A decisĂ£o da Justiça Federal de cassar a liminar e restabelecer o pagamento da indenizaĂ§Ă£o mensal a 44 camponeses do Araguaia (PA) anistiados em junho de 2009 farĂ¡ com que a ComissĂ£o de Anistia do MinistĂ©rio da Justiça retome 140 processos prontos para serem julgados. A avaliaĂ§Ă£o Ă© de Paulo AbrĂ£o Junior, presidente da comissĂ£o e tambĂ©m SecretĂ¡rio Nacional de Justiça.
“Formalmente [a decisĂ£o judicial] nĂ£o destrava. PorĂ©m, eu sei que o reflexo interno na ComissĂ£o da Anistia Ă© que nĂ³s poderemos voltar Ă anĂ¡lise. A comissĂ£o deliberarĂ¡ para retomar a apreciaĂ§Ă£o dos demais pedidos”, previu AbrĂ£o. Segundo ele, a liminar nĂ£o impedia a tramitaĂ§Ă£o de novos pedidos de camponeses, mas “a ComissĂ£o da Anistia, de forma prudente atĂ© o desfecho dessa aĂ§Ă£o judicial, decidiu nĂ£o apreciar nenhum requerimento”, explicou.
O valor da indenizaĂ§Ă£o mensal aos camponeses Ă© R$ 1.090 (dois salĂ¡rios mĂnimos). A comissĂ£o reconheceu que os camponeses foram torturados pelo ExĂ©rcito durante o combate Ă Guerrilha do Araguaia no inĂcio dos anos 1970.
O advogado JoĂ£o Henrique Nascimento de Freitas que entrou com a aĂ§Ă£o contra o pagamento das anistias protocolou, na Ăºltima quinta-feira (24), um recurso junto Ă prĂ³pria juĂza que extinguiu o processo (Marceli Maria Carvalho Siqueira, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro), alegando que “a sentença omite apontamentos de irregularidades nos procedimentos entregues pelo MinistĂ©rio da Justiça”.
Segundo e-mail enviado pelo advogado Ă AgĂªncia Brasil, “a juĂza deixou de abordar argumentos e provas apresentadas, em especial ante a consideraĂ§Ă£o de que os casos debatidos na demanda sĂ£o atos potencialmente lesivos ao patrimĂ´nio praticados pela ComissĂ£o de Anistia”. Nascimento de Freitas aponta que a comissĂ£o realizou procedimentos administrativos irregulares e que os camponeses foram “motivados pelo aliciamento” de ex-funcionĂ¡rios do MinistĂ©rio da Justiça que cuidaram da tramitaĂ§Ă£o de processos na comissĂ£o.
Paulo AbrĂ£o defende as anistias e o trabalho da comissĂ£o. Segundo ele, foram analisados cerca de 300 pedidos, foi feita pesquisa documental e colhidos depoimentos. “A comissĂ£o esteve trĂªs vezes na regiĂ£o do Araguaia para escutas pĂºblicas e recolhimento de depoimento, que foram entrecruzados com documentos, como relatĂ³rios de historiadores, de jornalistas e do MinistĂ©rio PĂºblico.”
AbrĂ£o acredita que o trabalho acumulado pela ComissĂ£o da Anistia (desde 2002) e pela ComissĂ£o de Mortos e Desaparecidos (desde 1995) irĂ¡ subsidiar a atuaĂ§Ă£o da futura ComissĂ£o Nacional da Verdade, ainda nĂ£o instalada. “A lei sancionada pela presidenta [Dilma Rousseff] diz claramente que as trĂªs comissões jĂ¡ criadas na nossa justiça de transiĂ§Ă£o devem trabalhar de forma integrada”, apontou. “É evidente que a ComissĂ£o da Verdade partirĂ¡ dos trabalhos jĂ¡ acumulados nos Ăºltimos 15 anos das duas comissões anteriores sob pena de nĂ£o dar conta de sua tarefa histĂ³rica num perĂodo de tempo que engloba apenas dois anos de vigĂªncia”, salientou.
Segundo decisĂ£o no ano passado do Tribunal de Contas da UniĂ£o (TCU), o processo de concessĂ£o de anistia deverĂ¡ seguir para o tribunal apĂ³s decisĂ£o da comissĂ£o. O MinistĂ©rio da Justiça entrou com pedido de reexame da decisĂ£o no TCU que ainda nĂ£o tem data para julgamento.
De acordo com balanço divulgado pelo MinistĂ©rio da Justiça, entre 2002 e 2010, a comissĂ£o declarou anistia e restituiĂ§Ă£o de direitos de 24,4 mil pessoas, tais como a contagem do tempo na prisĂ£o e no exĂlio para fins de aposentadoria, o direito de registrar o nome dos pais desaparecidos polĂticos, o reconhecimento de tĂtulos acadĂªmicos recebidos no exterior ou a possibilidade de retorno a escola pĂºblica para a conclusĂ£o de estudos interrompidos por causa da clandestinidade. AlĂ©m dessas pessoas, 13,5 mil tiveram direito ao recebimento de indenizaĂ§Ă£o em prestaĂ§Ă£o mensal por causa da perda de trabalho ou meio de subsistĂªncia (como os 44 camponeses do Araguaia) e/ou prestaĂ§Ă£o Ăºnica para as demais perseguições. (AE)