quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Ainda não é suficiente", dizem jornalistas que conseguiram acesso a documentos da Ditadura Militar

Na última quinta-feira (21), o Ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, liberou totalmente o acesso a documentos da Ditadura Militar para 12 representantes de perseguidos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, entre eles dois jornalistas. Eles estão sob a guarda do Arquivo Nacional, que abriga hoje o Sistema Nacional de Informação e Contrainformação (Sisni).

O pedido de acesso foi feito há cerca de um mês pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos ao ministro e agora consta da Portaria 1.668, de 20 de julho de 2011, publicada no Diário Oficial do dia 21. Há expectativa de, nos documentos, haver informações dos desaparecidos, um total de 383, segundo a Comissão.

Ivan Akselrud de Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe/SP) e jornalista, é um dos 12. Seixas foi preso com 16 anos, em 1971, junto com seu pai, Joaquim Alencar Seixas, que acabou morrendo na prisão então sob comando do coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra. "O acesso a esses documentos é público, porém restrito. Só representantes diretamente ligados aos interessados, nesse caso, familiares, tem acesso total. A Comissão recebeu essa Portaria. Não é suficiente, faltam outros documentos. Mas precisamos saber o que tem nesses, para continuar", disse.

O objetivo da Comissão está bem definido "Descobrir pistas que nos levem às circunstâncias das mortes e desaparecimentos, os locais onde os corpos foram sepultados e os responsáveis por isso", conta o jornalista de Foz do Iguaçu, Aluízio Palmar, militante político e perseguido na época da Ditadura que, há anos procura pistas e documentos referentes à época dp regime militar. Ele descreve, no livro "Onde Foi que Vocês Enterraram Nossos Mortos", a busca que fez para encontrar os corpos de 12 militantes de esquerda mortos no Parque Nacional do Iguaçu.

Mesmo com a Portaria, Palmar afirma que a luta não acabou. "Estamos na luta há 40 anos pela abertura total dos arquivos. E vamos continuar nossas reivindicações pelos arquivos das forças armadas e das delegacias da polícia federal, inclusive do arquivo da policia federal de Foz do Iguaçu, que foi enviado para Brasília e desapareceu".

Entre os outros brasileiros a terem acesso aos arquivos estão quatro integrantes da família Almeida Teles. Maria Amélia de Almeida Teles foi presa na Vila Mariana, na capital paulista, no dia 28 de dezembro de 1972. Seu marido, César Teles, já estava detido. Os dois coordenavam a gráfica do Partido Comunista do Brasil, ao qual pertenciam à época da guerrilha do Araguaia. No dia seguinte, a polícia invadiu a casa da família e deteve sua irmã, Criméia Almeida, e seus filhos, Janaína e Edson, na época com 5 e 4 anos de idade. Nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), todos foram torturados física e psicologicamente.

Amelinha, como é conhecida, explica que essa é mais uma etapa da luta para se ter acesso aos arquivos. "São muitos anos trabalhando em busca de informações. Nós fomos o grupo que abriu, de certa forma, os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em SP, PE, RJ, PR... E agora conseguimos isso", relata. Assim como Seixas e Palmar, ela acredita que ainda não é o suficiente. "Nós entendemos que os documentos que foram ao Arquivo Nacional não vão responder às nossas necessidades, mas podem nos dar mais pistas e nos ajudar muito. Precisamos saber onde estão os restos mortais de nossos desaparecidos. Temos que ter mesmo os relatórios das forças militares", afirma.

As pesquisas do grupo não podem sofrer nenhuma restrição do Estado e darão subsídios para a Comissão da Verdade que deve ser instalada em breve. Para acessar os documentos, os doze escolhidos terão de assinar Termos de Responsabilidade pelo Uso e Divulgação de Informações Sobre Pessoas, preencher o Cadastro Anual de Pesquisador e habilitar-se como usuário de pesquisa continuada do Ministério. Por enquanto só a Comissão tem acesso, mas as informações serão divulgadas na medida do possível, já que há restrições. "Faremos uma reunião semana que vem para decidirmos como será a divulgação do que encontrarmos", diz Palmar.

A lista dos 12:

I - Aluízio Ferreira Palmar, RG 672.320-9 - SSP/PR;
II - Criméia Alice Schmidt de Almeida, RG 799.15814 - SSP/SP
III - Edson Luiz de Almeida Teles, RG 173.85264-6 - SSP/SP;
IV - Helenalda Resende de Souza Nazareth, RG 225.2043 -SSP/SP;
V - Iara Xavier Pereira, RG 053.89601-5 Detran/RJ;
VI - Ivan Akselrud de Seixas, RG 107.49803 - SSP/SP;
VII - Janaína de Almeida Teles, RG 161.11919-0 - SSPSP;
VIII - Laura Petit da Silva, RG 386.2047 - SSP/SP;
IX - Maria Amélia Almeida Teles, RG 497.6428 - SSP/SP;
X - Maria do Amparo Araújo, RG 172.5669-SSP/PE;
XI - Maria Eliana de Castro Pinheiro, RG 745.857 - SSP/CE, e
XII - Suzana Keniger Lisboa, RG 201.1412257 - SSP/RS.

Julgamento do coronel Ustra

Além do acesso aos documentos, há outro motivo para a Comissão ter, ao menos, esperança de justiça. Na tarde desta quarta-feira (27), foi realizada audiência para julgar o processo de acusação contra o coronel Ustra, ex-comandante do Dops, no Fórum João Mendes, no centro da capital paulista. Ustra foi o primeiro acusado de tortura ocorrida durante a ditadura a ser julgado no país. Em 2006, enfrentou julgamento de ação movida pela família Almeida Teles. E agora enfrenta ação da família Merlino. Ustra é acusado de torturar e matar, em julho de 1971, o jornalista Luiz Eduardo Merlino.

Amelinha foi ao julgamento e disse que não ficou surpresa por Ustra não ter comparecido. "Ele tem medo do povo e é muito covarde. Ele é responsável pela morte de uns 70 militantes, na época que era comandante. Acho que ele vive em pânico. Porque pra pessoa aparecer e olhar pra frente, ela precisa ter certeza de que está certo. E ele não está", disse. Mas ela acredita que o desfecho do julgamento pode ser diferente. "Eu acho que a ação que fizemos, repercutiu. A família Merlino vem agora com mais força política e com mais força jurídica. E, com certeza, será um fato histórico para que o Brasil repense a estratégia de manter a impunidade", finaliza.

Assim como em 2006, o julgamento de Ustra busca apenas uma penalização simbólica, uma vez que tanto agentes do Estado quanto cidadãos que se insurgiram contra o regime militar foram igualmente beneficiados pela lei da anistia. (Portal Imprensa)

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