sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Por que o drama das chuvas se repete em Santa Catarina?

Parece um manual não escrito, se é que algum funcionário dedicado já não colocou o script no papel e o arquivou como receita de maquiagem para disfarçar a absoluta incapacidade do Estado brasileiro em evitar que fenômenos naturais virem catástrofes humanas.

Funciona assim: quando a primeira encosta vem abaixo, quando as primeiras casas são tomadas pelas águas, quando famílias perdem tudo o que tinham no intervalo de um temporal e corpos sem vida começam a ser retirados da lama, os políticos apelam para o discurso da fatalidade, da inevitabilidade do desastre, da impotência do homem ante a força imprevisível da natureza.

“Se alguém duvida que o mundo está passando por mudanças climáticas devido ao aquecimento global, que venha a Santa Catarina e veja as cidades tomadas pelas águas”, disse em 2008 o então governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, quando o registro dos mortos em função das chuvas no estado ainda estava em um terço da contagem final.

Mesmo quando já se tinha conhecimento da real dimensão da tragédia catarinense daquele ano, o então presidente Lula, falando sobre alhos, discorreu sobre bugalhos: “Até agora muitos países desenvolvidos não fazem o cumprimento do seu dever para que seja aceito o protocolo de Kyoto”.

Quase 2.000 inundações desde 1980
Até mesmo especialistas, mais atentos aos holofotes do que ao rigor científico — e desmentidos por outros especialistas depois –, apressaram-se a engrossar o coro do “pouco se podia fazer”, como se fosse um terremoto ou furacão inesperado e avassalador o que se abateu sobre Santa Catarina em 2008, e não mais um período de alto índice pluviométrico, algo tão comum no estado.

Só na história recente os catarinenses sofreram com grandes enchentes em pelo menos outras quatro ocasiões antes de 2008: 1983 (197.790 desabrigados e 49 mortos), 1984 (155.200 desabrigados e 2 mortos), 1992 (144.419 desabrigados e 16 mortos) e 1995 (28.625 desabrigados e 40 mortos).

Na semana passada a população de Santa Catarina voltou a sofrer com inundações que afetaram quase um milhão de cidadãos, dos quais 159 mil ficaram desalojados e 15 mil ficaram desabrigados. Três pessoas morreram — e o verão nem começou.

Entre 1980 e 2007, ou seja, no período imediatamente anterior à tragédia de 2008, ocorreram 1.229 inundações graduais e 701 inundações bruscas no estado, segundo dados levantados pela professora Maria Lúcia de Paula Herrmann, coordenadora do Núcleo de Estudos de Desastres Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina.

‘Minha filha, então morra! Morra!’

Em entrevista publicada na Folha de S.Paulo em dezembro de 2008, a professora Maria Lúcia disse que, especificamente quanto aos deslizamentos de terra, o que acontece em Santa Catarina é a combinação de uma alteração geológica de 4 milhões de anos nas serras do estado que resulta em uma espécie de “solo podre” com a expansão desordenada das cidades em direção às encostas.

E por certo não é o aquecimento global o responsável por “anti-políticas públicas” em vigor há décadas em todo o Brasil que resultam na expulsão da população mais pobre da terra firme, seja para a beira dos rios, seja para o alto dos morros.

São exemplos disso o sucateamento da malha de transportes das regiões metropolitanas, o êxodo de famílias das terras rurais para dar espaço à expansão do agronegócio e até a sanha de reintegrações de posse de prédios abandonados ocupados por famílias de trabalhadores, isso sem falar de sucessivas políticas habitacionais de matriz eleitoreira e projetos de urbanização de comunidades pobres que priorizam mais o embelezamento e a maquiagem e menos — muito menos — a contenção de encostas.

Diante de tudo isso, as autoridades por vezes perdem a compostura quando a realidade cobra a conta. Quem não se lembra da solução apresentada no início deste ano pelo prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, à moradora de uma comunidade onde duas crianças haviam acabado de morrer soterradas? Amazonino visitou o local e disse às pessoas que elas não deveriam construir casas “onde não devem”. A mulher retrucou, dizendo o óbvio: “a gente está aqui, porque não tem condição de ter uma moradia digna”, no que o ex-prefeito respondeu: “Minha filha, então morra! Morra!”. (ON)

Caro leitor,

Você acha que os recorrentes problemas em Santa Catarina com enchentes e deslizamentos está mais para tragédia natural ou para descaso social?

Você acha que o aquecimento global absolve os governantes da responsabilidade pelas tragédias que se repetem?

Depois do morro do Bumba, Angra dos Reis e Nova Friburgo, você acredita que haverá outra catástrofe no Brasil em função das chuvas no próximo verão?

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