sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Política industrial: ‘As questões centrais continuam intocáveis’

O Plano Brasil Maior anunciado pelo governo nesta semana para conter uma possível crise no setor industrial tem um "caráter meramente político” e não será suficiente para devolver à indústria as taxas de crescimento alcançadas nos anos 1980. "O governo está se movendo com bastante cautela porque o que predomina na política macroeconômica hoje – e essa é a questão central – é uma política anti-inflacionária”, explica Wilson Cano à IHU On-Line.

A alta taxa de juros e o câmbio apreciado são, na avaliação do economista, os maiores empecilhos para o desenvolvimento da indústria nacional. "Enquanto a administração dos juros, do gasto público e da taxa de câmbio continuar do jeito que está, não haverá como proteger e salvar a indústria ou qualquer setor nacional. O governo está apenas colocando remendos em cima de uma colcha suja e velha”, aponta em entrevista concedida por telefone.

De acordo com ele, o plano elaborado pelo governo favorece apenas setores econômicos tradicionais, que são os maiores empregadores do país, e não contempla segmentos que dependem de investimentos em tecnologia e inovação. "É uma ilusão imaginar que, com essa medida, se revolverá o problema do emprego. A luta do dia a dia de tentar preservar o emprego na indústria automobilística e de autopeças, iniciada por Lula e continuada pela presidenta Dilma, é um engano monumental porque esses setores são adeptos, a todo instante, às mudanças tecnológicas mundiais. Esses setores são desempregadores e desmantelam cadeias produtivas para passar a importar mais barato um para-choque que antes era fabricado no país”, argumenta.

Na entrevista a seguir, Wilson Cano comenta as implicações do Plano Brasil Maior e enfatiza que a desoneração da folha de pagamento de alguns setores vai gerar um "impacto negativo no déficit da previdência social. (...) Ao desonerar a contribuição, entrará menos dinheiro na previdência social. Quem vai pagar essa conta? O Tesouro Nacional com o dinheiro do recolhimento de impostos ou com o aumento de dívida pública”.

Wilson Cano é doutor em Ciências Econômicas, pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, onde leciona. É autor de Desconcentração Produtiva Regional do Brasil 1970-2005, lançado em 2008 pela Editora da Unesp.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a linha geral do novo pacote de política industrial anunciado por Dilma? O Plano Brasil Maior pode ser visto como uma política industrial eficiente?

Wilson Cano – O Plano Brasil Maior tem um caráter político e foi feito para um Brasil nanico. O governo está se movendo com bastante cautela porque o que predomina na política macroeconômica hoje – e essa é a questão central – é uma política anti-inflacionária. Então, o governo pisa em "cacos de vidro” a todo o momento quando se trata de fazer renúncia fiscal, de aumentar gasto público e de alterar a taxa de juros.
Os setores calçadista, moveleiro, têxtil e alguns segmentos de software foram beneficiados pelo Plano. Entretanto, o peso desses setores, em termos de salários, é de 8 a 9%. Então, a desoneração da folha de pagamentos, como propõe o governo, agirá apenas em cima de 8 ou 9% da folha salarial da indústria de transformação. Isso é muito pouco, tendo em vista o assédio que o país vem sofrendo no comércio exterior, e tendo em vista a representatividade desses setores não só na pauta exportadora, mas principalmente na estrutura industrial. Embora esses setores estejam sendo seriamente afetados pelas importações chinesas, o maior déficit comercial brasileiro se encontra nos setores de média e alta tecnologia: automóveis, eletrônicos, fármacos, produtos químicos.
O governo está com medo de afetar os setores tradicionais (calçadista, têxtil, moveleiro) porque eles empregam mais pessoas do que os outros segmentos da economia. Portanto, trata-se de um projeto político e não de uma política industrial. O Plano Brasil Maior é uma tentativa de dar "Melhoral” para o doente, porque as questões estruturais a serem enfrentadas são outras, muito maiores do que estas que estão tentando resolver: é a taxa de juros e a taxa de câmbio. As medidas de proteção à indústria nacional, pelo menos as que foram anunciadas nesta semana, são muito tímidas.

IHU On-Line – É possível investir na indústria e conter a inflação?

Wilson Cano – Não é possível. Parodiando a fábula, diria que o rei está nu e todo mundo se recusa a chamar a atenção dele. Em outras palavras, as questões centrais continuam intocáveis. É impossível fazer política industrial com a macroeconomia sendo conduzida pela atual taxa de juros, pelo câmbio, com desproteção e com o neoliberalismo que está vigendo. A política do BNDES, de querer fortalecer a empresa nacional para aumentar a competitividade dela, é uma ilusão. O Brasil está dando dinheiro para "matar boi” nos EUA. O que essa política tem a ver com desenvolvimento econômico nacional?
O Japão e a Coréia, quando elaboraram as políticas industriais de fortalecimento das suas maiores empresas e as financiaram no mercado internacional, transformando-as em transnacionais, estavam em determinada circunstância histórica que favorecia essa mudança. Essa política de engrandecimento das grandes empresas nacionais coreanas e japonesas foi feita de uma maneira coetânea com a macroeconomia que protegia e incentivava a indústria nacional, e não com uma política neoliberal suicida como a que tem sido praticada nos últimos anos no Brasil.

IHU On-Line – Em que consistiria uma mudança macroeconômica? Mexer no câmbio e na taxa de juros?

Wilson Cano – O Brasil precisa alterar a macroeconomia. O professor Celso Furtado, que foi tão citado pela presidenta Dilma na exposição do Plano Brasil Maior, dizia que essa ideia de padrão único, de manter equilíbrio cambial não deve ser adotada por países subdesenvolvidos. Isso pode ser feito pelos ingleses, que eram os donos da moeda internacional, ou pelos norte-americanos, que são hoje os donos da moeda internacional, o dólar. Para o Brasil, essa política é caríssima.
É utopia o anão querer entrar no ringue para brigar com os gigantes. O Brasil é um país subdesenvolvido, tem estruturas produtivas e esquemas de financiamento fracos. Com a abertura econômica que o país tem praticado, o Brasil se expôs à concorrência internacional sem ter condições de enfrentá-la. Insistir nessa política não vai levar a lugar algum, pelo contrário, está levando a economia desse país a um processo regressivo.
País subdesenvolvido ou aplica uma política séria de controle sobre o câmbio, sobre o comércio exterior ou não tem controle de nada, e deixa a porta aberta para acontecer o que está acontecendo.
A taxa de juros brasileira é a mais alta do mundo. Isso precisa mudar. O governo pode aplicar IOF, mas medidas como essas não resolvem problemas econômicos porque a avalanche de entrada de dólares no país continuará sendo grande. A política brasileira tem dupla face de cortes: primeiro, o governo tenta aumentar a taxa de juros para conter a inflação – essa é uma visão monetarista ortodoxa –, e, depois, para alterar a taxa de juros, o governo é obrigado a aumentar colossalmente a dívida pública interna. Como o país vai baixar a dívida pública, aliviar as contas públicas e controlar o gasto, se aumenta a taxa de juros?
O investimento externo tem que ser observado não apenas pelo montante de dólar que ele contém, mas segundo o setor para o qual ele é dirigido. Os investimentos estrangeiros diretos para os setores da indústria de transformação diminuíram muito. Esses investimentos se dirigem atualmente para o setor da agropecuária, mineração e serviços financeiros.

IHU On-Line – O senhor também compartilha a ideia de que, no Plano Brasil Maior, a política industrial ficou separa da política de ciência e tecnologia?

Wilson Cano – Os empresários brasileiros já estão anunciando que irão fazer enormes caravanas rumo a Pequim. Se observarmos a pauta de importações brasileiras, verifica-se que, no início desta década, o Brasil importava cerca de 25 bilhões em matérias-primas industriais como eletrônicos. O país importa atualmente cerca de 90 bilhões de dólares desses produtos, quer dizer, quase se quadriplicou esse valor. Isso é muito mais grave do que importar automóveis, porque, ao importar bens intermediários, desarticulam-se as cadeias produtivas brasileiras. A indústria brasileira não busca apenas produtos finais para vender, mas compra também matérias-primas industriais, peças e componentes, aumentando vertiginosamente as importações.

IHU On-Line – Em sua opinião, o pacote conseguirá conter processo de desindustrialização brasileira? O que ficou faltando no plano?

Wilson Cano – O governo pode elaborar o plano mais inteligente que, obviamente, será inoperante porque quem rege as regras gerais da economia é a política macroeconômica, e não a industrial, a agrícola, a tributária. Enquanto a administração dos juros, do gasto público e da taxa de câmbio continuar do jeito que está, não haverá como proteger e salvar a indústria ou qualquer setor nacional. O governo está apenas colocando remendos em cima de uma colcha suja e velha.

IHU On-Line – Quem sai ganhando e quem sai perdendo com o novo Plano?

Wilson Cano – Os industriais saem ganhando porque eles diminuíram o custo efetivo que sai do bolso deles. Transferiram para o consumidor parte desse custo através dos novos impostos criados pelo governo.

IHU On-Line – O Plano Brasil Maior, apesar de todas as críticas que o senhor tem feito, ajudará a conter as importações chinesas?

Wilson Cano – Ele vai ajudar um pouco. O governo irá reduzir a zero o custo da previdência social do empregador na folha de pagamento dos setores tradicionais. Entretanto, não podemos esquecer que ele criou um novo imposto de 1,5% para calçados, vestuário, móveis, e 2,5% para software sob o faturamento. Então, parte dessa desoneração será compensada pelo imposto. E quem paga a conta dessas medidas? Os consumidores, que comprarão calçados e roupas com impostos mais altos. As empresas em geral vão pagar a compra dos softwares nacionais com imposto maior.

IHU On-Line – Como avalia a proposta de desoneração da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos de alguns setores? O movimento sindical criticou a medida. O caminho é esse mesmo?

Wilson Cano – A medida é criticável porque os custos da previdência social nas folhas de salário não são exorbitantes e se encaixam dentro dos padrões internacionais. Ao desonerar a contribuição, entrará menos dinheiro na previdência social. Quem vai pagar essa conta? O Tesouro Nacional com o dinheiro do recolhimento de impostos ou com o aumento de dívida pública.
É uma ilusão imaginar que, com essa medida, se revolverá o problema do emprego. A luta do dia a dia de tentar preservar o emprego na indústria automobilística e de autopeças, iniciada por Lula e continuada pela presidenta Dilma, é um engano monumental porque esses setores são adeptos, a todo instante, às mudanças tecnológicas mundiais. Esses setores são desempregadores e desmantelam cadeias produtivas para passar a importar mais barato um para-choque que antes era fabricado no país. Setores empregadores são a construção civil, que constrói casa de pobre, a educação, a saúde pública. Incentivar o desenvolvimento dessas áreas é investir em política de emprego.
Esse Plano também vai gerar um impacto negativo no déficit da previdência social. A CUT está nas ruas levantando bandeiras para preservar o emprego, mas, ao mesmo tempo, a Central ajuda a piorar a situação do déficit da previdência social. Evidentemente, logo algumas correntes políticas estarão levantando a bandeira da reforma previdenciária para tentar acabar com o déficit da previdência. E, aí, será mais uma "paulada nas costas” da sociedade.

IHU On-Line – Então, em vez de incentivar a indústria automotiva, o governo deve priorizar setores que investem em tecnologia?

Wilson Cano – As medidas anunciadas tentam, de alguma maneira, amparar o setor industrial. Mas a questão central é a doença crônica do país. Quer dizer, o grande problema é o Brasil ter abraçado as políticas neoliberais e se mantido nelas até hoje.

IHU On-Line – Qual é, segundo sua avaliação, o peso específico do câmbio, neste debate da estagnação da indústria?

Wilson Cano – O câmbio é central. Não sei o valor exato, mas o câmbio brasileiro está aproximadamente 30% apreciado. Compara esse aumento de 30% no valor das exportações com o subsídio que o governo está dando na desoneração da folha de pagamentos. Alterar o câmbio seria muito mais eficaz do que conceder essa desoneração. Se isso fosse feito, não haveria implicações para o déficit da previdência social. As altas taxas de juro também oneram a estrutura da receita fiscal num peso muito maior do que a folha de pagamentos de todos os funcionários públicos.

IHU On-Line – O câmbio, de tempos em tempos, sempre é um problema para a indústria nacional. A crise econômica norte-americana pode influenciar ainda mais o baixo desempenho do setor industrial?

Wilson Cano – Sim. Se as medidas anunciadas pelo governo Obama forem positivas, haverá uma revalorização do dólar, o que irá implicar em uma desvalorização das demais moedas. Então, todos os empresários brasileiros, que estão se endividando em dólar, passarão por sérios apertos. Se as medidas norte-americanas não forem eficazes, a economia entrará em um período ainda pior: haverá um recrudescimento da situação recessiva internacional.

IHU On-Line – O senhor sabe dizer qual é a fatia da indústria brasileira na economia nacional e na massa salarial?

Wilson Cano – No começo dos anos 1980, a indústria de transformação pesava com 33% no PIB. Os dados do ano passado mostram que esse valor caiu pela metade: 15,7%. Se observarmos a pauta exportadora, o país manteve a exportação de manufaturados com cerca de 60% da exportação, no final dos anos 1990. Em 2010, as exportações representaram apenas 37,5% da pauta. Não sei qual é o peso da indústria na massa salarial, mas seguramente é menos do que 25%.

IHU On-Line – Em sua opinião, a política econômica do governo Dilma pode ser interpretada como keynesiana?

Wilson Cano – O governo está tentando criar um antídoto para uma possível crise, mas a política econômica não é keynesiana na sua raiz porque o país não está passando por uma recessão econômica.

IHU On-Line – Em entrevista recente, o senhor declarou que, nos últimos cinco anos, o comércio exterior da indústria de transformação passou de um superávit para um déficit de 65 bilhões de dólares. Quais são, hoje, os maiores dilemas da indústria brasileira? Por que a indústria brasileira perde oportunidades?

Wilson Cano – A indústria não cresce porque, evidentemente, os industriais não têm nenhuma expectativa promissora para investir no país. Empresário capitalista só investe se enxergar no horizonte uma lucratividade para esses investimentos. Entretanto, eles se sentem ameaçados pela competição externa e pela impossibilidade de concorrer. Sendo assim, canalizam-se os investimentos e não aumenta a capacidade produtiva do setor industrial. Isso tem acontecido em larga medida.
A receita fiscal do setor público está fortemente comprometida pelos juros da dívida pública e pela política anti-inflacionária. No setor privado, não há grandes perspectivas de lucratividade para a maioria dos setores produtivos, que são ameaçados pela competição externa, pelo dólar barato, pelos juros excessivos. Esse conjunto de problemas paralisa os investimentos.

IHU On-Line – Por que é importante uma política industrial para os países?

Wilson Cano – Ela é fundamental porque o processo de desenvolvimento econômico depende da indústria. Se observarmos os países desenvolvidos, veremos que o que os levou ao desenvolvimento foi exatamente a industrialização. Somente por meio da indústria é possível disseminar todos os setores produtivos da economia – a ciência e a tecnologia, o progresso técnico etc. É a industrialização que urbaniza, que eleva a produtividade do trabalhador e que exige que ele se eduque, que tenha um padrão de vida decente etc. Todos os países se desenvolveram com a industrialização e não "vendendo galinha” e vendendo minério de ferro, ou soja. Vender commodities é bom, traz divisas para o país poder importar equipamentos, mas não é com isso que se desenvolve uma economia nacional.

*Wilson Cano: professor colaborador do Instituto de Economia (IE) da Unicamp


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