sexta-feira, 8 de abril de 2011

Jirau e Santo Antônio: um canteiro de revoltas. Entrevista com Luis Fernando Novoa Garzón


A rebelião dos trabalhadores que constroem a usina hidrelétrica de Jirau não foi uma surpresa. Uma revolta em Santo Antônio no ano passado, um pouco menor, eclodiu a partir das mesmas razões que levaram à paralisação das obras. "No caso de Jirau foram mais concentrados e intensificados esses vetores de violação, mas o cenário de negligência e de abuso vale para as duas empresas”, explica o professor Luis Fernando Novoa Garzón durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone. Ele avalia que os fatores que explicam essa mais recente rebelião se encontram nas condições de trabalho oferecidas pelos consórcios responsáveis pelas obras. "O ritmo e as condições se processaram em função de um cronograma absolutamente irreal que as empresas adotaram em torno de uma concessão que é pública e de um bem público”, apontou.

Luis Fernando Novoa Garzón é mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas e doutorando em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente, é professor na Universidade Federal de Rondônia e pesquisador do Laboratório Estado, Trabalho,Território e Natureza, na UFRJ, vinculado à linha de pesquisa Setor Elétrico, Território, Meio Ambiente e Conflito Social.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A rebelião dos operários em Jirau pegou as empreiteiras e os sindicatos de surpresa. Por que as empreiteiras e os sindicatos não perceberam a tensão nos canteiros?

Luis Fernando Novoa Garzón – Foram várias frentes de abuso e de negligência da parte das empresas construtoras e isso vale para as duas obras: Jirau e Santo Antônio. No caso de Jirau, esses vetores de violação, foram mais concentrados e intensificados. Podemos avaliar que, nesse conjunto de fatores que explicam essa rebelião, encontram-se, em primeiro lugar, as condições de trabalho, ou seja, o ritmo e as condições de trabalho se processaram em função de um cronograma absolutamente irreal que as empresas adotaram arbitrariamente, em torno de uma concessão que é pública e de um bem que é público. No caso, fornecimento de energia para o Brasil a partir do rio Madeira, com base na região amazônica.
Ou seja, são campos em que a empresa deveria atuar sob determinadas regras e condições, com base em outorgas e licenças. Na verdade, todas essas condicionantes, atribuições ou responsabilidades simplesmente foram tratadas como mera formalidade. Na prática, as empresas trataram de diminuir ao máximo o custo e obter o máximo de rentabilidade em cada uma das etapas da implementação das usinas hidrelétricas, especialmente no processo de construção, antecipando a operação para poder vender energia no mercado livre. A responsabilidade por esses últimos eventos é tanto das empresas concessionárias quanto das esferas administrativas responsáveis por fiscalizar e também por autorizar a atuação dessas empresas.

IHU On-Line – A centrais sindicais apenas agora estão reagindo à realidade dos trabalhadores nos canteiros de obras do PAC. Esse atraso na reação se deve ao fato de que as principais obras do PAC estão nas regiões Norte e Nordeste? São as centrais sindicais mais sensíveis aos acontecimentos do Sudeste?

Luis Fernando Novoa Garzón – A questão não é a presença formal das centrais sindicais e do movimento sindical na região. Nos últimos anos, o movimento sindical esteve plenamente atrelado à agenda governamental, que é, ao mesmo tempo, a agenda dos grandes negócios. É possível perceber que o mergulho do movimento sindical serviu para retirar da pauta do PAC a discussão sobre a qualidade dos novos empregos criados; não se discutiu as condições de trabalho, de moradia e de saúde dos empregados; não se discutiu a respeito da qualificação profissional. O que houve foi um apoio cego a um projeto desenvolvimentista vazio em termos do resgate da dívida social do país, um "crescimentismo” que não considera, com o mesmo grau de equivalência e de importância, os requerimentos dos investidores e as contrapartidas sociais e ambientais. Esse vazio de compromisso com a população se manifesta nessas rebeliões que estão eclodindo não só em Jirau, mas em vários canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de forma simultânea. Isso indica que não são atos isolados, e sim um problema da lógica do programa, um problema do conteúdo e da condução do PAC. A ausência de parâmetros e critérios socioambientais no planejamento e execução desses empreendimentos retira qualquer tipo interface social desse programa, ou seja, sua previsibilidade.
As centrais agora procuram correr atrás do prejuízo de representação, tentando preencher tardiamente o vácuo político deixado, um vazio de negociação e de diálogo com os trabalhadores e com a população local afetada.

IHU On-Line – Como o senhor interpreta a reação quase nula dos ambientalistas aos acontecimentos de Jirau? Por que o movimento ambiental é rápido em denunciar agressões ao meio ambiente nas grandes obras e lento em reações às agressões no mundo do trabalho?


Luis Fernando Novoa Garzón – Em primeiro lugar, há uma grande heterogeneidade no movimento ambiental, seja internacionalmente, seja nacionalmente. Setores do movimento ambientalista no interior da Plataforma BNDES – articulação de movimentos e organizações sociais que reivindica o controle social sobre a política de financiamento do Banco – têm exercitado essa aliança com os trabalhadores e com os movimentos comunitários e urbanos dos locais em que essas obras vêm sendo implementadas.
No caso de Rondônia, sempre procuramos consolidar essa aliança. Mas certamente essa reação é heterogênea. Percebe-se que muitas organizações ambientalistas acabam se transformando em uma extensão do mundo empresarial e das instituições multilaterais. A atuação ambientalista institucionalizada passa a ser objeto dos departamentos empresariais ou um desdobramento previsto do planejamento corporativo. Uma coisa é o movimento ambientalista que vê o meio ambiente como uma espécie de nicho de mercado; outra é o movimento socioambiental e sua potencial aliança, que no Brasil já fez história, tem suas tradições, com fortes raízes na Amazônia, na luta dos seringueiros, dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Particularmente, e acho que isso não desaparece.

IHU On-Line – Há evidências por parte do governo e das empreiteiras na construção dessas grandes usinas de reedição de práticas utilizadas pelos militares?

Luis Fernando Novoa Garzón – Sim, podemos fazer esse paralelo: as próprias empresas agora inclusive assumem que dependem de milícias privadas para controlar tamanho volume de mão de obra, e concluir a obra a jato, de forma acelerada, sem respeitar qualquer condicionante. Os dois consórcios, a Energia Sustentável do Brasil – ESBR e a Santo Antônio Energia – SAESA, fazem uso de práticas de espionagem e de repressão ostensiva, que podemos classificar como práticas ditatoriais, só que privadas.
Após a rebelião, o governo federal, a pedido do governador do estado, reagiu enviando imediatamente a Força Nacional. Isso é uma demonstração de despreparo e de incapacidade de manter diálogo ao longo dos anos com a população local afetada e com a força de trabalho que toca esses projetos. Há anos trabalhadores explorados e atingidos pelas obras do Madeira tentam se fazer ouvir na esfera federal. Até agora não possuem resultados palpáveis.

IHU On-Line – Como se comportou a administração petista de Porto Velho diante dos acontecimentos de Jirau?

Luis Fernando Novoa Garzón – Em Porto Velho, a administração sempre apoiou os empreendimentos de olhos bem fechados, no intuito de receber contrapartidas desvinculadas, sem transparência na sua intermediação, e, por isso, fez coro ao discurso das empresas e afirmou que eram atos de vandalismo. Como já disse, essa explosão social é fruto de uma somatória de negligências e de abusos promovidos a partir do início das obras, em novembro de 2008 até agora, criando um caldeirão de insatisfação. Os distritos não foram preparados para receber milhares de trabalhadores; a própria cidade não foi aparelhada em termos de serviços urbanos, saúde, educação, transporte e moradia para comportar o aumento populacional. Faltou ainda informação e diálogo franco com as comunidades afetadas.
Não se trata apenas de uma rebelião ou de uma revolta trabalhista. Em Jirau colhe-se o resultado de um intento que caiu de paraquedas sobre o território, sem qualquer respeito, sem qualquer disposição de estabelecer pontes de entendimento e de reciprocidade com o local. A resposta é uma explosão social, uma ruptura territorial, por conta da arrogância empresarial e da cumplicidade governamental. Uma parceria público-privada que, na verdade, é absolutamente particularista na sua forma de implementação e de exercício.

IHU On-Line – Qual é a reação da população de Rondônia diante dos acontecimentos? Com tantos imigrantes no Estado, a população é solidária aos trabalhadores ou assimilou a ideia vendida pelos meios de comunicação que os acontecimentos foram coisa de vândalos?

Luis Fernando Novoa Garzón – Essa acusação de vandalismo só cabe na boca das empresas e de seus porta-vozes políticos. Nessas parcerias público-privada, tudo que é público foi abstraído. A população de Porto Velho viu esses episódios com frustração, com a percepção de que o seu território, o seu rio, a sua floresta, o seu conjunto de recursos e riquezas estão sendo instrumentalizados à sua revelia e em seu prejuízo. A propaganda oficial das usinas usou o mote que Rondônia estaria contribuindo decisivamente para garantir o ritmo de crescimento do país, com fornecimento energético adicional. Mas o que a população que está em Rondônia receberia do Brasil não foi garantido, não foi detalhado e não foi acordado devidamente. Tudo aquilo que deveria ser premissa para a aprovação e o início das obras. O que vimos foi um conluio entre as elites políticas do estado, governo federal e concessionárias no sentido de que a obra saísse o mais rápido possível, a fim de que o negócio começasse a girar, fazendo com que os recursos começassem a circular nas esferas econômicas e políticas, nas contratações, subcontratações, e contribuições eleitorais.
Sofremos uma grande intervenção territorial, uma grande intervenção econômica, de caráter irreversível, e nós não temos até agora os instrumentos para regular, mediar e poder equalizar os efeitos dessa intervenção.

IHU On-Line – Quem hoje, efetivamente, do movimento social em Rondônia está acompanhando a situação dos trabalhadores nos canteiros do complexo do Madeira? A Igreja tem acompanhado e se pronunciado?

Luis Fernando Novoa Garzón – O Movimento dos Sem Terra, além de outras organizações camponesas, sempre foi muito ativo no estado de Rondônia, que é uma área de fronteira agrícola que começou se consolidar nos anos 1980. Então, o MST, o Movimento Camponês Curumbiara, entre outros, fizeram-se muito presentes a partir dessa década, especialmente no interior do estado, na região centro-sul de Rondônia. Porto Velho, por ser capital administrativa, nunca teve dinamismo econômico próprio, a cidade nunca teve tradição organizativa pela base.
Há zonas territoriais instáveis, com baixíssimo grau de organicidade e de atendimento pelo estado. Há áreas que acabam se intercomunicando, o crime organizado tem encontrado terreno fértil nesse sentido. Existe uma fragilidade institucional de parte do governo, porque não se têm instituições maduras, nos planos estadual, municipal e federal, instituições que deem conta de administrar um projeto tão complexo, com tantos efeitos encadeados e cruzados, como também há um problema de fragilidade organizativa dos movimentos que têm escassa história na região. A partir desses eventos tem-se uma percepção dos movimentos nacionais e de suas redes de que é necessário fortalecer espaços de organização que possam ser locais e nacionais ao mesmo tempo. Do ponto de vista político, há um saldo positivo inegável da revolta de Jirau que é o fato de ter mostrado o tamanho do buraco do PAC, de ter desnudado esse programa voltado para as grandes empresas e de ter sido formatado para trazer retorno financeiro, mas que não garante, em seu bojo, a meta de ampliação da cidadania.

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