sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

4 DE FEVEREIRO - 81 ANOS DO WALMOR MARCELLINO!



"Minha geração transitou em sonhos / entre a idade de ouro que não conheceu / e o mundo novo que não conquistou. / Tombou na guerra fria, / pisando em falso, / nas ilusões heróicas. / Onde, meu amigo, /guardamos as bandeiras da última passeata?"


Walmor Marcelino, “o poeta que fazia política e livros”

Por jornalista Dinah Ribas Pinheiro

Se ainda estivesse por aqui o jornalista Walmor Marcelino estaria com certeza indignado com o comportamento dos políticos na campanha eleitoral do próximo dia 3 de outubro. Imagina então, contra a morosidade do Supremo em julgar a imediatização da Lei da Ficha Limpa. O poeta sensível que deixou dezenas de livros publicados era, sobretudo, um cidadão preocupado com os assuntos da cidade, do Estado e do país. Com oitenta anos, sem aparentar a idade, Walmor completa um ano de falecimento neste sábado, dia 25. No seu último livro, Ulciscor, publicado postumamente no início deste ano, ele mescla memória política e poesia, dois temas recorrentes na sua biografia.

Polêmico, com idéias consistentes, era constantemente convidado a participar de debates organizados pelos alunos de Jornalismo e membros de organizações culturais. Durante muitos anos era comum encontrá-lo na Boca Maldita, no centro da cidade, distribuindo seus livros, publicados sem a intenção de retorno financeiro e discutindo com os companheiros seus temas prediletos. Desde a sua partida a “Boca”, ficou mais pobre. A família tem um plano que vai trazer de volta um pouco da sua memória e sensibilidade. No seu aniversário, em março do próximo ano, deverá ser publicada uma coletânea de todos os seus poemas escritos em diversas fases da sua existência, muitos deles ainda inéditos.

Socialista marxista, Walmir Marcelino, participou ativamente de todos os movimentos políticos que ocorreram no país. Antes de 1964 foi ativista nas manifestações nacionalistas e populares e membro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que ajudou a recriar no Paraná em 1968. Em agosto de 1961 teve importante papel na Campanha da Legalidade contra os golpistas que pretendiam impedir a posse de Jango Goulart. Processado pela Justiça Militar por ter integrado o Jornal Última Hora (1951-1971), participou de grupos de teatro e de experiências pedagógicas.

Funcionário da Assembléia Legislativa do Paraná, foi demitido logo após o Golpe de 64. Participou ativamente das lutas populares pela redemocratização do Brasil, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Em 1965 mobilizou intelectuais para juntos publicarem o livro de contos “7de Amor e Violência”. Desta coletânea participaram também Elias Farah, Jodat Nicolas Kury, Nelson Padrella, Oscar Milton Volpini, Sylvio Back e Valêncio Xavier. Sobre esta obra histórica, o cineasta Sylvio Back publicou no início de setembro, no Jornal Folha de São Paulo, o artigo “ O livro Encarcerado”, onde ele narra detalhes deste importante episódio recente da literatura parananese. Na capa do livro, assinada pelo artista plástico Álvaro Borges, uma imagem que também virou memória: Um punhal estilizado aparecia prestes a perfurar o coração de uma figura feminina. Uma tarja no livro com uma frase considerada “subversiva” pelo Dops, provocou o confisco dos exemplares ainda em circulação, inviabilizando a edição seguinte.

Catarinense de Araranguá, mas residindo em Curitiba há quase 40 anos, ele foi uma usina de idéias e projetos que iam desde escrever seus poemas e romances que falavam de amor, morte, amizade e política, até a organização de seminários, formação de centros de pesquisa e militância em partidos políticos, todos de esquerda.

Acreditava que seria possível um mundo mais justo e que a política e o engajamento cultural poderiam ajudar a salvar o homem. Prova disso foi sua participação no Grupo Quixote, de Porto Alegre, junto com outros idealistas da literatura e das artes. Iniciou no Jornalismo em Florianópolis e em Curitiba trabalhou nos jornais Diários do Paraná, Estado do Paraná, Radio Independência, Revista Panorama, Tribuna da Luta Operária, Jornal da Indústria e Comércio e Gazeta do Povo. Nos últimos anos exerceu o jornalismo por meio do blog walmormercelino.blogspot.com, onde se expressava com a mesma coerência com que pautou toda a sua vida.


A herança que o Walmor nos deixou:


TEOREMA DO PÃO

Há-de-ázimo
nesse pão azedo
de toda-a-vida.

Vindima acre transportada
de rácimos fermentos
fermentada saliva
posta em sua mesa.

Cogumelos do teu gosto
com saber da fome
o antidoce percorre
sem saber da sede.

Teu interstício de vivo
já vai morto.

Sem cerimônias
sem acrimônias
essas antinomias
demonstram amenas
um teorema: CQD


DESPOJAMENTO

(Um jogo prológico;
episódio com palavras
em lavras
de pura insensatez:
uma por vez)

Um começo de tudo:
poderia a quem finada
a voz, e o gesto mudo
sua tarefa terminada.

Ei-la que sua vida
seria-de pertencer
a quem a souber tecer
até a morte surpreendida...

Entrementes, dessarte
em todos os meus ensejos
espiada arte de desejos,
álgidos delírios loucos
sorvemos amor aos poucos.

E fomos assim
se aprouve às parcas.
Até que a vida se pôs
demais comprometida.
Até que a sobrevida se fez
bem distendida.
Até que a morte se faça
em agonia.


SONETILHA

É possível que este amor
seja mais que fome e sede
uma ferida na solidão, cutelada:
a dor física que não se mede.
Mais ainda que qualquer dor,
uma retribuição que se perde,
dor-surpresa, punção sangrada
Amor de fruição perdida, apaixonada.


PEQUENA ELEGIA

Os homens ganharam seu pão.
Podem comê-lo
como o sistema os come.
Podem amar em angústia,
com amor e tristeza
uma carga depositada
liberta seus ombros em nova marcha.

Podem gritar na noite
como animais acuados
sua indizível esperança.
Podem comer o fumo
banhar-se no álcool
engolir sua paçoca
extenuar-se na enxerga
povoar a fêmea de ruídos
e breves pensamentos.


UM VERSO

O verso, ai
eu e tu, ai
nos cruzamos
bailando ao vento
O verso escreve
não fala, ai
que nos amamos
Um verso vive só
o que pensamos
O verso vem depois
que nós vivemos
Walmor Marcellino

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