sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Polêmica dos trotes universitários: festa ou humilhação?


GABRIELA ZAVADINACK/JORNAL COMUNICAÇÃO - UFPR

Os anos passam e a tradição do trote persiste em todo início de calendário acadêmico. E a discussão sobre sua violência também continua. Não é preciso ir longe para perceber que a humilhação imposta aos calouros durante os trotes se torna cada vez mais comum. E os novatos aceitam as "brincadeiras" dos veteranos sem contestar. No último dia dois, por exemplo, os novos alunos do curso de Agronomia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) foram pisoteados durante o trote.

Segundo a psicóloga social da PUC-PR Neuzi Barbarini, o medo de ser excluído do grupo é o que impulsiona o calouro a aceitar todas as situações do trote. É aí que reside a confusão. “O trote é visto erradamente como um rito de passagem para a universidade, quando, na verdade, é a passagem para outra posição social”, diz. Segundo ela, este é um ritual para que o calouro passe de humilhado à posição de “humilhador”, pois no próximo ano é ele quem será superior.

Outro ponto importante é o processo de integração. Não é comum que grupos já formados humilhem pessoas recém chegadas. “O comum é que ocorra o acolhimento, a vontade de saber quem é, o interesse na pessoa nova, e não um tratamento hierárquico”. Para Barbarini, esse processo se inicia na pessoa que tem o interesse de entrar no grupo. “Não é necessário que haja a humilhação para que o calouro entre, mas, sim, uma demonstração inicial de que se quer participar de um grupo já formado”, completa.

Visão dos veteranos

Quanto aos veteranos, a conversa muda. Alguns deles dizem que tudo não passa de uma brincadeira inocente e comum a todas as universidades. Segundo a psicóloga, não é bem isso o que está implícito em seus atos durante o trote. “Os veteranos precisam afirmar uma posição social superior”, afirma. Muitos acreditam que a vingança também é um dos principais pontos que motivam o trote. Porém, de acordo com Barbarini, não há lógica nisso, uma vez que não há como você aplicar a vingança em uma pessoa que nada lhe fez. “Se o veterano quer se vingar, ele terá que fazer isso com quem o humilhou e não com um calouro qualquer”.

Seguindo o mesmo raciocínio, o aluno de jornalismo do segundo ano da PUC-PR, Durval Ramos Júnior, condena o trote. Quando ingressou na faculdade, em 2008, ele se recusou a participar da "festa" e, até hoje, é tratado de forma diferente pelos veteranos. Para ele, o fato de o calouro entrar na faculdade e ser logo apelidado de "calouro burro" não é a melhor maneira de se iniciar uma vida acadêmica. "Eu não vejo sentido algum em me vingar de quem não me fez nada. Deveria haver um trote ao contrário, uma humilhação dos veteranos", protesta.

Já segundo o Coordenador Social do CAL (Centro Acadêmico de Letras) da UFPR, Júlio Cezar Marques, os calouros gostam do trote. “Todos os calouros que participaram curtiram muito o trote. Até de pedir dinheiro no sinaleiro eles gostaram”. Há também o chamado “trote solidário”, em que calouros devem doar sangue, visitar creches, ajudar em reformas de centros acadêmicos, o que, segundo Marques, agrada aos recém chegados. Para ele, quando os calouros não participam do trote, eles tendem a se isolar. “Isso acontece porque esse é o momento de integração entre calouros e veteranos e, se o calouro não participa, acaba ficando num canto sozinho depois”, finaliza.

Para evitar situações assim, alguns Centros Acadêmicos promovem semanas direcionadas aos calouros. De acordo com o presidente do Centro Acadêmico de Design (CADI), Alexander Czajkowski, o calouro não corre o risco de ser isolado porque há uma variedade de opções nessa semana. “Caso ele não se identifique com uma atividade, ele pode participar de outra. De um jeito ou de outro ele se inclui”, conta.

Bichos

Para a psicóloga Neuzi Barbarini, a solução para o trote seria a chamada produção de subjetividade. Deixar clara a idéia de que o calouro se submete à situação de um animal e que age como um subalterno seria um começo. “Se o calouro soubesse o que está por trás do trote, talvez ele se recusasse a participar”. Uma segunda opção seria recepcionar os calouros com uma festa, pois é um momento importante na vida deles e que, portanto, deve ser festejado. “O que não pode haver é a humilhação e a animalização de uma pessoa que acaba de chegar ao grupo”, ressalta.

Mas, de acordo com Barbarini, o problema é muito mais sério do que se imagina. “O que preocupa é que atitudes semelhantes ao trote acontecem a todo o momento: um guardador de carros humilhado, uma professora tratada como ser inferior, uma empregada doméstica maltratada pela patroa”. Todas essas situações têm a mesma raiz e todas se assemelham ao trote: alguém que se acredita superior e capaz de humilhar os outros. “É necessário um esforço mútuo para que situações assim tendam a diminuir cada vez mais”, finaliza.

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