centros de Lançamento de veículos espaciais, ambos subordinados ao Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento do Comando da Aeronáutica: o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) e o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
O Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI)
O CLBI, situado no estado do Rio Grande do Norte, está operacional desde 1965, e possui completa infraestrutura para lançamentos de veículos de sondagem de pequeno porte. É utilizado, também, como estação de rastreamento de engenhos espaciais estrangeiros e seus satélites, e também dos veículos lançados do Centro de Lançamento de Alcântara.
O CLBI já realizou com inteiro sucesso mais de 400 lançamentos, desde os pequenos foguetes de sondagem meteorológica do tipo Lok i, até os veículos de alta performance da classe Castor-Lance de quatro estágios. Merecem referência especial os seguintes: Projeto Extranet, para estudos da atmosfera em altitudes de 30 a 60 Km, e o Projeto Ozônio, para estudar a camada de ozônio.
Este centro vem desenvolvendo também intensa cooperação com a Agência Espacial Européia (ESA), através da atividade de rastreamento do veículo Ariane, desde o seu vôo inaugural.
O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)
Após cuidadosa e criteriosa análise e estudos, foi definida uma área na península de Alcântara (no Maranhão) para sediar um novo centro de lançamento.
Esta área apresenta alguns requisitos muito favoráveis, tais como baixa densidade populacional, excelentes condições de segurança e facilidade de acessos, tanto aéreo como marítimo, e — o mais importante — está situada exatamente a 2º 18' de latitude Sul do Equador, e a 44º 22' de longitude Oeste, às margens do Oceano Atlântico.
Esta excepcional posição, diríamos "quase divina", possibilita aproveitar- se ao máximo a rotação da Terra para impulsionar os lançamentos visando órbitas equatoriais, bem como apresenta também posição favorável para lançamentos polares.
Por conseguinte, sua localização privilegiada permite grande economia de combustível e/ou, como tal, o lançamento de satélites mais pesados com a mesma quantidade de combustível, e/ou performances muito superiores às características originais do veículo lançador.
O CLA já efetuou, com inteiro sucesso, mais de 250 lançamentos desde a sua ativação, o que comprova a sua excelente e invulgar capacidade operacional e a sua funcionalidad e, exceto quando lançou os três Veículos Lançadores de Satélites visando colocar essas cargas úteis em órbitas baixas, quando ocorreram três explosões mais do que suspeitas e até agora inexplicadas pelas autoridades responsáveis.

Comissões de investigação

2.1. A COMISSÃO DE INVESTIGAÇÃO NOMEADA PELO COMANDO DA AERONÁUTICA

Composta por militares e civis categorizados e de especiais qualificações técnicas e/ou profissionais do CTA e/ou IAE, a comissão de investigações nomeada certamente terá totais credenciais para realizar uma investigação inteiramente confiável e transparente.
O Ministro da Defesa, Emb. José Viegas Filho, anunciou a inclusão três integrantes da comunidade científica na comissão que investiga causas do acidente em Alcântara, além de um representante da família dos mortos.
"A determinação de abertura condução da investigação é atribuição indelegável do Ministério Defesa", avisou o ministro.

2.2. INQUÉRITO POLICIAL-MILITAR

Por força das exigências legais do CPMB (Código Penal Militar), também já está em curso um IPM (Inquérito Policial Militar), com conclusão prevista para, no máximo, 40 dias.

2.3. PARTICIPAÇÃO DE TÉCNICOS RUSSOS NAS INVESTIGAÇÕES

Não foi possível saber por iniciativa de quem, nem com a autorização de quem, nem quais foram critérios das escolhas, para a convocação rapidíssima de uma equipe seis técnicos em atividades aeroespaciais da Federação Russa que chegaram na manhã do dia 5 de setembro de 2003 ao Brasil.
Segundo se supõe, a iniciativa da indicação dessa equipe foi Agência Espacial Brasileira (AEB) teria a atuação diligente do Emb. Ronaldo Sardenberg.
É elementar que a presença elementos estranhos na cena de um crime, pode contaminar — deliberadamente ou não — com pseudos e/ou falsos indícios, todos os dados técnicos que os peritos policiais devem examinar. Por isso, é extremamente inconveniente e suspeita essa convocação de estrangeiros para realizar uma investigação que somente brasileiros devem ter a competência e o interesse em fazer com a devida transparência e sem omissões ou "soluções políticas" — no mínimo por respeito aos 21 brasileiros mortos.

Conclusões Preliminares

3.1. À vista desses breves dados, não é difícil entender algumas das razões do enorme interesse dos EUA e outros países pela utilização do CLA, autêntica "catapulta" para maximizar qualquer Sistema de Lançamentos de "cargas úteis"— civis e/militares — ao espaço exterior.
3.2. Por tudo isso — e principalmente por terem sido sacrificados brasileiros, heróis dessa saga de um povo que teima em traçar seu próprio destino — é que insistimos na participação da polícia federal e do Ministério Público Federal, em todos os inquéritos que já foram instaurados. E que a nenhum estrangeiro seja permitida a mínima interferência nessa questão chave e símbolo nossa soberania.
Curitiba, setembro de 2003

1 Ronaldo Schlichting, Administrador de Empresas, RG 676.306-PR;
Coronel Reformado do Exército Brasileiro Roberto Monteiro de Oliveira, Idt. 014198480-7 Min.Ex.;
Coronel Reformado do Exército Brasileiro Frederico Soares Castanho, Idt. 050934960-1 Min.Ex.;
Coronel Reformado do Exército Brasileiro Joaquim Carlos Guerreiro Maia, Idt 018669350-3 Min. Ex.;
Coronel Reformado do Exército Brasileiro José Camilo de Oliveira Vallada, Idt. 02 258 4250-9 Min. Ex.
2 "A nova guerra total" — Correio Braziliense - 22/07/02




O Stanislaw Ponte Preta deve estar se mexendo na sepultura com o novo Festival do Besteriol Que Assola o País: Feliciano diz que Comissão de Direitos Humanos era 'dominada por Satanás'

Feliciano Satanás se vitimiza, e em um ato de blasfêmia se compara a Jesus Cristo e anuncia o fim do mundo!!!




O deputado federal e pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), afirmou na noite de sexta-feira, 29, que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados era "dominada por Satanás" antes de sua nomeação para a presidência do colegiado.


A declaração foi feita durante um culto num ginário de Passos, no interior de Minas Gerais. O evento foi organizado pela União das Igrejas Abençoando Passos (Uniap) e reuniu cerca de 2 mil pessoas.
"Pela primeira vez na história desse Brasil, um pastor cheio de espírito santo conquistou um espaço que até ontem era dominado por Santanás", afirmou Feliciano. O vídeo está disponível no Youtube.
Alvo de protestos de ativistas de direitos humanos e do movimento LGBT, Feliciano disse que "está sangrando", mas afirmou que seguirá pregando. "Sei que Jesus me levantou neste momento para abrir os olhos da igreja brasileira", discursou.
Do lado de fora do culto, um protesto convocado por estudantes reuniu cerca de 50 pessoas com faixas que pediam a renúncia do deputado. Ao se referir aos manifestantes, Feliciano disse que "a natureza deles é gritar, xingar, falar palavras de ordem. É dar beijos no meio da rua, tirar a roupa. A natureza deles é expor um homem como eu, pai de família, ao ridículo".
Após a pregação, o deputado usou a internet para dizer que sua presença em Passos foi um sucesso. Pelo Twitter, afirmou que "foi lindo ver os cristãos unidos em apoio a nossa causa".
A assessoria de Feliciano informou que o deputado fez as declarações em Passos na condição de pastor, e não na de parlamentar. (AE)

Este vídeo ele não divulga:

Xô Feliciano Satanás!!!


DESCASO MUITO GRAVE!!! O ocaso da Biblioteca Nacional

Os bastidores da crise estrutural que assola a maior instituição do gênero na América Latina, que culminou na queda de seu presidente, e os principais problemas que o novo gestor terá que resolver

Na última terça-feira, a notícia da demissão do presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, se não chegou a surpreender (Marta vinha realizando trocas nos órgãos do MinC desde setembro) serviu para chamar atenção para um problema que vem se arrastando há décadas na maior biblioteca da América Latina: a completa precariedade da sua estrutura. Mais importante do que investigar se a degradação do acervo que contempla toda a memória nacional agravou-se na gestão do escritor Galeno Amorim (2011-2013), do sociólogo Muniz Sodré (2006-2011) ou do bibliófilo Pedro Corrêa do Lago (2000-2005), só para citar os últimos presidentes da BN, é saber como o próximo gestor, o cientista político Renato Lessa, vai encarar os percalços que o esperam. Nas duas últimas semanas, a Revista O GLOBO acompanhou os bastidores da rotina da biblioteca. E pode garantir: não são poucos os problemas.

— A Biblioteca Nacional parou no tempo. Do jeito que está, vai perder completamente sua função — lamenta o economista, engenheiro e advogado José Roberto Fiorêncio, que se aposentou há um ano do emprego no BNDES e desde então frequenta a biblioteca diariamente, das 9h às 19h, para pesquisas de interesse pessoal, que vão dos recursos hídricos da Amazônia às teorias do filósofo alemão Karl Jaspers. — Em outros países do mundo, a dinâmica dos moradores com suas bibliotecas é muito mais rica. Esta aqui virou um museu, onde o turista, no máximo, conhece numa visita guiada. E nunca mais volta. Os próprios moradores da cidade a ignoram. Ela não faz parte da vida do brasileiro. Não há link com as escolas, não são vistos estudantes por aqui. É irônico que a BN chegue a esse ponto justamente no ano em que representará o Brasil na maior e mais moderna feira de livros do mundo (o Brasil é o país homenageado deste ano na Feira de Frankfurt, na Alemanha).

O público que vive a Biblioteca Nacional é variado. Há pesquisadores de ocasião, como José Roberto, cientistas de ponta, graduandos, turistas, leitores de fim de tarde (muitos), vestibulandos, malucos-beleza, estudantes do ensino básico e do fundamental (poucos), intelectuais estrangeiros, curiosos e até moradores de rua. Todos atravessam dificuldades para usufruir o acervo da biblioteca, a oitava maior do mundo. Os problemas dão as caras logo na entrada do prédio histórico, datado de 1910. Desde outubro do ano passado, a suntuosa fachada da instituição, localizada na Cinelândia, no Centro do Rio, está escondida por estruturas de alumínio. A medida emergencial é para evitar que rebocos do edifício malconservado acertem a cabeça de um passante, como quase aconteceu em outubro, quando um naco da fachada, do tamanho de uma bisnaga, despencou do alto.

Os problemas seguem biblioteca adentro. Chegando à recepção, os “usuários”, como são chamados no jargão bibliotecário, apresentam um documento de identificação, deixam os pertences num guarda-volumes e passam por catracas de segurança, que deveriam controlar a entrada e saída do prédio. Quebradas há mais de um ano, no entanto, as peças têm efeito meramente cênico. Não registram nada.
De lá, o frequentador segue até o setor que lhe convém: periódicos, obras gerais, iconografia, cartografia, manuscritos ou obras raras. Com o ar-condicionado inoperante desde maio de 2012, quando houve o rompimento de uma tubulação do aparelho central (incidente que obrigou bibliotecários a suspender as barras das calças e empunhar rodos para salvar o acervo de um alagamento), o calor é a sensação primeira, e premente, nos salões da biblioteca.

A dica é frequentar a instituição pela manhã. À tarde, o sol incide diretamente nas claraboias do edifício, transformando os salões de leitura numa estufa. O setor de obras raras foi apelidado de “micro-ondas” pelos leitores. Os ventiladores improvisados , alguns levados de casa pelos próprios funcionários, não dão conta.
— Gosto de calor, mas sou italiano — justifica o diretor do Instituto de Estudos Românicos da Itália, Archimedes Muzi, que todo ano passa um mês no Rio para fazer pesquisas no acervo da biblioteca. — Mas é claro que falo isso de brincadeira. Este calor é extremamente nocivo para documentos históricos. Veja só como este livro já está todo enrugado (aponta o volume sobre o qual está debruçado, do século XVIII). Este acervo já deve estar todo comprometido. É uma situação inacreditável manter uma biblioteca como esta fora dos padrões de climatização (o ideal, segundo as normas, seria manter o ambiente a 22 graus Celsius).

Na tarde do dia 19 de março, uma terça-feira, Archimede fazia pesquisas no setor de iconografia. Sobre a mesa, seu computador estava conectado a uma tomada da parede. Seria uma cena corriqueira em qualquer biblioteca do mundo, menos na brasileira: aqui, pesquisadores não podem usar as tomadas para carregar seus equipamentos. Se os tablets, computadores ou celulares descarregarem, paciência. O jeito é pedir para uma das mocinhas da recepção carregarem “rapidinho, sem ninguém ver”. Ou caminhar até o metrô Cinelândia e espetar o aparelho nalguma tomada livre da estação. Ou voltar para casa. O aviso está em todas as portas da biblioteca: a medida é para não sobrecarregar a rede elétrica já comprometida. Ainda mais agora, com tantos ventiladores ligados (são cerca de dez aparelhos por salão). Para conquistar o direito, Archimede teve de pedir uma autorização especial, com o argumento de que frequenta a instituição brasileira há mais de 30 anos.

— Você já esteve na Biblioteca Nacional de Paris? De Roma? Lá o ambiente é construído para atrair o pesquisador, para tornar sua experiência produtiva. Penso que tomadas para carregar os equipamentos de trabalho são o mínimo. Ora, quem vai querer ficar estudando dessa maneira aqui dentro? — reclama o italiano.
Archimede não imaginava que a situação pudesse piorar. Três dias depois, em 22 de março, os bebedouros foram retirados para manutenção. Se já morriam de calor, os frequentadores agora não têm nem mais onde beber água.

— Às vezes, eu me pego pensando: qual o sentido de alguém sair de casa no calor e ficar enfurnado aqui lendo um livro? Pelo preço da passagem de ônibus, o leitor compra um livro de bolso na banca de jornal e lê em casa — admite uma funcionária do setor de pesquisa à distância, que prefere não se identificar (a Biblioteca Nacional atende a pesquisadores de todo o Brasil e do exterior, que fazem pedidos por e-mail ou telefone).
A funcionária (que no último mês juntou-se aos colegas do setor numa “vaquinha” de R$ 1, cada, para a compra de um mouse) parece ter razão. Se a estrutura precária, que inclui ar-condicionado quebrado, sistema elétrico e de combate a incêndio defasados, má conservação do edifício e dos equipamentos de segurança, é, hoje, o principal problema enfrentado pela Biblioteca Nacional, a queda do número de leitores surge, consequentemente, como outro drama da instituição. Segundo a Associação dos Servidores da Biblioteca Nacional, a baixa no número de frequentadores, desde a quebra do ar-condicionado, é de mais de 30%.
É só passar algumas horas na biblioteca para notar os amplos salões vazios. Há setores, como os de referência e cartografia, que passam dias sem receber vivalma. A queda da frequência, no entanto, é contestada pela instituição. De acordo com dados atuais da BN, 736 mil pessoas estiveram lá em 2011 e 755 mil em 2012, uma média de dois mil usuários por dia.
No setor de periódicos, os problemas estão jogados pelo salão. Há 20 computadores novinhos, desligados, tomando poeira, diante de máquinas de microfilmes que funcionam a manivela. Os ventiladores dividem o chão com as caixas de livros amontoadas por falta de espaço nos armazéns do edifício.

— Frequento a BN há 12 anos. Nunca vi a casa numa situação tão precária — diz o historiador Eduardo Cavalcanti, que pesquisa a construção do racismo no futebol. — Muitas vezes eu não pude ter acesso aos microfilmes por causa do calor. Sob altas temperaturas, eles podem “avinagrar”, ou seja, colar nas lentes, sendo danificados para sempre. E a pesquisa fica parada.

Colega de Eduardo nas máquinas de microfilmes, o escritor Marco Aurélio Barroso, de 67 anos, frequenta a instituição diariamente desde 1999. A pesquisa no acervo já gerou três livros, entre eles, a biografia do cantor Nelson Gonçalves, “A revolta do boêmio”, em 2002. A recarga do seu laptop ele faz num restaurante, quando sai para almoçar. Marco é incisivo nas críticas.

— Há dois problemas principais na biblioteca: a falta de conservação do acervo e uma sequência de diretores que vem de fora e não conhece a instituição. Por isso, ela chegou ao ponto em que está. Eu estou aqui todos os dias e nunca vi um diretor descer do gabinete para conversar com os pesquisadores — lamenta Marco Aurélio, que atualmente faz uma varredura em periódicos de 1910 aos dias atuais para um novo livro, o que o fez constatar que muitas edições de jornais importantes das décadas de 1930 e 1940 já estão perdidos.

A lista de pesquisas atravancadas pelas péssimas condições do acervo é extensa. Doutoranda em Ciências Culturais da Universidade Livre de Berlim, a alemã Christina Peters, de 32 anos, passou três períodos da sua pós-graduação mergulhada nos documentos da BN. Não conseguiu concluir o trabalho.

— Não é possível copiar ou escanear a partir dos microfilmes, como é na Unicamp. Também não podemos tirar fotos, como no Arquivo do Estado de São Paulo. Para reprodução do material antigo, temos que pagar R$ 4 por página, e o pedido é lento e burocrático — detalha Christina.

Nem precisa ser íntimo das estantes da Cinelândia para criticar a instituição. Na última segunda-feira, o estudante de Desenho Industrial Thiago Crespo, de 24 anos, foi à BN pela primeira vez. Para concluir sua monografia sobre design automotivo, buscava revistas de transportes dos anos 60. Encontrou o que queria, só não conseguiu ficar debruçado sobre os volumes, copiando desenhos a lápis (é proibido usar caneta).
— É impossível com esse calor.

Do outro lado do salão dos periódicos, está o de obras gerais. É onde os usuários encontram os mais diversos títulos. Há uma senhora que todas as sextas-feiras consulta manuais de bruxaria. Um leitor que só pede Agatha Christie. O cantor e compositor underground Rogério Skylab pode ser visto lá pelo menos uma vez por semana, desde os 17 anos. E foi naquele salão que o poeta Carlos Drummond de Andrade apossou-se da mesa 4 para fazer suas leituras diárias.

Apenas quatro computadores, de um total de 20, servem aos leitores que querem encontrar as obras no sistema de dados da instituição. Nenhum com internet. Apesar de ter digitalizado boa parte do seu acervo de periódicos, inaugurando em agosto o projeto Hemeroteca Digital, a BN não tem rede wi-fi.

Se o estado geral da sede é desolador, mais ainda é o do chamado prédio anexo, um velho galpão, na Zona Portuária, que serve para guardar o que não cabe mais no prédio principal. Pela Lei do Depósito Legal, toda publicação brasileira deve ter um exemplar arquivado na BN. Por dia, chegam 150 livros. De jornais, do “Diário de Caratinga” à “Gazeta de Alagoas”, chega o equivalente a uma banca por dia. Vai tudo para o tal espaço, de 16 mil metros quadrados, que poderia ser usado como cenário de filmes de guerra, como se os jornais empilhados formassem trincheiras.

O local está sujeito a um desastre a qualquer momento. Não há saída de emergência, os telhados têm infiltrações, as janelas estão quebradas, e não há qualquer sistema de combate a incêndios. Em julho, parte do piso cedeu. Em outubro, houve um princípio de incêndio, amainado pelos próprios servidores. Eles comparam a falta de segurança do local à da boate Kiss, cenário do incêndio que vitimou 241 pessoas em janeiro. É nesse estado que estão estocadas coleções preciosas da BN, como a de histórias em quadrinhos — das mais completas do mundo.

— Com as obras do Porto Maravilha no entorno, o anexo virou uma ilha cercada de poeira por todos os lados — compara um dos funcionários, sem se identificar. — Manter tudo higienizado é enxugar gelo.

Entre os servidores, a insatisfação com a gestão de Galeno vinha desde a incorporação da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) pela Fundação Biblioteca Nacional, logo depois da sua posse. De acordo com os funcionários, a medida tirava o foco da administração da biblioteca. A crise apertou depois do acidente com o ar-condicionado, em maio. Houve a queda do reboco, em outubro, e a paralisação dos funcionários, para pleitear melhorias das condições de trabalho, em janeiro. No último dia 22, duas servidoras apresentaram cartas de demissão com fortes críticas à gestão do presidente.

No dia em que foi demitido, Galeno Amorim deixou com Marta Suplicy um relatório que batizou de “BN+200”. No documento, reconhece a série de problemas enfrentados durante sua gestão, exalta os feitos (como a ampliação do acervo digitalizado) e aponta o caminho que deve ser tomado pelo próximo gestor, com prazos que vão de 2014 a 2022. Na lista de desafios, iniciar as reformas para transformar o anexo num local adequado para guardar 80% do acervo da BN e reestruturar completamente o prédio-sede. Para isso, a ministra da Cultura já havia anunciado, em setembro, a liberação de R$ 70 milhões do BNDES.

— A Biblioteca Nacional precisa de uma intervenção forte. Não bastam ações pontuais. Só agora, por exemplo, foram feitos os testes finais para pôr em funcionamento o sistema wi-fi e instalar o primeiro data center da história da instituição. Acaba este mês o projeto executivo para toda a reforma elétrica do prédio. Vi isso de início e iniciei os procedimentos necessários para mudar o quadro. Os resultados aparecerão — declarou Galeno, logo após ser afastado do cargo.
É esperar para ver. (AG)

Funcionários da Biblioteca Nacional farão protesto no Centro contra condições precárias

Em maio de 2012, técnicos da biblioteca Nacional trabalham na recuperação dos periódicos que foram molhados em vazamento
Em maio de 2012, técnicos da biblioteca Nacional trabalham na recuperação dos periódicos que foram molhados em vazamento 
 Os servidores da Fundação Biblioteca Nacional farão nesta quarta-feira uma manifestação ao meio dia nas escadarias de sua sede, na Avenida Rio Branco. Segundo eles, o objetivo é denunciar as precárias condições de funcionamento da instituição. Os funcionários afirmam que as instalações elétricas e hidráulicas antiquadas são um risco à segurança do prédio, inaugurado em 1910. Reclamam ainda que sofrem com temperaturas de 40 graus em diversos setores, como nos armazéns de guarda de livros, onde, segundo eles, já foram registrados mais de 50 graus.

A Biblioteca Nacional afirmou que o edifício passa por uma atualização para se adequar às exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Quanto ao calor, a direção da instituição admitiu que desligou o sistema de refrigeração antigo, inaugurado na década de 1950, que chegava a boa parte dos cômodos. Mas afirmou que já recuperou um outro sistema de ar-condicionado, mais novo, que já estaria em fase de testes, garantindo a temperatura nos laboratórios de restauração e na coordenadoria de microrreprodução, onde estão os HDs, as matrizes e o arquivo digitalizado.

Funcionários afirmam, contudo, que a situação é desumana. Segundo eles, apenas o laboratório no primeiro andar e alguns setores do quinto andar têm refrigeração. (AG)



 
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