sexta-feira, 1 de março de 2013

Leonardo Boff mostra ceticismo sobre futuro da Igreja Católica


O futuro da Igreja Católica ainda é uma incógnita para o teólogo Leonardo Boff. Hoje (28), no último dia de pontificado do papa Bento XVI, de 85 anos, Boff mostrou ceticismo ao falar à Agência Brasil sobre o tema.”Eu creio que a crise é tão grande e atingiu o coração da Igreja [Católica], porque é a parte moral, da transparência, da credibilidade, da confiança que os fiéis dedicam à igreja. Isso foi atingido e, em parte, destruído”.
Para Boff, o futuro papa terá a tarefa “imensa” de resgatar uma imagem da Igreja Católica que tenha uma “altura moral, que ela represente valores que vêm da grande tradição de Jesus”. Ele acredita que o novo papa deverá vir de fora da Europa. “Porque os europeus todos estão envolvidos na mesma lógica do poder, dos negócios, das intrigas”. Para o teólogo, o novo papa poderá vir da África ou da América Latina.
“Tem que ser um papa corajoso, que enfrente a Cúria romana, que tem mais de mil anos de estruturação, e descentraliza eventualmente a Igreja Católica”. O teólogo disse que os instrumentos teólogicos-jurídicos não existem. “Os papas sempre os esvaziaram. Basta a ele [novo papa] aplicá-los. Salvaria a Igreja. Isto é, dando valor de decisão às conferências nacionais, aos sínodos dos bispos que ocorrem a cada dois ou três anos em Roma, e o papa como referência de unidade, mas peregrinando pelas igrejas”.
Boff defendeu os nomes do cardeal de Gana, Peter Turkson, ou do cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa (Honduras), para o novo papado. Na Europa, embora avalie como pouco provável que se eleja um papa oriundo daquele continente, indicou que um nome forte seria o do cardeal de Viena, na Áustria, Christoph Schönborn, “que é muito corajoso, aberto”. Para Boff, Schonborn é alguém que pode estar preparado para enfrentar crises graves na Igreja Católica.
O teólogo acha que a escolha de um cardeal brasileiro seria uma grande surpresa. “Porque nós não temos cardeais proféticos, de renome internacional, como tínhamos antes com dom Paulo Evaristo [Arns], com dom Aluísio [Lorscheider]. Temos cardeais criados pelos dois papas João Paulo II e Bento XVI, que são moderados e conservadores. Não seriam as figuras capazes de enfrentar uma grande crise da Igreja”.
Mesmo depois de ter sido julgado e condenado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, em 1974, com quem trabalhou anteriormente, Leonardo Boff disse que não guarda nenhum ressentimento ou mágoa. “Curiosamente eu não guardo nada. Até me esqueço disso, e considero coisa do século passado. Lamento que ele, enquanto presidente desse Santo Ofício e continua agora como papa, condenou mais de 100 teólogos, os melhores dos países”. Os teólogos, como Boff, foram proibidos de dar aulas, de fazer conferências, de publicar livros.
Na avaliação de Boff, Joseph Ratzinger foi um papa que tem um rosto afável, é elegante, mas de uma dureza germânica. Eu diria bismarquiana (aludindo a Otto von Bismarck, estadista mais importante da Alemanha do século 19 que, para formar a unidade alemã, desprezou os recursos do liberalismo político, preferindo a política da força). Ele não esquece nada, cobra tudo e não perdoa nada”, disse. “Isso é o pior que pode haver na figura de um religioso”, completou.
Para o teólogo, há meios de se reverter a perda de fiéis que a Igreja Católica vem sofrendo ao longo dos últimos anos. Isso vai depender, contudo, da imagem que a igreja projetar. “Se for a imagem de um papa pastor, que ama o povo, que serve com humildade e simplicidade como João XXIII, que é chamado o papa bom, todo mundo adere e se recupera a Igreja Católica como um lar espiritual. Hoje ela não é um lar espiritual. Ela é um pesadelo que afugenta as melhores cabeças, leigas, de homens e mulheres”.
Em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil, Leonardo Boff analisou que a renúncia de Bento XVI é um sinal que o tipo de Igreja, “toda centralizada na figura do papa, é impossível de ser levada avante”. Essa, segundo ele, é uma carga pesada, colocada nas costas de uma única pessoa. O teólogo acrescentou que o papa foi sincero quando disse não ter mais vigor para dirigir a Igreja Católica mergulhada em uma crise profunda. “Então, humildemente e sinceramente, renunciou”.
O fato de Bento XVI permanecer morando no Vaticano e ostentando o título de papa emérito é, segundo Boff, uma situação extremamente arriscado. “Porque no Vaticano só deve ter uma cabeça e não duas. E há o risco, se vier um papa mais aberto e fizer reformas, que haja grupos de cristãos mais conservadores, e há muitos no mundo hoje, que continuam obedecendo ao papa Bento XVI e não ao outro. Então seria um cisma [separação] na Igreja. Oxalá isso não aconteça”.
Para Leonardo Boff, a Igreja Católica não terá outro caminho senão o de enfrentar as denúncias de corrupção e pedofilia. “Ela não tem alternativa. Ou faz isso ou se desmoraliza totalmente”. Ele crê que um papa corajoso terá o bom-senso de conduzir a Igreja rumo à modernização. “Porque não se pode mais impedir a camisinha, deixar que a aids na África siga devastando nações. Não pode. Tem que usar bom-senso, colocando a vida no centro [das decisões]”. O teólogo entende que os pobres que vivem humilhados em todo o mundo e a terra devastada deverão fazer parte do novo discurso da Igreja, onde ela pode se regenerar.
A escolha do novo papa será um processo difícil no conclave dos cardeais, previsto para os próximos 15 dias, disse Boff. Ele explicou que as cerca de 300 páginas do relatório que aborda os abusos cometidos por membros da Igreja Católica, desde desvio de dinheiro a abusos sexuais, vão produzir um impacto nos cardeais. “E eu temo que muitos deles não sentem coragem de enfrentar uma crise dessas e queiram alguém mais novo, mais corajoso, fora do circuito romano”. Alguém que possa voltar a transformar a Igreja em um “lar espiritual”.

Dilma: com fábrica de submarinos, país comprova potencial tecnológico na área de defesa


Maquete do submarino nuclear brasileiro
A presidenta Dilma Rousseff disse hoje (1º) que o Brasil provou ser capaz de cumprir o papel do desenvolvimento cientifico e tecnológico na área de defesa, com a inauguração da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (Ufem) – primeira etapa para a construção de submarinos. A fábrica faz parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha. A infraestrutura servirá para a construção e manutenção de cinco submarinos.
“Com este empreendimento entramos em um seleto grupo, dos integrantes do Conselho de Segurança das Nações Unidas com acesso ao submarino nuclear”, destacou Dilma, ao ressaltar que atualmente, a tecnologia de propulsão nuclear é dominada apenas pela China, pelos Estados Unidos, pela França, Inglaterra e Rússia – membros permanentes do órgão. Atualmente o Brasil não integra o Conselho de Segurança da ONU. “Uma indústria da defesa é uma indústria da paz, mas, sobretudo, do conhecimento. Aqui se produz tecnologia e tem um poder imenso de difundir tecnologia”, completou a presidenta durante a inauguração da Ufem, em Itaguaí, município da região metropolitana do Rio.
O investimento – que inclui a construção da Ufem, do estaleiro e da base naval, que abrigará os submarinos – será R$ 7,8 bilhões até 2017. O programa foi iniciado em 2008, resultado de uma cooperação entre o Brasil e a França que prevê transferência de tecnologia e criação de consórcios entre empresas dos dois países. Dos cinco submarinos previstos, quatro serão movidos a motor diesel-elétrico e um com reator para propulsão nuclear, que é mais autônomo e gera energia por mais tempo. A planta de propulsão nuclear será desenvolvida com tecnologia inteiramente nacional.
O ministro da Defesa, Celso Amorim, declarou que a decisão de implementar oprograma demonstra que o Brasil entendeu que a segurança não é algo delegável. “Um país que quer ser autônomo e se firmar no mundo deve cuidar da sua segurança. Se formos eternamente dependentes daquilo que os outros nos fornecerem não teremos nossa autonomia, não poderemos defender nossos recursos, nossa população e a nossa orientação no mundo.”
Amorim também ressaltou que as ações vão gerar emprego e estimular a indústria naval e nacional. De acordo com a Marinha, as construções vão gerar 9 mil empregos diretos e 32 mil postos indiretos. O estaleiro de construção está previsto para ser concluído em dezembro de 2014, a base naval em 2017 e o primeiro dos quatro submarinos convencionais deve começar a operar em 2017. Os demais submarinos convencionais devem ser entregues em intervalos de 18 meses, e o de propulsão nuclear, depois de 2025, após testes no mar. (AB)

Reitor Zaki Akel: Governo federal quer tirar HC da UFPR


O reitor da Universidade Federal do Paraná, Zaki Akel Sobrinho, denunciou hoje que o Governo Federal quer tirar da UFPR a gestão do Hospital de Clínicas. Segundo o reitor, foi criado, no ano passado, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), para assumir a gestão de hospitais mantidos por universidades federais.
--A ideia desta lei, que criou a Ebserh, é muito boa, mas desde que ela assuma hospitais que estão com problemas financeiros, afirmou.
Zaki Akel garantiu que vão lutar para manter a gestão do Hospital de Clínicas sob a responsabilidade da UFPR.
--Hoje o nosso hospital é uma referência e serve para fazer assistência as pessoas da classe baixa e também para treinar nossos estudantes de medicina. Do jeito que estão fazendo, querem que a gente entregue a chave do hospital, mas vamos brigar para manter a excelência acadêmica, afirmou.
A denúncia foi feita durante a solenidade de inauguração da unidade pediátrica de doenças respiratórias do Hospital das Clínicas. ... (Roseli Abrão)

O deputado das trevas quer ser líder das minorias

O deputado Marcos Feliciano (PSC-SP), que já classificou os africanos como “descendentes amaldiçoados de Noé”, avisa: “Nunca me passou pela cabeça presidir a Comissão de Direitos Humanos, mas agora com tanto ataque, deu até vontade (sic)”.
A vontade manifestada no Twitter pelo deputado, escritor, cantor e apresentador de tevê é resultado de uma avalanche de críticas sofridas desde que o seu Partido Social Cristão foi escolhido para comandar a comissão responsável pela defesa das minorias na Câmara. A bancada do partido tem hoje 16 deputados. Feliciano, declaradamente contrário a bandeiras como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, é o favorito para assumir a liderança do grupo.
A escolha do PSC para a comissão causou arrepios nos grupos de defesa dos direitos humanos. As críticas são lideradas até aqui pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), defensor da bandeira gay no Congresso que viu a escolha como uma forma de “barrar a extensão da cidadania plena às minorias”. “O PT ter aberto mão da CDHM é sintoma de um pendor do partido para o conservadorismo e a manutenção de poder que é irreversível”, escreveu.
A ojeriza parece justificada. Em setembro, Wyllys manifestou repúdio, em artigo publicado no site Brasil 247, a um discurso feito pelo deputado/pastor em um congresso evangélico no qual se referia à Aids como “câncer gay”. O deputado do PSOL classificou a fala como “um alarde da desonestidade intelectual e injúria contra os homossexuais”. E apresentou números, baseados em estudos da ONU, para mostrar que a associação entre a doença e a orientação sexual tinha base na ignorância, mas não na realidade.
A resposta de Feliciano, hoje cotado para representar as minorias acusadas por ele de espalhar as doenças sexualmente transmissíveis, foi uma pérola. Em seu site, ele escreveu, com o apuro digno de uma criança de doze anos, que, dentro da igreja, tinha assegurada pela Constituição a total liberdade de manifestação. Sentado nessa total liberdade, insistiu: “A própria ciência revela o predomínio de infecção por esta doença em pessoas manifestamente homossexuais, tanto é verdade que quando se doa sangue na entrevista se for declinada a condição de homossexual essa doação é recusada”.
Número que é bom, nada. (Obviamente, não faltou ao deputado a menção de que não tinha “nada contra” os homossexuais. Explicou, dessa maneira, que a Bíblia ensina a amar o pecador e não o pecado).
Após ter seu nome citado como possível líder das minorias na Câmara, o deputado declarou ao site do jornal O Estado de S.Paulo, na quinta-feira 28, que a comissão se tornou um espaço de defesa de “privilégios” de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. “Se tem alguém que entende o que é direito das minorias e que já sofreu na pele o preconceito e a perseguição é o PSC, o cristianismo foi a religião que mais sofreu até hoje na Terra”. Pouco depois, voltou ao Twitter para dizer: “Fui obrigado a dar Block’s em alguns arruaceiros. Turminha desbocada viu? Faça algo q contrarie os GLBTs e esteja pronto pra ser massacrado”.
O deputado talvez entenda de perseguição, mas parece não ter ideia do que seja privilégio. No mundo ideal, sua incitação ao ódio seria bem acomodada em outro grupo: a Comissão das Trevas e Valores Medievais. (CC)

Barbosa afirma que a Lei de Anistia pode ser modificada


A Lei de Anistia brasileira de 1979 pode sofrer modificações e até ser revogada se houver uma demanda, afirmou nesta quinta-feira (28) o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa.

Durante coletiva de imprensa com correspondentes estrangeiros na capital federal, Barbosa destacou que esteve ausente durante a ratificação da lei em 2010, mas garantiu que votaria contra. Ele ressaltou que os magistrados de agora não são os mesmos daquele período, assim como as condições atuais são outras. “Se existisse um requerimento para mudar essa normativa, o STF o faria”, afirmou Barbosa.

O máximo representante do Supremo estimou que uma variação ou anulação da lei poderia ocorrer nos próximos cinco anos. O pronunciamento de Barbosa ocorre um ano depois que o governo federal descartou qualquer tipo de discussão, nacional ou internacional sobre a Lei de Anistia que exonerou os responsáveis de abusos de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar entre 1964 e 1985.
Legislativo


Deputada Luiza Erundina defende a revisão da Lei de Anistia: "É uma lei manca"  (Valter Campanato/ABr)
A deputada federal Luisa Erundina (PSB-SP) considera que a lei precisa ser revista no artigo que incluiu entre os anistiados os torturadores que cometeram crimes de lesa humanidade . “Nós precisamos enfrentar a Lei de Anistia. Ela é uma lei manca, ela anistiou as vítimas da repressão política do Estado brasileiro e os torturadores, os que violaram os direitos humanos”.

Um projeto de Lei de autoria da deputada prevê a revisão da Lei está está com parecer pela rejeição na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. “É preciso que a sociedade se expresse se manifeste e exija que o Estado brasileiro e o Congresso Nacional, que foi quem fez a Lei de Anistia, reveja aspectos dessa lei que está impedindo que se chegue à Justiça de Transição em relação a punição dos responsáveis pelos crimes de lesa humanidade”.O Brasil já foi cobrado sobre a punição desses crimes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA).

Erundina integra a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, subcomissão permanente criada no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para contribuir e fiscalizar os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). A Comissão Nacional da Verdade (CNV) estima que 50 mil pessoas foram de alguma forma afetadas e tiveram direitos violados pela repressão durante a Ditadura Militar. Os dados foram divulgados durante reunião nesta segunda-feira (25) em Brasília. O número inclui presos, exilados, torturados, mas também familiares que perderam algum parente nas ações durante o período de 1964 a 1988, além de pessoas que sofreram algum tipo de perseguição.

Arquivo mostra elo entre comércio de escravos e riqueza de ingleses


Marcação a ferro, prática recorrente nas antigas formas de escravidão
Além do retorno financeiro obtido pelo próprio negócio da escravidão transatlântica (que funcionava de modo bastante similar ao de uma bolsa de valores dos dias de hoje), “investidores” privados da venda de pessoas ainda foram recompensados com grandiosas indenizações do governo inglês quando da abolição legal.
Dados tornados públicos a partir desta quarta-feira (27/02) em um arquivo na internetdisponível para consulta revelam que quantias equivalentes a bilhões de libras esterlinas foram transferidas dos cofres públicos para “empreendedores” escravagistas, ou seja, muitas das fortunas de hoje estão diretamente ligadas à abolição da escravidão.
Base de dados está disponível para consulta no endereço http://www.ucl.ac.uk/lbs/ (Foto: Reprodução)
Base de dados está disponível para consulta no endereço: http://www.ucl.ac.uk/lbs/
Pelos cálculos dos responsáveis pela pesquisa – centralizada na University College, de Londres –, nada menos que um quinto da riqueza dos britânicos da Era Vitoriana guardava relação com a escravidão. Entre os beneficiados, encontram-se, por exemplo, parentes do atual primeiro-ministro inglês, David Cameron, do Partido Conservador, assim como familiares do escritor George Orwell.
“Ao focalizar os proprietários de escravos, o nosso objetivo não é ‘nomear para envergonhar’ ['naming and shaming', na expressão em inglês]. Buscamos desfazer o esquecimento: a ‘re-relembrar’, como diz Toni Morrison, reconhecer as formas pelas quais os frutos da escravidão fazem parte da nossa história coletiva – incorporado em nosso país, nas casas de nossas cidades, nas instituições filantrópicas, nas coleções de arte , nos bancos comerciais e nas pessoas jurídicas, nas estradas de ferro, e nas formas que continuamos a pensar sobre raça”, explica Catherine Hall, pesquisadora-chefe da iniciativa, em artigo publicado no diário inglês The Guardian. “Proprietários de escravos se envolveram ativamente na reconfiguração decorrida após a escravidão, popularizando novas legitimações para a desigualdade que permanecem até hoje como parte do legado do passado colonial da Grã-Bretanha”, emenda.
Marcação a ferro, prática recorrente na escravidão inglesa

O arquivo reúne 46 mil pedidos de “indenização” encaminhados por ex-donos de escravos ao governo britânico. São registros detalhados que, conforme descreve Catherine, “foram mantidos longe de todos aqueles que reivindicavam compensações” e que nunca tinham sido sistematicamente estudados antes. De acordo com ela, os documentos consistem em uma “nova luz” para se entender “como o negócio da escravidão contribuiu de forma significativa para a Grã-Bretanha tornar-se a primeira nação industrial”. O esforço de pesquisa vai de encontro, segundo a historiadora, ao desejo de homens e mulheres que almejavam que suas identidades como proprietários de escravos fossem esquecidas.
A exposição das entranhas políticas, econômicas e culturais da escravidão antiga se dá no mesmo contexto em que se fortalece um movimento nos países do Caribe (com Barbados à frente) que reivindica, junto aos governos das nações colonizadoras, formas de compensação pelos profundos danos causados pela exploração do comércio transatlântico de vidas humanas ao conjunto de ex-colonizados. Para a responsável pela pesquisa, o trabalho, que dá contornos mais palpáveis à dívida da “moderna” Grã-Bretanha com a escravidão “antiga”, tem o objetivo de contribuir “para uma compreensão mais rica e mais honesta das histórias conectadas do império”.

"Prisão Brasil": Lewandowski autoriza Maluf ir aos EUA, mas deputado desiste de viagem . Por crimes de corrupção e remessas ilegais de divisas cometidos aqui, onde não é punido, parlamentar está na lista da Interpol desde 2010. No exterior seria preso.


Com o nome na lista de procurados pela Interpol, polícia internacional, desde março de 2010, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) obteve autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para viajar ao Estados Unidos. Segundo a "Folha de S. Paulo", o pedido, feito na semana passada e acompanhado de autorização da Câmara dos Deputados, foi aceito pelo ministro Ricardo Lewandowski. O ministro é relator do caso e por esta razão recebeu a solicitação de Maluf.
No entanto, a defesa de Maluf informou ao STF que ele havia desistido da viagem. O deputado iria representar a Câmara em um evento da Organização das Nações Unidas (ONU).

Desde 2010, quando ocorreu a inclusão do nome dele no alerta vermelho da Interpol, a defesa de Maluf defende a tese de que a condição de congressista confere imunidade ao deputado --e que, por isso, ele não poderia ser detido fora do país.

Maluf viajaria para Nova York, nos Estados Unidos, mesma cidade onde está a Promotoria que pediu a inclusão dele no alerta vermelho da Interpol.

Maluf foi incluído na lista de procurados, em 2010, a pedido da Promotoria de Nova York, após investigação conjunta de promotores brasileiros e americanos, iniciada no Brasil em 2001. Em 2007, a Justiça americana determinou a prisão de Maluf pelos crimes de conspiração, auxílio na remessa de dinheiro ilegal para Nova York e roubo de dinheiro público em São Paulo.

O deputado federal é acusado de desviar recursos das obras de uma avenida na capital paulista e remetê-los para Nova York, e em seguida para a Suíça, Inglaterra e Ilha de Jersey, um paraíso fiscal. Depois, segundo o MP paulista, parte do dinheiro era investida na Eucatex, empresa do ex-prefeito em São Paulo.

Ainda de acordo com a reportagem, “o pedido de autorização do STF não poderia ser um instrumento jurídico para barrar uma eventual ação da Interpol no exterior, mas funciona como uma prestação de contas à Justiça brasileira sobre sua ausência.” (AG)

Não existe uma ação para democratizar a terra


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
A Reforma Agrária parou em 2012 e foram poucos os investimentos do governo na produção dos camponeses e nos assentamentos.

Além disso, há um novo discurso de que “agora é preciso desenvolver os assentamentos já existentes, não desapropriar terras”.

Assim, o governo se afasta cada vez mais dos camponeses e dos movimentos sociais do campo.

“A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio”, analisa Marina dos Santos, da Coordenação Nacional do MST.

Apesar do cenário desfavorável, Marina defende a pressão sobre o governo para que a Reforma Agrária seja colocada em pauta.

Confira a entrevista de Marina para a página do MST sobre as perspectivas da Reforma Agrária e a importância da luta pelo campo:

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicam que 10.815 famílias foram assentadas de janeiro a novembro. O que esse número representa para a Reforma Agrária?

Esse número é irrisório, dada uma realidade tão complexa que temos no Brasil, com altíssimo nível de concentração de terra, que só aumenta com a ação das transnacionais, que vem se apropriando das terras no Brasil e na América do Sul.

É um número que reflete o aumento da concentração, da desnacionalização da terra e dos bens naturais. Por outro lado, o governo  prioriza o agronegócio, o latifúndio, a produção de poucos produtos para exportação, em detrimento do fortalecimento da agricultura familiar camponesa.

A opção do governo pelo agronegócio é clara, demonstra tanto o discurso político da maioria dos ministérios como a liberação de recursos para as grandes empresas. A Reforma Agrária está praticamente parada no país. Não existe uma ação do governo de democratizar a terra e para enfrentar o latifúndio improdutivo. Pelo contrário.

Essa atitude em relação à Reforma Agrária se agravou no governo Dilma?

Isso vem da década de 90, com a aceleração do modelo neoliberal e do surgimento e consolidação do agronegócio no Brasil. E nos últimos anos, todos os governos têm propagandeado que fizeram a maior Reforma Agrária de todos os tempos, mas há uma contradição enorme aí. E os grandes meios de comunicação ignoram isso. O índice Gini mostra que a concentração de terras não está mudando.

É inexplicável os governos fazerem “a maior Reforma Agrária do mundo”, quando o Gini aponta a manutenção da concentração de terras. Você não pode democratizar a terra se ao mesmo tempo ela está concentrada. A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio.

A grande imprensa aponta que como o agronegócio gerou empregos para trabalhadores de baixa renda, que desistiram de lutar pela Reforma Agrária. Como você analisa isso? 

É outra contradição. O que temos visto é que quem garante a produção de alimentos saudáveis e a geração de empregos é a agricultura familiar, não o agronegócio. Pelo contrário, o agronegócio estimula o êxodo rural, a saída das famílias do campo, que vão para as médias e grandes cidades urbanas tentar sobreviver. Essa é uma tese que não condiz com a realidade do campo brasileiro.

Qual o percentual de assentados que desistem de seu lote. Por que existe essa desistência?

Há alguns anos, pesquisas indicavam que menos de 10% dos assentados desistiam do lote. Em um contexto geral da agricultura brasileira e levando em conta o êxodo rural causado pelo agronegócio, o percentual dos assentamentos é bem abaixo da média do campo. Os principais motivos que levam as famílias a desistir do lote é a falta de políticas públicas e de infraestrutura.

O governo tem várias medidas que facilitam o acesso às políticas públicas pelos grandes proprietários, que já tem uma infraestrutura razoável. Quem está sendo assentado agora não tem nenhum tipo de infraestrutura e não há facilidades que propiciem que os assentados acessem crédito. E onde há, é muito burocratizado. É difícil para muitos ter acesso aos créditos disponíveis para a pequena agricultura, e os assentados ficam a mercê de uma sobrevivência sem o apoio das políticas públicas.

Como você vê o discurso do Incra de que a prioridade agora é desenvolver os assentamentos?

A questão é que nem o desenvolvimento dos assentamentos está sendo feita pelo Incra e pelo governo. Estão investindo em determinados estados para criar assentamentos modelos, que vão facilitar a propaganda da Reforma Agrária e dos assentamentos. São raros os assentamentos que estão tendo apoio a esse processo de infraestrutura e desenvolvimento.

Infelizmente, eles têm atuado menos na questão de desapropriação das terras improdutivas para a realização dos assentamentos, o que é uma pena, porque o lema desse governo é o combate à miséria.

A realização da Reforma Agrária, a distribuição de terras e o investimento nas áreas dos assentamentos são uma política fundamental para superar a miséria do país. Tanto da população que vive no interior como de quem mora nas cidades, que teriam acesso a geração de emprego, ao crescimento do mercado local, à produção de alimentos mais farta, barata e com maior qualidade.

Que medidas seriam necessárias por parte do governo para colocar em curso uma Reforma Agrária efetiva?

A primeira medida deveria fazer uma reestruturação para fortalecer o Incra, que está completamente sucateado, com poucos funcionários, salários baixos e poucos recursos para  realizar o trabalho de campo. Teria que renovar o quadro funcional, tirando pessoas desmotivadas e até contrárias à realização da Reforma Agrária, disponibilizando recursos para garantir o trabalho de campo.

O outro elemento é disponibilizar recursos de fato, aumentando a verba do Incra para a realização de desapropriações, aquisições de terras e vistorias. E fazer uma sinalização política para a sociedade de que o governo estaria disposto à realização da Reforma Agrária, com o enfrentamento do latifúndio.

Qual o papel dos movimentos sociais nesse contexto?

Os movimentos têm de continuar cumprindo seu papel organizador, mobilizador e de pressão. Devem continuar organizando os trabalhadores sem-terra pelo país. E pressionar os governos para que cumpram sua responsabilidade, punindo o latifúndio improdutivo e realizando a Reforma Agrária.

E os desafios para o ano que vem?

É a necessidade de articulação e unidade dos movimentos sociais do campo, que foi iniciada neste ano com o encontro unitário [organizado em agosto pelos movimentos sociais, sindicatos e organizações de indígenas, quilombolas e ribeirinhos]. Temos que continuar trabalhando para garantir a unidade das lutas e pautas de todos movimentos sociais do campo, para que isso garanta uma maior pressão sobre o governo federal.
Os movimentos devem continuar organizando as áreas de assentamento, tanto nos quesitos culturais, de educação, da formação técnica e política dos assentados, para que produzam alimentos de qualidade, livre de agrotóxicos, para a população do campo e da cidade.
E na parte de apontar as contradições do agronegócio?

Outro desafio importante é denunciar para a sociedade o uso dos agrotóxicos, que é um grande vilão do agronegócio. A sociedade está ganhando uma consciência do mal que o agronegócio faz, com sérias consequências para as pessoas, o meio ambiente, para o conjunto da sociedade com o alto uso de venenos no campo.

Temos que ganhar a simpatia da sociedade para a realização da Reforma Agrária, porque ela não vai se concretizar apenas com a pressão dos movimentos do campo. Se o conjunto da sociedade brasileira não pautar, reivindicar e cobrar de fato a Reforma Agrária, não conseguiremos realizá-la.

Número crescente de concessões (privatizações) ao capital é a resposta do governo à crise


No início do ano pré-eleitoral (na verdade, já eleitoral) de 2013, todos os índices da economia brasileira apontam para a estagnação e o recuo. À queda, já anunciada, do PIB, veio somar-se agora o recuo industrial (o primeiro em uma década), o retrocesso do investimento por cinco trimestres consecutivos, o aumento do desemprego, que já afetava o setor industrial e agora se transmitiu para o setor comercial (sinalizando o fim do boom do consumo que foi a marca econômica e política do governo petista), o aumento da inflação (que teria superado 1% em dezembro passado, isto é, mais de 15% anual, se não mediasse a queda parcial das tarifas de energia - que irá reduzir em 28% o custo dos grandes consumidores e em 16% o dos pequenos e médios consumidores - e o adiamento dos reajustes de tarifa nos transportes), a queda do lucro bancário privado (- 5,3%) e o aumento (30% em média) das provisões contra calotes do setor financeiro, que lucrou R$ 27, 7 bilhões, com um total de... R$ 52 bilhões previstos para devedores duvidosos e inadimplentes. A Bolsa de Valores de São Paulo anunciou no início de 2012 que 45 companhias fariam ofertas públicas iniciais de cotização de ações (só três delas o fizeram). Em suma, um cenário de crise e recessão. O “remédio” do governo é a mesmice aumentada, ou mais e ainda mais do mesmo.

O setor de ponta da saúde pública brasileira, os hospitais universitários, por exemplo, estão sendo “assediados”, mediante “terrorismo social” (termos usados pelo procurador federal do Ministério Público do Trabalho) para ceder sua gestão ao setor privado mediante a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). O governo Dilma afrouxou todas as condições para a privatização (leilão) de 7500 quilômetros de rodovias, em nove lotes, aumentando de 6% para 14,6% a taxa de retorno garantido para as empresas participantes. Com esse presentão para o grande capital, pretende-se manter o programa de investimentos de R$ 250 bilhões em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Sem falar em que o governo está hipotecando todas as reservas do pré-sal, como já foi feito pelo governo Lula, que entregou uma grande parte do pré-sal para a empresa OGX (Eike Batista).

Com a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, o governo pretende hipotecar o patrimônio público para reduzir a tarifa média de energia. Uma vez vencidas as concessões, elas deveriam ser integradas ao patrimônio público. A MP (decreto) 579 é uma tentativa do governo para utilizar aproximadamente 22 mil megawatts de usinas hidrelétricas e 80 mil quilômetros de vias de transmissão para tentar fornecer essa energia só pelo custo de operação e manutenção e, com isso, tentar reduzir a média tarifária, que sempre beneficiou os maiores consumidores. O governo diminuiu a tarifa média, só que quem mais consome energia no Brasil é o grande capital (industrial, comercial, agrário, financeiro). Qualquer benefício linear beneficia só os mais ricos e deixa de fora 2,5 milhões de pessoas que ainda não têm acesso à energia. 1.500 consumidores consomem aproximadamente 28% de toda a eletricidade brasileira, e eles compram energia a um preço aviltado, porque pagam apenas 20% do custo da energia, de não menos de cem reais o megawatt-hora (MWh). Esses consumidores pagam cerca de R$ 20 por MWh. E os apagões são cada vez mais frequentes, pois, sem recursos, a manutenção é pífia.

O governo, além disso, criou uma fonte de recursos públicos para os bancos privados financiarem investimentos de médio e longo prazo, principalmente os destinados a bancar os programas de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Os bancos privados deverão pagar ao governo pelo acesso aos recursos uma correção baseada na TJLP (taxa de juros de longo prazo), hoje de 5% ao ano, muito abaixo da taxa “de mercado”. O formato da medida “atende pedido dos bancos privados”, anunciou o governo. Na prática, ele está acabando com a intermediação do BNDES. O banco público recebia dinheiro do Tesouro e o repassava a bancos privados, cobrando uma taxa. Agora, os bancos terão acesso direto aos recursos. A nova fonte de água benta vai se somar aos R$ 15 bilhões de depósitos compulsórios que o BC já havia liberado para financiar investimentos. As instituições financeiras privadas poderão formar consórcios para ter acesso ao fundo de recursos públicos.

Os economistas “neoliberais” (tucanos ou não), escrachados durante uma década, celebram por isso aos brados a conversão do governo ao “credo (violento) do mercado”, na verdade o credo do subsídio público ao grande capital. “O governo saiu de seu labirinto”, anunciou o inefável economista tucano Mendonça de Barros, pois “passou a depender do capital privado para superar as limitações ao crescimento” (capital privado que, por sua vez, depende dos créditos públicos e do saque ao Estado mediante a especulação com títulos públicos). O governo federal já destinou dois terços dos recursos gastos em 2013 para juros e amortizações da dívida: apenas nos primeiros 35 dias de 2013 já foram gastos nada menos que R$ 145 bilhões com juros e amortizações da dívida, valor equivalente ao dobro dos recursos previstos para educação em todo o ano de 2013. Para 2013, estão previstos R$ 900 bilhões para a dívida pública, 20% a mais do que os R$ 753 bilhões gastos com a dívida no ano passado. Isto mostra que, apesar da propaganda oficial sobre a queda da taxa de juros, a dívida pública continua no centro da crise nacional. A parte do orçamento federal destinada para pagamento de juros e amortizações da dívida cresceu de 36,7% para 45,05%.

No Código Florestal, a expectativa do “veta tudo Dilma” não se concretizou, e o governo tem demonstrado que seu projeto não se restringe a uma ou outra área. Trata-se de um projeto global em favor do grande capital, adequando às formas de organização do Estado à crise. Aí se encaixa o projeto de Código Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, que teve a “contribuição” de fundações privadas de todo o país, há décadas empenhadas na privatização no interior das instituições públicas. Para pagar a dívida pública, houve nos dois últimos anos cortes no orçamento de 50 e 55 bilhões de reais, que, somente entre os anos 2010 e 2011, fizeram cair 16,2% o orçamento para ciência e tecnologia. Agora, para “remediar”, não só será permitida a transferência direta de recursos públicos para o setor privado, como se ampliará a possibilidade de as instituições públicas – as universidades, responsáveis por mais de 90% da produção científica do país – compartilharem seus laboratórios, equipamentos, materiais e instalações com empresas privadas, inclusive transnacionais. O Código permitirá ainda o acesso à biodiversidade pelos monopólios privados. Será permitido, sem autorização prévia, o acesso ao patrimônio genético e de conhecimento tradicional para fins de pesquisa. E também a extração do patrimônio para fins de produção e comercialização. Uma política de entrega nacional total.

A crise econômica não tem ainda reflexos políticos decisivos. Lula, finalmente, lançou a candidatura de Dilma Roussef à reeleição. As sondagens provisórias a situam em torno de 55% das intenções de voto, com pouco mais de 10% para o tucano Aécio Neves, e percentuais semelhantes para a oportunista Marina Silva (que está leiloando sua candidatura para alguma sigla ou coalizão; a ex-senadora e ministra foi recebida com gritos de “Brasil, urgente, Marina presidente” ao entrar em um teatro lotado na Vila Madalena) e para Eduardo Campos (PSB), até a data, no entanto, integrante da base aliada do governo. Ou seja, teríamos uma nova eleição plebiscitária, onde só estariam realmente em disputa alguns governos estaduais, São Paulo em primeiríssimo lugar (haveria cinco pré-candidaturas petistas, incluída a de Guido Mantega: a eleição de SP seria mais importante que a nacional...). As especulações eleitorais, a mais de um ano e meio de distância do pleito, vão com sede demais ao pote.

E não só por causa do cenário econômico de crise, nacional e internacional, mas também por causa da luta de classes, e da crise política. Uma plenária para organizar a luta pela negociação e contração coletiva no serviço público e em defesa do direito de greve no funcionalismo reuniu a 19 de fevereiro diversas entidades dos servidores públicos dos três entes federativos na Câmara dos Deputados. O evento contou com a presença de cerca de 600 participantes, das mais diversas categorias do serviço público. Teria sido melhor realizá-la num local sindical, num centro da luta de classes, mas algo foi feito. Os sindicatos portuários, vinculados à Força Sindical (que anunciou sua ruptura com o governo) e à Federação Portuária (CUT), por sua vez, anunciaram medidas de luta contra a privatização dos portos (que implicará em milhares de demissões). É claro que essas burocracias apenas ameaçam (para negociar alguma coisa), mas viram-se obrigados a abrir uma fresta por onde pode ser proposta e agitada uma política classista (não à privatização, garantia e estabilidade no emprego, reajustes salariais).

A crise do mensalão ainda não acabou, e vai marcar as composições eleitorais. Como disse candidamente Wladimir Pomar (ideólogo da “esquerda” do PT), o STF “aceitou a tese do mensalão, sem qualquer consistência objetiva, pois, se houvesse, teria que ter julgado a maior parte da Câmara dos Deputados”. Tal e qual. Genoíno e Zé Dirceu, para ele, “cometem um erro crasso ao pretenderem estabelecer uma relação das ações de repúdio aos procedimentos e às decisões do STF com o apoio e sustentação do governo da presidente Dilma, e com a luta pelas reformas política e tributária. E praticam um erro maior ainda ao pretenderem fazer com que o PT assuma, neste momento, como sua tarefa mais importante, a luta pela anulação das condenações. Esquecem que isto incluiria absolver também o escroque [Marcos Valério] que praticou inúmeros delitos comprováveis e colocar o PT no banco dos réus... Os filiados atingidos pela ação penal 470 não podem transformar sua situação numa síndrome partidária”. Xadrez para eles, portanto, para salvar o restante da Câmara dos Deputados e o PT, ou seja, a quadrilha toda.

A esquerda classista está metida no meio das mesquinhas especulações eleitorais, nas quais é só marginal. Uma política eleitoral classista, no entanto, só pode ser o resultado final (e secundário) de uma vigorosa política de frente única de classe para organizar as lutas em curso, e também as lutas potenciais (pelo salário, pelo emprego, pelo direito à organização) suscitadas pela crise do capital. Só assim a crise política dos “de cima” poderia ser aproveitada politicamente pelos “de baixo”. A primeira condição é superar o sectarismo autorreferente e autoproclamado com uma política de luta, de unidade e de independência de classe.

Osvaldo Coggiola, historiador e economista, é professor do departamento de História da USP.

Negra Enedina, a engenheira


Em agosto de 1981, o jornal Diário Popular tinha a matéria de capa que pedira aos infernos. Uma senhora fora encontrada morta em seu apartamento, na Rua Ermelino de Leão, Centro de Curitiba. O porteiro sentira falta da moradora, chamou a polícia e a imprensa veio atrás. A foto da “falecida” saiu sem pudores, na cama, em camisolas, um tratamento dado aos “presuntos”, no jargão da imprensa policial. Houve quem não gostasse, com punhos e coração.
A vítima se chamava Enedina Alves Marques, tinha 68 anos e fora a primeira engenheira negra do Brasil. Morreu de infarte. Indignação. Seus companheiros de ofício fizeram uma grita nas páginas da revista Panorama. O Diário se retratou. Afinal, as vitórias de uma mulher negra e pobre que figurou entre os seletos bacharéis de Engenharia da UFPR, na década de 1940, deveria constar nos anais da República, e não na manchete sanguinolenta de um tabloide.
Aos poucos, descansou em paz. Paz até demais. O centenário de nascimento de Enedina, em janeiro deste ano, passou em branco. Poderia ter sido celebrado pari passu com o de sua contemporânea, a poeta Helena Kolody, com quem, suspeita-se, teria estudado. Sim, antes de engenheira foi normalista e civilizou os sertões de Rio Negro e Cerro Azul, saindo das lides de doméstica e de “mãe preta” para a de titular de uma sala de aula.Deu resultado. Enedina virou placa de rua no Cajuru. Ganhou inscrição de bronze no Memorial à Mulher Pioneira, criado pelas soroptimistas – confraria de caridosas da qual participou. Mereceu biografia assinada por Ildefonso Puppi. Seu túmulo, no Municipal, é mantido com respeito pelo Instituto de Engenheiros do Paraná. Tempos depois, batizou o Instituto Mulheres Negras, de Maringá.
Eu mesmo, confesso, nunca tinha ouvido falar dela até semana passada, quando meu vizinho, Darcy Rosa, estufou o peito para contar que tinha trabalhado com Enedina na Secretaria de Viação e Obras. Publicamos a declaração. Foi o que bastou: súbito vieram mensagens revelando a catacumba onde se reúnem os cultores dessa mulher.
O cineasta Paulo Munhoz prepara um documentário sobre ela, em parceria com o historiador Sandro Luis Fernandes (foto). A casa de Sandro, no São Braz, virou um pequeno memorial de todo e qualquer documento que traga informações sobre a engenheira. São raros, dispersos e imprecisos. Bem o sabe o estudante baiano Jorge Santana. Há dois anos, ele pinça toda e qualquer pista sobre Enedina para uma monografia no curso de História da UFPR. A pesquisa promete. Há fortes indícios de que Enedina sofreu perseguição racial nos bastidores da universidade.
Formou-se aos 31 anos, sem refresco, depois de uma saga nas madurezas. Vingou-se ao se aposentar, na década de 1960, como procuradora, respeitada por sua contribuição à autonomia elétrica do Paraná. Conheceu o mundo. Morava num apartamento de 500 metros quadrados. Impôs-se entre os ricos por sua cultura, 12 perucas e casacos de pele. Desconhece-se que tenha feito odes feministas ou em prol da igualdade. Ou que fizesse o tipo boazinha para ser aceita. Pelo contrário. Talvez Enedina tenha sido mais admirada que amada. É o que a torna ainda mais intrigante.
As pesquisas de Sandro e de Jorge – ambos negros – já tiraram Enedina do campo dos panegíricos, que se limitam a pintá-la como alguém que venceu pelo próprio esforço. É um discurso bem conveniente, como se sabe. Tudo indica que não se trata de uma biografia isolada, ainda que pareça.
A mulher baixinha, magérrima e durona sabia se impor entre os homens – com os quais gostava de beber cerveja. Enfrentava a lida nas barragens como um deles, armada se preciso fosse. É uma heroína perfeita para um longa-metragem. Nasceu de uma gente humilde do Portão. Era única menina numa casa de dez filhos. A mãe, Virgília, a dona Duca, ganhava uns trocos como lavadeira. O pai, Paulo, está na categoria “saiu para comprar cigarros”.
Mas não é tudo. Enedina teria feito parte de uma rede de resistência da comunidade negra paranaense, pré-Black Power, da qual pouco se ouve falar. As vitórias que teve desmentem a propalada passividade desse grupo diante das migalhas que lhe foram reservadas. O destino dela teria mudado ao cruzar com a família de Domingos Nascimento, negro de posses da Água Verde, e com os Heibel e os Caron, brancos progressistas que acabaram por se tornar os seus.
Nesses redutos não teria encontrado apenas um horário para estudar ao lado do fogão de lenha. Ali, suspeita-se, passou de Dindinha, seu apelido, a Enedina, a primeira engenheira, mas também uma das primeiras negras de fato alforriadas de que se tem notícia. Eis o ponto. (GP)
Mais:
Enedina Alves Marques foi a primeira mulher e primeira negra a graduar-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná, em 1945. A engenheira participou da construção da Usina de Parigot de Souza e trabalhou na Secretaria Estadual de Educação, entre outros locais.
Falecida no dia 20 de agosto de 1981, a engenheira empresta o nome ao Instituto de Mulheres Negras de Maringá.
Enedina Alves Marques


Profissional: Enedina Alves Marques
Filiação: Paulo Marques / Virgilia Alves Marques
Data de Nascimento: 05 de janeiro de 1913
Data de Falecimento: 1981
Naturalidade: Curitiba – PR
Formação profissional: Engenheira Civil
Resumo das principais atividades profissionaisNo início de sua carreira foi do quadro de funcionários da Secretaria de Viação e Obras Públicas, onde atuou como engenharia fiscal de obras do Estado do Paraná; foi chefe da seção de hidráulica; chefe da divisão de estatísticas; chefe do serviço de engenharia da secretaria de educação e cultura.
Autuou no levantamento topográfico da Usina Capivari Cachoeira, no levantamento de rios, na construção de pontes, na Usina Parigot de Souza.
O reconhecimento profissional foi conquistado paulatinamente. Com competência liderou peões, técnicos e engenheiros. Gerenciou obras e trabalhos burocráticos. Fez-se respeitar e valorizar.
Feitos RelevantesFormou-se em engenharia em 1945, com 32 anos. Foi a primeira engenheira do Paraná. Conseguir seu diploma não foi nada fácil. A família era pobre e com a separação dos pais, Enedina e seus 5 irmãos mais velhos se dispersaram. Trabalhou como babá. A família com quem residiu apoia-na nos estudos. Conseguiu concluir a escola normal secundária em 1931. Como professora Enedina atuou no Grupo Escolar de São Mateus do Sul, de Cerro Azul, Rio Negro, Passaúna e Juvevê, em Curitiba.
Para uma mulher negra e pobre, atributos ainda hoje excludentes, na sua época representavam uma tríade de barreiras difíceis de ultrapassar. No entanto, ela almejava mais, sonhava cursar a universidade. Com esse objetivo, fez o curso de madureza no Colégio Novo Ateneu, e ingressou no primeiro curso pré-engenharia da Universidade do Paraná. Freqüentou também o curso preparatório do Colégio Estadual do Paraná. Bem preparada ingressou no curso de engenharia em 1940, onde foi alvo de preconceitos por parte de alunos e professores. Sua inteligência e determinação superou esses obstáculos. Seu carisma pessoal conquistou amigos e solidariedade dentro e fora do curso. Depoimentos recordam que Enedina passava as noites estudando, copiando assuntos de livros que não podia comprar.
Informações ComplementaresEnedina Alves Marques já foi homenageada em praça pública e figura na galeria dos paranaenses ilustres. Não é para menos a curitibana deixou registrado seu nome na história do Paraná como a “pioneira da engenharia”. Deixou sua contribuição no levantamento de rios e construção de pontes. Como membro da Associação Brasileira de Engenheiros e Arquitetos do Brasil e Instituto de Engenharia do Paraná, consagrou seu reconhecimento profissional.
No campo social, teve grande participação nas seguintes entidades culturais: União Cívica Feminina, Centro Feminino de Cultura e Clube Soroptimista. Não aceitou os padrões sociais injustos de sua época. Sonhou e ousou muito. Criou novos paradigmas. Foi uma mulher pioneira.
Enedina Marques de Souza faleceu em 1981, aos 68 anos de um infarto fulminante no dia 20 de agosto de 1981, apesar de constar no atestado de óbito, 27 de agosto. Não deixou testamento, deixou bens e uma imensurável lacuna em sua categoria profissional.
Foi imortalizada ao lado de outras 53 pioneiras no Memorial à Mulher, uma praça em Curitiba. A homenagem fez parte da comemoração dos 500 anos do Brasil, promovida pela Prefeitura Municipal de Curitiba e Soroptmist Internacional. 

 
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