Leonardo Boff
Conheci pessoalmente DOM JOSÉ RODRIGES, bispo de Juazeiro do Norte, na Bahia. No exato dia em que recebi a carta do entĂ£o Cardeal Joseph Ratznger convocando-me Ă InquisiĂ§Ă£o Romana, comecei o retiro que preguei para os padres e leigos daquela diocese. Achei mais importante animar aquela comunidade perseguida do que atender aos oficiais de Roma. SĂ³ no fim, depois de uma semana, pude dizer Ă quele povo, minha situaĂ§Ă£o de convocado. Minha situaĂ§Ă£o nĂ£o era nada em comparaĂ§Ă£o com as perseguições que o bispo e muitos agentes de pastoral sofriam vigiados e ameaçados pela repressĂ£o militar. Hoje, vivemos tempos invernais na Igreja. HĂ¡ um vazio de verdadeiros pastores e de autĂªnticos profetas como Dom JosĂ©. É nosso dever lembrar os pastores fiĂ©is e os profetas destemidos que souberam estar sempre do lado dos fracos e perseguidos. Sem temor e sem subterfĂºgios. Era pequeno de porte mas um gigante do espĂrito. Vi sua biblioteca, cheia de livros novos que lia para se atualizar na teologia, na pastoral e no trabalho com o povo. Publico aqui o artigo de um de seus discĂpulos e colaboradores ROBERTO MALVEZZI, o GogĂ³. Em nome nosso e de tantos, ele lhe presta uma justa homenagem. Viver como Dom JosĂ© Ă© digno. Morrer como morreu por amor aos outros Ă© herĂ³ico, obra de um santo e liĂ§Ă£o de um profeta. Que ele lĂ¡ da glĂ³ria,acompanhe a Igreja em crise para que o povo sofredor tenha ao seu lado pastores e profetas da tĂªmpera de Dom JosĂ© Rodrigues.
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D. JosĂ© Rodrigues foi o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Quando chegou a Juazeiro para ser bispo, a barragem de Sobradinho estava em construĂ§Ă£o. EntĂ£o, ele assumiu a sorte dos relocados, depois dos pobres em geral e nunca mudou. Chegou em 1975.
Aqui era Ă¡rea de segurança nacional, regime militar, ACM governador, prefeitos nomeados pelo presidente da repĂºblica. NĂ£o havia partidos, nem organizações populares. EntĂ£o, com poucos padres e religiosas, chamou leigos para apoiar os 72 mi relocados. Assim, a diocese foi durante muito tempo o abrigo para cristĂ£os, comunistas, ateus, qualquer um que movido pela justiça assumisse a causa do povo.
Depois enfrentou o perĂodo das longas secas. Criou pastorais populares. Fez o opĂ§Ă£o radical pelos pobres e comunidades eclesiais de base. Usava as rĂ¡dios e seu poder de comunicaĂ§Ă£o para defender os oprimidos pelo peso dos coronĂ©is e do regime militar.
Quando um gerente do Banco do Brasil foi seqĂ¼estrado, ele aceitou ser trocado. Ficou sob a mira dos revĂ³lveres por dias, começando sobre a ponte que liga Juazeiro a Petrolina. Depois visitou seus seqĂ¼estradores na cadeia e ainda fez o casamento de um deles.
Abrigou na diocese toda convivĂªncia com o semiĂ¡rido, muito lembrado nesses tempos de estiagem. Por isso, quando a ASA fez um de seus encontros nacionais, quis fazĂª-lo em Juazeiro para homenagear esse profeta do semiĂ¡rido.
Costumava contar que recebeu muitos presentes quando chegou e foi reverenciado pela elite. No terceiro ano ganhou trĂªs camisas. No quinto ano ganhou de presente uma Ăºnica camisa dada por uma prostituta que freqĂ¼entava a escola Senhor do Bonfim, trabalho feito junto Ă s prostitutas da cidade.
Quando foi embora saiu com toda a mudança que trouxe: uma mala que cabia uma muda de roupas – que ele lavava todas as noites para vestir no dia seguinte – e seu livro de oraĂ§Ă£o.
Na celebraĂ§Ă£o de despedida afirmou na catedral: “nunca trai os pobres, nem em Ă©poca de eleiĂ§Ă£o”.
D. JosĂ© faleceu nessa madrugada, dia 9 de Setembro, em GoiĂ¢nia, comunidade redentorista de Trindade, para onde foi depois de 28 anos em Juazeiro.
Seu corpo serĂ¡ transladado para Juazeiro na segunda-feira, onde serĂ¡ enterrado. Aqui, sua memĂ³ria jamais serĂ¡ esquecida por aqueles que com ele conviveram, sobretudo, pelos em situaĂ§Ă£o de pobreza, nos corações dos quais ele reside.