sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A esperança do Oriente

Por Yuri Gabriel Campganaro

A Revolução de Jasmim na Tunísia, que derrubou o ditador Ben-Ali, líder nacional desde 1985, ecoou até o Egito. O mundo inteiro acompanhou passo a passo os protestos que tiveram como lugar central a Praça Tahrir, ou Libertação, na cidade do Cairo. Reunidos pelas redes sociais, milhares saíram às ruas pedindo a retirada do ditador Mubarak, no poder desde os anos 80. Quanto mais aumentava a repressão do exército, baseada numa lei de exceção que há trinta anos vige no país, mais aumentava a resistência popular.

Liderados por jovens, os protestos se tornaram maiores e a praça Tahrir se tornou símbolo da resistência. Grupos que apoiavam o ditador (e policiais à paisana) atacavam com armas de fogo os militantes, causando a morte de mais de 300 pessoas. Os egípcios, entretanto, resistiram mais de duas semanas. O povo aderiu em peso, operários entraram em greve geral. A cidade de Alexandria também protestava.

Depois de muito sangue derramado e da presença de centenas de milhares de pessoas na praça Tahrir, a ditadura de Hosni Mubarak, apoiada pelos EUA, chegou a um fim. O Egito, país de maioria muçulmana, centro cultural do Oriente Médio, é dotado de uma história um tanto trágica. Foi extorquido pela Inglaterra no século XIX para a construção do Canal de Suez, que liga os países árabes à potência britânica, facilitando o transporte de petróleo. Nessa construção, a Inglaterra abdicou de seu mais importante “princípio” e utilizou trabalho escravo de egípcios na construção. Como pagamento às benfeitorias do canal, o Egito teve de “emprestá-lo” gratuitamente aos britânicos por 99 anos.

Em 1922, depois de muitos protestos, a própria Inglaterra tornou o país independente. O Egito se tornou uma monarquia, mas por meio de uma revolução nos anos 50, liderada por Gamal Abdel Nasser, adotou o regime presidencialista e uma postura totalmente autônoma com relação aos britânicos. O sucessor de Nasser, Anwar al Sadat, nos anos 1970, afastou o país da URSS e o aproximou dos Estados Unidos. Sadat conseguiu reconquistar o Sinai das mãos de Israel por meio de ataques militares e um posterior tratado de paz, o qual acarretou a retirada do Egito da Liga Árabe. Assassinado em 1981, seu sucessor no poder foi Hosni Mubarak.

Com uma economia baseada principalmente em agricultura, exportação de petróleo e turismo, há no Egito, país de 81 milhões de habitantes, mais populoso das Arábias, 13 milhões de pessoas que vivem em favelas, 47% destas na região da cidade do Cairo. O país disputa com a África do Sul o posto de maior potência econômica do continente, mas, segundo dados oficiais de 2010, tem taxas de desemprego em 9,4%, sendo que desse total 90% são jovens, num país em que dois terços da população tem menos que 30 anos.

Muito se comenta sobre o papel das redes sociais nas revoluções do Egito e da Tunísia, porém, o meio de comunicação evidentemente não é a causa de tanta agitação. Se antigamente usavam-se jornais clandestinos, panfletos e discursos em praça pública, hoje se utilizam outros meios. Mais importante nesses processos de revolução é o que foi comunicado, não como, mas o que reverberou na população árabe.

No contexto da guerra fria, os países do Oriente Médio tomavam um lado, ou o dos EUA ou o da URSS. Os países que apoiavam e eram apoiados pelos ianques eram monarquias ou ditaduras antidemocráticas, mas que atendiam aos interesses ocidentais, mantendo baixos os preços do petróleo, o que lhes rendia amplo mercado e lucros exorbitantes.

País que ilustra bem essa situação é a Arábia Saudita, em que o nome decorre da dinastia da família que lá governa, os Saud. Os países que reivindicavam uma melhor distribuição do dinheiro do petróleo passaram por fortes movimentos nacionalistas, que chegaram ao poder mediante golpes militares e que apoiavam e eram apoiados pela URSS. Estes procuravam sempre encarecer os preços do combustível.

O Egito de Sadat e Mubarak era mais uma dessas ditaduras interessantes aos EUA. São países que além dos elementos descritos acima, adotam uma postura não agressiva com relação ao Estado de Israel e que, segundo os ianques, contribuem na luta contra o terrorismo e o fundamentalismo islâmico.

Com a dissolução da União Soviética, toda a oposição aos governos árabes, dos dois lados, foi extinta. Sobraram apenas o chamado fundamentalismo islâmico e a oposição liberal pró-ocidente. Quanto mais foi desaparecendo a esquerda politizada nesses países, mais foi crescendo o fundamentalismo religioso.

Mas o que impressiona nas revoluções da Tunísia e, em especial, do Egito foi a ausência desse aspecto. Uma revolta pacífica, convocada por jovens, sem nenhum tipo de liderança, seja individual ou partidária, com cartazes escritos até em inglês, mostrando o desejo de se comunicar com o ocidente. Parecia um país pedindo por mais democracia, por mais liberalismo, querendo também pôr um fim em sua história. As demonstrações religiosas eram plurais, sendo que os momentos mais belos da resistência na praça Tahrir foram as orações muçulmanas, em que participavam milhares de pessoas, inclusive cristãos.

Conforme os dias foram passando, a violência do governo aumentava, 300 pessoas foram massacradas na praça Tahrir. Ainda assim, o povo resistia. Resistiu mais de duas semanas. Cada vez mais pessoas aderiam, greve geral e mais passeatas. Enquanto o governo articulava conversas com a oposição organizada, como a Irmandade Muçulmana, a praça resistia radicalmente. Era contra qualquer conversa, contra qualquer transição que não fosse iminente.

Vale a pena analisar qual foi a postura dos EUA durante o processo de revoltas. Primeiramente, inclusive devido à popularidade mundial das revoltas e à maciça adesão popular, a Casa Branca apenas dava declarações genéricas de apoio às lutas por democracia, mas sempre com uma ressalva, de que a transição fosse ordenada. Obama dava sinais claros de que não encorajava as revoltas num país que servia aos interesses do seu. O Departamento de Estado concedia declarações contrárias às da Casa Branca, defendendo que Mubarak liderasse a transição.

Após ver-se na impossibilidade de continuar defendendo a ditadura de Mubarak, o que parecia mais interessante aos ianques era que o vice-presidente Omar Suleiman assumisse, uma transição prevista inclusive pela Constituição do país. Não podia haver reforma mais dentro da ordem, revolução mais passiva, em termos gramscianos.

Suleiman foi nomeado vice-presidente em janeiro deste ano, antes disso era chefe do serviço de inteligência egípcio, desde 1991. Nos anos de 1990, trabalhou muito próximo do governo norte-americano de Clinton, rendendo terroristas. Segundo documentos vazados pela Wikileaks e relatos de ex-prisioneiros, Suleiman praticava a tortura. Era o “homem da CIA no Cairo”, segundo a rede de jornalismo Al Jazeera.

Entretanto, junto aos gritos de “fora Mubarak”, somaram-se os de “fora Suleiman”. A praça não queria reformas. Nos últimos dias da revolta, o presidente resistia, ameaçando inclusive golpe militar. Após pronunciamento em que não renunciou, sua situação se tornou ainda mais insustentável, por conta da ira dos protestantes. Mubarak, então, finalmente se retirou. Mas, quem assumiu o governo provisório para chamar as eleições foi o exército. Certamente que a participação militar no governo do país não tem o mesmo contexto que a entendemos latino-americanos, temerosos após anos de ditadura militar, mas, mesmo assim, o cenário não representa uma vitória completa dos militantes. Talvez, o cenário ideal aos manifestantes da praça Tahrir seria uma transição liderada por algum tipo de coalizão entre a oposição para convocar o mais rápido possível eleições diretas para presidente.

A transição realizada pelo governo provisório militar ainda está em andamento. Tudo parece incerto. Somente há a promessa de que haverá eleições em dois meses. De qualquer forma, EUA e Israel rapidamente se voltam para preservar seus interesses na área, temendo perder o controle no Oriente Médio, explorado durante séculos por governos ocidentais. Após o fim das revoltas, o presidente Obama rapidamente saudou o governo provisório do Egito, que manteve o tratado de paz assinado com Israel em 1979. O mesmo fez o próprio Estado de Israel, que o mais rápido possível afirmou que manterá os tratados assinados. Por que toda essa preocupação?

A revolução pode tomar dois caminhos fundamentais, diametralmente opostos. Pode ser uma revolução liberal-democrática, que apenas mude o tipo de governo, mas que mantenha o atrelamento aos EUA (num cenário ainda pior, pode ser repetida a ingerência ianque nos moldes do Iraque, onde ocorrem eleições fraudulentas e tumultuadas, com pouquíssima participação, em que é eleito um infiltrado da Casa Branca). Mas também pode, e é isso que justifica a tensão do ocidente, ser uma revolução autêntica, em que a luta contra a opressão de uma ditadura corrupta se transforme em uma luta maior, acarretando um descontentamento com as políticas norte-americanas, uma pressão contra Israel e outros cenários que hoje ainda parecem distantes.

O Egito e a Tunísia encheram de esperança o povo árabe. Hoje revoltas pipocam em muitos países da região. Na Líbia, violentos protestos contra governo de mais de 40 anos e centenas de mortes. No Bahrein, dois mortos no segundo dia de confrontos contra a monarquia. No Iêmen, 3.000 protestaram e entraram em conflitos. No Irã, estudante é morto em protestos.

Todas essas revoltas trazem consigo uma imensa insatisfação contra a ordem vigente na região. É quebrada, de uma forma ou de outra, a pax americana instalada há décadas e estabilizada na utopia liberal dos anos do fim da história, os anos 1990. O futuro ainda é incerto na região, ainda mais considerando que há protestos apoiados pelos EUA (como Irã) e outros não incentivados pelos americanos (como o próprio Egito). Apenas a resistência popular dos países é que determinará o rumo político dessas revoluções que já estão fazendo história.

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