O Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ pesquisou em diversas fontes e nos 12 volumes do Projeto Brasil
Nunca Mais coordenado pela arquidiocese de São Paulo e constatou o nome do
capitão Ubirajara, cujo nome verdadeiro é o Aparecido Laertes Calandra,
denunciado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos políticos
e várias entidades de direitos humanos como torturador e membro do aparato
de repressão, em São Paulo.
É importante enfatizar que o Projeto Brasil Nunca Mais é a microfilmagem de
todos os processos de presos políticos no período de 1964 a 1978, que se
encontram no Superior Tribunal Militar em Brasília. Trata-se, portanto, de
documentação oficial que não pode ser rotulada de facciosa.
O nome do Capitão Ubirajara, cuja identidade verdadeira, Aparecido Laertes
Calandra, foi revelada no início dos anos 80, quando foram abertos os
arquivos do DOPS/SP, aparece à pág. 55 Tomo II volume 3 “Os Funcionários”
do Projeto BNM, na lista de “Elementos Envolvidos Diretamente em Torturas”,
como Investigador da Polícia no DEIC-SP, em 1968.
Denuncia sua atuação
em torturas: Edson Vieira, 24 anos, militar, em 1968. Seu depoimento consta
à pág 797, Tomo V, vol 1 “As Torturas” do Projeto BNM:
“(...) que veio a saber que Pierino Gargano, que a mulher desse tinha sido vítima
de estupro, por parte do investigador Ubirajara, mandado pelo Delegado
Ernesto Milton Dias e Delegado Fleury; que, há cerca de duas semanas, antes
dessa audiência, o investigador Ubirajara esteve no Recolhimento Tiradentes
onde, diante da cela em que se acha o interrogado, na presença desse e de
Tinoco , Aladino, Sgt. Cláudio, Fernando, declarou que desejava
desculpar-se a Pierino, por ter praticado aquele ato, mas, não sabia como
faze-lo, ocasião em que mencionou como mandante aqueles dois delegados; que
a vítima daquele crime foi a companheira de Pierino, que, na ocasião,
estava grávida de quatro meses; que ela foi submetida a tal crime
(...)”
Também denuncia o Capitão Ubirajara, Pierino Gargano, mecânico, 21 anos, em
1968 em seu depoimento, que se encontra à pág. 528, do Tomo V, vol. 3 “As
Torturas” do Projeto BNM:
“(...) que, apesar de inocente, e de não saber da participação de qualquer
dos acusados, naquele ato, teve de confessar e apontar outras pessoas
porque estava fisicamente coagido pela Polícia e, ameaças pairavam sobre
sua própria família; que, durante as investigações policiais, o depoente,
seu pai, sua irmã e sua noiva, foram seviciados, tendo sua noiva revelado
ao depoente que tinha sido vítima de estupro, por parte dos investigadores
Ubirajara e Gaúcho que, para tanto, se valeram da função pública de que
estavam investidos (...)”
Tais declarações fazem parte do Processo nº 57/68, Apelação ao STM nº 38
081, recurso ao STF nº 1 160, da 2ª Auditoria, 2ª RM/CJM constando de 5
volumes e 5 apensos. Tais informações encontram-se à pág. 52 do Tomo II
vol. 1 “A Pesquisa BNM”. Esse processo é contra a quadrilha de Aladino
Felix, também conhecido como “Sábado Dinotus”, responsável por inúmeros
assaltos e atentados terroristas executados em São Paulo em 1968. O líder
da quadrilha tinha como motivação um misto de fanatismo religioso, alegando
elos com outros planetas e confusas ligações políticas com áreas das Forças
Armadas possivelmente de ultra-direita. (Informações à pág 152 do Tomo II
vol. 1 “A Pesquisa BNM”).
Encontramos o nome de Aparecido Laerte Calandra na lista de “Membros de
Órgão de Repressão”, citado duas vezes: como delegado em 03/75, em São
Paulo e, em 09/75, também como delegado, no Paraná. Essa denúncia está
contida no Processo 189/75, com Apelação ao STM nº 41 923, da 3ª Aud. 2ª
RM/CJM, constando de 6 volumes (informações à pág. 66 do Tomo II vol. 1 “A
Pesquisa BNM”. Nesse processo os réus são acusados de pertencerem ao PCB em
São Paulo, compondo organismos de direção e várias bases, inclusive uma de
advogados. Apuram-se várias reuniões clandestinas, arrecadação financeira,
distribuição de “Voz Operária”, apoio a candidatos do MDB em 1972 e 1974,
etc. No decorrer do inquérito foi morto o operário Manoel Fiel Filho, por
“suicídio”, na versão dos autos (informações à pág. 222 do Tomo II vol. 1
“A pesquisa BNM”)
Segundo depoimentos prestados pelos ex-presos políticos Maria Amélia
Almeida Teles e César Augusto Teles, na Auditoria Militar e do ex-preso
político José Auri Pinheiro, na Polícia Federal do Ceará, o delegado
Aparecido Laerte Calandra foi um dos torturadores e responsável pelo
assassinato do dirigente do Partido Comunista do Brasil, Carlos Nicolau
Danielli, no DOI-CODI/SP, em dezembro de 1972 (informações contidas à pág.
142 do Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964 (Grupo
Tortura Nunca Mais/RJ e Pe, Comissão de familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos e Instituto de Estudos da Violência do Estado)
Ainda segundo o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos, o delegado
Aparecido Laerte Calandra, o investigador Pedro Maria Grancieri, o capitão
Dalmo Lúcio Muniz Cirillo e o major Carlos Alberto Brilhante Ustra, foram
os torturadores e assassinos do dirigente do Movimento de Libertação
Popular (MOLIPO) Hiroaki Torigoi, no DOI-CODI/SP, em janeiro de 1972
(informações à pág. 154).
O nome do Capitão Ubirajara também é associado ao episódio que resultou na
morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI/SP, em
outubro de 1975. O IPM (Inquérito Policial Militar) que concluiu que Herzog
havia se enforcado na grade da cela não ouviu Calandra, apontado nos laudos
como o autor do pedido de perícia.
No mesmo mês de outubro de 75 em que Herzog morreu, o codinome Capitão
Ubirajara já aparecia na lista de 233 torturadores do relatório produzido
no Presídio da Justiça Militar Federal e encaminhado ao Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil. Entre os presos políticos que assinam o
documento está José Genoino, atual presidente do PT.
O Capitão Ubirajara é o número 84 da lista. Os presos não sabiam sua
identidade completa na época. Isso só aconteceu anos depois, quando
Calandra foi trabalhar com senador Romeu Tuma (PFL-SP) na Superintendência
da Polícia Federal em São Paulo, em 83. Coube a ele cuidar dos arquivos da
polícia política paulista transferidos para a PF pouco antes de o então
governador Franco Montoro extinguir o Dops. Sob seus cuidados, parte das
informações dos arquivos desapareceu.
Em janeiro de 1995 foi indicado para a Chefia do DETRAN/SP, ao tomar
conhecimento das denúncias, o então Secretário Estadual de Justiça de SP,
advogado Belisário dos Santos, imediatamente afastou o delegado Aparecido
Laerte Calandra do cargo.
Em abril de 2003, o delegado Calandra foi nomeado pelo governador do Estado
de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) para o Comando do Departamento de
Inteligência do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos da
Polícia Civil de São Paulo. No organograma da segurança pública do Estado,
o departamento de Calandra está subordinado ao gabinete do delegado-geral
da Polícia Civil, Marco Antonio Desgualdo, subordinado, por sua vez, ao
secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, ambos indicados pelo
governador Geraldo Alckmin (PSDB). No prédio do bairro da Luz, uma das
atribuições de Calandra é cuidar da escuta telefônica.
No organograma da segurança pública do Estado, o departamento de Calandra
está subordinado ao gabinete do delegado-geral da Polícia Civil, Marco
Antonio Desgualdo, subordinado, por sua vez, ao secretário de Segurança,
Saulo de Castro Abreu Filho, ambos indicados pelo governador Geraldo
Alckmin (PSDB). No prédio do bairro da Luz, uma das atribuições de Calandra
é cuidar da escuta telefônica.
O Secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda (PT/MG),
ex-preso político, se lembra do Capitão Ubirajara das passagens pelo
DOI-Codi. "Calandra teve um papel importante, não era do segundo time,
estava na linha de frente da repressão. Era um militante da tortura, não um
cumpridor de ordens", disse Miranda (Jornal Folha de São Paulo,
13/04/03).
Diante do exposto, fica claramente evidenciada e comprovada a participação
de Aparecido Laerte Calandra em crimes de Lesa Humanidade, crimes que até
hoje continuam impunes, que ferem, mancham e envergonham a nação
brasileira.
Grupo Tortura Nunca Mais
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2003
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