domingo, 30 de outubro de 2011

Mais de 100 mil candidatos participam da primeira fase do exame da OAB

Mais de 108 mil candidatos de todo o país fizeram hoje (30) a prova da primeira fase do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A edição deste domingo é a primeira desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu rejeitar o recurso de um bacharel em direito e considerar o exame constitucional. Criado em 1994, o exame foi alvo de ações na Justiça questionando a legalidade da prova.

Na última quarta-feira (26), o STF decidiu, por unanimidade, que o exame de ordem da OAB para admissão na carreira é constitucional. Como o caso tem repercussão geral, o que foi decidido pelo Tribunal será aplicado em todos os processos semelhantes que correm na Justiça.

A bacharel Carla Lamounier Costa está fazendo a prova pela sexta vez e considerou a decisão do STF um retrocesso. “Só reforçou o poder que a OAB tem sobre os estudantes de direito. A Constituição diz que é livre o exercício da profissão”. Segundo a bacharel, o nível de exigência da prova não é compatível com o conhecimento adquirido nas salas de aula das faculdades. “Não é por não estudar que o candidato não passa. A prova é que supera todos os limites de exigência possíveis”, avaliou.

Já o bacharel Marcos Flávio Pinheiro do Nascimento, que está tentando pela segunda vez obter a permissão para advogar, acredita que o exame da OAB é necessário, porque seleciona os futuros advogados, que muitas vezes são formados em cursos ruins. “A prova tem que continuar a existir sim, para garantir qualidade dos serviços advocatícios. Ela ajuda a nivelar.”

O presidente da Seção da OAB do Distrito Federal, Francisco Caputo, disse que as exigências são necessárias e que a entidade tem procurado aperfeiçoar o exame ao longo dos anos. “A expectativa é deixá-lo cada vez mais adequado aos objetivos da lei, que é aferir as qualidades e as condições minímas para o exercício da profissão. Nunca tivemos dúvida quanto à necessidade e à constitucionalidade do exame”.

O exame de ordem foi criado em 1994, com a aprovação da Lei do Estatuto da Advocacia e da OAB, cujos dispositivos estão sendo questionados no STF. Desde então, milhares de candidatos vêm sendo reprovados a exemplo do que ocorreu na edição mais recente, em que apenas 15% foram aprovados, ou seja, 18 mil dos 121 inscritos. De 1997 para cá, o número de cursos de direito passou de 200 para 1,1 mil. Os cursos formam anualmente cerca de 90 mil bacharéis.

A próxima fase do exame está marcada para o dia 4 de dezembro. (AB)

População mundial chega a 7 bilhões de pessoas, com crescentes desigualdades

A população mundial chega, nesta segunda-feira, a 7 bilhões de pessoas, segundo estimativas da ONU, em meio a necessidades urgentes de redistribuição da riqueza para o combate a crescentes desigualdades.

Cada país celebrará à própria moda este novo recorde de explosão demográfica: alguns vão até eleger um bebê como símbolo e outros vão organizar competições esportivas e festividades.

Em Zâmbia, será realizado um concurso musical, e no Vietnã, um show intitulado "7 Billion: Counting On Each Other" (7 bilhões de pessoas apoiando-se mutuamente). Na Rússia, as autoridades vão entregar presentes a alguns recém-nascidos.

No entanto, para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o dia que marca a existência de 7 bilhões de seres humanos não é motivo de alegria. Os recém-nascidos chegam a um mundo contraditório, com muita comida para uns e com a falta de alimentos para um bilhão de pessoas que vão dormir com fome todas as noites".

"Muitas pessoas gozam de luxuosos estilos de vida e muitos outros vivem na pobreza", disse Ban em entrevista à revista americana Time.

O recorde demográfico deveria ser visto como "um chamado à ação", insistiu.

A nova cifra demográfica representa un incremento de 1 bilhão de pessoas em relação ao número anunciado à meia-noite de 12 de outubro de 1999, quando a ONU nomeou um recém-nascido bósnio, Adnan Mevic, como o terráqueo de número 6 bilhões.

O então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, foi fotografado num hospital de Sarajevo, segurando Mevic em seus braços.

A família da criança vive, hoje, mergulhada na pobreza, o que explica, em parte, o fato de este ano não haver foto simbólica com o chefe da ONU para imortalizar o novo recorde demográfico.

"Não se trata de números. Trata-se de pessoas", disse Ban numa escola de Nova York semana passada.

"Serão sete bilhões de pessoas que vão precisar de alimentos em quantidade suficiente, assim como de energia, além de boas oportunidades na vida de emprego e educação; direitos e a própria liberdade de criar seus próprios filhos em paz e segurança", acrescentou.

Dirigindo-se aos estudantes, o chefe das Nações Unidas acrescentou: "Tudo o que quiserem para vocês mesmos deverá ser multiplicado por 7 bilhões".

Ban levará esta mensagem ao G20, que reunirá as economias desenvolvidas e as emergentes mais importantes, na próxima semana no sul da França.

Segundo estimativas da ONU, cerca de dois bebês nascem a cada segundo, pelo que a cifra de 7 bilhões continuará aumentando na próxima década, até chegar a 10 bilhões em 2100.

As Nações Unidas preveem que a Índia se converta no país mais povoado do mundo em 2025, quando seus habitantes somarem 1,5 bilhão, superando a China.

Enquanto isto, um relatório do Fundo de População da ONU (UNFPA) destaca que o mundo enfrentará crescentes obstáculos para criar empregos para as novas gerações, especialmente nos países pobres, e que a mudança climática e a explosão demográfica vão agravar as crises de fome e de seca.

Ao mesmo tempo, o envelhecimento da população se tornará um problema para o Japão e os países europeus, com suas repercussões afetando as políticas de migração, saúde e emprego, adverte o documento. (AFP)

ONG acusa milícias líbias de aterrorizar simpatizantes de Kadafi

A ONG Human Rights Watch (HRW) denunciou neste domingo que milícias rebeldes líbias da cidade de Misrata estão "aterrorizando" moradores da localidade de Tawerga, que foram acusados de serem simpatizantes de Kadafi.

A ONG, com sede em Nova York, afirmou em comunicado que Tawerga, que tem cerca de 30 mil habitantes, está totalmente despovoada e que dirigentes milicianos de Misrata intimidaram os moradores para que não retornassem.

A HRW afirma que segundo testemunhos de 61 pessoas que viviam na localidade os milicianos de Misrata atiraram, bateram, abusaram, torturaram e prenderam moradores de Tawerga, muitos também tiveram suas casas saqueadas e queimadas.

Para a diretora da HRW no Oriente Médio e Norte da África, Sarah Leah Whison, "a vingança contra os moradores de Tawerga, além das acusações contra eles, abala o objetivo da revolução líbia".

A ONG exigiu ao Conselho Nacional de Transição líbio (CNT), a autoridade máxima política do país, que controle sob um comando comum os mais de 100 grupos armados de Misrata e exija responsabilidades por seus atos.

As autoridades locais e diversas pessoas acusam os moradores de Tawerga de ter cometido crimes junto com as forças aliadas a Kadafi, que usaram o local como base para os ataques a Misrata durante o cerco que impuseram a essa cidade líbia entre março e agosto, esclarece a HRW.

A ONG, que possui diversos testemunhos de abusos e torturas, dentro e fora dos centros de detenção de Misrata, destaca que o vice-presidente do Conselho da cidade, Sedik Bashir Bady, teria pedido aos combatentes e aos guardas das prisões que respeitem os detidos, o que não foi cumprido.

A HRW lançou uma série de recomendações para pôr fim a esses incidentes. Dentre as medidas, a ONG pede a condenação e punição dos abusos contra os moradores do local, a unificação das brigadas, a transferência dos prisioneiros de Tawerga para outros centros do país e o restabelecimento do sistema judiciário.

Esta não é a primeira acusação da HRW contra as milícias de Misrata. Em 24 de outubro, a HRW denunciou que 53 supostos simpatizantes de Kadafi foram executados por combatentes de Misrata em um hotel de Sirte, cidade natal e último reduto de Muammar Kadafi, preso e assassinado pelos rebeldes no último dia 20.

Estas denúncias, junto com os vídeos divulgados sobre as torturas às quais Kadafi foi submetido após sua detenção, prejudicaram a imagem da rebelião popular contra o regime do líder líbio, que começou de forma pacífica em fevereiro e acabou se transformando em um conflito armado. (EFE)

Decreto de Dilma suspende convênios com ONGs até avaliação de regularidade

A presidenta Dilma Rousseff determinou a suspensão de contratos com organizações não governamentais (ONGs) e entidades privadas sem fins lucrativos até que seja avaliada a regularidade da execução do que foi contratado pelo governo até agora. Na semana passada, o ministro do Esporte, Orlando Silva, deixou o cargo após uma série de denúncias de regularidades com ONGs contratadas pelo pasta.

Segundo o Blog do Planalto, o decreto assinado pela presidenta, que deve ser publicado na edição de amanhã (31) do Diário Oficial da União, prevê ainda prazo de 30 dias para que a avaliação seja concluída por todos os órgãos e entidades da administração pública federal. A revisão vale para os contratos firmados até o dia 16 de setembro deste ano, mas a suspensão de repasses de verbas fica valendo para todas as entidades privadas sem fins lucrativos, bem como a proibição de novos contratos nesse período.

As únicas exceções previstas no decreto referem-se aos programas de proteção a pessoas ameaçadas; contratos firmados há mais de cinco anos com a mesma entidade e cujas prestações de contas tenham sempre sido aprovadas; e a transferências do Ministério da Saúde relacionadas ao pagamento de serviços prestados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses casos, contudo, um parecer técnico assinado pelo ministro da pasta deverá atestar que o contrato se enquadra em situação de exceção.

Após concluída, a avaliação poderá resultar em dois caminhos: contratos cuja execução foi considerada regular poderão novamente receber verbas públicas autorizadas pelo ministro; ou contratos que apresentem problemas em sua execução serão mantidos em suspenso por 60 dias para que as organizações sejam comunicadas. Em tal situação, as entidades poderão sanar os problemas apontados na avaliação ou ressarcir os cofres públicos pelo dinheiro investido e mal utilizado. Essas entidades podem ainda ser consideradas impedidas de celebrar contratos ou parcerias com a União pelo ministro da pasta à qual prestavam serviços ou pelo chefe da Controladoria Geral da União (CGU).

Organizações sem fins lucrativos que não prestam corretamente contas dos contratos com o governo federal, que não cumprem o objetivo do contrato firmado, que praticam atos ilícitos na execução dos convênios ou que desviam injustificadamente os recursos pagos para outra finalidade poderão ser consideradas inadequadas na avaliação e sofrer as sanções previstas. (AB)

Outro Enem é tese estapafúrdia, diz ministro da Educação

O ministro da Educação Fernando Haddad descartou ontem a possibilidade do cancelamento de todas as provas do Enem, como pede a Procuradoria no Ceará. O pedido ocorreu após alunos de uma escola de Fortaleza terem tido acesso a parte das questões antes da prova.

Para Haddad, há apenas duas possibilidades em discussão: a anulação das 14 questões que foram apresentadas a alunos do colégio Christus e a reaplicação do exame para esses alunos. O MEC prefere a segunda por considerar que o problema se restringiu "a um grupo pequeno".

A Justiça Federal no Ceará deu até amanhã para o Inep (órgão do MEC responsável pelo Enem) se manifestar sobre pedido do Ministério Público Federal, que quer a suspensão do exame nacional no país ou a anulação das questões vazadas.

PRÉ-TESTE

O problema veio a público após alunos escreverem em redes sociais, no final de semana, que colégio havia conseguido antecipar questões. Inicialmente, o MEC identificou oito questões iguais.

Posteriormente, concluiu-se que o simulado continha 14 questões do Enem. Elas haviam sido aplicadas no pré-teste realizado por duas turmas da escola em outubro de 2010 --os colégios que fazem o pré-teste são escolhidos por sorteio.

Segundo o MEC, todos os cadernos da pré-testagem foram devolvidos, mas o conteúdo pode ter sido copiado eletronicamente. (Uol)

A Terra se defende: faz diminuir o crescimento

Leonardo Boff

Hoje é vastamente aceita e entrou já nos manuais de ecologia mais recentes (cf.R. Barbault, Ecologia Geral, Vozes 2011) a ideia de que a Terra é viva. Primeiramente, ela foi proposta pelo geoquímico russo W. Vernadsky na década de 1920 e retomada, nos anos de 1970, com mais profundidade por J. Lovelock e entre nós por J. Lutzenberger, chamando-a de Gaia. Com isso se quer significar que a Terra é um gigantesco superorganismo que se autorregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo. Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante, mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições.

Todos estão lamentando o baixo crescimento mundial, especialmente nos países centrais. As razões aduzidas são múltiplas. Mas para uma visão da ecologia radical, não se deveria excluir a interpretação de que tal fato resulte de uma reação da própria Terra face à excessiva exploração pelo sistema produtivista e consumista que tomou conta do mundo. Ele levou tão longe a agressão ao sistema-Terra a ponto de, como afirmam alguns cientistas, inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno, o ser humano como uma força geológica destrutiva, acelerando a sexta extinção em massa que já há milênios está em curso. Gaia estaria se defendendo, debilitando as condições do arraigado mito de todas as sociedades atuais, inclusive a do Brasil: do crescimento, o maior possível, com consumo ilimitado.

Já em 1972 o Clube de Roma se dava conta dos limites do crescimento, este não sendo mais suportável pela Terra. Ela precisa de um ano e meio para repor o que extraímos dela num ano. Portanto, o crescimento é hostil à vida e fere a resiliência da Mãe Terra. Mas não sabemos nem queremos interpretar os sinais que ela nos dá. Queremos continuar a crescer mais e mais e, consequentemente, a consumir à tripa forra. O relatório "Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, prevê para 2012 um crescimento mundial de 4,3%. Vale dizer, vamos tirar mais riquezas da Terra, desequilibrando-a como se mostra pelo aquecimento global.

A "Avaliação Sistêmica do Milênio” realizada entre 2001 e 2005 pela ONU, ao constatar a degradação dos principais itens que sustentam a vida advertiu: ou mudamos de rota ou pomos em risco o futuro de nossa civilização.

A crise econômico-financeira de 2008 e retornada agora em 2011 refuta o mito do crescimento. Há uma cegueira generalizada que não poupa sequer os 17 Nobeis da economia, como se viu recentemente no seu encontro no lago Lindau no sul da Alemanha. À exceção de J. Stiglitz, todos eram concordes em sustentar que o marco teórico da atual economia não teve nenhuma responsabilidade pela crise atual (Página 12, B. Aires, 28/08/2011). Por isso, ingenuamente postularam seguir a mesma rota de crescimento, com correções, sem se dar conta de que estão sendo maus conselheiros.

Mas importa reconhecer um dilema de difícil solução: há regiões do planeta que precisam crescer para atender demandas de pobres, obviamente, cuidando da natureza e evitando a incorporação da cultura do consumismo; e outras regiões já superdesenvolvidas precisam ser solidárias com as pobres, controlar seu crescimento, tomar apenas o que é natural e renovável, restaurar o que devastaram e devolver mais do que retiraram para que as futuras gerações também possam viver com dignidade, junto com a comunidade de vida.

A redução atual do crescimento representaria uma reação sábia da própria Terra que nos passa este recado: "parem com a idéia tresloucada de um crescimento ilimitado, pois ele é como um câncer que vai comendo todas as células sãs; busquem o desenvolvimento humano, dos bens intangíveis que, este sim, pode crescer sem limites como o amor, o cuidado, a solidariedade, a compaixão, a criação artística e espiritual”.

Não incorro em erro na crença de que está havendo ouvidos atentos para essa mensagem e que faremos a travessia ansiada.

Entidades debatem novo Código Florestal no Senado

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) realiza audiência pública, nesta segunda-feira (31), às 9h, em Brasília, para discutir o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2011, que trata do novo Código Florestal.

Devem participar da audiência representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de povos indígenas, de quilombolas e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), além de especialistas no assunto.

Na opinião de Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, o novo código precisa garantir a conservação e o uso sustentável das florestas em todos os biomas brasileiros e tratar de forma diferenciada agricultores familiares e populações tradicionais. (AS)

Cimi desmente participação de Bispo como líder da ocupação de obras da usina de Belo Monte

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informou que o bispo da Prelazia do Xingu, Pará (PA), dom Erwin Kräutler, não está à frente da ocupação de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), como alguns meios de comunicação informaram. O Cimi também reiterou seu posicionamento sobre a ilegalidade do empreendimento de Belo Monte por violar o direito dos povos indígenas e populações tradicionais e afirmou considerar legítima a luta contra a construção da usina.

"Vimos a público comunicar que Dom Erwin encontra-se fora do país, na Áustria, desde o dia 19 de outubro. Portanto, a informação divulgada é totalmente mentirosa e tendenciosa”, declarou o Cimi em nota.

Wladimir Pomar fala sobre a luta armada

1977 - São Paulo - Wladimir Pomar, Aldo da Silva Arantes e Haroldo Borges Rodrigues Lima, durante o julgamento na Auditoria Militar.

Por Augusto Buonicore

Numa entrevista dada ao historiador Augusto Buonicore, o ex-dirigente do PCdoB Wladimir Pomar fala um pouco sobre o processo de discussão e preparação da luta armada no interior daquele partido desde sua reorganização em 1962. Wladimir foi um observador privilegiado deste processo, tendo em vista que ele compôs sua primeira comissão militar. A entrevista faz parte de um amplo projeto desenvolvido pelo Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois, visando resgatar a história dos comunistas brasileiros, especialmente durante o regime militar.

Buonicore - Dois acontecimentos parecem ter radicalizado as posições no interior do PCB em torno da necessidade da luta armada: o desenvolvimento da revolução cubana e a tentativa de golpe contra a posse de Jango em 1961. A carta dos 100, por exemplo, surge em meio desta crise política. Penso que sem isso dificilmente haveria a cisão e a reorganização de 1962. Essa percepção estaria correta?

Pomar - É preciso ir mais atrás. A radicalização dentro do PCB explode em 1956, em torno das teses do caminho pacífico, expostas por Krushov no 20º. Congresso de Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Elas foram importadas para o Brasil no momento em que aqui ocorria um novo surto de crescimento econômico, de forte penetração do capital estrangeiro e de fortalecimento econômico e político da burguesia.

Eu defendo a tese de que caímos numa armadilha, ao transformar a questão do caminho armado, ou da violência revolucionária, no centro da formulação estratégica, deixando de lado a discussão da análise de classes no Brasil, das forças e dos interesses fundamentais e do programa a ser adotado para enfrentar a nova disposição estratégica de forças. Nós impusemos uma discussão que só poderia ser resolvida no processo prático da luta de classes, e ficamos relativamente isolados, deixando que a discussão sobre as verdadeiras questões estratégicas fossem conduzidas pela direita do partido.

Assim, quando ocorreu a revolução cubana, de 1959, e a tentativa contra Jango, em 1961, a discussão em torno da luta armada já era intensa. O paradoxal é que esses acontecimentos pareceram dar razão à esquerda do partido, mas esta já havia perdido a batalha do debate estratégico. A Carta dos 100, tendo como alvo principal o Manifesto Programa de 1957, que formalizava a guinada do partido para a direita, foi apenas a expressão do direito de espernear, que serviu de pretexto para sermos expulsos.

Nessas condições, a cisão era inevitável. Da mesma forma que a fragmentação do PCB se tornou inevitável nos anos posteriores a 1964, porque o golpe militar foi também um golpe profundo na política direitista da maioria do partido. Ao naufragarem todas as ilusões, num contexto em que o direito de divergência era sempre considerado como um ato de fração ou de secessão, a fragmentação tornou-se uma tendência mortal. A questão do direito de divergência sempre foi um dos principais fatores de divisões e cisões no PCB. Na biografia do Pedro Pomar procurei dar um quadro histórico disso. Talvez este fator tenha contribuído mais para a cisão, do que o resto.

Buonicore - Você sabe como se deu o convite dos cubanos para visitar a ilha durante as comemorações de 1º de Maio de 1962? Houve alguma discussão sobre preparação de guerrilheiros quando Amazonas e Grabois estiveram na ilha?

Pomar - O convite veio no bojo das atividades para publicar no Brasil os livros do Fidel e do Che. Mas a coisa não avançou muito por causa das relações dos cubanos com os soviéticos e com o próprio PCB. Além disso, a essa altura os cubanos já estavam empenhados na difusão da teoria do foco, que embora tivesse adeptos no PCdoB, também enfrentava resistências fortes. Nessas condições, se houve alguma discussão sobre a preparação de guerrilheiros na ilha, isso talvez tenha ficado restrito à comissão executiva e jamais foi colocada no Comitê Central ou no grupo da 5ª. Tarefa. Além disso, não prosperou à medida que os cubanos se distanciaram do PCdoB e vive-versa.

Buonicore - Quando foi definida a opção pela luta armada como principal meio para substituição do regime e, de fato, se iniciaram os preparativos para realizá-la?

Pomar - Na prática, a opção e os preparativos para realizar a luta armada tiveram início logo após a reorganização, embora ainda houvesse muita dispersão e também discussão sobre o assunto. Internamente, nós tínhamos quem defendia focos urbanos, focos rurais, guerra popular, insurreição urbana e insurreição rural. Havia também um debate mais profundo sobre a necessidade de ter base política como condição preliminar ou de começar a luta armada como condição para desenvolver a luta política. Num primeiro momento, acabou sendo definido que a luta pela construção partidária seria a 1ª. Tarefa, enquanto a preparação da luta armada foi colocada como 5ª. Tarefa.

Buonicore - Quando foi formado o grupo especial destinado a preparar a luta armada ou a 5ª tarefa? Quem fazia parte dele?

Pomar - O grupo especial para preparar a luta armada foi constituído em 1963. Dele faziam parte o Pomar, Arroyo, Danielli, Dyneas e Wladimir. Porém, já no início de 1964, ocorreram mudanças nessa composição, tendo em vista a ida do Grabois chefiando o primeiro grupo de futuros guerrilheiros para treinamento na China. Na prática, a comissão executiva assumiu a centralização da 5ª. Tarefa, e os membros do grupo que não faziam parte dela passaram a tratar apenas das áreas sobre as quais tinham responsabilidade, embora de vez em quando se reunissem com os membros da executiva.

Buonicore - O grupo encarregado da 5ª tarefa também estudava as experiências revolucionárias brasileiras do passado? Como era isso?

Pomar - Isso era feito de forma dispersa e não como plano organizado, embora houvesse muita troca de informações. As experiências dos Cabanos (Pará e Alagoas), Balaios (Maranhão e Piauí), Canudos (Bahia), Contestado (Paraná-Santa Catarina), Pau de Colher (Ceará), Porecatu (Paraná) e Trombas-Formoso (Goiás) foram as mais estudadas. Havia muito interesse, também, pelas experiências cubana, vietnamita e chinesa, sobre as quais havia alguma literatura no Brasil.

Buonicore - Quando ou em qual documento foi definido que a luta armada seria a 5ª tarefa? Não encontrei nenhuma referência sobre isso. No documento “União dos patriotas” (1966), por exemplo, a “propaganda e preparação da luta armada” estão em sétimo lugar entre as tarefas elencadas.

Pomar - A definição da preparação da luta armada como 5ª Tarefa não fazia parte de qualquer documento. Ela vinha sendo tocada como uma decisão interna e secreta da comissão executiva, sem levar muito em conta o que o conjunto do partido pensava a respeito. No processo de elaboração do documento para a conferência nacional de 1966, vieram à tona tanto as concepções que queriam partir imediatamente para atos revolucionários (que desembocaram na organização da Ala Vermelha logo após a conferência), quanto as que achavam que o partido deveria ter uma tática ampla na luta contra a ditadura (propostas de assembléia constituinte, união dos patriotas etc.), criar uma base política sólida nas cidades e nos campos, dar atenção à classe operária industrial etc. Nessas condições, a propaganda e preparação da luta armada foi elencada em 7º lugar, o que foi lido, pelos que queriam luta armada já, como um abandono da tarefa.

Buonicore - Como foi a discussão no interior do Partido? Alguém se posicionou contra o início da preparação da luta armada? Qual era a opinião majoritária no interior do Partido?

Pomar - A maioria do partido achava que não havia outro caminho para derrotar a ditadura. As divergências não residiam aí. As divergências eram múltiplas. A primeira e que causou a o primeiro racha sério foi sobre começar imediatamente ou preparar-se mais. Começar imediatamente era o mesmo que disputar com as diversas facções que haviam rachado o PCB depois do golpe de 1964 a primazia das ações armadas urbanas, incluindo assaltos a bancos, assaltos a quartéis para a apreensão de armas etc. Havia um senso comum entre os adeptos dessas correntes de que a situação política estava madura para a luta armada e quem saísse primeiro assumiria a hegemonia. Embora a saída da Ala Vermelha tenha resolvido a divergência em torno de sair ou não imediatamente, isso não superou a idéia de que a situação estava madura. A maioria continuava achando que a situação estava madura, mas que era preciso preparar-se melhor. Esse preparar-se melhor dividia-se entre os que achavam que era preciso concentrar no campo e os que achavam que se devia dar atenção prioritária também à classe operária e às massas urbanas. Também dividia-se entre os que achavam que a preparação prioritária era a militar e os que achavam que o preliminar era construir organizações partidárias fortes e ligadas às massas. Ou seja, fazer a preparação política como prioritária. Dividia-se ainda entre os que achavam que o cenário geográfico jogava papel fundamental (florestas e serras) e os que achavam que o cenário social é que devia receber tratamento prioritário. Talvez essas fossem as divergências principais. Posso falar delas de cátedra porque até 1968 eu comungava a idéia de que o campo, a preparação militar e o cenário geográfico eram prioridades. Só mudei de opinião quando participei da luta concreta dos posseiros no norte de Goiás e me dei conta de que essas concepções se chocavam contra a realidade.

Buonicore - Você conheceu Calil Chade e Walter Martins? Você sabe porque eles se afastaram do Partido depois do golpe?

Pomar - Conheci o Calil Chade desde 1954. Ele era um dos principais dirigentes do PCB em São Paulo e se tornou depois membro da executiva nacional. Participou da Carta dos 100 e do processo de reorganização do PCdoB. Em 1964, antes do golpe, ele já estava doente e a prisão dele abalou ainda mais seu estado de saúde. Ele também achava que a linha prática de preparação armada não era a mais correta e isso deve ter contribuído, junto com a doença, para ele se afastar.

Buonicore - Num artigo recente você afirmou que os primeiros treinamentos militares com militantes do PCdoB no Rio de Janeiro ocorreram ainda em 1962, na serra do Mendanha. Do que consistiam esses treinamentos? Quais militantes participavam deles e quem era o comandante do grupo?

Pomar - Os treinamentos podem ser catalogados como “sobrevivência na selva”. Dos que participaram lembro-me apenas do italianinho, que morreu no Araguaia (Líbero Giancarlo Castiglia) e do Anaximandro Rattes, que foi preso comigo na Bahia (Iaçu), logo depois do golpe, em 1964, e depois de afastou. Os demais, que somavam uns 8 conosco, não recordo os nomes.

Buonicore - Você também se referiu a uma primeira tentativa de implantação do PCdoB no campo. Ela teria ocorrido em Itaberaba e Iaçu na Chapada Diamantina (Bahia). Isso foi antes do golpe militar? Como se deu esse processo? Quem dele participou e por qual razão foi desarticulado?

Pomar - Eu trabalhei como engenheiro da GE na implantação das locomotivas diesel-elétricas na Leste Brasileira, entre 1962 e 1964. O depósito (isto é, as oficinas de manutenção e reparo) dessas locomotivas era localizado em Iaçu, um entroncamento da ferrovia às margens do Rio Paraguaçu, não muito longe de Itaberaba. Iaçu também não ficava longe da Chapada Diamantina, que começamos a estudar como um dos possíveis cenários favoráveis. Em vista disso, foi deslocado para lá o Sebastião (esqueço o sobrenome), um técnico eletricista que havia militado comigo na CSN-Volta Redonda, o Osvaldo Costa (Osvaldão) e o Italianinho (Libero Giancarlo Castiglia). O Sebastião ficou em Iaçu, mas o Osvaldo e o Italianinho foram para um sítio nas encostas da Chapada. Um grupo do partido em Salvador (uns 5) também começou a ser preparado para participar desse processo de implantação no interior. Isso não teve prosseguimento porque o Osvaldo e o Italianinho (Libero Giancarlo Castiglia) foram convocados para a preparação na China e porque a executiva decidiu que a região não era favorável.

Buonicore - Logo após o golpe militar, você fala da tentativa de resistência ocorrida naquela região. Conte um pouco como foi esse episódio?

Pomar. Na verdade, nós tentamos organizar uma resistência contra o golpe militar, mobilizando ferroviários e deslocando alguns companheiros de Salvador. No processo de mobilização, o engenheiro da Leste responsável pelas oficinas nos denunciou à polícia, que conseguiu prender o pessoal que estava se deslocando de Salvador. Alguns de nós nos refugiamos num morro próximo, em plena caatinga, e chegamos a trocar tiros com os destacamentos da Polícia Militar. Quando soubemos das quedas, tentamos realizar uma retirada, mas acabamos sendo presos ao tentar obter alimentos e água.

Buonicore - Logo após o golpe militar, um grupo de comunistas no Rio Grande do Sul rompe com o partido, aderiu ao brizolismo radicalizado e partiu para a luta armada. Uns participaram da intentona do Coronel Cardim e outros de Caparaó. Entre esses militantes estavam Adamastor Bonilha, que havia sido eleito para o Comitê Central em 1962, Gregório Mendonça, Paulo Mello. Você sabe alguma coisa sobre essas cisões gaúchas? Ocorreram em outros lugar naqueles primeiros anos?

Pomar - A essa altura, as informações já eram muito estanques, a maior parte ficando no âmbito da Comissão Executiva. Portanto, tirando o que veio a público posteriormente, não teria outras informações a respeito. A única dúvida é o nome Paulo Mello, que parece ter ido para o Araguaia.

Buonicore - Quando e como surgiu a proposta da ida de um grupo de comunistas brasileiros para um curso político-militar na China no final de março de 1964? Como foi definido os nomes? Em algum momento chegou a ser cogitado seu nome, como membro da comissão responsável pela 5ª tarefa?

Pomar - As decisões ocorreram no âmbito da Comissão Executiva e nunca perguntei se meu nome foi cogitado. De qualquer modo, não teria tido condições de ir, porque tinha uma vida legal e profissional que me permitia ser mais útil aqui.

Buonicore - Por que os treinamentos terminam abruptamente em 1966 com a terceira turma? Teve algo a ver com o racha e as prisões do pessoal da Ala Vermelha? Coincidentemente, depois desse ano, seria o pessoal da AP que passaria fazer o mesmo curso na China.

Pomar - A essa altura, as decisões haviam se concentrado ainda mais na Comissão Executiva. Quanto a mim, estava num dispositivo em Goiás, do qual participavam o Orlando Momente e outro que tinha feito curso na China, e já tinha virado uma pedra no sapato, começando a questionar o que considerava tendências militaristas. Num quadro como esse, a maior parte das informações já não passavam por mim.

Buonicore - O que você sabe sobre a participação do PCdoB no movimento dos sargentos em 1963? Dynéas, que estava lá, afirmou que apenas o Partido, embora pequeno, participou ativamente e, inclusive, mobilizou os ex-integrantes da Ligas Camponesas de Goiás.

Pomar - A informação do Dynéas é correta, mas não tenho os detalhes.

Buonicore - Um fato pouco conhecido foi o assalto ao tiro de guerra de Anápolis, ocorrido em 15 de novembro de 1964. Ele ocorreu em plena crise que levaria a destituição do governador Mauro Borges. Várias pessoas afirmaram que Ângelo Arroyo comandou a ação. O fato é que essa atividade, na época, na foi relacionada com o PCdoB. O que você sabe desse episódio? Foi discutido no Comitê Central ou foi uma atitude isolada de Arroyo?

Pomar - Essa decisão não foi adotada no Comitê Central, nem discutida posteriormente. Mas não acredito que o Arroyo tenha tomado uma atitude isolada. O Arroyo era extremamente disciplinado e não tinha o hábito de tomar decisões sem consultar um coletivo. A decisão pode ter sido da Comissão Executiva, ou de uma parte dela. De qualquer modo, em 1966, durante as quedas em Uruaçu, tivemos que ir buscar essas armas naquela região e levar para Santa Terezinha do Crixás. Foram mais de 30 horas de jeep, sem dormir, por estradas vicinais e pontilhões de toras. Inesquecível. Foi a primeira vez na vida que me vi, no raiar do dia, frente a frente com uma ema enorme de uma agilidade indescritível.

Buonicore - Quando foi assumida definitivamente as teses chinesas da guerra popular prolongada? Houve resistências internas a essa tese? Alguém defendia a via cubana?

Pomar - Eu conto isso em detalhes na biografia do Pedro. Em tese, ninguém mais defendia a via cubana. Em tese, também, ninguém defendia as teses chinesas, mas apenas a utilização de alguns princípios das guerras populares chinesa e vietnamita. Em teses, as cidades deveriam jogar um papel fundamental no processo da “nossa” guerra popular. O problema foi a prática, o critério decisivo da verdade.

Buonicore - Você chegou a participar do processo de incorporação do pessoal do Comitê Regional dos Marítimos (1965) ou do pessoal da maioria revolucionária da Guanabara? Como foram esses processos?

Pomar - Não, não participei do processo. Apenas participei das discussões a respeito no CC. Na ocasião me coloquei contra a incorporação do Jover Telles na Comissão Executiva, por que tinha tido conhecimento da discussão dele com os chineses a respeito das relações destes com o PCdoB. Mas perdi, lógico.

Buonicore - Em 1965, Vitória Grabóis e seu marido Gilberto Olimpio Maria foram para município de Guiratinga, próximo de Rondonópolis no oeste de Mato Grosso. Antes do final do ano foram, desmobilizaram e voltaram para São Paulo. Você soube desse fato?

Pomar - É possível que isso tenha ocorrido em 1965, mas não foi do meu conhecimento. Mas tarde, já em 1966-67, soube que eles haviam sido enviados para a região de Estreito-Imperatriz (na época, Goiás e Maranhão), já no curso de localização no entorno do sul do Pará. Depois, só tive notícias do Gilberto já como membro da comissão militar da região do Araguaia.

Buonicore - No mesmo ano, em 1965, pelo menos dois grupos de comunistas foram enviados ao interior de Goiás. Um ficou em Santa Teresinha e outro em Uruaçu. Você estava no primeiro grupo. Qual era o objetivo dessa operação? Quem estava com você na região? O que você sabe sobre Tagore Maia?

Pomar - Santa Terezinha fica na região do São Patrício-Ceres, no centro do então Goiás. Era uma forma de aproximação de “áreas favoráveis”, tomadas principalmente como áreas de matas e serras. Comigo estavam o Orlando Momente e mais dois outros companheiros que depois se desligaram do trabalho. Mais adiante, acabamos nos encontrando com o Tagore e o Dynéas, que estavam separados em outras localidades da região (Crixás e Itapaci). O Tagore, mais adiante, teve que ser desligado do trabalho por questões de saúde. Teve um câncer no rosto que o matou.

Buonicore - (Em Uruaçu estavam o jornalista Armando Gimenez, que era o líder do grupo, o jovem Paulo Marcomini, o técnico de rádio Jonas Grisoto e um camponês vindo do nordeste, do qual ainda não sabemos o nome. Mas, no dia 1º de maio, Armando e Paulo foram presos pela Polícia Federal numa operação para pegar José Porfírio. Paulo Marcomini, depois de solto, e Jonas Grisoto vão para a China).

Pomar - O grupo liderado pelo Gimenez caiu em Uruaçu, principalmente porque não montou uma boa cobertura econômica e social que justificasse a presença deles. Foi a queda deles que nos obrigou a ir buscar os rifles que estavam na área rural de Uruaçu e corriam o risco de ser descobertos.

Buonicore - Você conheceu Armando Gimenez e Jonas Grisoto de Piracicaba? Eles eram ligados ao Pedro Pomar?

Pomar - Tive apenas um contato rápido com o Gimenez. Nessa época, o responsável pelo trabalho militar em Goiás era Pedro Pomar. Todos os que fomos para a região do São Patrício e, depois, para Colinas, ainda estávamos sob a orientação do Pedro. As mudanças na Comissão Militar ocorreram logo depois.

Buonicore - Quando e como você recebeu a notícia da queda do pessoal de Uruaçu? Qual foi sua atitude do grupo que estava com você?

Pomar - A notícia da queda do pessoal de Uruaçu nos foi transmitida pelo Arroyo, que passara a ser nosso contato com a Comissão Militar. E foi ele que nos deu a incumbência de recolher os fuzis que estavam guardados na mesma região, embora não fossem de conhecimento do pessoal que estava com o Gimenez. As armas foram levada e guardadas em Santa Terezinha.

Buonicore - Depois da queda no esquema de Santa Terezinha/Uruaçu você foi para a região de Colinas, mais ao norte do Estado. Qual era a nova missão e quem, dessa vez, foi com você?

Pomar - Não houve queda do esquema Santa Terezinha/Uruaçu. Santa Terezinha continuou segura. A mudança do grupo de Santa Terezinha para Colinas, hoje parte do estado de Tocantins, ocorreu em função da orientação de concentrar os grupos na região do Bico do Papagaio e sul do Pará. Do grupo antigo, apenas o Orlando Momente continuou. Por outro lado, o (José Piahuí) Dourado se incorporou ao grupo, e passei a ter contato com o Osvaldo, que se localizou no sul do Pará.

Buonicore - Ao contrário do que houve em Crixás, ali ocorreu choques entre posseiros e grileiros. Qual a posição dos militantes do Partido na área? Quem eram esses militantes? Qual era o dirigente responsável pelo trabalho na região?

Pomar - Os militantes do Partido na área, segundo nosso conhecimento, éramos apenas nós, que também éramos posseiros. Nossa decisão, apesar de todas as orientações de não se meter em disputas que nos colocassem em risco, foi participar da defesa junto com os demais posseiros, mas sem tentar assumir qualquer processo de direção. O responsável era eu, e acho que passamos incólumes por esse teste, apesar das críticas pesadas recebidas posteriormente.

Buonicore - Você disse que a comissão da 5ª tarefa sofreu uma modificação em 1965, após o fracasso da resistência na Bahia e, possivelmente, em Goiás. Quais foram as mudanças?

Pomar - Como uma das mudanças foi a minha exclusão, fiquei relativamente por fora dos detalhes. Mas o Pedro foi substituído, enquanto o Amazonas e o Grabois assumiram a direção da Comissão Militar, juntamente com o Arroyo.

Buonicore - Quais foram as áreas escolhidas para estudo sobre a possibilidade de montagem da guerrilha rural? Quem eram os responsáveis por elas?

Pomar - Em 1968, após a decisão sobre a Guerra Popular, recebemos ordens de nos deslocar para o sul do Pará, indicando que essa área era a que havia sido escolhida como área central. A própria Comissão Militar se instalou lá, embora em grupos diferentes.

Buonicore - Quando e quais as razões que levam você a sair do norte de Goiás e ir para o sudoeste do Ceará? Ali, parece, as coisas foram diferentes, pois havia partido organizado. Como foi esse processo? Quem do partido estava na região?

Pomar - Eu me neguei a ir para o sul do Pará e me insurgi contra um tipo de preparação que, na minha opinião, se contrapunha ao que havia sido aprovado pelo Comitê Central. Nessas condições, fui completamente afastado de qualquer atividade e inclusive ameaçado de expulsão, alguns insinuando que eu, na verdade, estava desertando da luta.

Mas as quedas sucessivas de outros quadros do Comitê Central levaram a Comissão Executiva a me propor a ida para o Ceará, de modo a preparar uma área secundária para a guerrilha. A discussão sobre isso foi pesada, porque voltei a reafirmar que não faria o mesmo tipo de preparação da área central, e que tomaria como centro do trabalho a atividade de organização dos camponeses e de construção do Partido, como condição básica para qualquer ação militar. E também exigi que minha condição de membro do CC fosse resguardada, para garantir o mínimo de segurança, e que o trabalho na área respondesse diretamente à Comissão Executiva e não ao Comitê Regional, em cuja direção estava o Zé Duarte.

Essas condições acabaram sendo aceitas. Até então não havia partido organizado na região de Crateús, ou sudoeste do CE. Havia apenas dois ou três companheiros laços, cuja militância era muito dispersa, mas havia um trabalho muito interessante de comunidades de base da Igreja e relações estreitas com lideranças camponesas. O CR destacou mais dois companheiros para irem comigo e se sentiu no direito de ter algum controle sobre o trabalho lá.

Esse trabalho teve inicio no período da seca de 1969/70, o que permitiu ao pequeno grupo do Partido adotar uma tática que deu certo na relação com os camponeses e com muitos quadros da Igreja e nos permitiu, num período de um ano ou um pouco mais, chegar a ter bases do partido em quase todos os municípios da área e chegar a cerca de 160 militantes, com certa segurança.

No entanto, à medida que a Comissão Militar pendia para o início da luta armada no Araguaia, mais ela pressionou para que nos preparássemos militarmente e procurássemos desenvolver ações de propaganda armada. O acordo inicial foi rompido e eles colocaram o Comitê Regional para realizar a mesma pressão.

Quando realizamos uma conferência do Partido na área, o Zé Duarte e o Zecão (Sérgio Miranda) participaram como representantes do Comitê Regional, e o Zé Duarte não só pressionou no sentido das ações armadas, como abriu a minha condição de membro do Comitê Central. Ou seja, não só estimulou à aventura alguns companheiros que achavam mais importante dar tiros do que construir uma base política sólida, como quebrou uma importante regra da clandestinidade. O resultado foi nova crise nas relações comigo e a exigência que eu abandonasse o Comitê da área de Crateús.

Assim, quando a luta armada no Araguaia foi desencadeada, logo depois, eu não estava mais naquela área. Infelizmente, os acontecimentos se atropelaram, com novas quedas, e mais uma vez, apesar das discrepâncias, fui chamado para mediar uma parte das negociações para o ingresso da Ação Popular (AP) no Partido e, logo depois, para assumir o trabalho de reorganização do pessoal da AP disperso no Nordeste. Eles tinham alguns quadros no sul do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Maranhão e a idéia era deslocá-los para o Maranhão, na perspectiva de construir alguma base de apoio ao Araguaia.

Foi durante esse trabalho de re-costurar dirigentes e militantes da AP que tivemos notícia, no primeiro trimestre de 1974, que a luta no Araguaia havia recebido um golpe mortal, em dezembro de 1973, e que precisávamos apressar o trabalho no Maranhão, na perspectiva de salvar alguns camaradas que houvessem escapado da chacina. No entanto, por falhas na segurança do trabalho, alguns companheiros da Paraíba foram presos, levando à queda de uma série de outros já localizados no Maranhão. Ainda consegui enviar um aviso para o Ruy Frazão, que estava em Juazeiro da Bahia, mas ele parece não haver acreditado que corria perigo e não fez a retirada que o momento exigia, sendo preso em Petrolina e assassinado.

Buonicore - Como receberam a notícia da eclosão da luta armada no Araguaia? O que isso afetou no trabalho partidário entre os camponeses cearenses?

Pomar - A notícia da eclosão da luta armada deixou muitos companheiros alvoroçados com a perspectiva revolucionária. Minha opinião de que estávamos cometendo um erro estratégico foi expressa apenas na reunião tensa com a Comissão Executiva, após minha saída de Colinas. Eu não tinha direito, porém, de expressar tal opinião para o pessoal da AP com o qual estava iniciando os contatos, e não a expressei. Naquele momento eu torci para estar errado.

Buonicore - Qual foi o motivo das divergências com José Duarte, então o dirigente do Comitê Central que acompanhava o Estado? A polêmica era em torno da possibilidade de iniciar a luta armada no interior do Ceara após a eclosão da Guerrilha do Araguaia?

Pomar - Relatei acima a síntese das divergências. A possibilidade de iniciar a luta armada no interior do Ceará era tão fora da realidade, que o próprio Duarte não acreditava nela. Mais tarde, após a anistia, ele se desculpou pelas atitudes na ocasião, mas já era tarde demais. Todo o trabalho que havíamos apenas começado praticamente se perdeu.

Buonicore - Você já era do Comitê Central? Quando você entrou nesse órgão?

Pomar - Eu entrei no CC durante a Conferência Nacional de 1966.

Buonicore - Depois que você saiu do Ceará ainda se envolveu numa operação de resgate do pessoal do Araguaia junto com o pessoal que era da AP. Do que consistiu essa operação?

Pomar - Como disse acima, essa operação foi desmontada pela repressão. Depois disso, ainda em 1974, fui enviado para o Pará, junto com outros 6 companheiros, na perspectiva de montar a mesma operação que começáramos a fazer no MA. Mantivemos algumas bases partidárias que não haviam caído no Maranhão e chegamos a estabelecer umas pequenas bases de trabalho partidário no Xingu, Santarém, Abaetetuba e na zona Bragantina. Minha queda em 1976, durante a reunião do Comitê Central, na Lapa, me desligou totalmente desse trabalho. O DOI não conseguiu comprovar que eu estava no Pará, nem colocar em risco esse trabalho.

OAB recorrerá de estatização da Fundação Sarney

A seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu na noite de quinta-feira, 27, entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade contra o projeto de lei que estatiza a Fundação José Sarney. A proposta havia sido aprovada pelos deputados estaduais maranhenses no dia 19.

A decisão foi tomada em uma longa e concorrida reunião de conselheiros e só confirmou a avaliação que o presidente da seccional estadual, Mario Macieira, já havia apontado quando o projeto foi aprovado na Assembleia maranhense. “Aparentemente, essa lei é inconstitucional”, disse ele duas horas depois da aprovação da estatização da Fundação José Sarney.

Na sessão, votaram 22 dos 31 conselheiros estaduais da Ordem: foram 15 votos pela representação e 7 contra, entre eles o de um membro que também integra o conselho deliberativo da fundação.

A votação começou com o relator do caso, Rodrigo Lago, que é presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB maranhense, apontando uma série de incompatibilidades com as Constituições estadual e federal. Entre os indicadores de inconstitucionalidade apontados pelo advogado está o fato de que o projeto fere o princípio da impessoalidade do bem público, da moralidade e da eletividade, além da alienação de bens efetivada, o que fere o princípio da licitação.

Ainda não há uma data para o encaminhamento da ação ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas deve ocorrer já na semana que vem. Até o fechamento desta edição, o governo do Maranhão não havia se manifestado sobre a decisão tomada pela seccional da OAB. Na semana passada, porém, tinha defendido em nota a constitucionalidade do projeto. (AE)


 
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