sexta-feira, 12 de novembro de 2010

BNDES financia retrocesso do aparelho produtivo, que deve prosseguir no próximo governo

Valéria Nader e Gabriel Brito

Contrastando com a notável indiferença e apatia popular no atual cenário pré-eleitoral, o aparente êxito de nossa economia tem provocado exaltadas análises de membros do governo e de parte da mídia associada. O Correio da Cidadania conversou com o economista e professor da UFRJ Reinaldo Gonçalves, que vai na contramão da homogeneidade das análises mais difundidas, satisfeitas com os atuais resultados macroeconômicos.

Para o economista, a visão econômica unipolar deverá prevalecer, com prioridade aos ‘vencedores’ do pacto lulista de governo: bancos, agronegócio e o setor de infra-estrutura. Está claro, ademais, que nenhum candidato da ordem discorda de tais diretrizes.

Quanto ao BNDES, tão em alta nos últimos anos por conta de sua atuação decisiva na concessão de financiamentos para a consecução de inúmeras fusões em diversas áreas do setor produtivo nacional, Gonçalves faz importantes ressalvas. Acredita que o banco vai no sentido oposto ao da época de sua criação, pois "não financia um processo de acumulação com progresso técnico, nem uma mudança estrutural no modelo produtivo, e sim um retrocesso do aparelho produtivo". Concentra sua atuação naquilo que o próprio economista já caracterizara como ‘reprimarização’ da economia nacional.

Entrevista:

Correio da Cidadania: Como você avalia o cenário pré-eleitoral, no que diz respeito às propostas dos principais candidatos, Serra, Dilma e Marina, para a condução da economia do país? Há alguma diferença substancial entre esses candidatos?

Reinaldo Gonçalves: Não há nenhuma diferença marcante. Existe muita ausência de identificação de propósitos, ou seja, os candidatos se comprometem o mínimo possível com pontos fundamentais.

Outra coisa é que não há um projeto claro de desenvolvimento do país por parte dos candidatos.

Correio da Cidadania: Quanto especificamente ao PT e ao PSDB, você enxerga retrocesso maior em algum desses partidos relativamente ao outro, no que diz respeito ao reforço do agronegócio, reprimarização de nossa economia, bem como retomada das privatizações tradicionais, com a venda do que resta do patrimônio público?

Reinaldo Gonçalves: Nesse sentido, tampouco há diferença entre os candidatos do PT e do PSDB, tanto em relação às políticas econômicas como a projetos implícitos de desenvolvimento, que de uma forma ou outra se deduz serem do mesmo tipo.

Não faz a menor diferença votar em um ou outro nesse aspecto.

Correio da Cidadania: A candidata Marina representa, a seu ver, uma alternativa aos projetos tucanos e petistas? O caráter ambiental da candidatura poderia inspirar novos paradigmas econômicos, a partir, dentre outros, de uma reavaliação do papel do agronegócio em nosso país?

Reinaldo Gonçalves: De forma nenhuma. Na verdade, ela tem os defeitos de todos os outros e nenhuma qualidade que a diferencie dos demais. Eu diria que é uma candidatura fraca e absolutamente inexpressiva.

A candidata Marina ficou vários anos no governo Lula e, em momento algum, se posicionou de forma clara e aguda contra a promoção do modelo de reprimarização da economia brasileira, que tem impactos negativos no meio ambiente. Em nenhum momento marcou posição nos assuntos de agronegócio, pecuária, pré-sal, ou seja, o período dela foi de atuação fraca e apagada, por isso a candidatura é inexpressiva.

Correio da Cidadania: O papel do BNDES, sob direção do economista Luciano Coutinho, tem sido muito criticado pela oposição e alguns veículos de comunicação, sob o argumento de estar recebendo vultosos recursos do Tesouro para privilegiar alguns poucos grupos e setores econômicos, reforçando sua atuação monopolista. O que pensa da atuação do banco e respectiva crítica?

Reinaldo Gonçalves: A crítica é merecida e deve ir além. Em primeiro lugar, o BNDES deu andamento a um processo agudo de concentração e centralização de capital, cuja conseqüência é mais poder econômico nas mãos de um número menor de grandes empresas, afetando o emprego, empresas, especialmente familiares, e até o poder político, ou seja, as políticas do banco caminham no sentido de enfraquecer a democracia no país.

Além dessa questão da concentração de capital, a maior parte dos investimentos do BNDES foi focada na exportação de produtos primários, reforçando o projeto de reprimarização, com o modelo de crescimento que traz empobrecimento, leva a população aos grandes centros e cria dependência de commodities.

A terceira crítica é sobre o fato de transferir fundos dos trabalhadores para financiar projetos do grande capital, através do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador -, por exemplo.

A quarta crítica que faço é sobre o banco financiar a internacionalização de empresas no Brasil, o que na verdade caracteriza fuga de capitais. Ou seja, boa parte dos grupos que entram no Brasil conta com financiamento do BNDES para exportar capital, o que não traz nada ao país. É muito mais uma estratégia de diversificação do patrimônio, repetindo um fenômeno muito conhecido na América latina, com grupos familiares mandando seu dinheiro para o exterior a fim de ter mais proteção, já que alguns locais têm regras diferentes do Brasil.

Portanto, momentaneamente, o BNDES está suprindo essa internacionalização, leia-se, diversificação geográfica do patrimônio das famílias e grupos mais ricos, que controlam as maiores empresas. Enquanto alguns setores, como a pecuária, o agronegócio, a infra-estrutura, são privilegiados, outros setores são negligenciados.

Dessa forma, temos críticas contundentes a essa gestão do BNDES e o papel que a instituição tem desempenhado. Ou seja, os problemas vão muito além do que foi colocado inicialmente. Quanto a este financiamento a empresas estrangeiras que operam no Brasil, as vantagens que lhes são oferecidas para atender suas vontades específicas são um absurdo. O governo Lula, assim como o de FHC, lhes deu uma mão muito grande através do BNDES.

Correio da Cidadania: Ao mesmo tempo, o atual governo defende a atuação do banco como muito relevante, na medida em que estaria reforçando o papel indutor do Estado no desenvolvimento, retomando a função original dessa instituição financeira – função esta que é inclusive um dos alvos de crítica da oposição mais conservadora. Como você enxerga este ‘paradoxo’?

Reinaldo Gonçalves: Na verdade, o grande contraste é que, na origem do banco, nos anos 50, 60 e 70, o que o governo financiou foi uma mudança estrutural na economia brasileira, no sentido de dar uma ‘subida na escala’, ou seja, alcançando um modelo que beneficiasse exportações e preenchesse nossa matriz com produtos mais elaborados, tornando nossa economia mais sofisticada e competitiva.

O BNDES de hoje faz exatamente o contrário. Ele não financia um processo de acumulação com progresso técnico, nem mudança estrutural no modelo produtivo, e sim um retrocesso do aparelho produtivo.

Portanto, enquanto em sua origem o BNDES financiava o desenvolvimento, uma mudança estrutural na produção, o banco de hoje vai no sentido contrário, estimulando os interesses de reprimarização da economia e o modelo liberal-periférico implantando especialmente nos últimos dois períodos presidenciais.

Assim, além de financiar grupos econômicos retrógrados, o banco vai na direção contrária àquela que o impulsionava nas décadas de 50 e 60, no que se refere ao incentivo ao capital produtivo brasileiro. Essa é uma crítica contundente que não pode ser esquecida.

Correio da Cidadania: Qual seria a diferença na gestão do BNDES entre eventuais gestões Serra ou Dilma, a seu ver?

Reinaldo Gonçalves: Tenho a impressão de que, com o Serra, seria impossível segurar a pressão de grandes grupos brasileiros; seria tão sensível quanto o governo atual. Não tenho razão para imaginar por que um governo atenderia menos que outro a tais pressões.

Correio da Cidadania: Com uma tendência eleitoral nitidamente mais favorável à candidata petista, esta já saiu a campo com declarações de que fará novos ajustes na economia em um eventual governo, com aperto fiscal e arrocho salarial para o funcionalismo público. Como encara esta postura? Trata-se da ‘Carta aos Brasileiros’ de Dilma?

Reinaldo Gonçalves: Exato. Na realidade, seria um bilhete aos brasileiros, não uma carta, pois se trata de uma candidatura muito frágil. Trata-se, ademais, de candidatura que está entre as forças que, sob orientação do Lula, fizeram essa capitulação em 2002, com a Carta aos Brasileiros, agora reescrita em forma de bilhete, de modo a transmitir que temos pela frente a continuidade do modelo liberal-periférico, com a consolidação dos setores dominantes, como o agronegócio, os bancos, e agora os grupos estrangeiros.

Prova disso é que essa candidatura não registra nenhum problema de financiamento.

Correio da Cidadania: Finalmente, o que pensa do atual cenário internacional? Após os últimos episódios de crise em países europeus, não estamos na iminência de uma nova crise? Como o Brasil seria impactado neste momento?

Reinaldo Gonçalves: O cenário internacional está marcado por incertezas, ficando difícil fazer previsões críticas. Houve um certo otimismo até maio, mas, com os acontecimentos na Europa, EUA e a desaceleração da China (a locomotiva), tivemos resultados inferiores ao esperado, contrastando com um quadro que se desenhou no final do ano passado e primeiro trimestre deste ano.

O fato concreto é que a economia internacional caiu em recessão profunda desde 2008, e a recuperação não está garantida e nem consolidada. Portanto, seguirão várias turbulências e incertezas quanto à renda, ao comércio, aos mercados financeiros, em toda a economia internacional.

No ano passado, o Brasil já teve uma queda de renda, grandes grupos econômicos faliram, e isso certamente pode ocorrer em proporção maior se a crise voltar. Pela simples razão de que a vulnerabilidade externa aumentou no período; nosso passivo externo aumentou, nossas reservas baixaram.

Ou seja, estamos muito desprotegidos. Com essa reprimarização, ficamos muito mais dependentes estruturalmente da economia mundial. E com a globalização financeira – por exemplo, os estrangeiros têm a posse de 40% da bolsa -, o investidor estrangeiro compra títulos de curto prazo e o Brasil fica vulnerável, como mostra o passado recente, com menos capacidade de resistência a fatores externos.

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