Vistos, relatados e discutidos os autos acima citados,
ACORDAM os Juízes
integrantes do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, por unanimidade de votos,
em julgar procedente o pedido e decretar a perda do mandato eletivo do réu JOÃO
CLAUDIO DEROSSO, nos termos do voto do Relator, que integra esta decisão.
Curitiba, 28 de agosto de 2012
ROGÉRIO COELHO
Presidente, em exercício
LUCIANO CARRASCO
Relator
ADRIANA A. STOROZ M. SANTOS
Trata-se de requerimento formulado por MARIA GORETTI DAVID LOPES
contra JOÃO CLÁUDIO DEROSSO, em razão de desfiliação ocorrida no dia 07/05/2012
e que tal desfiliação teria ocorrido sem justa causa.
Diz, em apertada síntese, que (a)
é a atual primeira suplente do PSDB; (b)
o réu renegou tudo aquilo que o PSDB e seus filiados fizeram por ele e que não
há qualquer hipótese regulamentar que autorize sua saída do Partido; (c) na carta de desfiliação o réu não
mencionou o motivo de sua saída, apenas requerendo sua desfiliação; (d) não existe justa causa para
autorizar a saída do réu e o mandato pertence ao partido. Fez pedido de
antecipação de tutela para o imediato afastamento do réu do cargo de vereador e
posse da autora em referido cargo. Juntou documentos às fls.24/104. Arrolou
testemunhas.
Deferi a
antecipação dos efeitos da tutela para decretar a perda do cargo de vereador exercido pelo réu João Carlos Derosso,
junto à Câmara Municipal de Curitiba (fls.106/111).
JOÃO CLAUDIO
apresentou defesa (fls.122/141) sustentando que (a) em momento algum
comunicou sua intenção de desligamento do PSDB à Justiça Eleitoral; (b) o
partido não comunicou ao Tribunal Regional Eleitoral sobre a desfiliação do
réu; (c) juntou Certidão do TSE sobre a situação de sua filiação
partidária afirmando que por meio desta certidão encontra-se ainda filiado ao
PSDB e, dessa forma, não pode a autora pretender a perda de seu cargo eletivo,
devendo ser extinto o processo, sem resolução do mérito, diante da
impossibilidade jurídica. Argumenta também a falta de documento essencial.
No mérito argumenta
que suportou enormes discriminações dentro do partido e houve por bem entregar
carta pedindo seu desligamento. Pediu reconsideração da decisão monocrática.
Arrolou testemunhas e juntou documentos às fls.142/159.
Analisei a
manifestação do réu, mas indeferi o pedido de revogação da liminar de
antecipação de tutela (fls.162/166).
A autora
postulou pela manutenção da decisão que concedeu a antecipação de tutela
(fls.173/198) e juntou declaração do presidente estadual do PSDB.
Foi deferido
pedido do réu para que este Tribunal, por meio da Corregedoria, informe sobre a
existência de filiação do réu. Informações que foram feitas por meio das
certidões de fls.210/213.
Houve
manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral pelo prosseguimento do feito.
Foram produzidas
as provas e, em seguida as partes apresentaram alegações finais.
A Procuradoria
Regional Eleitoral opinou pela procedência do pedido e conseqüente decretação
de perda de mandado eletivo do vereador.
É o relatório.
II – VOTO
A matéria invocada em preliminar
confunde-se com o mérito da demanda, razão pela qual aprecio tudo em conjunto,
com os destaques necessários.
Para configurar a justa causa a que
se refere o art. 1º, § 1º, inciso IV, da Resolução TSE n.º 22.610/2007 – grave
discriminação pessoal, o filiado deve demonstrar, de forma cabal, que a
desfiliação ocorreu de fato em razão de grave discriminação pessoal por parte
do partido político, não podendo ser invocada se não houver realmente um
tratamento diferenciado, desigual, injusto, distinto do tratamento dispensado
aos demais integrantes do partido.
Analisando a expressão grave descriminação pessoal, José Jairo Gomes
assinala que:
“O que deve se entender por isso? O que é grave para uns pode não ser
para outros. O padrão de normalidade (assim como o de moralidade) varia entre
as pessoas, no tempo e no espaço; até mesmo o clima e a geografia podem definir
diferentes padrões de comportamento e de julgamento. Não se pode negar o alto
grau de subjetivismo subjacente a essa cláusula. De qualquer sorte, na medida
do possível, o órgão judicial não poderá afastar-se de parâmetros objetivos ao
apreciar o conflito que lhe for submetido. O conceito em foco só poderá ser
determinado, isto é, concretizado, à vista do caso prático e de suas
circunstâncias. Nesse contexto, há que se encarecer os princípios da tolerância
e da convivência harmônica, de sorte que meras idiossincrasias não poderão
ser havidas como grave discriminação pessoal. Somente fatos objetivos,
sérios, repudiados severamente pela consciência jurídico-moral poderão ser
assim considerados.” (destaquei).(in Direito Eleitoral, Del Rey, 2008, p.
81/82).”
Na espécie, pelos motivos alinhados na
inicial se antevê, claramente, a subsunção do fato à norma, na medida em que no
documento de desfiliação (f. 84) se tem, tão somente, pedido de desfiliação para
o PSDB.
É o que basta
para justificar a perda de mandato: o réu não invocou em nenhuma linha os
motivos indicados na resolução para justificar sua desfiliação.
Negar a validade
daquele informe famélico indicado por ocasião da desfiliação é o mesmo que
negar o direito do partido – obrigando-o a sempre investigar na esfera judicial
a motivação do membro do partido, implicando em grave distorção do próprio
sistema, uma vez que me parece incogitável que alguém possa obter para si – e
exercer como coisa sua – um mandato eletivo que se configura essencialmente
como uma função política e pública, de todo avessa e inconciliável com
pretensão de cunho privado. (Consulta 1423/DF, citado por José Jairo Gomes,
Direito Eleitoral, Ed. Atlas, 7ª ed., pág. 90); isto é, sem prestar qualquer
esclarecimento a respeito.
O argumento de que ainda está filiado, com
a devida vênia de todas as vênias possíveis, não vinga, margeando a má-fé pela
própria torpeza.
Com efeito, não se pode impor ônus ao
Partido pela desídia do réu. Ele era quem deveria fazer as comunicações. Como referido na doutrina de Rodrigo López
Zilio (Direito Eleitoral, Verbo Jurídico Editora, 3ª Ed., p. 129) “É ônus exclusivo – e intransferível – do
filiado de proceder à dupla comunicação do ato de desfiliação.”. E
mais, tal fato é contraditório com o pedido
de desfiliação feito pelo réu (fl.84).
Bem por isso, o
pedido de desfiliação é ato unilateral, não existindo hipótese plausível para
que o partido negasse tal solicitação; afinal ninguém é obrigado a manter-se
filiado a qualquer agremiação política.
E esta
manifestação de vontade foi ratificada pela resposta oferecida, onde se vê
cópia de pedido de retratação protocolado em 04 de julho de 2012 ao Diretório
Estadual, assinado pelo próprio réu, afirmando que pediu a desfiliação (por
perseguição da mídia e pela discriminação sofrida dentro do partido) e que não
tem interesse em deixar o PSDB (f.159).
Este fato
trazido na resposta além de consagrar o direito da requerente sepulta
definitivamente a tese de que o réu mantém-se filiado ao PSDB e, por isso, o
pedido não poderia ir à frente.
Na medida em que
pediu a desfiliação, é ônus do réu informar ao partido e à justiça eleitoral –
o que não fora afirmado na resposta, ou seja, de que o réu tenha cumprido com
sua obrigação. Dizer, depois, que está filiado e, por isso, não caberia o
pedido, é louvar-se da própria torpeza, que o direito não tolera.
Não se trata
aqui daquelas questões discutidas às bateladas sobre dupla filiação, eis que
isto não houve; cuida-se, isto sim, de deliberação que deve ser vista sob outro
ângulo, o da desfiliação propriamente dita.
O réu disse que
permanece filiado ao PSDB, conforme certidão do TSE emitida via internet. Contudo
há certidão do TRE, através de sua ilustrada Corregedoria, em sentido
exatamente oposto.
Isto porque
nesta consulta realizada junto ao sistema Elo do TSE que o próprio eleitor
informou sua desfiliação, o que não consta dos registros do TSE, via internet,
na medida em que o sistema não se encontra disponível para novos registros em
razão do calendário eleitoral.
Não me parece
palatável existir legitimidade neste tipo de procedimento, até porque o Partido
e os suplentes não podem ficar a mercê da oscilação de vontade do filiado.
Logo, a alegação
de não houve pedido de desfiliação por parte do réu não tem fundamento.
Quanto ao outro
argumento – discriminação pessoal – e que poderia ensejar dúvida, é de observar
que notícias de colunas políticas não servem para, por si só, dizer existir
grave discriminação. Não se apresentou nem mesmo o pedido de expulsão informado
nas notícias, não se falando em expulsão porque o processo, ao que se tem, não
foi deflagrado pelo pedido de desfiliação.
Também, por
significativo, o réu não utilizou da ação declaratória para justa causa a fim
de demonstrar eventual perseguição.
Não se olvide que não se fez alusão a
procedimento administrativo aberto pelo partido para expulsão do vereador ou
mesmo de perseguições partidárias, ou mesmo a qualquer manejo de ação
declaratória de justa causa, máxime considerando a redação do § 3º do artigo 15
do Estatuto Partidário que prevê, expressamente, a perda de mandato para quem
se desligue do partido.
Existindo esta imposição estatutária, não
poderia o réu, vereador, simplesmente se desligar do partido sem sofrer a
sequela respectiva; e como não justificou a saída, arca agora com as
consequências de seu comportamento.
Da mesma forma, as provas que foram
produzidas não são suficientes a demonstrar que houve grave discriminação
contra a pessoa de João Claudio Derosso. O que se vê, ao revés, é que os motivos
que levaram o réu a deixar os quadros partidários eram motivos de ordem pessoal
e não por perseguição partidária.
Realmente, Michele Caputo Neto quando
questionado se o PSDB iniciou processo disciplinar para apuração de alguma
falta de Derosso, respondeu: “Não, não
porque pelo que me disseram nessa reunião ele... foi abortada qualquer tipo de
discussão por conta dessa manifestação pessoal.” Mais a frente a testemunha
responde se existiria a possibilidade do partido expulsar o réu: “Eu acho que a exposição na mídia na questão do
envolvimento do vereador Derosso propiciou que muitos filiados e muita gente
discutisse essa situação. Eu não participei de nenhuma reunião que discutiu.
No diretório municipal isso não aconteceu. Sou membro da comissão
provisória; não tivemos nenhuma convocação para discutir essa questão. Agora,
se o senhor quer a minha impressão, tá? É a que a repercussão na mídia gera
desfiliados e todas as coisas. Mas aí é impressão.”.
A outra
testemunha, Valdir Rossoni, que é presidente do PSDB no Estado e quem recebeu a
carta de desfiliação do réu, declarou: “Eu era, eu sou presidente do PSDB no Estado. Em virtude, do ocorrido,
das notícias das questões que ocorreram na Câmara Municipal o partido vinha se
sentido desconfortável porque nós achávamos, porque nós não queremos fazer
pré-julgamento, mas também achávamos que o partido não deveria responder por um
ato isolado de uma pessoa ilustre do partido. Então, foi convocado uma reunião
(sic) do diretório estadual e do diretório municipal aonde nós iniciamos um
processo, nós iríamos iniciar um processo de discussão sobre a situação do
então vereador Derosso e qual que seriam as medidas que poderiam ser tomadas
pelo partido. Quando nós iniciamos a discussão, era lá por volta das, lembro
bem o horário, dezenove horas, quando nós estávamos ouvindo os membros do
diretório, nós recebemos uma carta manuscrita do vereador Derosso aonde ele
pedia o seu afastamento do partido. Ao receber aquela carta manuscrita, nós
interrompemos a reunião, até porque a reunião não tinha mais validade -
discutir algo que não tinha mais.”.
Ao ser
perguntado se a carta de desfiliação continha alguma justificativa, Valdir
Rossoni, respondeu: “Não, não, não, não. Apenas
dizia que se afastava do partido, manuscrita.”
Cumpre ter presente,
ainda, que das três testemunhas arroladas pelo réu – Fernando Guighone, Paulo
Frote e Carlos Alberto Richa – nenhuma delas compareceu à audiência, ônus do
réu, e houve sua dispensa expressa, caindo por terra qualquer possibilidade de
Derosso fazer prova do que se alegou.
Pelos
depoimentos é possível afirmar que houve divergências entre os integrantes do
Partido, mas prova de grave discriminação não há.
Como bem apontou a Procuradoria
Regional Eleitoral, “No presente caso, a
requerente, na propositura da inicial, trouxe aos autos documento contendo
informações acerca da desfiliação do primeiro requerido junto ao partido pelo
qual fora eleito (fl.82), no qual consta a data de seu protocolo (07/05/2012),
demonstrando a tempestividade no ajuizamento da presente demanda. (...) No
mérito, embora as várias alegações presentes nos autos, verifica-se que o
requerido não logrou êxito em comprovar a existência de justa causa para a sua
desfiliação partidária, motivo pelo qual a pretensão da requerente deverá ser
acolhida.”
Em hipótese bastante semelhante ao presente
este Tribunal Regional, em voto de lavra do Juiz João Pedro Gebran Neto,
Requerimento nº 614 (acórdão nº 32.739), decidiu:
“... há de ser fato
grave, que cause impacto ou repercussão de tal ordem que justifique a mudança
de partido, em face de absoluta falta de compatibilidade entre o eleito e o
partido que integra. Não pode ser qualquer contra-tempo ou dissabor,
também contrariedade em relação à conjuntura partidária. O espaço político é
plural, tanto na disputa eleitoral quanto no âmbito interno dos diferentes
partidos. O espaço político é locus de debates, divergências, alianças e
disputas, consensos e dissensos, equivale dizer, quando algum eleitor filia-se
a determinado partido político deve saber adrendemente seu ideário no cenário
local, regional e nacional, bem como dos espaços políticos existentes. Somente
fatos que revelem gravidade podem ser invocados como justa causa para
desfiliação.
Além disso, há que ser
uma discriminação pessoal, e não uma diretriz geral do partido, que atinja
pessoas indeterminadas. A discriminação deve dirigir-se diretamente contra
certa pessoa, certo membro do partido, sob pena de não poder ser invocada, com
fundamento no inciso IV, do parágrafo primeiro, do artigo primeiro, da
resolução. Tratando-se de ato (norma ou orientação) geral, talvez possa a justa
causa fundar-se em outro inciso, não na discriminação pessoal.
Por fim, o fato grave e pessoal deve se configurar
numa discriminação, equivale dizer, num tratamento desigual e injusto, distinto
do tratamento dado aos demais integrantes do partido.”
E esta Corte, ao apreciar a Petição 866-72,
julgada em 23/01/2012 de minha relatoria, assentou:
Petição – Infidelidade Partidária – Perda de Cargo
Eletivo – Vereador – Resolução TSE n. 22.610 – Justa Causa não demonstrada.
Condições subjetivas, tais como descontentamento,
não cumprimento de promessa de renovação dentro do Partido e falta de apoio
quando preciso, não é causa que justifique a desfiliação partidária. Pedido
julgado procedente.
Sendo assim, não havendo a comprovação de motivo relevante que possa
justificar a desfiliação partidária, para os fins da Resolução TSE nº
22.610/07, é de ser decretada a perda do mandato do réu, com sua devolução ao
partido requerente.
Forte em tais razões, julgo procedente o pedido formulado por MARIA
GORETTI DAVID LOPES para decretar a perda do cargo de vereador exercido pelo
réu JOÃO CLÁUDIO DEROSSO, junto à Câmara Municipal de Curitiba, dando ciência
ao Presidente da Câmara de Vereadores, tornando definitiva a liminar concedida
e confirmando a posse da requerente, no moldes do art. 10 da Resolução TSE nº
22.610/2007.
Curitiba, 28
de agosto de 2012
LUCIANO CARRASCO
Relator