sábado, 30 de julho de 2011

Maria Tereza Goulart foi pega de surpresa na Espanha pela renúncia de Jânio

No dia em que Jânio Quadros renunciou à presidência da República, em 25 de agosto de 1961, Maria Tereza Goulart, esposa do vice-presidente João Goulart – o Jango -, estava na praia de Costa Brava, na Espanha. Tinha viajado em companhia dos filhos, João Vicente, de 6 anos, e Denize, de 5, e lá esperaria Jango, que estava em missão governamental na China, para apanhá-los de volta ao Brasil. A notícia da renúncia chegou de surpresa por jornais que lhe foram entregues à mesa do café da manhã, pelo dono do hotel onde estava e que era amigo da família Goulart. Logo depois, por telefone, ela foi convencida pelo vice-presidente a permanecer na Espanha com as crianças.

“As informações eram muito desencontradas. Uns falavam uma coisa, outros diziam diferente. Daí em diante, não tivemos mais privacidade. Até aquele momento, éramos ilustres desconhecidos ali, e as crianças podiam brincar à vontade na piscina. Depois, vieram jornalistas, fotógrafos, todos querendo saber o que eu achava daquilo”, recorda Maria Tereza, que só retornou ao Brasil depois de o marido já ter assumido a presidência.

Embora não tenha vivido de perto a Campanha pela Legalidade, Maria Tereza define o movimento como uma mobilização histórica com a qual Jango não contava. Mas na verdade, segundo ela, João Goulart sabia que o enfrentamento popular às Forças Armadas, exigindo que o vice-presidente assumisse o governo no lugar do presidente renunciante, conforme previa a Constituição Federal, não seria garantia de que ele se sustentaria no poder.

Jânio, um homem muito estranho

Maria Tereza diz ter convivido muito pouco com Jânio Quadros. Do escasso contato com o presidente, com o qual calcula ter conversado não mais do que em três ocasiões, guarda apenas a lembrança de “um homem muito estranho”. Depois da renúncia, nunca mais se viram.

Até onde ela sabia na época, não havia, nos bastidores, nenhuma evidência de que Jânio fosse abandonar o governo. Eleito sucessor de Juscelino Kubitscheck, aos 44 anos, em 3 de outubro de 1960, ele tivera a maior votação até então alcançada por um candidato a presidente da República no Brasil – foram 5,6 milhões de eleitores a favor dele. Por isso, Maria Tereza não discorda da versão de que Jânio estava blefando, na expectativa de que a população clamaria pela sua permanência e que as próprias Forças Armadas o apoiariam. “Imagine uma pessoa que conquistou a quantidade de votos que ele teve tomar uma atitude daquelas. Acho que [com a renúncia] ele queria provar o poder que acreditava ter. Mas sem apoio de ninguém, só restou ir embora.”

Já com relação às especulações de que Jango caíra em uma armadilha de Jânio Quadros ao ser encarregado de liderar uma missão governamental para tratar de intercâmbios com a China comunista – porque isso indisporia os militares contra ele -, Maria Tereza não concorda. “O Jango queria ir à China. Era um desejo antigo dele”, afirma.

Primeira-dama aos 21 anos

Maria Tereza tinha 14 anos quando conheceu Jango. Os dois eram filhos de moradores vizinhos em São Borja. Aos 15 anos, ela teve um baile de debutante na casa de uma tia no Rio de Janeiro, e Jango estava lá. Mas só tempos depois começaram a namorar. Nessa época, ele era ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas. Quando se casaram, Maria Tereza tinha 17 anos e Jango era candidato a vice-presidente de Juscelino Kubitschek – o mesmo cargo ocupado mais tarde na gestão de Jânio Quadros.

Depois da vitória da Campanha da Legalidade, quando Jango foi empossado presidente, Maria Tereza tinha apenas 21 anos. Tão jovem, teve muito o que aprender ao se transformar em primeira-dama do país. “Antes, como esposa do vice-presidente, era tudo mais fácil”, diz ela. “Tínhamos poucos compromissos oficiais, porque naquela época vice-presidente não tinha visibilidade como hoje”.

Mas com a ajuda de esposas de ministros de Jango e de outros políticos, logo ela se adaptou à nova rotina. Entre as mulheres que a auxiliaram nessa tarefa, esteve Risoleta Neves, esposa de Tancredo Neves. “Elas me tratavam como se eu fosse uma filha e me orientavam sobre vários assuntos”, conta. O mais difícil era quando tinha de participar de ambientes exclusivamente políticos: “Não era entrosada com aquilo e sentia uma certa dificuldade em reuniões a que eu tinha de estar presente”.

Tudo foi ficando mais fácil quando ela assumiu a presidência da Legião Brasileira de Assistência – a LBA. “Foi uma escola, porque eu comecei a ter que viajar a vários lugares e tinha uma ótima equipe”.

Jango ficou na presidência da República até março de 1964, quando o golpe militar deflagrado no dia 31 o derrubou do poder. Do relacionamento das forças militares com o governo dele, até então, Maria Tereza diz que não sentia qualquer indisposição ou arrogância. “Pelo contrário, convivia-se bem com os militares, e no dia-a-dia, me parecia que estava tudo muito tranquilo. Acho que não percebi, naquele momento, que por trás da aparente tranquilidade já havia expectativas de uma coisa grave”. Mas, pelas circunstâncias em que Jango assumira o governo, ela diz que intuía, desde o começo, que algo poderia acontecer no futuro.

O comício na Central do Brasil

Dias antes do golpe, em 13 de março, Jango havia feito um comício em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, assistido por cerca de 300 mil pessoas. Decretou ali a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de terras às margens de ferrovias, rodovias e áreas públicas de irrigação de açudes, para promover a reforma agrária.

O comício o empurrou definitivamente para a linha de fogo. Mas era uma vontade da qual ele não abriria mão, segundo Maria Tereza. “Foi um grande discurso”, lembra. Maria Tereza estava ao lado do marido, lhe passando as páginas em que ele lia o pronunciamento. Recorda que, de repente, Jango não quis mais ler e passou a falar de improviso: “Foi aí que falou com a alma sobre as reformas que pretendia para beneficiar as classes mais humildes. Depois do comício, ele me disse: Aconteça o que acontecer, eu realizei o que queria”.

Pouco antes de falar para aquelas milhares de pessoas, Jango havia se sentido mal, mas não obedeceu à recomendação do médico de que deveria ficar repousando. Também havia boatos de que o palanque seria explodido. “Foi por isso que decidi ir junto. Até então, nunca tinha participado de comício, porque não me sentia bem (como até hoje) entre multidão”, diz Maria Tereza. (Sul21)

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