quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Pré-sal: Disputa por petróleo vira guerra de secessão


Os estados não produtores ganharam o round no Senado, mas a briga ainda está longe de terminar. Estados produtores prometem ir à Justiça, e a disputa pode acabar por contaminar outras votações no Congresso

A noite de ontem (19) já estava perto de terminar quando a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, divulgou uma nota à imprensa. Na nota, ela dizia não ter qualquer responsabilidade pelo fato de o senador Vital do Rego (PMDB-PB) ter incluído em seu relatório uma proposta feita por ela quando era senadora, que visava beneficiar Santa Catarina, entre outros estados, na partillha dos royalties de petróleo. A proposta acabou retirada ao final da votação de ontem, em que foi aprovado um novo critério de distribuição dos royalties, que beneficia os estados não produtores, em detrimento daqueles onde se encontram os poços de petróleo. A preocupação de Ideli Salvatti dá a medida da temperatura política em que o tema foi aprovado no Senado. Responsável pela negociação do governo com o Congresso, Ideli não queria de jeito nenhum passar a impressão de que pretendia de alguma forma se beneficiar com a discussão.

Na nota, Ideli dizia três coisas: não teve “responsabilidade e nem gerenciamento pelo acolhimento de um projeto de sua autoria quando era senadora da República”; “nunca solicitou” que a proposta fosse incluída, e “o tema não foi tratado no governo”. Administrar a inclusão de seu projeto no relatório de Vital do Rego foi uma das dores de cabeça de Ideli durante a confusa e tensa discussão do projeto sobre a distribuição dos royalties do petróleo. O substitutivo de Vital do Rego, ao projeto original do senador Wellington Dias (PT-PI), que estabelece critérios para uma paulatina modificação da distribuição dos royalties do petróleo para que passe a ser nacional em 2020, nos mesmos moldes da distribuição dos recursos dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), foi aprovado ontem à noite no Senado e segue agora para a Câmara num clima há muito tempo não visto de disputa regional. Maioria, os estados que não produzem petróleo conseguiram impor no Senado sua vontade. Mas os estados produtores prometem levar a briga até as últimas consequências. E isso pode significar respingos em outras votações de interesse do governo. Daí a preocupação de Ideli.

Os representantes dos estados produtores – especialmente Rio de Janeiro e Espírito Santo – prometem apelar à presidenta Dilma Rousseff para que vete o projeto. Caso não consigam, prometem ir até o Supremo Tribunal Federal lutar por seus direitos. Para o governo, porém, o risco maior é de retaliações que atinjam a tramitação de outros projetos de seu interesse. Na Câmara, antes mesmo de o projeto chegar para a apreciação, deputados dos estados produtores já iniciaram uma tática de obstrução, que obrigou o governo a convocar suplentes de comissões para que discussões não ficassem prejudicadas. Está na pauta hoje uma votação complicada: a PEC que prorroga a vigência da Desvinculação das Receitas da União (DRU). E é nesse clima de guerra de secessão que ela será apreciada.

Divisão da base

A discussão dividiu a base do governo. A tal ponto que o principal líder da resistência ao projeto foi um senador do PT, Lindbergh Farias (RJ). E do outro lado da linha, como autor original da proposta, estava outro senador do PT, Wellington Dias. O governo fez de tudo para não se posicionar na discussão, mas agora terá um pepino pela frente. Se não houver modificação na Câmara, caberá a Dilma decidir se manterá ou vetará a regra de distribuição proposta pela dupla Vital do Rego/Wellington Dias. Se Dilma mantiver a regra, levará seus aliados do Rio e do Espírito Santo a irem ao STF contra a sua decisão. “Fizemos de tudo para evitar a judicialização do processo, mas não quiseram nos dar ouvidos”, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Na avaliação dos representantes dos estados produtores, a perda estimada para estes estados com a proposta de Vital do Rego/Wellington Dias é de R$ 3,6 bilhões apenas no ano que vem.

Entenda a briga

O texto apresentado pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) propõe a alteração do quanto é cobrado das petroleiras e de como esse dinheiro recolhido deve ser distribuído entre a União, Estados e municípios. Até hoje, essa distribuição beneficia fortemente os estados nos quais estão localizados os poços de petróleo. Partia-se do princípio de que a exploração do petróleo afeta esses estados, ambientalmente e em outros aspectos. A descoberta da imensa reserva do pré-sal levou à ideia de que tais critérios precisavam ser rediscutidos. Essa imensa riqueza – com potencial para tornar o Brasil um dos maiores produtores de petróleo do mundo – precisava ser dividida de outra forma. Tratava-se, por esse entendimento, de um patrimônio nacional, e não apenas dos estados em cuja costa está o pré-sal. Por esse critério, os estados não-produtores passam a receber um percentual maior, enquanto os produtores perdem parte do que ganham atualmente. Para explorar o petróleo no país, as empresas petrolíferas pagam os royalties e também a chamada participação especial à União, uma porcentagem dos lucros cobrada das empresas com maior produção.

O senador Wellington Dias (PT-PI), autor do PLS, sustenta que hoje 80% dos recursos ficam com os estados produtores e que, pela Constituição, esses recursos pertencem a todos os estados e municípios. De acordo com o relator, em 2010, os royalties e a participação especial geraram, em conjunto, quase R$ 22 bilhões. Em sua estimativa, esse número pode chegar a R$ 60 bilhões em 2020. “Cenários mais otimistas chegam a prever até R$ 100 bilhões anuais na virada da próxima década. Não se pode permitir que esse volume de recursos seja concentrado em poucos estados e municípios”, alegou Vital do Rêgo Filho.

O problema é que, por enquanto, o petróleo do pré-sal é uma aposta de futuro, que no momento continua no fundo do mar sem possibilidade de exploração. A proposta de Vital do Rego faz previsões de faturamento futuro que, na avaliação dos estados produtores, não se sustentam, estão superestimadas. Daí, o risco de grande perda de receita com o qual os estados produtores não querem arcar.

Uma das estratégias da bancada fluminense foi a apresentação de um contra-projeto do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que garantiria mais recursos para estados não-produtores, mas retiraria recursos da União e das petroleiras, ao invés de retirar dos estados produtores. Aí, foi a vez do governo não querer a versão que lhe garante menos recursos. Assim, a proposta foi rejeitada pelo plenário por 45 votos contrários e 20 a favor. Os produtores receberam o apoio do PSDB e o DEM nesta questão.

O que diz o texto aprovado sobre o petróleo

O texto aprovado pelo Senado atinge todas as áreas já licitadas no regime de concessão. Neste sistema, a empresa exploradora é dona do produto e paga ao poder público com royalties e participação especial. Sob este modelo estão: poços de petróleo em terra e no mar (pós-sal) e um terço do pré-sal, que já foi licitado. Neste regime, os royalties correspondem a 10% do total do petróleo extraído, e a participação especial fica sendo uma parcela variável para poços com grande capacidade de exploração.

Também está previsto um sistema de partilha para as áreas que ainda serão licitadas do pré-sal, em que uma parte da produção fica com o governo, podendo chegar a 40% do petróleo, e a União ainda poderá lucrar com a venda de matéria-prima. Neste sistema de partilha será licitado qualquer poço que o governo considerar de alta rentabilidade, em terra ou em mar. O relatório estipula que o percentual a ser pago de royalties é de 15% do total extraído e não haverá participação especial. O relatório ainda propõe mudanças graduais nos percentuais que irão para cada estado.

Em relação aos royalties, nos poços sob o regime de concessão, foram aprovados, para o período de 2012 a 2020 que o repasse para a União diminuiria dos atuais 30% dos lucros para 20%. Os estados produtores perderiam, com seu repasse diminuindo de 28,25% para 20%. Da mesma forma, perderiam os municípios produtores, que recebem atualmente 26,5%, diminuirão para 17% a partir do ano e ficarão com apenas 4% em 2020. Os municípios afetados por embarque e desembarque de petróleo deixarão de receber 8,75% e passarão ao índice de 3% a partir de 2012, chegando a 2% em 2017.
Seguindo a mesma proporção, os estados e municípios não-produtores aumentariam a sua arrecadação devido ao aumento dos percentuais para os fundos especiais, que distribuem verbas entre estados e municípios. O índice destinado ao FPM (Fundo de Participação dos Municípios) passa de 8,75% para 40% a partir de 2012, chegando a 54% em 2020, e o FPE (Fundo de Participação dos Estados), de 1,75% para 27%.

O relatório alterou também a distribuição da participação especial. A União deixa de receber os atuais 50% para receber 42% a partir de 2010, chegando a 46% em 2020. Os estados produtores passarão de 40% para 34% a partir de 2012, chegando a 20% em 2020. Os municípios produtores, que atualmente recebem 10%, receberão 5% a partir de 2012 e 4% a partir de 2017. Os estados e municípios não produtores, que atualmente não recebem nada da participação especial, passarão para 19% a partir de 2012, chegando a 30% em 2020. A distribuição seria feita seguindo os critérios do FPM e FPE.

Os contratos firmados sob o regime de partilha também deverão ter percentuais específicos. A União ficará com 20% dos royalties, os Estados produtores, com 22% e os municípios produtores, com 5%. Os afetados pelo embarque ficarão com 2%. Até hoje, não havia regra para a distribuição dos royalties nesse modelo. Já os estados e municípios não-produtores, devem ficar com 51% do total, divididos em 25,5% cada. Neste caso, não será cobrada a participação especial.

A nova lei determina ainda, que os Estados e municípios não-produtores destinem os novos recursos às áreas de cultura, educação, erradicação da miséria, esporte, infraestrutura, inovação tecnológica, meio ambiente, saúde, segurança, além de tratamento e reinserção social de dependentes químicos. Os percentuais de cada área deverão ser definidos nos orçamentos anuais feitos pelos governos estaduais e municipais. Já os estados e municípios produtores não precisam seguir estas regras, já que a União tem vinculação determinada de parte dos recursos, baseada na lei do Fundo Social.

Alterações no relatório

Para tornar a votação mais viável depois da forte pressão feita pelos senadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, o relator cedeu e decidiu retirar alguns pontos mais polêmicos. Um deles tratava da mudança de faixas de mar pertencentes aos estados produtores, que perderiam campos de exploração. A proposta prejudicava principalmente Rio e Espírito Santo, ao passo que beneficiava Santa Catarina, Paraná e São Paulo. O item se baseava em uma proposta apresentada pela atual ministra das Relações Institucionais, Ideli Savatti que, na época, era senadora pelo PT de Santa Catarina.

Outro ponto derrubado,foi a proposta de fixar um teto de 40% para a dedução de custo de petroleiras no cálculo da parcela de lucro na exploração de petróleo a ser dividido com a União. A Petrobrás e o governo se manifestaram contra esta medida.

Outro ponto alterado pelo relator, foi a previsão para a formação de joint ventures, que são sociedades com objetivos específicos, entre governos e petroleiras na disputa por áreas do pré-sal.

O último artigo retirado, destinava 3% dos royalties da União para o Ministério da Defesa que visava atender aos encargos decorrentes do emprego dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na fiscalização e proteção das áreas de produção e distribuição da produção de petróleo.

Emenda Ibsen

Concretizada a derrota dos estados produtores, senadores passaram e expressar do lado de fora do plenário suas opiniões. O líder do PMDB, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que pedirá pessoalmente ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para adiar a votação do próximo dia 26, quando o veto do ex-presidente Lula à chamada “emenda Ibsen” (leia mais) será analisado pelo Congresso, podendo ser mantido ou derrubado. “Vamos pedir ao presidente Sarney que adie a votação do veto, para dar mais tempo para a Câmara votar antes o projeto aprovado hoje”, avisou o peemedebista.

Alheio à questão da celeridade da votação na Câmara, o senador Vital do Rêgo disse que o mais importante já foi obtido, que é a redistribuição dos recursos provenientes da extração da riqueza mineral. Para ele, deve ser repetido na Casa vizinha o procedimento do Senado. “Não há acordo de bancada, não há acordo de partidos. Há a busca de acordo da maioria, que foi o que nós fizemos aqui no Senado”, disse.

Um dos mais inflamados na defesa dos estados produtores, Lindbergh Farias (PT-RJ) lamentou a aprovação da matéria, mas manifestou otimismo quanto às alternativas disponíveis fora do âmbito legislativo. “O projeto, na minha avaliação, é muito inconsistente, tira recursos do orçamento para o próximo ano de municípios e estados, inviabiliza o Rio de Janeiro. Sinceramente, saio daqui com muita confiança nas batalhas do futuro. Vamos começar a nos preparar na campanha para que [a presidenta] Dilma vete o projeto”, declarou o senador fluminense. “Ela não tem condições de sancionar esse projeto, que inviabiliza 86 municípios, inviabiliza o próprio estado.”

Reverenciado como uma espécie de catedrático do assunto no Senado, o também senador fluminense Francisco Dornelles (PP) apontou a inconstitucionalidade do projeto. “O projeto aprovado foi aprovado pela maioria e tem de ser respeitado. Eu o considero totalmente inconstitucional, fere o pacto republicano, os princípios da Federação, inviabiliza o Rio de Janeiro”, argumentou Dornelles, ex-ministro da Previdência no governo Fernando Henrique Cardoso, lembrando que o Rio precisa dos recursos dos royalties para o pagamento da dívida do estado e para a capitalização da previdência, por exemplo. Ele disse ainda que, se a presidenta não vetar o projeto, “o Rio tem a obrigação de recorrer ao Supremo Tribunal Federal em defesa da Constituição e de seus direitos legítimos”.

Insatisfeito com a aprovação da matéria, embora representante de um estado não produtor, Pedro Simon (PMDB-RS) manifestou ao Congresso em Foco pensamento semelhante ao de Lindbergh. “Sinceramente, ainda confio na Câmara. Acho que a Câmara vai votar da maneira que nós esperávamos, com mais justiça entre os estados”, disse o senador, para quem o apetite da União prejudica estados produtores e não produtores. “A União não quis abrir mão de praticamente nada.” (Congresso em Foco)

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