segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quanto mais cargos, maior a cobiça

Do Piperácea/Valéria Prochmann:

Essa chamada estava na capa da revista Veja da semana passada (edição 2199). Enquanto o país desaba na tragédia climática, tudo em que os políticos e os que em torno deles gravitam conseguem pensar é na ocupação de cargos comissionados. Um verdadeiro festival patético que toma conta da República sempre que ocorre troca de governo, tanto fazendo se quem entra é situação ou oposição. O apetite é voraz.
A propósito, também escreveu o professor e líder do setor agrícola Roberto Rodrigues na Folha de S. Paulo de 15/01/11, bem lembrando que o objetivo primordial de tais cargos é o de servir ao país: “É essencial que os cargos sejam ocupados por gente capacitada, que tenha seriedade e compromisso com a estratégia referida. O que não faz sentido é a disputa do cargo pelo cargo, apenas para ocupar espaço, especialmente se essa ocupação estiver alicerçada em variáveis não recomendáveis, como fisiologismo ou ideologia. Lotear o governo para aparelhar seus organismos por interesses estranhos aos da sociedade é inaceitável. (…) O que os governos devem fazer é prestigiar os técnicos dessas organizações, dar-lhes condições ideais de trabalho para que possam contribuir para o progresso da nação, criando, inovando, construindo.”

A quantidade de cargos comissionados no Brasil é considerada excessiva e discrepante, refletindo-se diretamente na má qualidade da prestação de serviços públicos, pois grande parte de seus ocupantes é tecnicamente despreparada. Desde 2006 tenho pesquisado o assunto como jornalista para produção de matérias sobre gestão pública para a revista digital Ágora Administração do Conselho Regional de Administração do Paraná. Seguem algumas considerações válidas para a atual conjuntura política estadual e nacional, quando muitos formadores de opinião se declaram estarrecidos diante de algumas nomeações esdrúxulas, conduzindo à conclusão de que o excesso de cargos em comissão custa muito caro para os contribuintes e seu custo-benefício não compensa.

A carga tributária brasileira aproxima-se dos 40% do PIB – Produto Interno Bruto, conjunto da riqueza produzida pelo país, incluindo o aumento de impostos nas três esferas de governo: União, estados e municípios. Em 1993, esse percentual era de 25%. Para analistas econômicos e políticos, sua elevação contínua e desenfreada nos últimos anos reflete a falta de austeridade e o descumprimento dos compromissos com reformas de modernização do estado brasileiro, diante da necessidade de controlar a inflação e expandir os gastos sociais.

Um dos principais problemas no sistema tributário que requer reforma é a quantidade exagerada de tributos indiretos incidentes sobre a produção e o consumo. O resultado é conhecido: aumento da informalidade, sonegação e evasão fiscal. Especialistas preconizam a necessidade de tributar mais a renda e o patrimônio, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos. “A saída seria tomar por base a movimentação financeira para unificar os tributos declaratórios em uma base não-declaratória, insonegável, ampla, universal e de baixo custo. A queda dos tributos sobre salários e as margens das empresas estimularia a atividade produtiva”, defende Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, professor e vice-presidente da FGV – Fundação Getúlio Vargas.

Cresce também a percepção de que o país precisa de um “choque de gestão” que reduza o desperdício de recursos, notadamente no setor público, com menores encargos financeiros e maior controle dos gastos correntes. “Isso permitiria redução do risco e mais espaço para desonerar os investimentos produtivos”, afirma o doutor em economia Gesner Oliveira. Para ele, o Brasil precisa de choques de produtividade com salto educacional, que deve repercutir no setor produtivo mediante estímulo sistemático à inovação e ao empreendedorismo. Este, por sua vez, só pode deslanchar mediante um choque de desburocratização e desoneração da produção e do investimento, paralelamente ao acesso a mercados externos.

Na pauta da reforma do setor público está a redução drástica da quantidade alarmante de cargos de confiança, que cresceu substancialmente nos últimos anos. Em contrapartida, faz-se necessária a valorização das chamadas carreiras de estado, que devem ter salários dentro dos parâmetros do mercado para preservar as competências. Já as carreiras não-especializadas devem caminhar para a terceirização, com a devida supervisão. É preciso avançar no desenvolvimento das carreiras horizontais, com especialistas que podem atuar em vários órgãos do governo, como é o caso dos gerentes de projeto.

Para o jornalista Luís Nassif, “em graus diferentes, a desorganização gerencial espalha-se por toda a máquina pública federal, estadual e municipal. Não há o básico: indicadores de desempenho. Depois, o passo acima do básico: sistemas de avaliação que permitam ponderar cada indicador e conferir uma nota única a cada gestão”. Ele defende que o desenvolvimento dos indicadores e metodologias de avaliação é ponto de partida para qualquer análise qualitativa sobre custo-benefício dos gastos orçamentários públicos.

Gestor público moderno

Para o gestor público emergente, a ineficiência resulta da falta de foco nos resultados. O gestor público moderno esmera-se em conhecer profundamente a máquina e o ambiente da organização em que atua. O conhecimento das situações e das normas é tido como fundamental para permitir uma administração mais arrojada e empreendedora. Também procura entender o que quer o seu superior, por meio de uma metodologia que consiste em dialogar muito, analisar e compreender. Ele define metas bastante específicas. Combina formação acadêmica muito sólida à capacidade administrativa e à profunda sensibilidade política. Mas a determinação é a principal característica desse profissional: firma um pacto, estabelece um plano de ação, delega e cobra resultados. Por outro lado, despreza as atividades-meio, formalidades, rituais e solenidades, consideradas perda de tempo. Os mecanismos de gestão são considerados necessários para conciliar o equilíbrio financeiro com a qualidade dos produtos e/ou serviços.

Nos últimos anos, o governo do Estado de Minas Gerais inovou ao implantar a certificação para ocupação de cargos comissionados. Em convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais, é realizada uma prova aberta a todos que atendam a determinado perfil técnico. Os aprovados recebem um certificado que lhes possibilita a nomeação para o cargo em comissão, a qual fica restrita a esse universo. A novidade antecipa uma tendência exigida pela sociedade civil: a mudança de critérios para as nomeações políticas, invariavelmente caracterizadas por relações de compadrio, nepotismo e cartorialismo.

Abaixo a cleptocracia

Antes incensada como um valor coletivo no mundo dos negócios, a esperteza na obtenção de vantagens perde terreno. Criada em 2006 pelas organizações signatárias do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, a campanha “Empresa Limpa” tem por objetivo mobilizar a sociedade demonstrando a forma como a corrupção prejudica o desenvolvimento do país e divulgando preceitos de boa prática empresarial, resguardando os princípios de competitividade e livre concorrência. O referido pacto significa que, independentemente dos processos burocráticos legais, como licitações públicas, as empresas signatárias se comprometem a desenvolver mecanismos para apurar e erradicar as práticas antiéticas em suas cadeias produtivas como estratégias para obtenção de resultados econômicos (lucros). Entre as práticas antiéticas estão o suborno, a sonegação e a obtenção de vantagens em regulamentos que afetem a área de atuação da organização. “Surge na sociedade civil uma nova cultura empresarial de radical e ininterrupto combate à corrupção em todos os níveis”, afirmam os fundadores Oded Grajew, Ricardo Young Silva, Carlos Eduardo Lins da Silva, Giovanni Quaglia e Lucien Muñoz no manifesto de lançamento da iniciativa. O movimento está exigindo do empresariado a apresentação do registro de contribuições de campanhas eleitorais e propondo-se a colaborar com os poderes públicos nas investigações de irregularidades. Para seus idealizadores, a sociedade precisa diminuir a tolerância com agentes corruptos. A sociedade também está disposta a debater a legalização da atividade lobista, disciplinando o modo como as pressões dos setores organizados da sociedade podem ser exercidas dentro de parâmetros legítimos e não por meio de expedientes nebulosos.

A ONG Transparência Internacional dedica-se a apontar índices de corrupção e sugerir políticas de combate a esse crônico problema que aflige muitos países. Seu estudo anual intitulado “Barômetro da Corrupção Global” indica que a propina “remunera” os serviços públicos na América Latina e na África. A ONG Transparência Brasil, por sua vez, defende a criação de uma burocracia de estado mais competente com a redução drástica dos cargos comissionados, medida considerada essencial para restringir as possibilidades de corrupção na máquina pública. A CPI dos Correios chegou a sugerir que os mesmos sejam limitados a 1% do total de cargos em cada órgão público. Também propôs que os gastos com publicidade da União, estados e municípios limitem-se a respectivamente 0,2%, 0,5% e 1% das receitas correntes líquidas. Outra proposição foi a formação de um sistema nacional de combate à corrupção, coordenado pelo Tribunal de Contas da União, integrando ainda o Ministério Público, Banco Central, Controladoria Geral da União, Receita Federal, Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários e Secretaria da Previdência Complementar.

Repetida impunidade

“Quanto mais houver obediência espontânea às regras (comportamentos éticos), menos tempo e dinheiro serão desviados para a defesa de eventuais comportamentos não éticos e mais recursos podem ser aplicados nas atividades de produção e de trocas, aumentando o produto social e o bem-estar econômico”, constata o economista André Franco Montoro Filho, ao analisar os custos da corrupção para o país. Para ele, a repetida impunidade gera desânimo em quem cumpre suas obrigações e estimula atividades ilegais. “É preciso dar um basta no perverso processo de desagregação social gerado pela falta de ética nas relações sociais”, assinala. O professor da FGV Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque afirma que “é preciso ‘desprofissionalizar’ a política e desmantelar as organizações criminosas incrustadas no governo”. Segundo ele, a reforma político-eleitoral é demanda fundamental para moralizar a administração pública brasileira: “A política precisa de um tratamento de choque no Brasil para estancar o caudaloso fluxo de corrupção e desmandos na vida pública do país”, afirma. Ele também defende a radical redução dos cargos em comissão de livre provimento na administração pública a fim de fortalecer a formação de uma burocracia administrativa profissional e estável, entre outras medidas.

Para Rubens Ricupero, “a corrupção nomeia ineptos, desvia recursos, eleva custos e impede que o dinheiro chegue aos necessitados”. Já o cientista social Vinicius Torres Freire questiona: “A desconversa maior e séria é sobre a origem e o destino do dinheiro arrecadado via impostos: como tal divisão de recursos é politicamente determinada, quem recebe o quê e de quem?”

Ao anunciar os resultados de uma pesquisa mundial sobre as inquietações dos executivos, por ocasião do Fórum Econômico Mundial de 2006 na Suíça, o presidente da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), Samuel DiPiazza, observou que o maior nível de preocupação dos executivos com a corrupção aparece no Brasil e na Rússia. Segundo o levantamento, 67% dos empresários do mundo em desenvolvimento apontam a corrupção como problema principal ou muito significativo, índice que nas economias desenvolvidas cai para 32%.

O economista Cesar Maia qualifica como cleptocracia a corrupção instituída como forma de governo ou modo de produção política. Para ele, “faz-se urgente a construção de um contra-sistema de controle interno, como há em vários países, para minimizar as redes mafiolíticas” formadas, segundo Maia, pela sofisticação das velhas práticas patrimonialistas, clientelistas e assistencialistas, bem como pelo financiamento das máquinas políticas por meios escusos.

Por fim, recente pesquisa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) indica que, se conseguisse reduzir os índices de corrupção interna a patamares equivalentes aos do Chile – a nação menos corrupta da América Latina – o Brasil elevaria seu nível de riqueza em 23%. As conclusões apontam ainda que o custo médio anual da corrupção para o país é de US$ 10,7 bilhões ou aproximadamente R$ 25 bilhões, equivalente a 1,35% do PIB.

A burocracia é tida como um dos principais fatores causadores de corrupção. A solução passaria por diminuir o número de funcionários públicos e remunerar os remanescentes com salários de mercado, bem como a adoção de estratégias mais específicas e práticas de combate à corrupção, com reformas econômicas e mudanças institucionais: maior controle sobre o gasto público, obrigatoriedade de execução do orçamento público, incremento da transparência das compras governamentais por meios eletrônicos, simplificação do sistema tributário e fortalecimento das agências reguladoras. Novas regras para nomeações para cargos de confiança também são preconizadas pela Fiesp.

Atitude construtiva

Nesse contexto, merecem atenção algumas iniciativas que vêm sendo implantadas no setor público brasileiro, constituindo novas alternativas para o combate às estruturas arcaicas de um estado cartorial, patrimonialista, clientelista e ineficiente. Passo importante foi dado com a restrição ao nepotismo em todas as esferas da administração pública brasileira, decidida pelo Supremo Tribunal Federal em sua 13ª Súmula Vinculante em 20 de agosto de 2008, quando a prática foi declarada inconstitucional. A decisão abrange os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – nos âmbitos municipal, estadual e federal. Considera-se nepotismo a nomeação para cargo comissionado, função gratificada ou trabalho temporário de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau.

As nomeações para cargos de confiança tendo por critério o compadrio também parecem estar com os dias contados. A certificação para ocupação de cargos comissionados valoriza a qualificação para as funções. Os postulantes aos cargos devem ser adequados a perfis técnicos e submeter-se a provas para obter a certificação, considerada pré-requisito para a nomeação. Em São Paulo o governo estadual propôs em novembro de 2008 um projeto de lei para que as promoções e progressões nas carreiras públicas ocorram pelo princípio do mérito, segundo critérios de avaliação de desempenho. As promoções serão por concurso, beneficiando os mais preparados.

O novo processo deve estipular padrões de competência para as funções e avaliar de forma contínua os seus ocupantes, como explica o então secretário de estado de Gestão Pública de São Paulo, Sidney Beraldo no texto “Só confiança não basta” (Folha de S. Paulo 21/08/08). Serão descritos os requisitos profissionais, conhecimentos e habilidades necessárias ao desempenho das atividades relacionadas aos cargos a serem certificados. A avaliação será feita por meio de provas e a capacitação por meio de cursos, formando um banco de talentos para aproveitamento na administração.
Paralelamente, o estado deverá conter a expansão dos cargos comissionados, reduzindo-os ao mínimo necessário. Segundo essa nova lógica que tende a reger a gestão pública, os servidores serão avaliados por indicadores de absenteísmo, habilidades, currículos e produtividade. O objetivo é dar respostas à sociedade civil, que lhes cobra sistematicamente ações voltadas à profissionalização da estrutura de governo, eficiência da máquina pública e qualidade dos gastos.

A ocupação dos cargos públicos – sejam de confiança ou de carreira – deve ser balizada por critérios objetivos, técnicos e transparentes, garantindo-se a isonomia e sem dar margem a perseguições e favorecimentos. Com tais medidas, a administração pública brasileira começa a beneficiar-se dos preceitos de qualidade da gestão, a partir de uma atitude construtiva.

Sou de um tempo não muito remoto em que se era “convidado” a ocupar um cargo comissionado para fins de direção e/ou assessoramento. E também se usava a expressão “colocar o cargo à disposição” sempre que houvesse grave dessintonia entre o dirigente e o dirigido, troca de governo ou troca de titular do órgão ou da pasta. Na atualidade pós-moderna brasileira, ninguém mais parece ter a fineza de colocar seu cargo à disposição para evitar constrangimento. E quem quer entrar pede desesperadamente, sem aguardar um convite.

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