sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Por que o drama das chuvas se repete em Santa Catarina?

Parece um manual não escrito, se é que algum funcionário dedicado já não colocou o script no papel e o arquivou como receita de maquiagem para disfarçar a absoluta incapacidade do Estado brasileiro em evitar que fenômenos naturais virem catástrofes humanas.

Funciona assim: quando a primeira encosta vem abaixo, quando as primeiras casas são tomadas pelas águas, quando famílias perdem tudo o que tinham no intervalo de um temporal e corpos sem vida começam a ser retirados da lama, os políticos apelam para o discurso da fatalidade, da inevitabilidade do desastre, da impotência do homem ante a força imprevisível da natureza.

“Se alguém duvida que o mundo está passando por mudanças climáticas devido ao aquecimento global, que venha a Santa Catarina e veja as cidades tomadas pelas águas”, disse em 2008 o então governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, quando o registro dos mortos em função das chuvas no estado ainda estava em um terço da contagem final.

Mesmo quando já se tinha conhecimento da real dimensão da tragédia catarinense daquele ano, o então presidente Lula, falando sobre alhos, discorreu sobre bugalhos: “Até agora muitos países desenvolvidos não fazem o cumprimento do seu dever para que seja aceito o protocolo de Kyoto”.

Quase 2.000 inundações desde 1980
Até mesmo especialistas, mais atentos aos holofotes do que ao rigor científico — e desmentidos por outros especialistas depois –, apressaram-se a engrossar o coro do “pouco se podia fazer”, como se fosse um terremoto ou furacão inesperado e avassalador o que se abateu sobre Santa Catarina em 2008, e não mais um período de alto índice pluviométrico, algo tão comum no estado.

Só na história recente os catarinenses sofreram com grandes enchentes em pelo menos outras quatro ocasiões antes de 2008: 1983 (197.790 desabrigados e 49 mortos), 1984 (155.200 desabrigados e 2 mortos), 1992 (144.419 desabrigados e 16 mortos) e 1995 (28.625 desabrigados e 40 mortos).

Na semana passada a população de Santa Catarina voltou a sofrer com inundações que afetaram quase um milhão de cidadãos, dos quais 159 mil ficaram desalojados e 15 mil ficaram desabrigados. Três pessoas morreram — e o verão nem começou.

Entre 1980 e 2007, ou seja, no período imediatamente anterior à tragédia de 2008, ocorreram 1.229 inundações graduais e 701 inundações bruscas no estado, segundo dados levantados pela professora Maria Lúcia de Paula Herrmann, coordenadora do Núcleo de Estudos de Desastres Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina.

‘Minha filha, então morra! Morra!’

Em entrevista publicada na Folha de S.Paulo em dezembro de 2008, a professora Maria Lúcia disse que, especificamente quanto aos deslizamentos de terra, o que acontece em Santa Catarina é a combinação de uma alteração geológica de 4 milhões de anos nas serras do estado que resulta em uma espécie de “solo podre” com a expansão desordenada das cidades em direção às encostas.

E por certo não é o aquecimento global o responsável por “anti-políticas públicas” em vigor há décadas em todo o Brasil que resultam na expulsão da população mais pobre da terra firme, seja para a beira dos rios, seja para o alto dos morros.

São exemplos disso o sucateamento da malha de transportes das regiões metropolitanas, o êxodo de famílias das terras rurais para dar espaço à expansão do agronegócio e até a sanha de reintegrações de posse de prédios abandonados ocupados por famílias de trabalhadores, isso sem falar de sucessivas políticas habitacionais de matriz eleitoreira e projetos de urbanização de comunidades pobres que priorizam mais o embelezamento e a maquiagem e menos — muito menos — a contenção de encostas.

Diante de tudo isso, as autoridades por vezes perdem a compostura quando a realidade cobra a conta. Quem não se lembra da solução apresentada no início deste ano pelo prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, à moradora de uma comunidade onde duas crianças haviam acabado de morrer soterradas? Amazonino visitou o local e disse às pessoas que elas não deveriam construir casas “onde não devem”. A mulher retrucou, dizendo o óbvio: “a gente está aqui, porque não tem condição de ter uma moradia digna”, no que o ex-prefeito respondeu: “Minha filha, então morra! Morra!”. (ON)

Caro leitor,

Você acha que os recorrentes problemas em Santa Catarina com enchentes e deslizamentos está mais para tragédia natural ou para descaso social?

Você acha que o aquecimento global absolve os governantes da responsabilidade pelas tragédias que se repetem?

Depois do morro do Bumba, Angra dos Reis e Nova Friburgo, você acredita que haverá outra catástrofe no Brasil em função das chuvas no próximo verão?

Mais de 800 mil crianças já receberam a vacina contra o sarampo no Paraná

Curitiba – No Paraná, já foram vacinadas contra o sarampo 808 mil crianças com idade entre 1 e 7 anos. A meta da Secretaria de Saúde para a campanha, que se encerra hoje (16), é imunizar aproximadamente 880 mil crianças em todo o estado. São mais de 2,4 mil pontos de vacinação em todo o Paraná.

Curitiba, que já atingiu a meta estabelecida pelo Ministério da Saúde, conseguiu vacinar até agora 96,4% do público-alvo (128.106 crianças). A Secretaria Municipal da Saúde apela aos pais para que levem as crianças que não foram imunizadas a uma das 110 unidades básicas e de Saúde da Família, no horário normal de funcionamento. Os endereços das unidades podem ser conferidos no site da prefeitura www.curitiba.pr.gov.br.

A segunda etapa da campanha de vacinação contra a paralisia infantil teve início no dia 13 de agosto, em 19, entre eles o Paraná. As demais unidades federativas distribuíram a vacina na primeira fase da campanha, em junho.

A Secretaria de Saúde de Curitiba informa que a vacina contra o sarampo é oferecida nas unidades de saúde, em duas doses, independentemente da campanha. Devem tomá-la crianças que completam 12 meses e, depois, entre o quarto e o sexto ano de vida. A vacina disponível é a tríplice viral, que protege também contra a caxumba e a rubéola.

Cohapar prestigia posse do novo superintendente da Caixa Econômica para a região Noroeste

O presidente da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), Mounir Chaowiche, participou da cerimônia de posse do novo superintendente regional da Caixa Econômica Federal para a região Noroeste do Paraná, Roberto Luiz Bachmann. “Temos uma ótima parceria com a Caixa Econômica e por isso estamos aqui para reforçar ainda mais o nosso interesse em trabalharmos juntos”, destacou Chaowiche.

O presidente da Cohapar disse ainda que a parceria é o melhor caminho para dar dignidade e cidadania à população. “Vamos seguir o que o governador Beto Richa nos diz que é trabalhar sempre com a Caixa e as prefeituras para transformar a região de Maringá e todo o Estado em um canteiro de obras”.

Roberto Luiz Bachmann, novo superintendente da Caixa para a região Noroeste, estava na superintendência Norte e diz que assume o desafio com muito otimismo. “O meu antecessor, Fábio Carnelós, deixou tudo bem encaminhado e tenho certeza que faremos um bom trabalho”.

Bachmann disse ainda que trabalhar com a Cohapar é a melhor forma de levar casa própria às famílias de baixa renda. “O objetivo das duas instituições é o mesmo, que é levar dignidade e uma vida melhor àquelas pessoas que não teriam condições de obter um financiamento convencional. Confiamos no trabalho da Cohapar e na disposição do presidente Mounir para contratar ainda mais casas”.

O superintendente nacional da Caixa para a região Sul, Fábio Carnelós, afirmou que a Cohapar é a maior parceira de habitação do Brasil. “Estamos alinhados com o governo do Paraná e a Cohapar está junto conosco tratando a questão da habitação. Vamos melhorar ainda mais a vida dos paranaenses, com casa própria e de qualidade, temos certeza que juntos atingiremos a meta de atender 100 mil famílias nos próximos quatro anos”.

COISA DE LOUCA: Chris Walton entrou para o Guinness com as maiores unhas do mundo

Engenheiro cearense cria carro que usa quatro combustíveis

O cearense conhece a arte de transformar vento em energia – o estado tem o maior parque eólico do Brasil, com 105 megawatts instalados. Sol, ali, também não falta. Na terra de Expedito Parente, inventor do biodiesel, que morreu nesta semana , o povo sabe ainda a importância de pesquisar combustíveis limpos . Não é surpresa que tenha sido criado lá o "primeiro carro quadriflex do mundo", segundo Fernando Ximenes, 46 anos, inventor da tecnologia. O engenheiro apresenta o veículo na EcoEnergy, uma feira de energia verde que acontece até sábado, em São Paulo.

O modelo funciona com etanol, gasolina, energia solar e eólica (gerada pelo vento). Não é um motor híbrido. Na verdade, o motor é comum, impulsionado somente por etanol e gasolina. As fontes "alternativas" servem para dar uma ajuda a ele – algo que, no fim das contas, reduz o consumo de combustível. O painel solar no teto e as hélices de captação de vento livram o motor de produzir energia para alimentar o ar-condicionado, recarregar a bateria e outras funções. "Testei o carro por 13 mil quilômetros e vi que a economia de combustível pode chegar a 40%", explica Ximenes.

As "turbinas" de vento – provavelmente a inovação mais legal do carro – começam a funcionar quando o "quadriflex" atinge 40km/h. São duas hélices, umas de cada lado do para-choque. Isso porque, se uma delas for danificada num acidente, o outra continuaria dando conta de produzir energia. A empresa de Ximenes, chamada Gram-Eollic, trabalha no ramo da energia eólica desde 1989, com foco na montagem de casas auto-suficientes – ou "produtor independente de energia", como diz o empresário.

O logotipo (abaixo) é outro ponto curioso do veículo – cujo protótipo exibido na feira foi montado sobre a carroceria de um Uno, embora a Fiat não faça parte do projeto. O símbolo, colado na frente do carro, é o mesmo usado há anos pela Gram-Eollic. Mas, quando colocado num para-choque, fica muito parecido com o da Mercedes-Benz. Pior: parece que algo pontudo cutucou o símbolo alemão e fez com que ele tombasse de lado. "Eles não viram, ainda... Mas é capaz da Mercedes gostar", acredita Ximenes.

O engenheiro calcula ter gasto mais de R$ 100 mil na pesquisa para desenvolver o carro, feitas ao longo dos últimos dez anos. A patente, Ximenes afirma ter registrado há seis anos. O carro, em si, foi construído nos últimos oito meses. (iG)

Uma aranha gigantesca no Aterro do Flamengo

O MAM abre hoje uma exposição dedicada à obra de Louise Bourgeois, a notável artista plástica franco-americana, mais conhecida pelas suas esculturas de aranhas gigantescas, que atendem pelo nome de “maman”.

No final dos anos 90, Louise Bourgeoise começou a usar a aranha como peça central da sua arte, com estruturas em bronze de 10 m de altura e mais de 10 t de peso. No mundo existe apenas um pequeno números dessas esculturas, que são expostas nas grandes capitais.

A aranha de Louse Bourgeoise, a “maman”, é uma metáfora da maternidade, e faz referência à linha de fiação, e à proteção e alimentação dos filhotes. (JB)

Mineirão entra em greve em visita de Dilma

A contagem regressiva de mil dias para a Copa do Mundo de 2014 começa nesta sexta-feira (16) em meio à greve dos operários da reforma do estádio do Mineirão, escolhido pelo governo para receber a visita da presidente Dilma Rousseef e de autoridades da Fifa e do comitê organizador, no principal evento do dia nas cidades-sede do Mundial.

A greve no Mineirão, iniciada na quinta-feira, se soma à paralisação que dura mais de duas semanas no Maracanã, o palco principal do Mundial, e aumenta a pressão sobre os organizadores para concluir as obras exigidas para a competição, que estão atrasadas e já foram alvo de duras críticas da Fifa.

Trabalhadores da reforma do Mineirão, um dos estádios em situação mais avançada na preparação para o evento e candidato a receber a abertura do Mundial, abandonaram o trabalho pelo segundo dia consecutivo e protestaram nesta manhã pedindo aumento de salário e melhores condições de serviço.

O protesto aconteceu pouco antes da chegada de Dilma e de autoridades incluindo Pelé, o embaixador do Brasil para a Copa, para visitar o estádio.

"Se não sair a melhoria para o trabalhador o Mineirão não vai ficar pronto. A obra vai levar é dois mil anos", disse um dos grevistas em um carro de som do lado de fora do estádio.

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção de BH e Região, que não é o representante principal dos trabalhadores do Mineirão mas participou da manifestação, a paralisação aconteceu porque um acordo fechado após uma greve em junho não estaria sendo cumprido.

Naquela ocasião, as obras ficaram paradas por quase uma semana. O consórcio Minas Arena, que também será responsável por operar o novo Mineirão, disse à época que cumpre as exigências de uma convenção coletiva com os trabalhadores e que mantém "altos padrões de qualidade e segurança".

A Secretaria de Estado Extraordinária da Copa do Mundo do governo mineiro informou na quinta-feira, após o início da greve, que os operários tinham interrompido as obras apenas pela manhã e retomado à tarde, mas os operários garantiram que a greve continua enquanto não forem atendidas às exigências.

Apesar das greves, a situação geral dos estádios está mais adiantada do que obras de infraestrura para a Copa do Mundo, principalmente de mobilidade urbana e reforma e ampliação dos aeroportos --que são os principais motivos de preocupação da Fifa.

Em balanço das obras apresentado pelo governo federal esta semana em Brasília, o ministro do Esporte, Orlando Silva, disse que o problema dos estádios está "resolvido".

Nove arenas deverão ser entregues até dezembro de 2012, enquanto a arena de Manaus deverá estar pronta em meados de 2013, segundo o governo. Os estádios de São Paulo e Natal só devem ser concluídos em dezembro de 2013 ou no início de 2014, e já foram descartados da Copa das Confederações de 2013. (Reuters)

Aeroporto Afonso Pena: Por causa das obras restrição de voos começa na 2.ª

Parte das operações de pouso e decolagem do Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, será interrompida a partir da próxima segunda-feira. O cronograma de obras, que prevê o fechamento da pista de madrugada durante a semana e nos sábados e domingos nos próximos nove meses, contempla, além do recapeamento e substituição das luzes de pista, a montagem da estrutura física para receber no futuro o sistema de pouso por instrumentos ILS-3.

O primeiro passo para a instalação do aparelho, antiga reivindicação de empresários e entidades de Curitiba, foi anunciado ontem pelo diretor de Aeroportos da Infraero, João Márcio Jordão, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. O novo sistema, mais avançado que o hoje existente no terminal (ILS-2), permite que os aviões se aproximem da pista de pouso com pouca ou nenhuma visibilidade. Atualmente, em todo o país somente o Aero­porto de Cumbica, em Gua­rulhos, já possui o ILS-3 instalado.

Como parte dos preparativos para o recebimento do sistema, as obras do Afonso Pena que iniciam segunda-feira contemplarão a implantação de infraestrutura de dutos e bases metálicas para luminárias embutidas. O diretor de Aeroportos da Infraero, prevê, porém, que o ILS-3 seja instalado em São José dos Pinhais somente em 2013. O prazo foi estipulado levando em conta também o período de adaptação para as companhias aéreas, cujas aeronaves precisam ter o sistema para o correto funcionamento do equipamento. Além disso, os pilotos terão de passar por capacitação para operá-lo.

“Já deixaremos a estrutura preparada para receber o ILS-3 daqui a dois anos. Colocar o equi­­pamento é uma obrigação nossa, mas que precisa ser compartilhada com as companhias”, afirmou Jordão. Segun­do a Infraero, as empresas já fo­­ram notificadas oficialmente do plano para instalar o ILS-3 no Afonso Pena. Entretanto, elas não são obrigadas a operar por meio do sistema já em 2013.

Agendamento

As obras na pista do Afonso Pena devem prosseguir até junho de 2012. A pista ficará fechada de segunda-feira a sábado, da 0h15 às 6h15, e das 20h15 de sábado até 12h15 de domingo. Durante feriados e festas de fim de ano, as intervenções na pista serão suspensas e os voos ocorrerão normalmente nesses horários.

O remanejamento das passagens já compradas para esse período ficou a cargo das companhias aéreas. A recomendação da Infraero é que os passageiros contatem as empresas com antecedência para confirmar os novos horários e diminuir os transtornos. Dentro do saguão do aeroporto, mensagens reforçarão os horários de interrupção em painéis.

Londrina

O Aeroporto Governador José Richa, em Londrina, no Norte do Paraná, também está tendo parte dos voos interrompidos devido a obras na pista, desde a última segunda-feira. As intervenções ocorrem da meia-noite às 6 horas nos dias de semana e das 19 horas de sábado às 11 horas de domingo. A previsão é que as obras fiquem prontas até março do ano que vem.

A Infraero não informou o total de voos afetados pelas obras nos dois aeroportos, alegando que as companhias aéreas ainda estão mandando propostas de remanejamento das viagens. (GP)

Líbia: A visita dos conquistadores

Com a arrogância de conquistadores em território ocupado, que lembra a visita de Hitler à França, em 23 de junho de 1940, Cameron e Sarkozy estiveram ontem na Líbia. Há alguns meses, eles, com a cumplicidade de Obama e a genuflexão da ONU, lideraram a Otan nos ataques aéreos ao país. Kadafi é tudo o que dizem dele. Megalômano, teria ordenado o atentado contra um avião de passageiros, que explodiu sobre Lockerbie, na Escócia, e matou 270 pessoas, em 1988, além de governar o seu povo com mão pesada.

Kadafi não é inocente. Mas é um erro não admitir que ele usou dos recursos naturais do país, por ele nacionalizados, a fim de dar relativo bem-estar a seus compatriotas. Não só assegurou a assistência gratuita à saúde, em qualquer caso, como garantiu a educação de todos, incluída a universidade. Aceitar esse fato é importante, a fim de pesar as consequências históricas da intervenção militar estrangeira, ainda em curso.

É quase certo que Kadafi não disporá de tempo nem de espaço para uma resistência duradoura e efetiva. É sem embargo prudente considerar que o vasto território líbio, que se estende pelo amplo deserto ao sul, foi apenas tocado, em seu litoral, pela supremacia dos meios bélicos estrangeiros. Se Kadafi se encontra sob a proteção de chefes tribais, encontrá-lo nos areais do Saara será mais difícil do que localizar uma agulha no palheiro. Ele, que é ainda relativamente moço, terá condições — se contar com essa proteção política atávica — de iniciar operações de guerrilha contra os seus sucessores, com resultados imprevisíveis.

Neste momento, e apenas neste momento, Sarkozy e Cameron se sentem vitoriosos. Posam de condôminos dos Estados Unidos na aspiração imperial e creem que podem, em pouco tempo, liderar nova repartição colonial da África, como a ocorrida em Berlim, em 1884/85. Naquele tempo, a China estava de joelhos, a Rússia mergulhada no desatino dos Romanov, e os Estados Unidos mal iniciavam o seu projeto de expansão mundial.

Com isso, Sarkozy e Cameron acreditam também injetar um pouco de oxigênio em seus países, que passam por crise econômica, política e financeira grave, em decorrência da subordinação de seus governos aos interesses dos grandes bancos europeus. Mas, como nos belos versos de Cazuza, o tempo não para, e o futuro costuma repetir o passado.

Os dois líderes, com seu sorriso, que tudo indica ser provisório, estão felizes. Lideraram uma coalizão que tinha como propósito salvar vidas inocentes no confronto entre rebeldes e o governo — e fizeram, com sua intromissão nos assuntos internos de um país até então soberano, mais de 20 mil mortos. Para defender os direitos humanos, eliminaram os titulares de tais direitos que anunciavam garantir. Se não se tivessem envolvido no conflito, provavelmente não haveria tantos mortos, mas não poderiam, agora, reivindicar a repartição do petróleo líbio — antes que possam repartir também o fosfato e outros minerais. Daí sua equivocada alegria.

O artigo 2º da Carta das Nações Unidas estabelece que as relações entre os países devem obedecer aos princípios da igualdade de direitos e de respeito à autodeterminação dos povos. O bom-senso, mais do que até mesmo os compromissos éticos — se os houvesse nas relações internacionais — recomendaria a não intervenção nos assuntos internos das comunidades políticas soberanas, qualquer que fosse o pretexto. Isso não ocorre. A não intervenção é uma retórica da hipocrisia, que tem sido violada sempre que é de interesse das nações mais bem armadas. Não há só hipocrisia, mas sobra o cinismo, como no caso líbio: para “proteger” os presumidos direitos humanos violados, as armas dos interventores mataram milhares de inocentes — e ainda mantêm o discurso que, com os resultados sabidos, passa a ser abjeto.

É da elementar compreensão da Realpolitik que uma rebelião armada contra qualquer governo seja reprimida pelo poder constituído. O governo de Kadafi era legitimado pelo consentimento dos líbios. Se eles se rebelaram contra esse poder, e se Kadafi reagiu com suas Forças Armadas, o conflito deveria ter sido resolvido sem qualquer intervenção externa. Provavelmente, o descontentamento contra Kadafi e o seu desgaste pela longa permanência no governo absolutista levassem os rebeldes à vitória, que seria legítima. E esses rebeldes, sem qualquer intervenção externa, reorganizariam, como bem entendessem, sua sociedadepolítica. No momento em que sua aparente vitória se deve a forças externas, ela é frágil e pode ser provisória.

Cameron e Sarkozy, de acordo com alguns observadores, estiveram na Líbia a fim de contrapor-se à presença e provável influência de Erdogan no país. Ninguém sabe, exatamente, o que os membros do instável Comitê Nacional de Transição pensam dos problemas regionais (neles, o conflito entre Israel e a Palestina, a situação da Síria e do Irã, a alentadora dúvida da Arábia Saudita e os interesses estratégicos da Rússia e da China no Mediterrâneo), mas é natural que ouçam o premier turco, que representa um país com forte presença islâmica. Há a possibilidade de que o novo governo líbio, constituído de rebeldes, não venha a ser mero delegado dos estrangeiros, e assuma postura independente. Para isso contam com a simpatia das novas potências mundiais, como a Rússia — que pediu à ONU o fim da intervenção aérea no país — e a China.

Mais uma vez, na História, a paz do mundo depende do Mediterrâneo, esse lago que une os três maiores continentes do planeta. (JB)

Grupo Tortura Nunca Mais: Em Foz do Iguaçu, Movimento reivindica Justiça de Transição


O Grupo Tortura Nunca Mais iniciou nesta semana uma série de atividades em Foz do Iguaçu. As ações marcam o debate em torno da Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, e da ‘Justiça de Transição’, conceito aplicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) que reúne práticas para lidar com o legado deixado por regimes de exceção.

As atividades iniciaram no dia 20, com a distribuição de um panfleto informativo sobre o período ditatorial e sobre a Justiça de Transição em ruas, avenidas e espaços públicos da fronteira. O material questiona a homenagem feita a alguns agentes do regime militar na cidade, nominando ruas, hospital, ginásio de esportes e escolas, além de sugerir a mudança de nome desses espaços públicos.

O manifesto repudia as homenagens feitas ao prefeito interventor de Foz do Iguaçu e coronel Clóvis Cunha Vianna, ao marechal Castelo Branco, ao marechal Costa e Silva e ao general Costa Cavalcanti. O texto pede que as pessoas participem do abaixo-assinado pela abertura dos arquivos da ditadura, o que possibilitaria revelar as atrocidades cometidas nos ‘Anos de Chumbo’.

A programação abrange um ciclo de palestras em mais de dez escolas e universidades do município. A didática inclui a montagem da exposição ‘Nosso Tempo Digital’. A amostra tem capas e páginas do jornal que foi um marco na história de resistência e luta por liberdades e democracia na década de 80.

CINEMA – Ainda dentro do tema, haverá o documentário ‘O Dia que durou 21 anos’, neste sábado (27) no Teatro Barracão. Produzido por Flávio Tavares e Camilo Tavares, o documentário mostra a participação dos EUA na deposição do presidente João Goulart, comprovada por meio de diversos documentos. Organizada pela Casa da América Latina, Guatá e Casa do Teatro, a sessão de cinema terá início às 19h, com entrada gratuita.

A primeira semana de atividades será completada com um ato público na Praça da Bíblia, no domingo (28), a partir das 18h. A programação traz apresentação de hip hop, de teatro e música, bem como varal de protesto, sarau de poesia, panfletagem, e a coleta de assinaturas no abaixo-assinado pela abertura dos arquivos da ditadura militar.

Justiça bloqueia bens de ex-superintendente do Incra/MS

A Justiça Federal de Dourados acatou o pedido feito pelo Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul e determinou o bloqueio das contas bancárias do ex-superintendente da representação estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Luiz Carlos Bonelli; seu substituto, Valdir Perius; da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetragi/MS) e de seu ex-presidente Geraldo Teixeira de Almeida, além de dois particulares: Cleito Vinício Inéia e André Bender.

O MPF denunciou os réus por improbidade administrativa. Eles realizaram transferências irregulares de uma área de 30 mil metros quadrados no Assentamento Teijin, no município de Nova Andradina, situado a 280 km de Campo Grande. Segundo o MPF, em janeiro de 2007, o Incra autorizou, em "caráter provisório", a ocupação do terreno pela Fetagri, que no mês seguinte cedeu metade da área (15 mil metros quadrados) para particulares. No local foi construída uma churrascaria de 2.500 metros quadrados.

Segundo o MPF, o bloqueio bancário deve atingir R$ 296 mil para cada um dos réus. A Justiça determinou ainda ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran/MS), Cartórios de Campo Grande e Nova Andradina e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o levantamento dos bens em nome dos réus. Caso o dinheiro nas contas não atinja o valor determinado, os bens serão bloqueados até atingir o valor estipulado de R$ 296 mil.

Na ação, o MPF pede a confirmação da liminar; aplicação de multa mínima de R$ 592 mil; perda da função pública, caso algum dos réus esteja exercendo-a ou venha a exercê-la; suspensão dos direitos políticos dos réus, por até 10 anos; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, por até 10 anos. O MPF pede ainda que a Justiça determine a demolição do prédio onde funciona a churrascaria ou a conversão da cessão da área em arrendamento em favor da União, com data retroativa a junho de 2009, quando foi finalizada a construção do prédio. (AE)

Senadores do PDT representam contra filiação de Amazonino Mendes

Os senadores Cristóvam Buarque e Pedro Taques, ambos do PDT, ingressaram, na última terça-feira (13), com uma representação junto ao Conselho de Ética do partido contra a entrada do prefeito Amazonino Mendes na sigla. A informação é da assessoria de comunicação dos dois senadores, em Brasília.

Amazonino assinou sua ficha de filiação na noite da última sexta-feira (9) e o anúncio oficial de seu ingresso no PDT ocorreu no dia seguinte, durante encontro partidário realizado no Da Vinci Hotel. Já como membro do PDT, Amazonino disse que vai agigantar o partido que, segundo ele, “estava nas mãos de poucos”.

O ingresso do prefeito na legenda foi motivo de protesto por parte de uma ala pedetista, que ainda resiste à entrada de Amazonino.

O senador Pedro Taques, em entrevista ao O GLOBO um dia antes da filiação de Amazonino, declarou que já havia preparado uma representação desde que ouviu rumores de que o prefeito de Manaus faria parte dos quadros do PDT. (D24am)

Irritado com o isolamento cada vez maior no próprio partido, Requião não foi a Convenção, destila o veneno do seu despeito, mas não sai da agremiação


Roberto Requião
Convenção do PT, bem ou mal, discutiu o Brasil. Convenção do PMDB recebeu a Dilma.

Roberto Requião
Praticamente sem cobertura a "gloriosa" convenção do presidente Temer. Pouca cobertura e muito pouco conteúdo. Que pena!

Roberto Requião
Muito animada a convenção do PMDB, mas eu trabalho no senado, distribuo processos na comissão de educação.

Roberto Requião
Ou restaure-se a moralidade ou que todos se locupletem (Stanislau Ponte Preta)

Roberto Requião
Será um ministro, ou turista em rápida passagem pelo ministério?

Roberto Requião
Proximo ministro do turismo devera fazer voto de pobreza,castidade,não comer transgenicos,andar a pé, e se vestir com discrição franciscana.

Fábrica de caminhões investe US$ 200 milhões no Paraná

O governador Beto Richa assinou nesta quinta-feira (15) protocolo de intenções para a instalação da fábrica de caminhões do grupo Paccar em Ponta Grossa. O projeto prevê investimentos de US$ 200 milhões, com a geração de 500 novos empregos diretos na região dos Campos Gerais.

Richa disse que a vinda da Paccar para o Estado foi possível a partir do esforço da equipe de governo, com a concessão de incentivos fiscais pelo programa Paraná Competitivo, e apoio da prefeitura de Ponta Grossa. Segundo ele, hoje o governo estadual negocia benefícios com outros 70 grupos, com previsão de investimentos de R$ 12 bilhões.

“Estamos trazendo para o Estado a quarta maior indústria de caminhões do mundo. Certamente esta é uma conquista muito importante para o Paraná e para os Campos Gerais. Na esteira deste investimento podemos atrair outras indústrias da cadeia de fornecedores”, disse o governador Beto Richa. “O Estado vive um grande momento com condições favoráveis de desenvolvimento da economia e diálogo com os municípios”, completou.

A primeira planta paranaense da multinacional norte-americana será construída em uma área de 500 hectares às margens da PR 151, entre os municípios de Ponta Grossa e Carambeí. O grupo projeta iniciar as operações em abril de 2013, com a montagem de caminhões nos modelos LF, CF e XF, da marca DAF.

“Escolhemos o Paraná e Ponta Grossa por atender as nossas expectativas em relação à mão de obra e por estar localizada próxima aos nossos fornecedores. Ainda temos o Governo ao nosso lado e a facilidade de transporte com as estradas e o Porto de Paranaguá”, disse o presidente da Paccar Brasil, Marco Antonio Davila.

O secretário da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul, Ricardo Barros, destacou a importância dos novos investimentos dos Campos Gerais. Para ele, o governo estadual poderá levar novos empreendimentos para a região que trará mais desenvolvimento e geração de tecnologia para o Paraná.

Para o prefeito de Ponta Grossa, Pedro Wosgrau, a instalação da Paccar representa o ingresso do município no segmento da indústria automotiva e também a comprovação de que com planejamento estratégico é possível fomentar o desenvolvimento de uma comunidade. “A parceria do governo do Estado é fundamental. Hoje o Paraná tem a senha do desenvolvimento", disse Wosgrau.

Também estiveram presentes na solenidade de assinatura do protocolo de intenções o diretor comercial do Grupo Paccar, Michael Kuster, e o diretor financeiro, Donald Stuart.

Movimento pela abertura de documentos da ditadura, discurso do deputado Amauri Soares na Assembleia Legislativa de Santa Catarina

HOJE!!! No shopping do Jardim das Américas, das 11;30;às 22;00 h, haverá o lançamento do livro "Penso logo complico", do escritor Juanico Di Salvo


Lançamento do libro do Juanico "Penso logo complico"

Sexta-feira, 16 de Setembro

Shopping Jardim Das Américas

Av. Nossa Senhora de Lourdes, 64 - Piso Alimentação - Curitiba

Livraria Vá Ler -
Autógrafos das 11h30 às 22h




Animação Musical a partir das 18h:

Grupo D'América

Grupo Choro da Casa

Líbia: Perante o retorno no neocolonialismo francês na África não dá para esquecer a violência deste no passado

Entrevista de Henri Alleg a Néstor Kohan e Rémy Herrera:

A partir de 1950 Henri Alleg [França, 1921] foi director do mítico jornal Alger Républicain, uma das principais vozes da imprensa que na Argélia apoiavam a luta do povo pela sua independência da França. Este jornal chegou a ser o de maior circulação em todo o norte de África (até 1965 vendia de 80 a 100 mil exemplares, enquanto o jornal da Frente de Libertação Nacional (FLN) Ech Chaab [O Povo] alcançava só os 15 mil.

Em Setembro de 1955 o Alger Rébublicain foi encerrado pelas autoridades coloniais. Em novembro de 1956, Henri Alleg, militante do Partido Comunista Argelino passa à clandestinidade. Fora emitido um mandato de captura contra ele. Em 12 de Junho de 1957 foi capturado pelos pára-quedistas franceses do general Massu, o temível corpo militar dos colonialistas. É selvaticamente torturado em El Biar, campo de tortura nos arredores de Argel. Henri resiste aos métodos mais selvagens, incluindo a “tortura científica” do pentotal. É em seguida transferido para o campo de concentração de Lodi. A partir desse campo, Henri Alleg faz chegar a França as suas denúncias sobre as torturas a que fora submetido. Escreve em finais de 1957 e, quase folha a folha vai-as fazendo sair clandestinamente da prisão até que o livro é publicado em Paris em Março de 1958.

O seu requisitório — apoiado por Jean-Paul Sartre e Gabriel Marcel entre outros importantes intelectuais, que assinam um manifesto de repercussão mundial — agita a sociedade francesa. Torna-se conhecido com o título La Question [1] . Jean-Paul Sartre escreve o prólogo onde traça um paralelo entre a tortura francesa na Argélia e as torturas nazis da Gestapo.

A "questão" era o nome que davam à tortura os pára-quedistas franceses magistralmente retratados no filme A batalha de Argel do realizador Pontecorvo. Entre os métodos utilizados por eles encontrava-se o de atirar prisioneiros vivos (com os pés metidos em cimento) dos helicópteros e fazer desaparecer pessoas. Os mesmos que foram utilizados anos mais tarde no Vietname e na maior parte da América Latina.

O Livro La Question publicado na Argentina com o título La Tortura. [Buenos Aires, editorial El Yunque, Agosto de 1974] foi traduzido em numerosos idiomas. Deu inclusive origem a filmes documentais e de ficção. Entre outros filmes o realizador Jean-Pierre Lledo fez Le Rêve Algérien [ O sonho argelino , 2003, França, Bélgica, Argélia], com o regresso de Henri Alleg à Argélia, o encontro com os seus antigos companheiros de militância, de jornalismo e de prisão, e a visita ao lugar onde foi torturado.

Breve mas contundente, La Question constitui sem dúvida um dos livros mais importantes da literatura política mundial. Pode comparar-se com Testamento sob a forca de Julius Fucik, esse outro grande revolucionário torturado que combateu contra o nazismo. Em ambos os casos, como em muitos testemunhos de sobreviventes à tortura militar na Argentina, no Chile, no Brasil, no Peru, na Guatemala, no Vietname, na Palestina ou no Iraque, o relato vem despido de enfeites melodramáticos. Escrevem-se simplesmente as palavras e narra-se o inominável: a bestialidade inaudita a que pode chegar o ser humano quando faz parte da engrenagem repressora do capitalismo, do colonialismo e do imperialismo. Não só no lado nazi, como mostram as fitas de Hollywood… mas também durante o que demasiado tempo se conheceu como "Mundo Livre" ou "Ocidente Cristão". Entre os torturadores nazis da Gestapo, os torturadores franceses da Argélia, os torturadores norte-americanos no Vietname e no Iraque e os torturadores argentinos da ESMA [Escola Superior de Mecânica da Armada] não há diferença alguma. Uma mesma degradação humana — produto do capitalismo e do seu domínio social —, comparticipada por "mestres" europeus e "alunos" americanos, envolve-os a todos na mesma porcaria e imundície.

Durante os últimos tempos, em notável coincidência com as torturas estadunidenses nas prisões do Iraque, a França sofre um novo abalo. O general Aussaresses, o coronel Bernard e outros genocidas franceses da guerra colonial, vieram à luz pública reivindicar os seus métodos de tortura na Argélia. A justiça burguesa abre-lhes processos judiciais. Não pelo que fizeram mas pela apologia verbal da violência! O crime deles não é, aos olhos da burguesia francesa, ter torturado e assassinado centenas de milhares de argelinos… mas dizê-lo em público. Henri Alleg veio contestá-los. A sua voz expressa o ponto de vista das vítimas, e todos os torturados e torturadas que apesar da barbárie que padeceram mantiveram alto os melhores valores da espécie humana. Especialmente a dignidade, essa que jamais tiveram os seus torturadores.

Quando La Question dá notícia das tremendas torturas a que foi submetido Henri Alleg e o modo como ele conseguiu resistir e sobreviver, os leitores imaginam que o autor deve ser um homem altíssimo e com corpo de atleta. No entanto, quando o conhecemos acontece algo semelhante ao que aconteceu com Gramsci. Os seus companheiros de prisão contam que quando chegou ao cárcere fascista, ninguém o acreditava. Perguntaram-lhe o nome. Ele respondeu: "Sou António Gramsci". Eles responderam-lhe: "O senhor não pode ser Gramsci. É demasiado pequeno. Gramsci tem que ser um gigante". Quase idênticas palavras podem repetir-se para o caso de Henri Alleg.

Ao conversar com ele vem ao primeiro plano a nobreza, a coerência e o humanismo daquilo a que Che Guevara sintetizou com palavras inequívocas como: "os sonhos honestos dos comunistas do mundo". Do comunismo entendido, não apenas como um projecto político de revolução mundial, mas também como uma nova ética e uma nova maneira de viver segundo os princípios. Exactamente o contrário da dupla moral, do duplo discurso e o cinismo daqueles senhores hierárquicos, elitistas e afastados do povo, que durante tempo mancharam a bandeira vermelha da revolução com o triste cinzento da burocracia, da geopolítica, e da mediocridade enquanto hoje se adaptam ao capitalismo sem pena nem glória.

Henri Alleg é hoje uma das grandes figuras, já lendárias, da luta revolucionária mundial. A sua obra jornalística e ensaística é prolífica. Além de La Question, escreveu: Prisioneiros de Guerra (1961); Cuba Vitoriosa(1963), Étoile Rouge et Croissant Vert: l'Orient Soviétique (1983) ; SOS America [2] (1985); A URSS e os judeus (1991); Requiem pelo Tio Sam (1991); O século do dragão [3] (1994); O grande salto para trás (1997)[4] ; e Retour à La Question (2001). Além disso foi co-autor de A Grande Aventura do Alger Républicain (1987) e dirigiu a redacção da obra em três volumes sobre a Guerra da Argélia (1981).

Com 83 anos e mais de meio século de militância aos ombros, Henri Alleg continua espalhando optimismo e esperança. Apesar do que sofreu e dos sete anos da sua vida que passou na prisão (entre a Argélia e a França), ri-se com vontade, conta anedotas e até faz humor quando conta as coisas mais horrendas que fizeram os militares colonialistas na Argélia. Se bem que se trate de uma personalidade histórica, este experimentado escritor e jornalista político não perde nunca a simplicidade. Continua a ser, depois de tantos anos e de tantas peripécias, um humilde militante da nossa causa, a revolução socialista mundial.

(Também participou desta entrevista o companheiro Luciano Álzaga, a quem agradecemos)

P: As fotografias das torturas realizadas pelos norte-americanos em Abu Ghraib aos prisioneiros do Iraque percorreram o mundo. Não é a primeira vez. Outro escândalo semelhante acontece na base estadunidense de Guantánamo. Os torturadores franceses da Argélia foram mestres dos torturadores norte-americanos?

Henri Alleg: Os colonialistas franceses foram verdadeiramente professores de tortura tanto na América Latina como na África do Sul. Aí foram recrutados com o acordo das autoridades francesas para servirem de "mestres" na repressão, principalmente nos interrogatórios sob tortura. Efectivamente o que acontece no Iraque é uma versão do que havia sucedido na Argélia e noutros países, não apenas aqueles onde se desenrolou uma guerra mas também em todos os que estavam sob o domínio colonial. Evidentemente, durante as guerras coloniais tanto no Vietname como na Argélia, os torturadores franceses foram os professores de interrogatórios e tortura dos oficiais americanos. Este ensino realizaram-no eles nos próprios Estados Unidos, particularmente em Fort Bragg bem como na América Latina. Recentemente o jornal francês Le Mondefalou da participação de oficiais franceses no Plano Condor implementado pelas ditaduras militares do cone sul latino americano. Estes antigos oficiais franceses haviam actuado na guerra da Argélia. Participaram no Plano Condor com a bênção e a natural autorização do governo francês.

P: Tanto as torturas realizadas pelos oficiais franceses como as que praticam os estadunidenses repete-se o caso da violação e das humilhações sexuais…

Henri Alleg: Exacto. Um caso particular e peculiar da tortura tem a ver com as humilhações de carácter sexual. Durante a guerra da Argélia nunca ninguém falou disso. A tal ponto que nem eu nem os meus companheiros havíamos falámos. Os oficiais franceses, os militares colonialistas, tão pouco. Do lado argelino também houve um silêncio total devido à cultura de tradição islâmica. Por isso os argelinos mantiveram-se silenciosos quanto ao assunto. Na tradição argelina, e árabe de um modo mais geral, pensa-se que uma mulher violada está humilhada e suja. Não apenas ela, como pessoa individual, mas considera-se que toda a família foi humilhada. Uma destas mulheres argelinas, uma amiga minha, foi violada. Tem agora 72 anos. Contou-me que quando caiu na prisão — tinha então 17 anos — e contou da violação à mãe, que também estava na prisão, esta recomendou-lhe que não contasse a mais ninguém que fora violada. Nem ao pai, nem aos irmãos, nem a ninguém. Ninguém da família ou de fora da família. Que poderia acontecer? Pois, que a rapariga fosse expulsa da família e assim poderia perder absolutamente tudo. Este foi o caso de todas ou quase todas as prisioneiras argelinas em poder dos colonialistas franceses.

Muito recentemente houve mulheres de mais de 70 anos, com uma magnífica coragem, que revelaram terem sido violadas. Um oficial colonialista do exército francês revelou em Le Monde que todas as mulheres capturadas e feitas prisioneiras pelos militares franceses, numa proporção de 90% (noventa por cento) foram sistematicamente violadas.

P: Na retórica imperialista de George W. Bush, e nos grandes monopólios da comunicação que o defendem, costuma repetir-se até ao cansaço a palavra "terrorista" para designar qualquer dissidente radical. Nem sequer na campanha presidência dos EUA para a reeleição deixou de pronunciar-se este termo. Na sua opinião, quem são hoje os terroristas?

Henri Alleg: Sobre este tema penso que há que fazer uma diferenciação clara no interior do conjunto de pessoas que utilizam a acção violenta. Os que se levantam para lutar pela libertação de um país com os meios pobres e as poucas armas que possuem não são os mesmos que têm todo o poder militar do mundo. Já no tempo dos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis caracterizaram invariavelmente os seus opositores como "terroristas". Mas todos aqueles que combatem os nazis não são terroristas, são combatentes pela liberdade.

Um caso interessante acerca deste problema é o seguinte. Na Argélia existia um dirigente nacionalista que foi um herói da guerra anti-colonialista. Foi assassinado pelos militares na sua cela de prisão. Como tantas outras vezes o seu assassinato foi feito passar por "suicídio". Trata-se de Bem M'hidi. O oficial francês que dirigiu a sua execução havia dito a este herói da resistência: "Você é um terrorista. Você põe bombas, utilizando cestos transportados pelas mulheres argelinas". Ele respondeu ao oficial francês: "Se vocês me derem os vossos aviões bombardeiros e o napalm, eu dou-lhes os meus cestos…"

Então o que eles — os poderosos — denominam "terrorismo" é frequentemente o último meio que um povo tem para resistir. Os autênticos terroristas são eles, os militares colonialistas!

No entanto, certas acções que algumas vezes não são controladas, podem não ser positivas, como por exemplo fazer explodir bombas em qualquer lugar. Quando morrem civis nestas acções não pensadas, a acção é claramente negativa. Os dirigentes políticos de uma acção de resistência não podem promover nem admitir esta acções. Esta foi precisamente a posição dos comunistas argelinos, os quais recusavam tais acções.

P: O general Acdel Vilas, um dos genocídas argentinos responsável pela "Operação Independência" que tinha o objectivo de aniquilar a frente rural do Partido Revolucionário dos Trabalhadores - Exército Revolucionário do Povo (PRT-ERP), escreveu um diário de campanha que na altura não foi publicado. Vilas diz nesse texto que os seus mestres em contra-insurgência foram militares franceses. Cita expressamente o livro Subversão e Revolução do coronel Roger Trinquier. [Acdel Edgardo Vilas: Manual de Campanha. Tucumán de Janeiro a Dezembro de 1975. S/editorial, s/data] A mesma informação que Vilas fornece é reiterada por outro genocida argentino, o general Osíris Vilegas [ Temas para ler e meditar. Ds,As., Theoría, 1993] Mais recentemente volta a aparecer esta confirmação, agora pela boca do general Alcides López Aufranc, num documentário da jornalista francesa Marie-Monique Robin, intitulado "Esquadrões da morte. A escola francesa" [ Les escadrons de la mort: L´école française, 2003], lançado há pouco tempo na Argentina. Dado que o senhor é de opinião que exportar essa doutrina, os seus métodos de tortura e os seus especialistas em interrogatórios, foi uma decisão de Estado, quem foram concretamente os responsáveis em França?

Henri Alleg: Gostaria de fazer um esclarecimento prévio. Eu creio que a tortura não começa com a guerra. Antes da guerra, sempre no nosso jornal Alger Républicain muita gente foi presa pela polícia, tanto socialistas como comunistas e todos foram torturados. No Vietname aconteceu o mesmo. Quando na Argélia falámos disso, da tortura, o nosso jornal foi revistado e encerrado. O companheiro que no nosso jornal escreveu sobre a tortura, foi preso e condenado à prisão. O seu nome é Khalfa Woualem. Por denunciar e escrever sobre a tortura foi condenado a dois anos de prisão.

Assim, a tortura era uma arma do colonialismo mesmo antes de a insurreição começar. Até antes da guerra a tortura tinha uma dimensão artesanal. Durante a guerra colonial ou contra revolucionária a tortura adquire uma dimensão industrial.

Esta situação de falta de respeito pelos direitos humanos, antes e durante a guerra, promovida a escala industrial durante a guerra, tornou-se lugar comum em todos os governos de França. Tanto do governo socialista de Guy Mollet, como dos governos de direita que sucederam aos socialistas, assim como também sob o governo do general De Gaulle. Inclusivamente um governo que se denominou de "esquerda" encobriu e manteve o silêncio, deu a sua aprovação a todas essas acções de tortura e à sua exportação para a América Latina. Não se pode estabelecer uma diferença muito nítida entre os que dirigiram a guerra da Argélia, sejam de "esquerda" sejam de direita. Não há a mínima dúvida de que todos foram responsáveis!

P: Na narrativa de La Question descreve o método repressivo do desaparecimento dos prisioneiros argelinos às mãos dos militares franceses. Mais tarde esse método exportou-se e aplicou-se maciçamente na Argentina. Também no Chile, na Guatemala e no Peru e noutros países da América Latina. Quando é que se aplica primeiro a técnica repressiva do desaparecimento? Foi na Argélia? Talvez na Indochina?

Henri Alleg: Não creio que na Indochina o desaparecimento tenha sido muito referido nem que tenha havido muitos casos de desaparições. Mas na Argélia sim, foram já dezenas de milhares as pessoas que desapareceram. Por exemplo, uma coisa muito interessante é a seguinte. Em Argel, a capital da Argélia, encontrava-se o secretário geral da Polícia, Paul Teitgen de seu nome. Este funcionário, antes de ir para a Argélia, fora um militante da resistência na época da guerra contra a Alemanha. Fora preso e torturado pelos nazis. Fora deportado para o campo de Buchenwald. Anos mais tarde foi enviado para a Argélia. Ao chegar, não conhece nada do país. Conheço-o pessoalmente. Era um desses homens a que designamos por "apolítico". A sua tarefa não era fazer política. Era um patriota francês, um antifascista. Quando chega à Argélia o seu papel consistia em aplicar o regulamento no que concerne às prisões. Quer isto dizer que quando uma pessoa era presa pela polícia ou pelos pára-quedistas havia a obrigação de assinalar, de indicar os nomes, as condições da prisão, etc. Antes de transcorrido um mês havia a obrigação de informar o que sucedera com o prisioneiro. Ou a pessoa fora libertada — algo bastante raro, claro — ou fora deportada para um campo ou permanecera no cárcere. Depois de três meses ou dois meses e meio, somente na cidade de Argel, Teitgen constatou que dentre as pessoas prisioneiras… faltavam 3.026 nomes! Então fez a pergunta: "Muito bem, o que é que se passou? Quero uma explicação". Não houve explicação… Teitgen compreendeu que estes desaparecidos haviam sido executados. Muitos foram abatidos, executados, fuzilados, sob o pretexto de "uma tentativa de fuga". Dentro destes números existiam tais tentativas de fuga, mas esses casos foram contabilizados como mortos. Os 3026 desaparecidos correspondem não a toda a guerra da Argélia nem a todo o país mas tão somente ao período de dois meses e meio e só na cidade de Argel. Teitgen apresentou a sua demissão e disse, de modo valente, o seguinte: "Eu não posso admitir a tortura, não posso admitir o mesmo que nos fizeram, a mim e ao nosso povo, os torturadores da Gestapo nazi". Demitiu-se.

P: Na guerra da Argélia foram assassinados quase um milhão de argelinos. Existiam campos de concentração como na Argentina ou matavam os prisioneiros directamente?

Henri Alleg: Existiam campos de concentração. Neles estiveram prisioneiros — no total — cerca de 30 mil pessoas. Havia vários tipos de campos de concentração. Havia, por exemplo, alguns campos muito duros destinados aos que fossem feitos prisioneiros com armas na mão. Eram os campos PAM (prisioneiros com armas na mão). Ali havia mortos, torturados, desaparecidos. Mas também havia outros tipos de campos, um segundo exemplo, em que a tortura também se praticou. Existia também um terceiro tipo de campos. Aqueles que funcionam como "vitrines" preparadas para receber as comissões, para mostrar que "os prisioneiros comem e dormem bem", "não gritam", etc. Eu estive em El Biar, um dos sítios "duros" de repressão e tortura, e depois estive um mês no campo de Lodi, um campo "vitrine", porque no meu caso houve uma pressão internacional tremenda. Mas mesmo nos campos "vitrine" os pára-quedistas foram autorizados a entrar e a tomar qualquer tipo de prisioneiros, torturá-los, se o seu nome tivesse aparecido em qualquer lugar. Não existiram muitos campos "vitrine".

P: Existiram povoados e aldeias que tenham funcionado como campos?

Henri Alleg: Houve povos inteiros fechados, exactamente como no Vietname, porque se considerou que o povo inteiro participava na luta. Não era exactamente um campo porque havia deslocamento da população. Os habitantes desses povoados, que na sua totalidade eram feitos prisioneiros, eram deslocados para outros povoados. Nesses povoados havia a proibição para toda a gente de sair do lugar onde estavam prisioneiros. Em alguns casos havia regiões inteiras consideradas "zonas proibidas". No norte da Argélia uma terça parte do território foi considerado "zona proibida". Os militares franceses tiveram o direito de sequestrar o povo e disparar contra qualquer pessoa que se movesse sem dar qualquer explicação. Houve um general que declarou que essas "zonas proibidas" foram muito boas, excelentes porque "tudo o que se move ali dentro é mau".

P: Qual era o objectivo da tortura? Que perseguiam os militares colonialistas, os pára-quedistas franceses, com o método da tortura e do desaparecimento?

Henri Alleg: Durante aqueles anos na Argélia desenvolve-se uma guerra particular. Quer isto dizer que não há muitas unidades combatentes em uniforme. O inimigo, para os pára-quedistas, são os patriotas. O inimigo, em consequência, é toda a gente. Por isso eles, os militares franceses, tiveram muito pouca informação — "informação" no sentido policial do termo — sobre o inimigo, isto é, sobre os patriotas. Que fazem então os militares? Pois vão à noite a um bairro onde estão os patriotas, no caso da Argélia esse bairro é árabe, e então arrebanham prisioneiros ao acaso. Capturam 100 ou 150 pessoas, tanto homens como mulheres. Fazem isso durante a noite. As pessoas estão seminuas. Levam-nos todos para uma casa de tortura que tem vários andares. Aí começam a bater em cada um deles. Dão pancadas atrás de pancadas. Imediatamente após a tortura de um prisioneiro, trazem outro. Um atrás do outro. Então, nesse caso, os militares torturam sem saber nada. Não é o mesmo que torturar um militante. Os militares chegaram a uma boa conclusão: a imensa maioria da população havia sido conquistada pelas ideias da insurreição, pelo projecto revolucionário dos patriotas. Como fazer se eles, os militares, não sabem nada e toda a gente apoia a insurreição? Então começam por dizer ao prisioneiro ou à prisioneira: "Tu não fazes nada. Mas de certeza que contribuis com dinheiro". Pancadas e mais pancadas. E continuam: "A quem é que dás a massa? Diz-nos quem é que te controla". O objectivo das torturas é reconstruir o organograma dos revolucionários. Então, aquando da tortura, pegam no prisioneiro ou na prisioneira e levam-nos, encapuchados, ao bairro. Aí dizem-lhe: "Denuncia a pessoa a quem entregas o dinheiro". Assim que conseguem capturar a pessoa que recolhe o dinheiro, levam-no e torturam-no. Dizem-lhe: "Tu és um tipo sem importância. Fazes poucas coisas". Então batem-lhe e voltam a bater-lhe. E em seguida perguntam-lhe: "A quem entregas tu o dinheiro que recolhes?". Assim vão reconstruindo até chegarem ao recebedor mais importante do bairro. Então torturam-no até darem directamente com a Frente de Libertação Nacional, a FLN, quer dizer, com a organização da luta armada. E foi assim o processo. O primeiro objectivo da tortura, era pois obter informação para reconstruir o organograma, subindo a cadeia até alcançar os comandos guerrilheiros. O segundo objectivo era implantar o terror. Repito: os autênticos terroristas são eles, os militares! Nos períodos de guerra popular toda a gente sabe que se cair prisioneiro, o torturam. E se o torturam, pode morrer. Isso era coisa que toda a gente sabia. Na realidade o terror havia sido implementado para se tornar dissuasivo.

P: Essa tortura generalizada não teve, no caso da Argélia, o efeito contrário?

Henri Alleg: Exactamente, conseguiu-se o contrário. Quem estivesse indeciso, quem não estivesse convicto para entrar na luta armada, quando os militares lhe assassinam o irmão ou o pai, acaba então por tomar a decisão e entra, ingressa na organização e assume a luta armada. Devido a esses mesmos métodos militares de repressão e tortura, acabou por se alimentar a fortalecer as forças de libertação.

P: Que papel desempenharam os marxistas na luta anticolonialista da Argélia? Esse papel foi a continuação da luta antinazi?

Henri Alleg: Em primeiro lugar é necessário esclarecer que a resistência antinazi na Argélia não teve a força que havia tido em França. Porque não havia forças de ocupação alemãs ou italianas no território argelino propriamente dito. Havia apenas missões alemãs ou italianas ao serviço do governo fantoche de Vichy. Na Argélia havia comunistas de origem europeia e foram caçados. Quando eu era jovem, já militava na juventude comunista. Durante esses anos ocupava-me em fazer propaganda. Mas nunca existiu um grau de resistência semelhante ao de França. Por exemplo, nunca houve ataques contra comboios ou contra soldados alemães.

Quanto aos nacionalistas que se integraram na luta pela independência da Argélia, o movimento nacional foi muito vacilante. Houve gente boa, bem intencionada e honesta contra o colonialismo francês. Mas essa gente não compreendeu realmente que a luta contra o nazismo e a favor da resistência francesa foi também a sua própria luta. Quer isso dizer que muitos pensaram que os inimigos eram os franceses, e os alemães eram inimigos dos franceses. Tiveram a ideia de que se os alemães não eram nossos amigos, também não eram nossos inimigos. Houve outros nacionalistas como Ahmed Messali Hadj que se recusaram a alinhar com os alemães e com o governo de Vichy. Esse tipo de nacionalista expressava: "Não quero que digam que sou um fascista".

Em segundo lugar, quanto ao papel dos comunistas na Argélia, convém recordar que a sua composição era muito variada, muito heterogénea, bastante plural. Havia muçulmanos, europeus, judeus, etc… A orientação do Partido Comunista era que não importa a origem étnica ou a religião a que se pertence, o importante é que todos e todas possam contribuir para fazer uma Argélia pluralista, onde cada um possa viver bem e sem problemas, independentemente da sua origem. Nós, comunistas, afirmávamos que só numa Argélia livre, independente do colonialismo, seria possível concretizar esse sonho. Todas as restrições coloniais eram terríveis na Argélia. Não apenas a tortura, mas também o analfabetismo e o desemprego foram liquidados juntamente com o colonialismo. A ideia era de que essa mudança teria que conduzir a uma Argélia livre e não converter esse país numa província francesa.

P: Os marxistas participaram na luta armada na Argélia?

Henri Alleg: Os marxistas, os comunistas, entraram e tomaram parte na luta armada sempre que tiveram oportunidade e possibilidade porque a situação variou muito de local para local. Por exemplo, no Leste da Argélia, onde o Parido Comunista teve força, a luta armada da libertação, começou desde muito cedo. Os comunistas estiveram nessa luta desde o primeiro dia. Mas houve muitos outros lugares onde se verificou um atraso no começo. Em consequência a luta nesses lugares adoptou uma forma mais pacífica. Mas os colonialistas franceses liquidaram rapidamente estas diferenças regionais. Dois anos e meio depois, todo o território da Argélia passou a estar igual e a participar igualmente na luta armada.

P: Como era a relação entre os dirigentes nacionalistas da Argélia e os comunistas?

Henri Alleg: Uma das coisas de que durante muito tempo não se falou e que começaram a discutir-se nos últimos tempos, é a atitude de alguns dirigentes nacionalistas da FLN — nem todos — que eram anticomunistas e muito sectários no que respeita aos companheiros comunistas. Por exemplo, havia alguns companheiros membros do comité central do PC e um deles foi um extraordinário, um magnífico combatente, muito famoso, que se havia formado nas Brigadas Internacionais em Espanha e tinha muitas acções de guerra no seu currículo, e quando ele e outro companheiro chegaram ao maquis nas montanhas da Argélia, foram executados. Os dois foram executados pelos dirigentes nacionalistas da FLN porque não quiseram assinar um papel onde se dizia "os comunistas são traidores, os comunistas não são verdadeiros argelinos". Os nacionalistas quiseram obrigá-los, dizendo-lhes: "Ou assinam ou matamo-los". Eles responderam que não queriam assinar uma coisa dessas contra o Partido Comunista e então foram degolados pelos nacionalistas. Cortaram-lhes a garganta. Estes dirigentes nacionalistas da FLN, muito sectários, tinham politicamente medo do desenvolvimento da influência do Partido durante a luta.

P: O senhor conheceu pessoalmente o Che Guevara. Como foram esses encontros e em que circunstâncias se deram?

Henri Alleg: O Che Guevara tinha viajado até Argel. Foi aí que o conheci. Se bem me recordo foi em 1963. Ele ficou bastante tempo, várias semanas. Por esse tempo Argel converteu-se numa espécie de ponto de encontro de todos os países e representantes de movimentos africanos que combatiam pela independência. Por isso era um lugar de passagem onde se procuravam informações. Era lógico que Ernesto Guevara ficasse lá durante algum tempo. Isso deve ter interessado ao Che porque pensava e andava à procura de um lugar em África onde se pudesse criar um bom maquis anti-imperialista onde dar início à luta armada. Nessa época a Argélia foi visitada por muita gente. Por exemplo, Carlos Bellibello, um famoso economista e analista político de Angola e quando nos encontrámos aqui há uns dias, demos um grande abraço e ele disse-me, depois de tantos anos: "Henri, nós tínhamo-nos visto na Argélia". De facto, ele tinha estado no nosso jornal. O mesmo aconteceu com Agostinho Neto e também com companheiros da África do Sul. Todos os que resistiam, passavam por Argel. Foi neste contexto que encontrei o Che Guevara. Vimo-nos várias vezes. A primeira vez, vi-o juntamente com um jornalista argelino no hotel. Outra vez, encontrei-o na embaixada de Cuba em Argel. Vi-o uma terceira vez mas não me recordo agora onde foi e da quarta vez o Che veio à redacção do nosso jornal. Eu tenho várias fotografias com ele na redacção do Alger Républicain. Lembro-me que quando nos encontrámos e conversámos com o Che, falávamos com ele com uma grande simpatia. O mesmo aconteceu a muitos jovens que trabalhavam comigo no conselho de redacção do jornal. Eles e eu tínhamos uma grande simpatia pessoal pelo Che Guevara.

P: Como via o Che Guevara o que então acontecia na Argélia

Henri Alleg: Foi um período muito complicado para os camaradas estrangeiros que estavam na Argélia porque se sentiam realmente surpreendidos perante a atitude dos dirigentes da FLN que afirmavam que "Cuba é magnífica!". Obviamente, o Che via isto com grande simpatia. Não foi por casualidade que foi ali mesmo que ele pronunciou o seu famoso discurso de Argel. Mas o Che não deixava de ter as suas próprias opiniões. Algumas afirmações e pontos de vista ideológicos dos dirigentes da FLN estavam em contradição com o pensamento marxista do Che. Alguns deles, por exemplo Ahmed Ben Bella — que era nacionalista — diziam a propósito dos camponeses que "A única classe revolucionária na Argélia, é constituída pelo campesinato". Por outro lado, não tinha a mesma opinião em relação aos operários e trabalhadores em geral. Para Ben Bella havia que ter atenção para não se cair no "perigo do obreirismo". Eram ideias de Franz Fanon, que havia sugerido que a classe operária do norte era "l'enfant chéri do colonialisme" ("o menino bonito do colonialismo"), isto é, que eram funcionais para o colonialismo. Evidentemente que tal coisa não estava de acordo com o que pensava o Che Guevara, que partilhava e havia formulado uma velha concepção leninista segundo a qual o camponês não vê mais longe do que a posse de um bocadinho de terra.

P: Qual foi o papel da mulher na luta anticolonialista da Argélia?

Henri Alleg: A situação das mulheres na Argélia fazia com que a simples ideia de elas empunharem armas e entrarem na luta armada parecesse impossível. Era inconcebível. Mas na tradição da luta anticolonialista da Argélia, durante o século XIX, existiram mulheres que empunharam os fuzis contra os colonialistas franceses. Mais tarde, no século XX, durante a guerra de libertação anticolonial, estes tabus ancestrais que pesavam contra as mulheres, desapareceram. Por exemplo, eram necessárias enfermeiras. Além disso, houve poucas mas existiram mulheres com educação que foram à escola e inclusive entraram em acção nos combates. Desempenharam um papel activo no combate contra os colonialistas. Mulheres que desempenharam um papel importante nas acções armadas dentro da cidade. Conheci-as. Houve necessidade de acções dentro das cidades, acções de inteligência. Além disso foi necessário transportar as bombas nos cestos das mulheres. Para compreender a acção das mulheres este aspecto é talvez o mais espectacular, mas não o fundamental. Há outros mais importantes. Os homens foram presos e encerrados em campos de concentração e em prisões. Estavam sob um controle muito mais duro do que as mulheres. Então, em vários casos, as mulheres tiveram que tomar o lugar dos homens: no trabalho com as crianças, para sair de casa, etc… Muitos homens não queriam que as mulheres saíssem. Teriam preferido que elas ficassem em casa… Mas se o homem não está, claro que é a mulher que tem de sair! Por exemplo, lembro-me de uma anedota. Uma vez eu estava na mesma cela da prisão com um camarada comunista, um líder sindical muito conhecido, muito amado, mas que tinha costumes muçulmanos. Um dia houve uma visita para ele no cárcere. Após ter ido à visita, este camarada regressa à célula e eu digo-lhe: "Viste algum fantasma? O que é que te aconteceu?" Estava branco. Disse-me então: "Foi a minha mulher". Para ele era uma coisa inacreditável que a mulher tenha ido sozinha… à administração colonial!..., ao comissário da polícia!..., para pedir… aos franceses!... autorização para visitar o marido. Para ele foi uma surpresa. Não só ela havia tomado conta da casa, mas além disso fez todo o necessário na administração colonial francesa para o encontrar a ele e vê-lo, para encontrar o marido prisioneiro. E este foi o caso de muitos outros. Isto repetiu-se sem dúvida, durante a luta anti-colonialista.
P: Que aconteceu depois da independência da Argélia com a situação das mulheres?

Henri Alleg: Assim que se obteve a independência do domínio colonial, julgou-se que tudo o que se tinha conquistado durante a guerra de libertação, respeitante à emancipação da mulher, se poderia conservar. Mas logo se retomou o controle por parte das forças reaccionárias. Há a seguinte anedota a respeito disso. O edifício do nosso jornal, o Alger Républicain, tinha um varandim. Precisamente em frente do nosso, havia outro varandim que pertencia ao Ministério da Agricultura. Em 8 de Março de 1963 houve uma manifestação imensa de mulheres exigindo os seus próprios direitos, bem como a independência, a luta de libertação do povo argelino, etc. Era uma manifestação de mulheres com véu e de mulheres sem véu. Todas misturadas. E também com os tradicionais gritos árabes. Eu estava no varandim do jornal com outros companheiros comunistas, muito jovens, olhando esta manifestação de mulheres. Os companheiros viam mobilizarem-se as suas mulheres, as suas mães, as suas irmãs, etc. Estes companheiros jovens, comunistas, estavam muito entusiasmados. Mas em frente ao nosso, no outro varandim onde estavam os funcionários do Ministério da Agricultura, estes tinham um ar absolutamente descontente. Olhavam aquilo como qualquer coisa de feio, como algo de mau. Elas iam já três quilómetros à frente dos seus maridos! Três dias depois encontrei-me com uma amiga que não era comunista mas tinha participado naquela manifestação. Pois bem, acontece que ela foi chamada ao comissariado da polícia e lá disseram-lhe: "Ouvimos-te gritar 'os maridos para a cozinha!' ". O que esses polícias fizeram foi uma coisa estúpida, mas não deixa de ter o seu significado…

P: E o que é que significa?

Henri Alleg: Creio que os homens reaccionários, depois da independência, pararam o movimento. Sobretudo existe um código da família que manteve as coisas como antes, inclusive as coisas mais estúpidas. Em particular, por exemplo, essa coisa de as mulheres que querem um passaporte não poderem obtê-lo sem o acordo do marido, do pai ou do irmão macho. Se ela se quer divorciar ou separar do marido, acontece o mesmo. Algo semelhante se dá com a herança económica: se há um filho do sexo masculino tem direito, se há uma filha, não tem direito. Isso foi muito criticado. Na Argélia há muitas mulheres progressistas, está claro, há mulheres deputadas, há mulheres ministras, mas o fundo reaccionário não mudou, não foi liquidado pela independência. Continua a autoridade masculina, de resto, pior ainda do que nas sociedades da Tunísia ou de Marrocos. As mulheres viram-se bastante frustradas, pois produziu-se esse movimento de avanço e logo a seguir veio um retrocesso, uma reacção.

P: O que se passa a respeito da relação dos argelinos religiosos com os não religiosos, em particular com os marxistas?

Henri Alleg: Julgo que isso não era contraditório. Por um lado havia a vontade dos dirigentes da FLN, dos mais sectários, dos que levaram o movimento para a reacção, mas ao mesmo tempo havia as ideias das massas populares que tiveram várias ideias preconcebidas (entre outras o machismo). Mas de modo geral, se se tomar como referência a orientação geral do movimento que tem como núcleo o FLN, aí nunca houve ideias islâmicas cerradas e intolerantes, que apelassem à morte dos não muçulmanos. Isso nunca aconteceu. Pelo contrário. Os elementos mais simples e humildes da população mostraram uma enorme tolerância religiosa. De modo mais geral, isso predominou na tradição da Argélia. Sem idealização. Nunca houve na Argélia "progroms" contra os judeus. Por exemplo, a grande figura que foi Abd el-Kader, o grande líder contra a colonização francesa, teve um ministro judeu nas relações exteriores. E isso em 1830! Na Europa, por essa mesma altura, era coisa que não se via…

P: Uma vez que o senhor é marxista, como é que viu a questão religiosa?

Henri Alleg: Apesar do que acontece depois na Argélia com os massacres islâmicos, intolerantes e completamente reaccionários, há algumas anedotas que exemplificam isso de modo bastante claro. Lembro-me, por exemplo do que sucedeu noutra prisão — diferente da que mencionei antes. Nesse cárcere havia 100 ou 120 camponeses, todos encerrados no mesmo pavilhão carcerário. Entre eles havia uns 10 europeus. Os dez eram comunistas. Os prisioneiros árabes argelinos sentiam-se muito surpreendidos por verem europeus no grupo de prisioneiros. Surpreenderam-se porque eram camponeses. Nas cidades era um pouco diferente, havia uma mistura de árabes e europeus, mas no campo não. Nas cidades, se bem que os argelinos tivessem ideias um tanto racistas, sabiam perfeitamente que os europeus podiam lutar juntamente com eles. Mas os camponeses não sabiam isso. De maneira que, na prisão, os camponeses argelinos perguntaram: "Mas quem são eles? Quem são estes europeus?". Estavam totalmente espantados ao verem europeus que, como eles, também sofriam a prisão. Não conseguiam acreditar! Então um dia, um dos velhos camponeses argelinos, pediu entre os prisioneiros um tradutor que lhe traduzisse em perfeito árabe e em perfeito francês o que ele queria expressar. E o que comunicou este camponês argelino? Pois disse aos comunistas que, apesar de serem europeus, estavam presos como ele, o seguinte: "Vocês, creiam ou não creiam em Deus, queiram-no ou não, irão para o Paraíso, e irão antes de nós! Sim, vocês vão para o Paraíso antes de nós!" [grandes risadas de Henri Alleg]. Isso foi uma clara demonstração de tolerância e de simpatia para com a luta dos seus companheiros, os comunistas.

P: Como foi possível que essa tolerância desse lugar ao fanatismo religioso?

Henri Alleg: Sim, na realidade há uma diferença dramática entre aquela época e o que sucedeu muitos anos depois, quando na Argélia aumentou a intolerância e se produziram massacres, e houve matanças de religiosos frades. Antes, ninguém havia tocado neles, mas na guerra recente acabaram degolados, com a garganta cortada. Isso foi um golpe para os próprios argelinos. Eles mesmos, os argelinos, disseram: "Estes assassinos, emporcalham a nossa cultura e as nossas tradições".

P: Tanto na actual guerra do Iraque como antes na da Argélia, as potências colonialistas utilizam como pretexto o fantasma do Islão como sinónimo de fundamentalismo. Quando é que surge o fundamentalismo na Argélia?

Henri Alleg: O fundamentalismo muçulmano apareceu na Argélia em 1992, há pouco mais de uma década. Não tem então nada a ver com o desenvolvimento do processo durante 30 anos depois da independência da Argélia como alguns fizeram crer. Como explicar esta vaga actual de fundamentalismo e sobretudo esta integração de jovens que deram a vida pelo fundamentalismo? A primeira, a mais importante razão, é a situação económica e política do país que criou as condições para o desenvolvimento do fundamentalismo islâmico. A luta pela independência provocou um entusiasmo geral, uma tremenda esperança. Na Argélia, a questão das classes sociais era simples. Existiam os muito, mas muito ricos, que eram todos europeus juntamente com alguns feudais aliados dos europeus, e do outro lado, a imensa maioria dos argelinos com diferenças de classe que eram mínimas entre eles. A aspiração à libertação nacional significou também a aspiração à emancipação social. Queria-se mudar as coisas, criar uma Argélia nova: uma Argélia socialista! A palavra "socialista" apareceu de um modo espontâneo na boca de toda a gente durante esses anos. O projecto de uma Argélia socialista! Toda a gente falava de uma Argélia socialista. Mas o movimento foi dirigido por uma pequena burguesia que pouco a pouco foi enriquecendo até se tornar milionária. Tudo isso provocou uma decepção imensa nos mais pobres, sobre tudo nos jovens. Os que mais sofreram foram eles, os jovens. Actualmente, e desde os anos 90, o desemprego atinge um índice que oscila entre os 30% e os 40% dos jovens. No interior da Argélia, no campo, o desemprego atinge os 60%. Existe uma vontade de fugir e sair desta situação. Se um jovem gosta de uma rapariga, não podem viver juntos. Isso não é viável nessa sociedade. Porque tem de dar dinheiro ao pai, arranjar uma casa e tudo isso. Como estas condições não existem, os jovens vivem sob uma pressão muito forte. O que é mais, os jovens não podem ter mulheres. Isso gera um grande mal estar. Em Outubro de 1988 houve uma manifestação em Argel, a capital da Argélia, numa época de mudança. Era no tempo do dirigente Chadli Bendjedid que deu ordem de fogo sobre a manifestação. Houve nesse momento — e isto está confirmado — pelo menos 500 mortos em Argel. A maioria eram jovens. A manifestação não tinha grandes objectivos políticos, nem reivindicações muito explícitas. Queriam pão, queriam trabalho e tiveram um massacre. Isso teve uma repercussão tremenda em Argel e em todo o país. Precisamente a partir desse acontecimento os islamistas começaram a crescer e a desenvolver-se com uma lógica de argumentação muito simples: "O socialismo foi destruído, é uma porcaria. Logo, se a opção não é o socialismo, tem que ser o liberalismo. O que é que nos trouxe o liberalismo? Nada. Aí o tens à tua frente. Mataram os jovens, fuzilaram-nos. Então o problema vem daqueles que dirigem a Argélia, dos que imitam o Ocidente e o tomam como modelo. Obrigam-nos a esquecer que somos muçulmanos. A única solução é abandonar todas essas ideias e concentrar-se no regresso ao Islão…". É essa a lógica que permite compreender o que se passa na Argélia.

P: Os fundamentalistas islâmicos desenvolveram-se de forma isolada ou contam com apoio externo?

Henri Alleg: Existiu esse terreno de frustração, de rejeição, de desgosto a respeito do poder político, e toda esta situação facilitou o trabalho dos islamistas, o desenvolvimento do islamismo. Mas ao mesmo tempo os islamistas contaram com apoios, especialmente fora da Argélia. Uma coisa interessante a destacar é que na Argélia houve muitos estrangeiros, representantes de empresas ou cooperantes e houve franceses, italianos e jugoslavos assassinados. Gente de muitas nacionalidades. O que surpreende é que nunca houve um único estadunidense assassinado… Em Inglaterra os ingleses deram, paulatinamente, autorização aos islâmicos (por exemplo, para abrirem representações) que anteriormente eram proibidos nesse país, assim como o tinham sido na Argélia. Um desses grupos foi a Frente Islâmica de Salvação (FIS). Aliás, mesmo nos próprios Estados Unidos existiu uma representação legalizada dos islâmicos. O Departamento de Estado norte americano teve uma posição bastante tolerante em relação a eles. Não foi um apoio sistemático em todos os lugares mas efectivamente apoiaram-nos em função dos seus próprios interesses. Por exemplo, o rei de Marrocos combateu os islâmicos enquanto que os Estados Unidos os apoiavam. Ao princípio na Turquia, o governo turco combateu os islâmicos e os EUA apoiaram-nos. No caso da Argélia houve um apoio dos estadunidenses aos islâmicos porque o governo dos EUA não tinha confiança na estabilidade e na fiabilidade do poder político argelino. Há muitos indícios de que o Departamento de Estado apoiou os islâmicos! Entre os primeiros que cometeram atentados do FIS (Frente Islâmica de Salvação), por exemplo, massacres horríveis de mulheres grávidas que estavam com crianças e outras coisas horrendas do mesmo estilo, encontravam-se indivíduos que provinham do Afeganistão, onde antes haviam trabalhado ao serviço de quem os havia recrutado: estadunidenses. A CIA havia-os recrutado na luta contra os soviéticos e foram exportados pela CIA do Afeganistão para a Argélia. Na Argélia as pessoas chamavam-lhes simplesmente "os afegãos".

P: A partir da experiência política que o senhor adquiriu ao longo de tantos anos de luta pela revolução, que gostaria de dizer aos jovens que hoje começam a participar na resistência contra o capitalismo e o imperialismo?

Henri Alleg: Penso e creio que de toda esta experiência se poderiam extrair pelo menos duas "lições", se é que se lhes pode chamar assim. Para os jovens, mas também para os que não são assim tão jovens. Em primeiro lugar, não acreditar que tudo o que se ganhou foi ganho para sempre. Essa é uma grande lição, de alcance muito geral. Desde o início da minha militância, desde o momento em que comecei a lutar contra o fascismo, para mim tornou-se óbvio que o fascismo seria derrotado. Era evidente que os países que nesse momento haviam sido ocupados pelos alemães, pelo nazismo, seriam libertados. Para mim era uma coisa óbvia que a União Soviética sairia vencedora, que novas forças se agrupariam junto a ela e que o comunismo ganharia terreno. E isso sucedeu efectivamente, um pouco depois. Em França, no momento da libertação, um terço do parlamento chegou a ser comunista. Havia ministros comunistas no governo. O "espírito desta época" dava a entender que não demoraria muitos anos para que a França se tornasse um país socialista. A propósito disso, lembro-me de uma anedota. Uma discussão com E.F., secretário do PCF e membro do jornal L'Humanité. Ele era mais velho do que eu 10 anos. Era um homem muito simpático. No final de uma sessão da Escola do Partido, perguntei-lhe: "Quanto tempo teremos que esperar para que a França se torne um país socialista?". Ele respondeu-me: "Ouve, és jovem, és impaciente. Não acredito que a França seja socialista antes de 10 anos…". Isso foi há 40 anos! A segunda lição é que não devemos nunca desanimar nem perder a coragem. A vida é breve, mas tudo impele os seres humanos a combater pela sua liberdade, a lutar por um futuro melhor. Eu creio na nossa vitória. A maioria dos povos do mundo há-de convencer-se que não há outra via para conseguir essa libertação que não seja a do socialismo. É isso que gostaria de dizer aos jovens, mas também aos menos jovens.

 
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