quinta-feira, 30 de junho de 2011

GOVERNABILIDADE = CHANTAGEM: Sob pressão da base, governo cede e prorroga validade de emendas

Pressionada pela paralisação das votações no Congresso e pelo risco de ver aprovados projetos contrários ao interesse do governo, a presidente Dilma Rousseff cedeu à pressão da base aliada e decidiu prorrogar por mais 90 dias o decreto presidencial que determinava o cancelamento, a partir de hoje, de aproxidamente R$ 4,5 bilhões dos chamados “restos a pagar” do orçamento de 2009. Dentro desses recursos, havia emendas parlamentares, o que desagradava aos deputados e senadores.

A prorrogação do decreto, decidida ontem à noite em uma reunião de Dilma com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais), deve ser publicada hoje em uma edição extraordinária do Diário Oficial da União. Agora, somente os restos a pagar cujas obras a que eram destinados não forem iniciadas até 28 de setembro é que serão invalidados. Com isso, os parlamentares ganham tempo para que as obras em suas bases possam ser iniciadas.

A decisão de Dilma foi tomada quando o Planalto percebeu que ga­­­nhava corpo a rebelião de parlamentares contra o cancelamento dos restos a pagar.

“Cada ação gera uma reação. E a reação de um parlamentar, quando se sente caloteado pelo governo, é paralisar as votações”, disse o coordenador da bancada paranaense na Câmara dos Deputados, Fernando Giacobo (PR), antes da decisão da presidente. Ontem, os deputados cumpriram a ameaça feita na terça-feira e paralisaram todas as votações na Câmara. Além disso, chamaram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para pedir explicações no Congresso sobre os cortes orçamentários. E também marcaram para hoje uma reunião na qual decidiriam quais assuntos serão votados até o recesso parlamentar de julho, numa clara ameaça de que poderiam apreciar temas que não são de interesse do Planalto.

Além disso, a Comissão Mista de Orçamento completou ontem a terceira semana seguida sem quórum para votações. A manobra tem atrasado a leitura da Lei de Diretrizes Orçamentá­­rias de 2012.

Congressistas da oposição e da base aliada defendiam exatamente a edição de um novo decreto prorrogando a data-limite para a perda de validade dos restos a pagar. Mas eles queriam que a prorrogação fosse de mais seis meses, e não de três. Até ontem à tarde, a presidente não vinha dando sinais de que aceitaria a proposta. A ordem era não abrir margem para aumento de gastos em um ano no qual o governo já programou cortes de R$ 50 bilhões para conter a inflação. Mas, diante da rebelião, Dilma teve de ceder.

Imbróglio

O imbróglio que envolve os restos a pagar é resultado da estratégia de execução orçamentária adotada durante os últimos dez anos pelo governo federal. De acordo com estudo da Con­­federação Nacional dos Mu­­nicípios (CNM), o estoque dessas despesas subiu de R$ 15 bilhões em 2001 para R$ 128,6 bilhões em 2011. Mais da metade desses valores são referentes às emendas parlamentares.

Entre os estágios de realização de uma despesa pública, há o momento em que o governo reserva recursos (empenho), seguido pela fase em que a obra ou programa é entregue (liquidação) e, por último, quando ocorre o desembolso do dinheiro (pagamento). Os restos a pagar são os montantes empenhados ou liquidados que não foram pagos ao longo da execução anual do orçamento e são transferidos para o próximo ano.

O professor de orçamento público James Giacomoni, da Universidade de Brasília (UnB), explica que o acúmulo está relacionado a outras contas do governo. “O Executivo fica segurando a execução do orçamento até o final do ano porque quer garantir a meta do superávit. É como um carro que fica com o freio de mão puxado até outubro e que só corre solto nos meses em que a meta já foi cumprida.”

Regras claras

Segundo o deputado Giacobo, o mais importante não é a prorrogação do decreto, que trata apenas de empenhos realizados em 2009, mas a definição de regras claras de como e quando o governo pretende honrar o restante dos restos a pagar. “Há vários projetos que não saíram do papel justamente porque o governo não tem condições de fiscalizar e autorizar o começo da obra. Preservar esses recursos é uma questão de justiça, principalmente com os pequenos municípios.”

Os conflitos relacionados aos restos a pagar – e, por conse­­quên­­cia, às emendas parlamentares – não são novidade. Como o sistema orçamentário do Brasil segue o modelo autorizativo, no qual o governo decide como e quando executar as despesas orçamentárias, as demandas incluídas pelos congressistas não precisam ser cumpridas. Em 2010, por exemplo, cada deputado e senador pôde sugerir R$ 13 milhões em emendas – o que não quer dizer que todas elas serão acatadas.

Normalmente, membros da base aliada que demonstram fidelidade ao governo nas votações são mais contemplados. “É legal o uso desse mecanismo? Sim. Mas a maneira como é feita é imoral porque não se observa o interesse público”, diz o cientista político Valdir Pucci, da UnB.

Para ele, o ideal seria a adoção de um sistema orçamentário impositivo, no qual o governo seria obrigado a cumprir o que foi aprovado pelo Congresso. “Há os que defendem o fim das emendas, mas não me parece o melhor caminho. O mais correto era permitir um acesso igual a todos os parlamentares”, completa Pucci. (GP)

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