quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Vale deve enfrentar nova guerra bilionária na Justiça

A Vale e outras mineradoras que atuam no Brasil deverão enfrentar uma nova batalha judicial envolvendo uma cifra bilionária, desta vez contra os maiores Estados produtores de minério de ferro do país, que adotarão taxas de fiscalização sobre a extração mineral a partir do final de março.

Advogados consultados pela Reuters questionam a legitimidade de Estados para a criação dos tributos, mas avaliam que, para derrubar a taxação, as mineradoras terão pela frente mais uma batalha fiscal que deverá levar alguns anos para ser resolvida na Justiça.

"A criação de taxas por Estados é questionável; não acredito que se mantenham por muito tempo", avaliou o advogado André de Souza Carvalho, do escritório Veirano Advogados.

"Mas ao conferir competência de fiscalização aos Estados, a Constituição pode deixar implícito aos olhos de quem julga que eles têm competência para cobrar por esta atividade, levando a uma longa discussão nos tribunais", ponderou.

No caso de não conseguir derrubar na Justiça as novas leis estaduais, a Vale (maior produtora de minério de ferro do mundo) desembolsaria anualmente centenas de milhões de reais para os Estados, levando-se em conta os últimos dados de produção da companhia e projeções de mercado.

Será mais uma disputa tributária entre Vale e setor público. A mineradora tem um imbróglio avaliado em mais de 26 bilhões de reais com a Fazenda, que cobra da mineradora imposto de renda sobre lucros no exterior. O tema está sendo questionado pela mineradora tanto na esfera administrativa como na Justiça.

Com o DNPM, autarquia federal que regula o setor, a Vale também discute na Justiça o pagamento de royalties decorrentes de deduções de tributos e gastos com transportes, além de cobrança de royalties de subsidiárias localizadas no exterior, num valor total de 7,8 bilhões de reais em questionamento. A Vale provisionou em seu balanço financeiro perdas com o pagamento ao DNPM.

R$600 MI DA VALE AO PARÁ

Somente no Pará, onde está Carajás, a maior mina de ferro a céu aberto do mundo, a Vale terá de deixar, se nada mudar em relação à nova taxa, cerca de 600 milhões de reais, considerando produção anual da ordem de 100 milhões toneladas.

A Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração a Aproveitamento de Recursos Minerários entra em vigor a partir de 29 de março no estado paraense, com a taxação de 6 reais por tonelada de minério extraído. O governo estima arrecadar cerca de 800 milhões de reais com a nova cobrança.

Em Minas Gerais, Estado que responde por quase dois terços da produção de ferro da Vale, parte da produção anual da ordem de 190 milhões de toneladas será taxada com 2,18 reais por tonelada a partir de 27 de março.

Ao contrário do Pará, Minas isenta de taxação o minério que é beneficiado ou industrializado no Estado. O governo mineiro estima uma arrecadação anual de 400 milhões de reais a partir da nova taxação. Boa parte deste valor deverá ser cobrado da Vale.

O Amapá também aprovou cobrança semelhante pela qual as mineradoras deverão desembolsar 4,53 reais por tonelada de minério extraída a partir do dia 31 de março.

O Estado afirma que ainda não definiu sobre quais minerais incidirá o tributo, quais terão isenção, nem se a Vale será afetada. A empresa produz caulim no Estado.

"Estamos fazendo um mapeamento para ver o impacto desta taxa sobre as empresas. Só cobraremos a taxa de empresas que poderão pagar por ela", afirma o diretor do Departamento Mineral do Estado do Amapá, Paulo Contente.

O analista Fábio Weber, da Ativa Corretora, afirma que a cobrança causa preocupação. "Pode parecer pequeno, mas é um novo imposto significativo sobre a receita da Vale, não tem como não afetar enquanto estiver valendo", afirma.

Já o especialista Rogério Zarpao, da Safra Corretora, não considera a possibilidade de a Vale ter mais uma despesa, pois, para ele, a cobrança será facilmente derrubada na Justiça.

SEMELHANÇA COM DETRAN

O procurador-geral do Estado do Pará, Caio de Azevedo Trindade, argumenta que a nova cobrança tem a mesma finalidade das taxas pagas pelos brasileiros aos Detrans, órgãos estaduais que fiscalizam a frota de automóveis, e é respaldada pela Constituição Federal.

"Exemplo da legitimidade da taxa são os Detrans, as taxas que nós pagamos pelo simples fato de termos o carro. Somos obrigados a pagar uma taxa para fiscalização e controle da frota", disse.

Segundo ele, o simples fato de haver um órgão fiscalizador é suficiente para garantir constitucionalidade da taxa.

"Segundo o artigo 23 do inciso 11 da Constituição Federal, a União, Estados e municípios têm o dever de fiscalizar o exercício da atividade minerária e de recursos hídricos de seus territórios", disse a Reuters o procurador.

"Ora, se a Constituição determina que Estados exerçam poder de polícia, ela automaticamente permite ao Estado instituir e cobrar um tributo que lhes permita exercer essa fiscalização", acrescentou o advogado do Pará.

Mas há quem discorde.

"Todas essas leis exacerbam a competência dos Estados, que têm o poder de fiscalizar, mas não de cobrar", discorda o advogado Emmanuel Bar, do mesmo escritório Veirano Advogados.

Ele explicou que as entidades representativas do setor de mineração podem entrar com ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Ações individuais, das empresas, lembrou ele, limitam-se à primeira instância do judiciário.

Outras mineradoras estão se articulando para entrar na Justiça, segundo advogados. A Vale não comenta o assunto, mas chegou a declarar, logo quando as taxas foram aprovadas, em dezembro último, que questionaria na Justiça a nova cobrança.

IMPOSTO TRAVESTIDO DE TAXA

O advogado Márcio Pereira, do escritório Schmidt, Valois, Miranda Ferreira e Agel, defende que, mesmo que a Justiça avalie como correta a competência dos Estados para a criação de taxas, deverá concluir que na verdade não se tratam de taxas, mas sim de impostos.

"Os impostos incidem sobre a geração de riquezas e o conceito de taxa sugere que deveria ser um valor fixo e não poroporcional à produção como é o caso dessas leis estaduais", avalia. "São impostos travestidos de taxas", acrescentou.

Advogados e especialistas avaliam que os Estados cansaram de aguardar mudanças tributárias pelo governo federal, no que diz respeito a royalties e à Lei Kandir, e partiram para a criação de suas próprias, com vistas a compensar as perdas de arrecadação sofridas desde a isenção de impostos sobre exportações (com a Lei Kandir). (AE)

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