Raquel Landim/AE
SĂƒO PAULO - A indĂºstria brasileira estĂ¡, velozmente, perdendo espaço para as importações, que jĂ¡ respondem por um quinto de tudo que Ă© consumido no PaĂs. O processo de substituiĂ§Ă£o de matĂ©rias-primas e produtos acabados nacionais por estrangeiros, que vinha em um ritmo controlado, se acelerou nos Ăºltimos meses.
A participaĂ§Ă£o dos produtos importados no consumo saltou de 15,7% no inĂcio de 2009 para 17,7% no primeiro trimestre deste ano e chegou ao recorde de 20% no terceiro – uma alta total de 4,3 pontos no perĂodo, conforme cĂ¡lculo da LCA Consultores. Entre 2002 e 2008, o ritmo de crescimento era de 1,1% ao ano.
O Brasil se tornou alvo nĂ£o sĂ³ dos paĂses desenvolvidos, como os Estados Unidos, que tentam sair da crise elevando suas exportações, mas tambĂ©m de outros emergentes, como a China, que perderam clientes importantes com a recessĂ£o nos mercados americano e europeu.
A valorizaĂ§Ă£o do real tornou mais fĂ¡cil a tarefa dos estrangeiros, porque reduziu o preço dos produtos importados. O efeito benĂ©fico das importações para o PaĂs Ă© ajudar no controle da inflaĂ§Ă£o, mas o fenĂ´meno tambĂ©m começa a prejudicar as empresas, apesar do forte desempenho do mercado domĂ©stico.
A produĂ§Ă£o industrial estĂ¡ estagnada desde março, enquanto as importações jĂ¡ ultrapassaram o nĂvel do prĂ©-crise. "Existe uma vazamento de demanda para o exterior", disse FlĂ¡vio Castelo Branco, economista-chefe da ConfederaĂ§Ă£o Nacional da IndĂºstria (CNI).
Os empresĂ¡rios reclamam do governo e pedem proteĂ§Ă£o, com o argumento de que a invasĂ£o dos importados provocou queda nas vendas, elevaĂ§Ă£o dos estoques e reduĂ§Ă£o da rentabilidade. Entre os setores mais afetados estĂ£o tĂªxteis, mĂ¡quinas, eletrĂ´nicos, carros e siderurgia.
"Hoje quem se beneficia do crescimento do Brasil nĂ£o Ă© a indĂºstria brasileira", diz SĂ©rgio Leite, vice-presidente de novos negĂ³cios da Usiminas. As vendas da siderĂºrgica caĂram 20% do segundo trimestre para o terceiro (historicamente, o melhor do ano). A empresa informa que opera hoje com 80% da capacidade instalada, o que Ă© considerado abaixo do ideal.
Efeito em cadeia
A substituiĂ§Ă£o de produtos importados por nacionais estĂ¡ afetando toda a cadeia produtiva: mĂ¡quinas, insumos e produtos acabados. Os carros importados, por exemplo, jĂ¡ respondem por 18% dos licenciamentos no Brasil (comparado com 13% em 2008).
As importações de veĂculos nĂ£o estĂ£o mais restritas aos modelos de luxo. TambĂ©m chegam carros mĂ©dios, que concorrem diretamente com modelos feitos localmente. Segundo Rogelio Golfarb, diretor de assuntos corporativos da Ford, as margens de lucro estĂ£o comprimidas e nem mesmo a tarifa de importaĂ§Ă£o de 35% (o mĂ¡ximo permitido ao Brasil na OMC) Ă© suficiente para barrar a importaĂ§Ă£o.
"É claro que o real valorizado tambĂ©m ajuda, mas nĂ£o dĂ¡ para colocar tudo na conta do cĂ¢mbio", disse Golfarb. "Temos de fazer um esforço para aumentar nossa competitividade."
O economista-chefe da MB Associados, SĂ©rgio Vale, chama a atenĂ§Ă£o para outro fator que "empurra" as empresas para a importaĂ§Ă£o: o aumento do custo da mĂ£o de obra, principalmente por causa da falta de pessoal qualificado no PaĂs.
O ciclo se torna vicioso, porque um dos remĂ©dios das empresas para reduzir custos Ă© exatamente aumentar a importaĂ§Ă£o de insumos.
É o caso da RTS VĂ¡lvulas Industriais. A fabricante de mĂ¡quinas e equipamentos opera hoje com metade da sua capacidade, porque seus clientes evitam investir antes do resultado das eleições e por causa da concorrĂªncia dos produtos chineses.
Para reduzir seus custos, a RTS tambĂ©m decidiu aproveitar o cĂ¢mbio barato e começou a importar aço inoxidĂ¡vel, seu principal insumo produtivo. "Se eu for utilizar o aço local, fico 100% fora do mercado", conta Pedro LĂºcio, presidente da companhia.
Descompasso
A invasĂ£o de importados e o acĂºmulo de estoques pela indĂºstria no inĂcio do ano provocaram um descompasso significativo entre a indĂºstria e o varejo, que continua apresentando resultados espetaculares. Entre junho e agosto, comparados com os trĂªs meses anteriores, o varejo cresceu 7,5% e a produĂ§Ă£o industrial caiu 4,6%.
Os especialistas acreditam que a produĂ§Ă£o industrial vai se recuperar nos prĂ³ximos meses, Ă medida que os estoques se normalizarem, mas estĂ£o preocupados com os efeitos da invasĂ£o dos importados.
"NĂ£o dĂ¡ para negar que o setor externo provocou um dreno na economia, mas nĂ£o dĂ¡ para saber quanto tempo isso vai durar", disse JĂºlio Callegari, economista do JP Morgan. "Estamos em uma linha divisĂ³ria."