Eu aqui, mano, diante do seu caixão, tirando essa prosa com você, o carinha vem e me mata com uma facada no pescoço. Zasp! – silva o golpe sibilino. Não reclamo, não dói nem nada. O frio da lâmina, a solidão, o desencanto, todo esse carrossel que gira e gira neste momento, conheço na palma da mão – companheiros de viagem por oceanos de tempo. Vagas estrelas da Ursa, piscando, como quem se oferece lá de longe para o amor. Então, num átimo, dá-se o brilho ilógico - quinhentas, setecentas, mil e uma cachoeiras de luz. Mano, a noite está velha. De repente, tempo, matéria e espaço começam a perder sentido. Não há mais escuridão; só túneis fartamente iluminados. Mais alguns instantes e começarei a perder também a consciência e a inocência. Retornarei ao útero da Mãe. Menino, descobrirei o sexo. Violarei tabus e ritos. Serei duramente advertido pelo Pai. E, ao ingressar na mocidade, voltarei todas as manhãs para o único território do universo onde não há pecado: a infância. Desfaça essas mãos cruzadas, mano. Livre-se do terno preto. Vamos embora sem dizer adeus. Não há partidas nem regressos. Não há adeus. Apenas uma imprevisível estrada iluminada por incontáveis, fugazes instantes de vida – viagem pelo tempo que não há, rumo ao conhecimento do mundo.
(‘Mano, a noite está velha’, de Wilson Bueno, Editora Planeta, foi escolhido, em dezembro, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, como Melhor Romance de 2011. A ficção acima é uma homenagem a ele). ( Revista Idéias/Almir Feijó)
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