terça-feira, 31 de maio de 2011


Operação Marumbi completa 30 anos



Derrotado nas urnas, regime militar desencadeia caças às bruxas para envolver o então MDB com o proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB). Resultado: prisões, torturas e um risível Inquérito Policial Militar




Onze anos após a quartelada que jogou o Brasil no limbo das ditaduras militares, o regime militar, embora desgastado e sofrendo derrotas eleitorais de Norte a Sul do país, ainda tentou demonstrar força. Assim, em 1975, foram desencadeadas as Operações Marumbi (OM), no Paraná; Bandeirantes (Oban), em São Paulo; e Barriga Verde, em Santa Catarina. O objetivo alegado: desarticular um suposto movimento clandestino de reorganização do então proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Escudado no ainda vigente Ato Institucional número 5 (AI-5) e em outros instrumentos de exceção, o regime militar invade residências, prende, tortura e mata suspeitos de pertencerem aos quadros do PCB. Foi um período de terror promovido pelo aparelho estatal, embora o general-presidente de plantão, Ernesto Geisel, tivesse anunciado a abertura lenta, gradual e segura que reconduziria o Brasil à democracia. No Norte do Paraná, o terror se instalou no dia 12 de setembro de 1975, exatos 30 anos atrás.
Estudioso do assunto, o professor de história e vice-reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Ângelo Priori, recorda que no Paraná a Operação Marumbi prendeu 106 pessoas, denunciou e processou 65 e condenou 15 suspeitos. "Um dos motivos da deflagração da OM foi o fato de o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) ter conseguido um desempenho eleitoral surpreendente em 1974", explica. A partir deste revés eleitoral sofrido pelo partido oficial, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o sinal de alerta soou nos quartéis.
Para o professor, o objetivo do regime militar "era, sem dúvida, envolver o MDB com o Partido Comunista para manchar a imagem do partido oposicionista junto à opinião pública brasileira". Por isso, no Paraná a ação se concentrou em cidades onde a oposição conseguira mobilizar o eleitorado em 1974 - Curitiba, Londrina, Maringá, Paranaguá, Mandaguari, Apucarana, Rolândia, Guarapuava, Ponta Grossa, Paranavaí, Cianorte e Cascavel.
A partir de então, o aparelho repressivo do regime, notadamente o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e o famigerado DOI-CODI (Departamento de Ordem Interna - Centro de Operações de Defesa Interna), órgãos subordinados ao todo-poderoso SNI (Serviço Nacional de Informações), passou a exercer vigilância sistemática aos suspeitos e invasões às casas das pessoas, sempre, claro, sem apresentar um mandado judicial que legitimasse as ações.
"Uma das características da OM era o fato de as famílias dos detidos não saberem onde eles se encontravam, pois os mesmos eram levados de um lugar para outro", ressalta o vice-reitor da UEM. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o sindicalista Antônio Lima Sobrinho, de Londrina, já falecido e que, antes de receber o tratamento vip - torturas físicas e psicológicas - dispensado pelo DOPS/DOI-CODI, em Curitiba, "foi levado a Marília-SP porque o regime suspeitava que ele tinha ligações com militantes no Oeste paulista".
Mestrando em História Contemporânea do Brasil, Leandro Brunello, 23 anos, que sequer havia nascido quando a Operação foi deflagrada, cita as condições desumanas a que foram submetidos os detidos pela repressão. "Mesmo os portadores de curso superior não tinham celas especiais, ninguém podia fazer contato com os advogados e todos ficaram sem comunicação com a família, a qual ficava sob a vigilância constante da polícia política do regime militar", disse.
O estudioso, que resolveu se debruçar sobre o tema para conhecer um pouco da história recente do Estado e não permitir que as pessoas se esqueçam dos anos de chumbo, cita o relato do médico Manoel Urquiza sobre as condições do cárcere. "Urquiza ficou preso em uma cela com mais de 30 pessoas, onde os colchões de capim estavam rasgados e com resíduos de vômito, urina e sangue. Além disso, os vasos sanitários estavam sempre entupidos e havia fezes espalhadas do piso ao teto da cela", relata.
O mandaguariense Ildeu Manso Vieira, na época candidato a deputado pelo MDB e também já falecido, além de ter sido preso e torturado como as demais vítimas da caça às bruxas que foi a Operação Marumbi, ainda teve o desconforto de ter seu filho Ildeu Manso Vieira Júnior, à época com 16 anos e fazendo tratamento de disritmia, seqüestrado pelo DOI-CODI, organização terrorista de direita implantada dentro das Forças Armadas e que era comandada, em Curitiba, pelo coronel Valdir Coelho.
Vieira, por sinal, escapou da morte durante a prisão por milagre. No dia 14 de setembro, ou seja, dois dias após o início da operação, ele sofreu torturas de todos os tipos durante 24 horas ininterruptas. No dia 15, uma segunda-feira, ele foi arrastado para fora de Curitiba, encapuzado e enforcado. Na terça-feira, dia 16, teve uma hemorragia e foi atendido por um médico militar que, após aplicar-lhe uma injeção na veia, declarou para os torturadores: "Ele já está recuperado. Tem um organismo notável e agüenta ainda muita porrada".
Capitão Ismar Moura Romariz, na época comandante do 30º BIM (Batalhão de Infantaria Motorizada), de Apucarana, foi o algoz dos detidos no quartel sob sua jurisdição. Entre outras atrocidades como o funestamente famoso "pau-de-arara" - método de tortura em que o preso, nu, ficava dependurado em uma barra para sofrer todo tipo de agressão -, Romariz deteve esposas de presos e familiares, provocando aborto na esposa do preso João Alberto Einecke, de Londrina, que sofreu traumas profundos em virtude desta ocorrência.
Após um mês de atrocidades, a Operação Marumbi foi concluída com a instauração do Inquérito Policial Militar (IPM) número 745, que foi julgado pelo Conselho Permanente da Justiça Militar entre 3 e 6 de outubro de 1977, em circunstâncias absolutamente hostis aos acusados. Apesar de tudo, a Justiça Militar absolveu a grande maioria dos réus por absoluta falta de provas. Um detalhe que chamou a atenção em relação ao IPM 745 foi o fato de os próprios torturadores serem as testemunhas de acusação.
Por isso, está anotado no livro "Resistência democrática", Heller, M.I., Editora Paz e Terra, 1988, texto referência nesta reportagem: "Como não conseguiram testemunhas adequadas, convocaram os próprios policiais do DOPS, por absurdo que pareça. Tivemos, portanto, pela primeira vez na história do Direito, a polícia testemunhando o seu próprio ato para vergonha de nosso sistema judiciário".
Além disso, numa comprovação inequívoca da ilegalidade da Operação Marumbi, vale registrar a declaração de Merici Flores, torturador que atendia pelo nome de doutor Adolfo, e citada por várias de suas vítimas. "Nem o presidente da República conseguirá tirar vocês daqui, pois nós estamos acima do poder constituído". (O Diário de Maringá)

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