O Grupo de Trabalho Justiça de TransiĂ§Ă£o, do MinistĂ©rio PĂºblico Federal (MPF), continua rastreando e analisando casos de violações de direitos humanos ocorridas no perĂodo do regime militar. Os procuradores investigam sobretudo casos que envolvem acusações de sequestro qualificado e ocultaĂ§Ă£o de cadĂ¡ver. O objetivo Ă© abrir processos criminais na Justiça Federal contra os supostos autores.
De acordo com a tese defendida pelo grupo, tais crimes sĂ£o considerados permanentes, uma vez que nĂ£o se sabe ao certo o paradeiro das vĂtimas, ainda desaparecidas. NĂ£o se pode falar, portanto, segundo a mesma tese, em prescriĂ§Ă£o do crime ou em benefĂcio da Lei da Anistia.
ApĂ³s um primeiro levantamento, o grupo, vinculado Ă 2.ª CĂ¢mara Criminal, identificou 62 casos sobre os quais deverĂ¡ concentrar suas ações nos prĂ³ximos meses. A maior parte deles (53) estĂ¡ concentrada no Estado de SĂ£o Paulo. Entre os nomes das vĂtimas aparecem Edgard de Aquino Duarte, que desapareceu em junho de 1973, e Paulo Stuart Wrigth, desaparecido em setembro do mesmo ano. Os dois casos ocorreram em SĂ£o Paulo, segundo ex-presos polĂticos.
A criaĂ§Ă£o do Grupo de Trabalho Justiça de TransiĂ§Ă£o se alinha com a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil por violações de direitos previstos na ConvenĂ§Ă£o Americana de Direitos Humanos nos vĂ¡rios episĂ³dios sucedidos no contexto da Guerrilha do Araguaia. A sentença estabeleceu a obrigaĂ§Ă£o do paĂs de investigar quem sĂ£o os autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado das vĂtimas.
A maior parte dos integrantes do grupo Ă© formada por procuradores relativamente jovens e sem ligaĂ§Ă£o direta com o perĂodo da ditadura. Um deles, SĂ©rgio Gardenghi Suiama, coordenador substituto do grupo, disse dias atrĂ¡s, durante uma palestra em SĂ£o Paulo, que ninguĂ©m de sua famĂlia foi vĂtima de violações de direitos humanos naquele perĂodo. ”Digo isso para mostrar que nĂ£o agimos por revanchismo. É dever do Estado promover investigações sobre graves violações de direitos humanos”, afirmou.
Um dos principais problemas enfrentados pelo grupo Ă© a decisĂ£o do Supremo Tribunal Federal STF sobre a Lei da Anistia de 1979. Em 2010, no julgamento da ArguiĂ§Ă£o de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, aquela corte validou a interpretaĂ§Ă£o de que a lei beneficiou tanto as vĂtimas de perseguições polĂticas quanto os perseguidores.
Em outros dois momentos, porĂ©m, lembrou Suiama em sua palestra, o mesmo STF atendeu aos pedidos de extradiĂ§Ă£o de dois militares da Argentina, envolvidos em casos de sequestro e desaparecimento polĂtico, baseado no princĂpio de que os crimes nĂ£o haviam sido prescritos nem anistiados. O MPF, segundo o procurador, reivindica que o mesmo princĂpio seja vĂ¡lido para o Brasil.
As duas primeiras tentativas de criminalizaĂ§Ă£o de agentes jĂ¡ feitas pelo MPF foram barradas, porĂ©m, por juĂzes federais. Em SĂ£o Paulo, MĂ¡rcio Rache Millani rejeitou a aĂ§Ă£o penal contra o militar reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado da ativa na PolĂcia Civil Dirceu Gravina, acusados pelo sequestro do sindicalista AluĂzio Palhano Pedreira Ferreira, em 1971. Foi a segunda aĂ§Ă£o penal movida pelos procuradores. Pouco antes, o juiz federal JoĂ£o CĂ©sar Otoni de Matos, de MarabĂ¡, no ParĂ¡, havia rejeitado denĂºncia contra o coronel da reserva SebastiĂ£o CuriĂ³, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes capturados na Guerrilha do Araguaia na dĂ©cada de 1970.
O MPF vai recorrer nos dois casos e, paralelamente, continuar apresentando novas denĂºncias. O objetivo Ă© encontrar uma brecha para levar o debate de sua tese atĂ© o Supremo.
"A ComissĂ£o da Verdade nĂ£o veio para botar uma pedra em cima da histĂ³ria. Muito pelo contrĂ¡rio. A ComissĂ£o da Verdade poderĂ¡ gerar novos efeitos no campo da reparaĂ§Ă£o, novas memĂ³rias e, quem sabe, potencializar os mecanismos de Justiça. NinguĂ©m poderĂ¡ impedir que o MinistĂ©rio PĂºblico Federal, no exercĂcio de suas funções, tenha acesso Ă documentaĂ§Ă£o produzida pela comissĂ£o para ingressar com ações."
"Onde estavam os juĂzes quando ocorriam prisões arbitrĂ¡rias? Quem foram os juĂzes que negaram habeas corpus aos presos polĂticos criminalizados pela ditadura? A acusaĂ§Ă£o e o enquadramento na LSN dos perseguidos polĂticos eram feitas por promotores civis, nĂ£o militares. Esse poder tambĂ©m tem que promover um acerto de contas com a sociedade"
Paulo AbrĂ£o, SecretĂ¡rio Nacional de Justiça