Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade
Basta Pensar
Basta pensar em sentirPara sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.
Fernando Pessoa
PROFISSÃo DE FEBRE quando chove, eu chovo, faz sol, eu faço, de noite, anoiteço, tem deus, eu rezo, não tem, esqueço, chove de novo, de novo, chovo, assobio no vento, daqui me vejo, lá vou eu, gesto no movimento
Paulo Leminski
Táxi
O poeta passa de táxi em qualquer canto e lá vêo amante da empregada doméstica sussurrarem seu pescoço qualquer podridão deste universo.Como será o amor das pessoas rudes?O poeta não se conforma de não conhecertodas as formas da delicadeza.Cacaso
Lindo demais
Coração é terra que ninguém vêQuis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.
Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.
Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão
Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...
Cora Coralina
Poema
Se a paixão deu-te um desgosto,
tens uma cura ligeira:
procura, à tarde, ao sol posto,
a sombra da laranjeira.
Se n’alma sentes ciúmes,
com teus olhos rasos d’agua,
o aroma da tua magua
mistura com os seus perfumes.
Mas, se esse arbusto impiedoso
não te acolher complacente,
vai assentar-te, saudoso,
à beira de uma corrente.
Afina o teu instrumento,
serenamente sombrio,
canta e afoga o pensamento
nas águas fundas do rio.
Catulo da Paixão Cearense
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