segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Vida longa ao Bloco Garibaldis e Sacis

O Caetano que perdoe à plagiada, mas atrás do Garibaldis e Sacis “só não vai quem já morreu”!!!

Na nossa nada fria Curitiba, embora tenha os que curtem polka, o que é um direito, o carnaval de rua ou de clube sempre fez parte da vida das pessoas, embora muitos daqui prefiram descer para o carnaval no litoral, sendo que Antonina, Caiobá, Matinhos e Guaratuba recebem dezenas de milhares de foliões, e grande parte deles são oriundos da capital. Então o papo de que o curitibano não gosta de carnaval é uma mentira deslavada. Quem tem mais de 40 com certeza lembra da Banda Polaca, do Afoxé do Glauco, do Bloco do Bife Sujo, etc.? Quantos milhares todos os anos se envolvem com o desfile das Escolas? E neste embalo carnavalesco a treze anos surgiu o Garibaldis e Sacis , e este veio suprir uma necessidade sócio cultural, que é o que demonstra as milhares de pessoas, número que aumenta todos os anos, que aguardam todos os anos a saída do Bloco.

O que no início era saudável uma diversão para algumas centenas hoje, naturalmente para milhares, se fez parte do roteiro turístico de Curitiba. Ele se tornou o nosso “Bloco Vai Como Pode”, onde a única regra é se divertir!

Dificilmente passo o carnaval em Curitiba, mas atrás do Garibaldis e Sacis cantando as suas marchinhas eu já fui algumas vezes, mas ele cresceu e se agigantou porque é bom, e isto deve levar a sua direção a redimensionar o evento, já que hoje a saída do Bloco em nada perde para o carnaval de rua de qualquer lugar.

Com o gigantismo, que é positivo, surgem várias novas necessidades inclusive no ano que vem pensar melhor os critérios de segurança, que a meu ver, e o que foi demonstrado na prática, não deve ficar nas mãos do estado. A Polícia, treinada para o combate armado contra a criminalidade, não é preparada para gerenciar a segurança de um evento como este.

Outro ponto importante é a atual composição social dos que acompanham o Bloco, que não é a mesma de alguns anos atrás e nisto o espírito de confraternização do que foi uma tribo acabou se perdendo um pouco, já que o que era um coletivo hoje é um lugar comum para vários agrupamentos sociais, e estas nem sempre compartilham dos mesmos princípios de paz e harmonia dos que com muito esforço pessoal a treze anos organizam o Bloco.

Os cretinos que jogaram garrafas contra a viatura e cantaram funk fazendo apologia as drogas, assim desafiando a Polícia, com certeza não sabem as letras das já tradicionais marchinhas e com a história do Garibaldis e Sacis não possuem nenhum compromisso, mas isto não justifica a exagerada violência na resposta policial. O que era uma agressão por parte de poucos se tornou a repressão contra todos, e estes, a maioria absoluta, não desafiaram as autoridades, não agrediram ninguém, mas por tabela acabaram alvo não das serpentinas e confetes e sim de gás pimenta e balas de borracha.

Para deixar a coisa ainda mais fora de foco, pois este era somente a diversão popular, alguns tentam faturar politicamente com a tragédia, o que no mínimo é nojento!

União investiga origem da escritura de Pinheirinho


Edição Folha de S.Paulo, de 30 de Agosto de 1969

O governo federal irá investigar a origem da titularidade do terreno de Pinheirinho, pertencente à massa falida da Selecta S/A, do investidor Naji Nahas. A dúvida quanto à idoneidade da escritura (se é grilada ou não) surgiu a partir de uma entrevista publicada no jornal Folha de S.Paulo, no último dia 29, com Benedito Bento Filho, empresário do ramo imobiliário, que vendeu o terreno à Selecta, em 1981.

Na entrevista, Bento Filho, 75, também conhecido como Comendador Bentinho, conta que adquiriu o terreno onde fica Pinheirinho, com cerca de 1,3 milhão de metros quadrados, de Reston Lahud e Salim Lahud Neto, em junho de 1978. O que chamou atenção do governo federal foi o fato de Bento Filho dizer que a Chácara Régio, que pertencia à família de alemães Kubitzky, nunca esteve dentro de Pinheirinho.

Os irmãos Kubitzky, Hermann Paul, Arthur Moritz, Erma Erica e Frida Elza, a mais nova com 68 anos e o mais velho com 76 anos, foram assassinados no dia primeiro de julho de 1969, por quatro jovens - um de 23 anos, e outros três menores de idade. Como não tinham herdeiros, e nem foram casados, tanto o terreno - onde ficava a Chácara Régio, com 30 mil metros quadrados, dentro da área de Pinheirinho -, quanto seus demais bens financeiros ficaram com o Estado.

"Eu tinha 16 anos quando esses quatro irmãos foram assassinados e lembro perfeitamente do caso. O bairro onde Pinheirinho se insere chama-se Campo dos Alemães, onde a Chácara Régio ficava. É um dever nosso investigar se toda essa passagem é correta", afirmou o secretário Nacional de Articulação Social da Presidência, Paulo Maldos, que participou junto com representantes do Ministério das Cidades, Secretaria de Patrimônio da União e Advocacia Geral da União, de reunião para encontrar soluções para as seis mil famílias que ficaram desalojadas após a reintegração de posse do terreno, realizada no domingo 22 de janeiro, às 6 horas da manhã.

O repórter Igor Carvalho, da Revista Fórum, publicou recentemente parte de levantamento do histórico de titulares do terreno. Através da certidão retirada em cartório do imóvel, verificou que o terreno onde se encontra Pinheirinho se chamava Bairro do Rio Comprido e pertencia a Bechara Lahud, passando em fevereiro de 1962 para Paulo Lahud e Reston Lahud. Foi vendido em junho de 1978 para Benedito Bento Filho. E em dezembro de 1982 para a Selecta S/A.

Como não é impossível registros em cartórios serem adulterados, Maldos explica que as investigações serão feitas não apenas pela matrícula do imóvel. O levantamento deverá ser entregue em uma próxima reunião entre secretarias, prevista para o dia 14 de fevereiro.Pouco tempo depois do assassinato dos Kubitzky a imprensa divulgou que o terreno deveria ficar mesmo com o Estado, possivelmente com a universidade de São Paulo (USP). Mas, segundo assessoria da Advocacia Geral da USP, o terreno não ficou com a universidade.

Possível futuro das famílias de Pinheirinho

Maldos explicou que, além das investigações quanto à titularidade do terreno de Pinheirinho, o encontro entre secretarias e AGU serviu para estruturarem proposta para realojar as famílias de Pinheirinho.

Uma das propostas é aproveitar a divida que a própria Selecta S/A tem com a União, hoje calculada em R$ 11 milhões de impostos atrasados. A ideia é trocar a dívida por uma parte do terreno que corresponde a esse valor e construir unidades de moradia verticalizadas, ou seja, colocar todos em prédios. Entretanto, o secretário afirma que como a empresa está falida, juridicamente os trabalhadores prejudicados teriam que ser contemplados antes dos ocupantes do bairro. "Segundo informações que nós temos, o núcleo inicial de ocupantes de pinheirinho é exatamente dos trabalhadores com quem a massa falida tem dívidas", completa.

A segunda proposta abordada na reunião é levantar outras empresas em situação de falência e endividadas com a União para construir conjuntos habitacionais. O objetivo é analisar localizações próximas ao centro de São José dos Campos, assim como era Pinheirinho, para não deslocar ainda mais as famílias. A terceira proposta será aproveitar os terrenos da União que fazem parte da Rede Ferroviária Federal S.A., nos trechos desativados, e que passam pela cidade. Tudo isso vai depender, também, da situação jurídica e da importância atual desses espaços para a rede.

A reintegração de posse de Pinheirinho prejudicou 20 mil pessoas acomodadas em alojamentos cedidos pela prefeitura. Parte ainda está morando em casa de amigos, parentes ou até mesmo nas ruas. Um dos ex-ocupantes de Pinheirinho é Vanderlei, de 37 anos, que teve uma costela quebrada por um policial da ROCAM durante a ação de despejo, ao tentar ajudar um jovem jornalista que estava sendo espancado por um PM.

Vanderlei, que morava há quatro anos no Pinheirinho, e que tem uma esposa e filha de dez meses, conta que a situação nos alojamentos é ruim e humilhante, com pessoas dividindo banheiros, crianças tendo que tomar mamadeira estragada, e assistentes sociais oferecendo passagens para as famílias voltarem para as regiões Norte ou Nordeste do país. "Os abrigos da prefeitura parecem verdadeiros campos de concentração. Ninguém pode mais entrar ou sair depois das dez horas da noite".

Há sete anos a situação do terreno é de litígio. As famílias começaram a ocupar Pinheirinho depois de esperarem por casas da CDHU prometidas pela prefeitura e Estado durante anos. Como nunca eram entregues, decidiram construir com as próprias mãos, e assim deram origem ao bairro, em 2004. A decisão de reintegração de posse foi finalmente dada pela Justiça Estadual, em janeiro de 2012. A 18ª Vara Cível de São Paulo pediu a suspensão da ação por 15 dias, contados a partir do dia 18 de janeiro, até que se discutisse uma saída para os moradores que ficariam desalojados. O que não foi acatado pelo estado. No domingo, 22 de janeiro, dois mil soldados, entre policiais militares e Guarda Civil Metropolitana, invadiram o bairro e retiraram de surpresa as seis mil famílias. (AB)

Vídeos sobre a greve da Polícia na Bahia

Entrevista com Chico Pinto, o deputado que denunciou Pinochet

Claudio Leal

Morreu hoje, 19 de fevereiro, em Salvador, o ex-deputado federal Chico Pinto. Estava internado desde 2007, no hospital San Raphael, onde resistia a um câncer. Veio uma infecção urinária e, em seguida, a infecção bacteriana generalizada.

Durante quase um ano, fez de seu quarto de hospital um espaço de memórias. Recebeu amigos e ex-companheiros de partido - Waldir Pires, Sigmaringa Seixas, Airton Soares, Sebastião Nery, Hélio Duque, Alencar Furtado... -, despedindo-se lentamente da vida. Não perdeu a ironia, embora revelasse desencanto com os rumos da política brasileira.

Em 3 de janeiro, Terra Magazine publicou uma entrevista exclusiva com Chico Pinto. Republicamos agora, dia de sua morte. O ex-deputado será enterrado em Feira de Santana, sua terra natal, na Bahia. Deixou uma mulher, Thaís Alencar, e uma filha, Thaís Alencar Pinto dos Santos. O governador Jaques Wagner decretou luto oficial.

***

"Chico Pinto quer falar." Internado no hospital San Raphael, em Salvador, o ex-deputado federal Francisco Pinto, um dos maestros da resistência à ditadura militar no MDB (Movimento Democrático Brasileiro), deseja gravar suas memórias políticas. Com certa ansiedade, convoca o repórter. Teme perder o impulso.

O recado chega em 1° de setembro de 2007. Há meses, vinha adiando um registro de suas reminiscências. Estimava um tempo mais tranqüilo para alinhavá-las. Àquela altura, porém, dispensava saúde e formalidades. Queria falar.

A história da esquerda democrática, no Brasil dos anos 70, passa pelos discursos e conspirações de Chico Pinto. Em quartéis e encontros sigilosos, ele arquitetou um espinhoso diálogo entre o MDB e os militares nacionalistas.

Leia também: » Pedro Simon fala sobre Chico Pinto » José Genoino: os autênticos e o debate do voto nulo » Chico Pinto: "Ulysses não gostava de militares" » O discurso contra Pinochet e a reação de Geisel

Dessa estranha alquimia nasceu a candidatura do general Euler Bentes à presidência da República, em 1978, numa artimanha para dividir as Forças Armadas. Participou da articulação o senador de Pernambuco, Marcos Freire, morto em 1987 num acidente aéreo.

Eleito para a Câmara Federal em 1970, Chico Pinto aglutinou parlamentares no Grupo Autêntico do MDB e ajudou a estabelecer os limites entre oposição e governo.

Superava rusgas recentes com os militares. Em 1964, fora deposto da prefeitura de Feira de Santana, na Bahia. Fez, sozinho, sua defesa no tribunal militar. Absolvido, partiu para novo encontro com as urnas.

Em Brasília, percebeu que não era possível atuar sem pertencer a um agrupamento político forte. No jogo interno do MDB, as posições do grupo Autêntico, que criticava sem meias palavras a ditadura, empurravam o comedido Ulysses Guimarães para o enfrentamento com o governo.

- Os autênticos marcaram a vida política no instante em que a ditadura atingia todos os recordes de popularidade. Em 1974, quem votava em branco, nulo, passou a ver que o voto era uma forma de derrubá-la. E isso é conseqüência da atuação de Chico Pinto e dos autênticos - analisa o ex-deputado federal Hélio Duque.

O ex-ministro da Defesa Waldir Pires define:

- Ele resistiu na área de uma política de faz-de-conta, o Congresso Nacional daquela época.

O balé de radicais e moderados encenou a Anticandidatura de Ulysses e do presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Barbosa Lima Sobrinho. Em 1974, os dois reacenderam as artes de uma campanha nacional.

"A luta dos 'Autênticos', como membros do MDB, principalmente no episódio da Anticandidatura, deu ao partido conotação de oposição efetiva, de resistência ao regime militar", avalia a historiadora Ana Beatriz Nader, em "Autênticos do MDB", importante registro de história oral.

Em 1974, ao discursar contra a presença do general Augusto Pinochet no Brasil, e denunciar os crimes humanitários da ditadura chilena, reafirmou o papel constitucional da tribuna parlamentar. Gramou a prisão e o afastamento do Congresso.

Trinta anos depois, a imagem histórica de Pinochet faz valer todos os adjetivos empregados por Chico Pinto - mesmo os que, por prudência, preferiu guardar.

Eternidade

Deitado num leito do San Raphael, onde resiste a um câncer, Chico Pinto rememora todas essas passagens. Está sem o gorro russo usado em velhas campanhas. No criado-mudo, romances de José de Alencar, jornais, revistas...

Os visitantes transformam o quarto do hospital em um confessionário político. Ali deixaram postas do passado os ex-governadores Waldir Pires, Lomanto Júnior e Roberto Santos, além de velhos correligionários e amigos como Sebastião Nery, Mário Lima, Hélio Duque, Alencar Furtado, José Carlos Brandão e Portela.

- Às vezes, o homem pensa que é eterno e retarda os compromissos. Agora eu vejo que não é. De repente, a saúde some e abala essa certeza de eternidade - diz Pinto, antes de iniciar a entrevista, naquele setembro de 2007.

Continua internado em Salvador, sempre acompanhado por sua esposa, Thaís. Esquece até de praguejar o cigarro. Não o responsabiliza pelos males à saúde. Fumou desde a adolescência, mas, por caráter, evita desmerecer todos os maços que passaram por suas mãos.

- Eu estava na UTI e lá refletia sobre o cigarro. Usava quatro piteiras por dia. Em média, vinte cigarros para cada uma. Fumava de oitenta a cem cigarros. Usei piteiras espanholas, portuguesas, americanas, e me fixei na piteira Tar Gard. Quando descartava uma, deixava ao sol e formava aquela massa sólida de nicotina. Eu dizia às pessoas: esse é o lado negativo.

Chico ajeita a coberta, coça a barba que o aproxima dos profetas, e arremata a exposição, voz baixa e mansa:

- Mas era o cigarro que me acompanhava nos momentos tensos, ajudava-me a ter inspiração na hora de escrever... Fumo desde os 12 anos. O cigarro foi um companheiro de toda a vida. Falar mal dele agora seria mau-caratismo. Se você quiser, abra aquele armário e veja minha carteira. Tem lá uma carteira de cigarro. É para provar que não o abandonei.

Sob nuvens de memória e tabaco, Chico Pinto, 77 anos.

CORDÃO DOS AUTÊNTICOS

Terra Magazine - O senhor pode explicar as divisões internas do MDB durante a ditadura? Chico Pinto - No MDB, você tinha três grupos. O grupo Adesista estava no partido e defendia o governo. Grupo Moderado, quem era? Tancredo, Ulysses Guimarães, Thales Ramalho, esse pessoal. O terceiro grupo foi criado quando eu cheguei ao Congresso: os Autênticos. Porque, na Bahia, em reunião com os companheiros, inclusive do próprio Partido Comunista, me diziam que eu estar sozinho não adiantava nada em Brasília. "Tem que se organizar lá".

Então, eu pedi a relação dos deputados que foram votados pelo Partido (Comunista), que era ilegal e não podia ter nenhum "eleito". Pedi essa relação do Partidão. Os outros apoiavam o voto nulo. No dia da homenagem que a Câmara prestou aos Autênticos, José Genoíno (PT) fez uma revelação interessante: falando em nome do PT, mostrou a influência que a minha presença na política teve para gerar uma discussão interna sobre a participação institucional ou não.

Havia diálogo com os defensores do voto nulo? Sim. Algumas pessoas do voto nulo até me diziam: "Olha, eu acho uma posição errada, vou acompanhar o Partido, defender, mas meu voto pessoal, aqui pra nós, eu vou lhe dar".

E a lista? O Partidão mandou os nomes, mas não tinha os nomes do País inteiro. Me deram alguns nomes. Não deram Lysâneas Maciel (ex-deputado federal do Rio de Janeiro). Lysâneas não teve apoio do Partido, mas era um socialista, importantíssimo. No Rio, eles votaram com Walter Silva e J.G. de Araújo Jorge, poeta.

Eu ia em cima, procurava esse pessoal já conhecido. Uma vez, Hélio Duque (ex-deputado federal do Paraná) me deu alguns nomes. Alencar Furtado não foi apoiado pelo Partido Comunista.

Freitas Nobre? Ele não era do Partido, mas teve uns votos. O Partido em São Paulo votou em Santilho Sobrinho... No Rio Grande do Sul, Nadyr (Rossetti) e Amaury (Müller). Ambos foram cassados depois. Tinha o Getúlio Dias. Lá em Santa Catarina, um bom sujeito, que foi deputado e depois senador, Jaison Barreto.

Foi montado esse quadro, então? Estou citando alguns nomes. Em Pernambuco, quem recebeu apoio foi Fernando Lyra, e não Marcos Freire. Marcos recebeu apoio de Dom Hélder e da esquerda católica. Na Bahia, o Partido votou comigo. Veja que estou dando alguns exemplos, pra você ver que tinha alguma facilidade de procurar e encontrar receptividade pra formação do grupo que se tornou o grupo Autêntico do MDB. E o grupo teve uma unidade, rapaz, com 20 e tantos deputados...! Faltei falar em Alceu Collares e Freitas Diniz, do Maranhão, bom companheiro.

DIÁLOGOS NA SOMBRA

Como é que o senhor percebeu que havia uma possibilidade de diálogo com os militares nacionalistas? Desde o início, eu me convenci de que nós (da esquerda) precisávamos de um braço armado. Não existia ainda, mas passou a existir com o braço armado civil: Caparaó, Araguaia, etc. Vibrava com aquele negócio, embora soubesse que não ia conseguir quebrar a chamada unidade das Forças Amadas.

Lá dentro do Conselho Militar, onde respondi a processo, eu via que os militares se revezavam de quatro em quatro dias. Alguns deles queriam me conhecer: "O cara é um nacionalista..."

Onde era o Conselho? Em Salvador. Na Auditoria Militar. Então, fui conhecendo esses caras, alguns me convidavam para ir às casas deles. Queriam outra política que não a entreguista de Castello Branco, exigindo mudanças contra a tortura. Aí facilitou, né? Em determinado momento, eu me integrei a esses grupos. Viajava para o Rio de Janeiro - algumas vezes até com Inácio (Gomes, advogado de presos políticos baianos). Porque Inácio era bom pra conversar com militar.

"BRASIL ACIMA DE TUDO"

Conversava com a organização militar Centelha Nativista? Centelha, Brasil Acima de Tudo. No meu primeiro discurso na Câmara, terminei falando: "Brasil acima de tudo!". Era um recado pra eles. Médici quis me cassar por esse discurso. Proibiram a publicação no Diário Oficial, enquanto eles decidiam. A notícia toda é que eu seria cassado. Os jornalistas: "ó, você vai ser cassado..."

E eles começaram a dizer que era um discurso agressivo, comunista, contra as Forças Armadas. Não pegou porque espalhei o discurso entre os militares conhecidos, muitos deles reimprimiram, distribuíram com os colegas. Criou um clima de resistência.

Como é que vão cassar este homem que está defendendo os militares? E como é que eu defendia? Peguei a origem das Forças Armadas brasileiras, toda a luta travada contra a escravidão, a resistência de muitos militares daquela época em cumprir a ordem de perseguição aos escravos... A revolução de 22, 24, 25...

RESISTÊNCIA INTERNA

Qual era sua leitura? Estudei muito. Como estudei muito sobre a psicologia dos militares. Também era importante saber como eles reagem. Ao mesmo tempo, o convívio facilitou isso, a confiança recíproca. Sem dizer, você levantava e mostrava a importância dessas revoluções, desses tenentes, o papel que o Exército exerceu naquele período. Como é que eles iam dizer que eu estava contra o Exército? Ao contrário. Não publicaram meu discurso, mas depois publicaram com cortes e tal. Com silêncio, ninguém sabia - na área militar, eu seria inimigo do Exército e... corta a cabeça! Acabou. Era o Médici, naquela época. Ele se viu em dificuldade pra me cassar. Por isso, é que eu entendia aquelas brigas internas do PC, PCdoB...

INSPIRAÇÃO DOS TENENTES

E a resposta dos militares? Houve um crescimento, rapaz! Acho que foi um papel importante que não tem sido ressaltado. Você não podia falar em divisão das Forças Armadas. Isso era intolerável. Você tinha que fazer as coisas como os tenentes fizeram.

Eu peguei, por exemplo, o processo do brigadeiro Eduardo Gomes, que estava preso na década de 20. É um negócio interessantíssimo. Era chamado de subversivo - não se falava "comunista" -, esbodegavam com ele. Um dos juízes do Supremo Tribunal, na época, disse: "Esse nunca será glorificado, esse homem é contra o País". Tenente quem? Eduardo Gomes.

Nunca falavam das Forças Armadas. Falavam em derrubar os governos que estavam constituídos: Washington Luiz e outros. Então, eu me integrei de uma forma espontânea e também estudada. Foi muito bom o período.

SENHA NA MADRUGADA

Uma vez, jogaram um caminhão na Vila Militar do Rio de Janeiro. Bem, à noite, eu tinha os endereços de uns oficiais nacionalistas pra conversar... Parecia um doido. Entrava no carro e ia atrás. Batia na porta. Mas eu não ia à toa. Sabia quem era.

Agora, alguns deles me davam o endereço do camarada, davam uma senha, vinha um outro colegas deles, pra poder conversar. Tanto assim que um do Rio de Janeiro, quando cheguei lá, estava com um colega, compadre dele, capitão também. Bati na porta, ele na moita. Olhou... Joguei a senha e ele (sinal de silêncio). Dando sinal que eu não falasse na vista do outro. Quando o outro saiu, disse:

- É meu compadre, meu amigo, mas é muito reacionário.

Isso era uma coisa importante, você criar uma resistência dentro do batalhão que sustentava o governo. O batalhão que eu digo aí é a força política e econômica que sustentava o governo.

Na segunda parte da entrevista, Chico Pinto avalia a personalidade de três personagens da redemocratização do País: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Teotônio Vilela.

Para a história, ficou a imagem do Ulysses destemido, condutor da democracia, esfinge que não contempla as disputas de bastidores.

Entre os "autênticos" do MDB, Ulysses passava por conservador. Experiente em disputas partidárias, Tancredo ganhou a plumagem da conciliação. Teotônio temperava as trocas de pontapés.

Nas eleições indiretas de 1974, a Anticandidatura de Ulysses e Barbosa Lima Sobrinho pacificou, momentaneamente, as correntes intrapartidárias. "É o anticandidato que vai percorrer o País, denunciando as antieleições", dizia Ulysses, na sucessão de Médici.

Leia também: » Pedro Simon fala sobre Chico Pinto » Primeira parte da entrevista com Chico Pinto » O discurso contra Pinochet e a reação de Geisel

A idéia da campanha simbólica partiu dos autênticos. Mas um acordo foi quebrado: em vez de renunciar à candidatura e denunciar o caráter antidemocrático das eleições, os dois quixotes do MDB permaneceram até o fim. Não receberam os votos dos autênticos. O general Ernesto Geisel saiu vitorioso.

"O acerto com os autênticos era renunciar na véspera e esvaziar o pleito. Mas isso não foi mesmo cumprido", lembra-se o ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. O ano de 1974 marcaria ainda a vitória legislativa do MDB, que ampliou seus quadros no Congresso.

Chico Pinto reconhece que a Anticandidatura serviu, ao menos, para Ulysses "tomar gosto" pela oposição aos militares.

LAMARCA E A LUTA ARMADA

Terra Magazine - Qual era a resposta dada pelos militares a suas sondagens? O senhor se lembra de alguns nomes? Ah, tive contato com vários. Esqueço muito de nomes e, pra mim, era importante esquecer. Se você perguntar sobre aquele pessoal que eu ajudei da luta armada, é a mesma coisa. Eu tinha três revólveres 45 e dei dois, fiquei com um. Isso eu nunca disse a ninguém porque era um negócio perigoso. Ajudava como eu podia, era um apoio logístico ao movimento... Alguns dos militares tinham lido Marx. Um deles, em casa, me mostrou um livro de Marx...

Na certa, apreendido de comunistas. (risos) Mas não era!

O senhor chegou a ter contato com Lamarca? Pessoalmente, não. Indiretamente. Sabia onde ele estava. No princípio. Sobretudo sabia mais quando Iara (Iavelberg) estava na casa de um médico de Serrinha chamado Hamilton. Ela passou uma temporada lá.

Hamilton Saphira? É. Era "comuna". Muito reservado, mas do Partido.

BRIGAS NO MDB

Como era a relação do grupo autêntico com Ulysses e Tancredo? Tumultuada. No princípio, muito tumultuada porque Ulysses não era o presidente do MDB, era Oscar Passos. Ulysses era vice e queria assumir. Depois do AI-5, pra você ter uma idéia, não se fazia discurso contra o governo. Nem projeto se apresentava, a não ser um de estrada e não-sei-o-quê.

Tancredo, Ulysses, Thales Ramalho eram do grupo majoritário. E se aliavam ao grupo adesista pra impedir nosso avanço. Porque eles achavam que nós prejudicávamos a abertura democrática com radicalismos.

Começou com muito atrito. Porque eles não queriam avançar. O Tancredo, sabidamente, embora em determinado momento histórico tivesse sido de muita coragem - no caso de Getúlio Vargas, foi dos poucos que admitiram a resistência, e no próprio governo de Jango, quando ele foi líder do partido e não votou no Castello Branco -, mas o Tancredo, depois dos perigos que passou, se retraiu muito.

Ulysses era a posição de querer agradar ao pessoal adesista - e aí se chocava com a gente. A diferença entre nós era grande. Primeiro, não achavámos que dava para fazer oposição penteando macaco. Era necessário ser aguerrido. Íamos pra tribuna, pau violento. Correndo riscos, mas não tinha conversa. Mas é claro que ninguém queria perder o mandato.

ULYSSES E OS MILITARES

Aí você pergunta: e a relação deles (moderados) com os militares? Animosidade. Ulysses não gostava de militar, não queria saber da vida militar.

Chamou a Junta militar de "Os três patetas". Mas isso foi depois... O grupo autêntico, você sabe, a maioria tinha sido vítima, presa em 1964. Por isso, defender a tese de aliança com os militares era um negócio inusitado. Foi um trabalho convencê-los politicamente da necessidade disso. Em determinado momento, começou a mudar a posição.

Mas, contato direto com os militares, a grande maioria não teve. Quem teve, porque eu queria que tivesse, porque era muito eficiente, era o Lysâneas. Mas ele não tinha limite no dizer as coisas. Dizia francamente tudo. Não dava.

Tivemos vários debates e disputas internas, quando eles (moderados e adesistas) se uniam todos e nos derrotavam. Nós conquistávamos com muita dificuldade espaços dentro do diretório nacional, da Executiva do partido. Mais tarde, eu cheguei até a ser secretário-geral do partido.

ZANGA DE TEOTÔNIO

Como foi essa escolha? Nessa época, em 1981, Ulysses queria barrar nossa participação. Fui secretário-geral do partido porque houve um atrito sério com Teotônio (Vilela, senador), que já estava no PMDB. Ulysses acertou com os grupos que Tancredo seria o segundo vice-presidente e Teotônio, o primeiro-vice. E ele, o presidente. Estava acertado.

De noite, Ulysses telefona. Eu já era da Executiva, mas não ocupava esse cargo. Convocou a gente. O pessoal de Tancredo exigia Tancredo na primeira vice-presidência e Teotônio, na segunda.

Teotônio se revoltou e eu fiquei com ele. Aí, no dia seguinte, quando Teotônio ameaçou sair do partido, foi uma brigalhada, né? Teotônio mandou chamar Ulysses, que estava presidindo a convenção do partido, que discutia a fusão entre o PP (Partido Popular) de Tancredo e o PMDB.

CANETA VERMELHA

E Teotônio... Nessa brigalhada, o Teotônio ameaçou deixar o partido. Ulysses não vinha falar com ele, no Senado. Aí ele mandou um recado para Ulysses, dizendo que ia chamar a imprensa pra dar uma entrevista, desligando-se do PMDB. Ele veio. Quando Ulysses disse que vinha, Teotônio pediu uma caneta vermelha. "Vou fazer minha chapa". Ele se retirava da Executiva, deixava Tancredo Neves lá e me jogava como secretário-geral. Isso pra causar uma confusão maior ainda.

Teotônio disse a Ulysses: "Aqui, ó, minha chapa é essa. Ou aceita, ou eu renuncio ao partido. Tô fazendo de caneta vermelha de propósito". Era um certo simbolismo do meu comunismo, né? Ele tomou um susto.

Ulysses recebeu a notícia e disse que não podia decidir sozinho, tinha que ouvir o Tancredo Neves. Tancredo estava interessado na fusão e, pra nossa surpresa, disse: "Perfeitamente. Pode botar o Chico Pinto".

Nunca tive atrito com Tancredo. Ulysses e eu tivemos vários. Mas confiava e gostava de mim. Eu sabia. E ele revelava. Um secretário dele, encontrando comigo um dia, em São Paulo, falou assim: "Sabe que o dr. Ulysses gostava muito do senhor?". Eu disse: "Desconfiava". "Mas era. Dizia que o senhor era uma pessoa séria. Brigava, mas gostava muito".

TEMPO DE SOBRA
Já no governo Sarney, Marco Maciel e Aureliano Chaves eram ativos, rapaz. Vieram de lá (da Arena), não tínhamos a menor simpatia por eles, e nos ministérios eles botavam pra quebrar. Nosso pessoal, por falta de prática - o que está acontecendo hoje com o PT: tateando -, sempre dizia: "Nós recebemos uma ordem do presidente para não fazer".

Eles dois mandavam firme. Uma vez, uns meninos que estudaram num país desses e não eram legalizados aqui, e precisavam ser, queriam que eu conversasse com o senador Marco Maciel. Com oito dias, ele já me telefonava, dando a resposta. Tô mostrando a rapidez com que agiam. Aí eu falei: "Dr. Ulysses, o nosso pessoal não anda." E dei o exemplo de Marco Maciel. Ele respondeu: "O que é que você quer? O Marco Maciel não come, não dorme, não bebe... Então tem tempo!". (risos)

A ANTICANDIDATURA

Como surgiu a idéia da Anticandidatura de Ulysses e Barbosa Lima? Nós tínhamos decidido, no grupo, e dialogamos com Ulysses e companhia, que nós devíamos participar da campanha (de 1974), sabendo antecipadamente da derrota. Havia aquele voto vinculado. Não podia votar contra, senão estava expulso do partido. Você sabia antecipadamente o resultado.

Combinamos o seguinte e eles aceitaram: o MDB renunciaria à candidatura na véspera da eleição. O acerto foi feito com Ulysses e o grupo dele, com o compromisso da renúncia da candidatura do MDB se eles não permitissem o uso do rádio e da televisão. Posição do nosso grupo: participar do processo era uma forma de estar conivente.

Acertaram tudo e depois recuaram. Sempre faziam um pouco o joguinho do outro lado. Geisel estava torcendo para o MDB ter candidato, porque a vitória dele seria consagrada como uma luta política entre a oposição brasileira e a ditadura.

Quem convidou Barbosa Lima (Sobrinho, jornalista e presidente da ABI), em primeiro lugar, fomos nós. Fui ao Rio de Janeiro com Marcos Freire, Lysanêas Maciel, Araújo, esse pessoal do Rio, convidá-lo a ser candidato à presidência. Depois é que eles fizeram um acordo. Saíram Ulysses, Nelson Carneiro e Tancredo à casa do Barbosa e o convidaram a ser o vice. Ele aceitou. Claro que Barbosa não estava muito a par dessas divergências internas.

DEU NA BBC

O acordo não foi cumprido? Qual era o compromisso? Usar o rádio e a televisão, e renúncia. Quando eles viram que o partido estava disposto a fazer confronto, o Tribunal Eleitoral decidiu que não era permitido o uso de rádio e televisão na campanha, porque o voto era indireto. Tirou o sentido de nossa luta.

Nós não votamos em Ulysses. No nosso grupo, nenhum. Vinte e tantos. A permanência tirou o efeito político de nossa luta. Serviu porque Ulysses se empolgou e começou a ser oposição. Mas oposição pra fazer comício. Não tinha o efeito de você ter usado o rádio e a televisão.

A BBC de Londres, quando terminou a votação, eleito Geisel... Aqui, aquela pressão toda, nós sabíamos que era difícil. Mas esperamos pra ver o que a BBC diria. Deu o resultado assim: no Brasil, foi eleito Ernesto Geisel, com tantos porcentos, MDB tantos votos e oposição brasileira: 23 votos". Ah, rapaz! Pulamos de alegria! Porque era a BBC de Londres reconhecendo que só havia uma oposição. E éramos nós do grupo Autêntico! (risos). Reconhecimento internacional.

Na segunda parte da entrevista, Chico Pinto avalia a personalidade de três personagens da redemocratização do País: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Teotônio Vilela.

Para a história, ficou a imagem do Ulysses destemido, condutor da democracia, esfinge que não contempla as disputas de bastidores.

Entre os "autênticos" do MDB, Ulysses passava por conservador. Experiente em disputas partidárias, Tancredo ganhou a plumagem da conciliação. Teotônio temperava as trocas de pontapés.

Nas eleições indiretas de 1974, a Anticandidatura de Ulysses e Barbosa Lima Sobrinho pacificou, momentaneamente, as correntes intrapartidárias. "É o anticandidato que vai percorrer o País, denunciando as antieleições", dizia Ulysses, na sucessão de Médici.

Leia também: » Pedro Simon fala sobre Chico Pinto » Primeira parte da entrevista com Chico Pinto » O discurso contra Pinochet e a reação de Geisel

A idéia da campanha simbólica partiu dos autênticos. Mas um acordo foi quebrado: em vez de renunciar à candidatura e denunciar o caráter antidemocrático das eleições, os dois quixotes do MDB permaneceram até o fim. Não receberam os votos dos autênticos. O general Ernesto Geisel saiu vitorioso.

"O acerto com os autênticos era renunciar na véspera e esvaziar o pleito. Mas isso não foi mesmo cumprido", lembra-se o ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. O ano de 1974 marcaria ainda a vitória legislativa do MDB, que ampliou seus quadros no Congresso.

Chico Pinto reconhece que a Anticandidatura serviu, ao menos, para Ulysses "tomar gosto" pela oposição aos militares.

LAMARCA E A LUTA ARMADA

Terra Magazine - Qual era a resposta dada pelos militares a suas sondagens? O senhor se lembra de alguns nomes? Ah, tive contato com vários. Esqueço muito de nomes e, pra mim, era importante esquecer. Se você perguntar sobre aquele pessoal que eu ajudei da luta armada, é a mesma coisa. Eu tinha três revólveres 45 e dei dois, fiquei com um. Isso eu nunca disse a ninguém porque era um negócio perigoso. Ajudava como eu podia, era um apoio logístico ao movimento... Alguns dos militares tinham lido Marx. Um deles, em casa, me mostrou um livro de Marx...

Na certa, apreendido de comunistas. (risos) Mas não era!

O senhor chegou a ter contato com Lamarca? Pessoalmente, não. Indiretamente. Sabia onde ele estava. No princípio. Sobretudo sabia mais quando Iara (Iavelberg) estava na casa de um médico de Serrinha chamado Hamilton. Ela passou uma temporada lá.

Hamilton Saphira? É. Era "comuna". Muito reservado, mas do Partido.

BRIGAS NO MDB

Como era a relação do grupo autêntico com Ulysses e Tancredo? Tumultuada. No princípio, muito tumultuada porque Ulysses não era o presidente do MDB, era Oscar Passos. Ulysses era vice e queria assumir. Depois do AI-5, pra você ter uma idéia, não se fazia discurso contra o governo. Nem projeto se apresentava, a não ser um de estrada e não-sei-o-quê.

Tancredo, Ulysses, Thales Ramalho eram do grupo majoritário. E se aliavam ao grupo adesista pra impedir nosso avanço. Porque eles achavam que nós prejudicávamos a abertura democrática com radicalismos.

Começou com muito atrito. Porque eles não queriam avançar. O Tancredo, sabidamente, embora em determinado momento histórico tivesse sido de muita coragem - no caso de Getúlio Vargas, foi dos poucos que admitiram a resistência, e no próprio governo de Jango, quando ele foi líder do partido e não votou no Castello Branco -, mas o Tancredo, depois dos perigos que passou, se retraiu muito.

Ulysses era a posição de querer agradar ao pessoal adesista - e aí se chocava com a gente. A diferença entre nós era grande. Primeiro, não achavámos que dava para fazer oposição penteando macaco. Era necessário ser aguerrido. Íamos pra tribuna, pau violento. Correndo riscos, mas não tinha conversa. Mas é claro que ninguém queria perder o mandato.

ULYSSES E OS MILITARES

Aí você pergunta: e a relação deles (moderados) com os militares? Animosidade. Ulysses não gostava de militar, não queria saber da vida militar.

Chamou a Junta militar de "Os três patetas". Mas isso foi depois... O grupo autêntico, você sabe, a maioria tinha sido vítima, presa em 1964. Por isso, defender a tese de aliança com os militares era um negócio inusitado. Foi um trabalho convencê-los politicamente da necessidade disso. Em determinado momento, começou a mudar a posição.

Mas, contato direto com os militares, a grande maioria não teve. Quem teve, porque eu queria que tivesse, porque era muito eficiente, era o Lysâneas. Mas ele não tinha limite no dizer as coisas. Dizia francamente tudo. Não dava.

Tivemos vários debates e disputas internas, quando eles (moderados e adesistas) se uniam todos e nos derrotavam. Nós conquistávamos com muita dificuldade espaços dentro do diretório nacional, da Executiva do partido. Mais tarde, eu cheguei até a ser secretário-geral do partido.

ZANGA DE TEOTÔNIO

Como foi essa escolha? Nessa época, em 1981, Ulysses queria barrar nossa participação. Fui secretário-geral do partido porque houve um atrito sério com Teotônio (Vilela, senador), que já estava no PMDB. Ulysses acertou com os grupos que Tancredo seria o segundo vice-presidente e Teotônio, o primeiro-vice. E ele, o presidente. Estava acertado.

De noite, Ulysses telefona. Eu já era da Executiva, mas não ocupava esse cargo. Convocou a gente. O pessoal de Tancredo exigia Tancredo na primeira vice-presidência e Teotônio, na segunda.

Teotônio se revoltou e eu fiquei com ele. Aí, no dia seguinte, quando Teotônio ameaçou sair do partido, foi uma brigalhada, né? Teotônio mandou chamar Ulysses, que estava presidindo a convenção do partido, que discutia a fusão entre o PP (Partido Popular) de Tancredo e o PMDB.

CANETA VERMELHA

E Teotônio... Nessa brigalhada, o Teotônio ameaçou deixar o partido. Ulysses não vinha falar com ele, no Senado. Aí ele mandou um recado para Ulysses, dizendo que ia chamar a imprensa pra dar uma entrevista, desligando-se do PMDB. Ele veio. Quando Ulysses disse que vinha, Teotônio pediu uma caneta vermelha. "Vou fazer minha chapa". Ele se retirava da Executiva, deixava Tancredo Neves lá e me jogava como secretário-geral. Isso pra causar uma confusão maior ainda.

Teotônio disse a Ulysses: "Aqui, ó, minha chapa é essa. Ou aceita, ou eu renuncio ao partido. Tô fazendo de caneta vermelha de propósito". Era um certo simbolismo do meu comunismo, né? Ele tomou um susto.

Ulysses recebeu a notícia e disse que não podia decidir sozinho, tinha que ouvir o Tancredo Neves. Tancredo estava interessado na fusão e, pra nossa surpresa, disse: "Perfeitamente. Pode botar o Chico Pinto".

Nunca tive atrito com Tancredo. Ulysses e eu tivemos vários. Mas confiava e gostava de mim. Eu sabia. E ele revelava. Um secretário dele, encontrando comigo um dia, em São Paulo, falou assim: "Sabe que o dr. Ulysses gostava muito do senhor?". Eu disse: "Desconfiava". "Mas era. Dizia que o senhor era uma pessoa séria. Brigava, mas gostava muito".

TEMPO DE SOBRA
Já no governo Sarney, Marco Maciel e Aureliano Chaves eram ativos, rapaz. Vieram de lá (da Arena), não tínhamos a menor simpatia por eles, e nos ministérios eles botavam pra quebrar. Nosso pessoal, por falta de prática - o que está acontecendo hoje com o PT: tateando -, sempre dizia: "Nós recebemos uma ordem do presidente para não fazer".

Eles dois mandavam firme. Uma vez, uns meninos que estudaram num país desses e não eram legalizados aqui, e precisavam ser, queriam que eu conversasse com o senador Marco Maciel. Com oito dias, ele já me telefonava, dando a resposta. Tô mostrando a rapidez com que agiam. Aí eu falei: "Dr. Ulysses, o nosso pessoal não anda." E dei o exemplo de Marco Maciel. Ele respondeu: "O que é que você quer? O Marco Maciel não come, não dorme, não bebe... Então tem tempo!". (risos)

A ANTICANDIDATURA

Como surgiu a idéia da Anticandidatura de Ulysses e Barbosa Lima? Nós tínhamos decidido, no grupo, e dialogamos com Ulysses e companhia, que nós devíamos participar da campanha (de 1974), sabendo antecipadamente da derrota. Havia aquele voto vinculado. Não podia votar contra, senão estava expulso do partido. Você sabia antecipadamente o resultado.

Combinamos o seguinte e eles aceitaram: o MDB renunciaria à candidatura na véspera da eleição. O acerto foi feito com Ulysses e o grupo dele, com o compromisso da renúncia da candidatura do MDB se eles não permitissem o uso do rádio e da televisão. Posição do nosso grupo: participar do processo era uma forma de estar conivente.

Acertaram tudo e depois recuaram. Sempre faziam um pouco o joguinho do outro lado. Geisel estava torcendo para o MDB ter candidato, porque a vitória dele seria consagrada como uma luta política entre a oposição brasileira e a ditadura.

Quem convidou Barbosa Lima (Sobrinho, jornalista e presidente da ABI), em primeiro lugar, fomos nós. Fui ao Rio de Janeiro com Marcos Freire, Lysanêas Maciel, Araújo, esse pessoal do Rio, convidá-lo a ser candidato à presidência. Depois é que eles fizeram um acordo. Saíram Ulysses, Nelson Carneiro e Tancredo à casa do Barbosa e o convidaram a ser o vice. Ele aceitou. Claro que Barbosa não estava muito a par dessas divergências internas.

DEU NA BBC

O acordo não foi cumprido? Qual era o compromisso? Usar o rádio e a televisão, e renúncia. Quando eles viram que o partido estava disposto a fazer confronto, o Tribunal Eleitoral decidiu que não era permitido o uso de rádio e televisão na campanha, porque o voto era indireto. Tirou o sentido de nossa luta.

Nós não votamos em Ulysses. No nosso grupo, nenhum. Vinte e tantos. A permanência tirou o efeito político de nossa luta. Serviu porque Ulysses se empolgou e começou a ser oposição. Mas oposição pra fazer comício. Não tinha o efeito de você ter usado o rádio e a televisão.

A BBC de Londres, quando terminou a votação, eleito Geisel... Aqui, aquela pressão toda, nós sabíamos que era difícil. Mas esperamos pra ver o que a BBC diria. Deu o resultado assim: no Brasil, foi eleito Ernesto Geisel, com tantos porcentos, MDB tantos votos e oposição brasileira: 23 votos". Ah, rapaz! Pulamos de alegria! Porque era a BBC de Londres reconhecendo que só havia uma oposição. E éramos nós do grupo Autêntico! (risos). Reconhecimento internacional. (terra)

 
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