terça-feira, 20 de setembro de 2011

O direito do egresso das prisões de recomeçar

MANUELA D'ÁVILa

“Estive preso durante oito anos e oito meses. Entrei no presídio inexperiente. Saí um expert”. Essa frase retrata o estágio em que está o sistema penitenciário brasileiro. Uma situação de crise que se agrava com o passar dos anos. Uma situação indigna a qual centenas de milhares de brasileiros estão sujeitos. Temos, no Brasil, cerca de 500 mil presos. Desses, mais da metade ainda espera por julgamento.

Esperam vivendo em uma realidade que, ao invés de cumprir o papel de espera ou de ressocialização, instrui antagonicamente ao que deveria fazer.

Se os presídios instruem para o crime, qual o papel que o Estado está exercendo? Essa discussão temos proposto na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Não se trata, por certo – apesar de alguns ainda insistirem que direitos humanos é defesa de bandido –, da defesa da não punição daqueles que cometem crimes ou delitos. Nossa legislação e nossa justiça atuam nesse sentido. Cumprem seu papel de serem agentes punitivos quando necessário. A questão que trazemos à tona vai além: aborda a ausência do Estado na recuperação dos cidadãos e na viabilização de perspectivas para que possam mudar o rumo de suas vidas.

Se um jovem – maioria dos presos – comete um crime, por exemplo, tem de pagar por ele. Mas além do papel punitivo, o Estado precisa dar a esse jovem uma perspectiva de mudança de paradigma. Esse jovem, que pagou pelo seu crime, tem que ter uma escolha ao sair do presídio. Não pode restar a ele um abismo entre a vontade de mudar e a realidade que tem. Só que não vemos isso.

Vemos apenas por parte de grupos e organizações apolíticas. O AfroReggae, por exemplo, o faz. Em três anos, 2069 pessoas foram empregadas. 914 eram egressos do sistema prisional. Nenhum deles voltou ao mundo do crime. Esse grupo, assim como outros que existem pelo país, estão ocupando um espaço vazio, um espaço que cabe ao Estado. E é sobre isso que temos que pensar e debater franca e abertamente.

Enquanto ainda tivermos o medo de defender políticas públicas de reinserção de egressos do sistema prisional estaremos abandonando boa parte da nossa população. Cabe à administração pública estruturar um sistema amplo de reintegração, com capacitação profissional de egressos do sistema prisional, adequar os presídios para separação dos condenados por tipo de crime e proteção dos ex-detentos contra ameaças dos chefes de facções criminosas e da própria polícia. Enquanto nos furtamos desse debate, estamos fortalecendo o mundo da violência, do crime, da marginalização.

Violência não se combate não com mais violência. Combate-se devolvendo à sociedade pessoas empregadas e verdadeiramente reinseridas. Por isso estamos estudando a possibilidade de apresentarmos, através da comissão, um projeto de lei para regulamentar o sistema de reintegração de ex-detentos.

É preciso repensar todo o sistema penal. É preciso pensar em todo o caminho percorrido desde a situação em que um crime é cometido, até o momento de soltura do apenado. Precisamos evitar que o crime seja cometido. Precisamos de um sistema eficiente. Mas, antes de tudo, precisamos mostrar aos que estão saindo no sistema prisional hoje que é possível uma vida diferente. Com menos dinheiro do que rende o tráfico, é certo. Mas com a chance de ter uma família. Com a certeza de que é possível planejar o futuro sem tolher o futuro do próximo.

Esse deve ser o centro do nosso debate. Enquanto não pensarmos na absorção daqueles que deixam o sistema prisional após pagarem por seus crimes, estaremos sempre em uma roda vida, andando em círculos, combatendo violência com violência, intolerância com intolerância. O Estado precisa ser protagonista da mudança que todos precisamos.

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