domingo, 27 de março de 2011

Para Amorim, é preciso diálogo para ter influência sobre Irã

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim acredita que o diálogo é a única maneira de influenciar o Irã, acusado por parte da comunidade internacional de violar direitos humanos e buscar desenvolver armas nucleares.

"Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo", disse Amorim em entrevista à BBC Brasil, afirmando que não é possível "bater forte e dialogar ao mesmo tempo".

O embaixador afirmou ainda que a aproximação com o Irã possibilitou que o Brasil intercedesse em casos como o de Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, e da francesa Clotilde Reiss, acusada de espionagem no país.

Ministro das Relações Exteriores durante os dois mandatos de Lula, Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana na última quarta-feira, um dia antes de o Brasil ter votado a favor da nomeação de um relator da ONU para investigar a situação de direitos humanos no Irã.

O voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinalizou uma mudança na posição do Brasil, que até então vinha se abstendo em decisões sobre o Irã.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista dada por Celso Amorim a BBC:

BBC Brasil - O senhor escreveu um artigo para a revista Foreign Policy antes da visita de Obama dizendo que seria uma decepção se ele não aproveitasse a ocasião para apoiar concretamente a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ele veio e manifestou apenas “apreço” pelo pleito do Brasil. O senhor está decepcionado?

Celso Amorim - Acho que a democracia brasileira fez o que pôde. Não sei nem se eu teria conseguido tanto. A Condoleezza (Rice, Secretária de Estado durante o governo George W. Bush) várias vezes conversou comigo sobre o assunto, mas ele nunca tinha figurado num comunicado conjunto. Isso é um avanço.

Agora, quando se compara com o que os americanos fizeram em relação à Índia, evidentemente é decepcionante. Qual é o sinal que os Estados Unidos estão dando? Qual é a diferença fundamental entre Brasil e Índia?

A Índia é mais populosa que o Brasil, mas o Brasil em compensação tem três vezes o território indiano. Ambos são democracias estáveis, com influência regional. A diferença fundamental é que a Índia tem bomba atômica e o Brasil não tem. Como você pode ser ao mesmo tempo a favor da não proliferação (de armas nucleares), e, no caso de dois países que são razoavelmente comparáveis, apoiar um país e não apoiar o outro?

Para falar a verdade, não vou dizer que eu fiquei decepcionado porque eu não tinha grandes expectativas de que Obama viesse a fazer isso. Mas acho que, do ponto de vista norte-americano, ele perdeu uma grande oportunidade. Os EUA continuam imbuídos daquela visão de hemisfério. Traduzido em bom português, hemisfério, no fundo, é o quintal. E no quintal você tem que tratar todos mais ou menos igual.

O fato de ele não entender que o Brasil tem hoje um trânsito internacional mundial... Isso você vê na opinião das outras pessoas. Por que convidaram a mim e uma semana depois ao presidente Lula para falar na Al-Jazeera? Quando isso acontecia antes? O Brasil está ali, é tido como um exemplo.

BBC Brasil - Mas quais oportunidades o senhor acha que Obama perdeu em sua visita?

Amorim - A grande coisa que ele podia ter feito era dar um apoio explícito e claro ao Brasil. Um reconhecimento de que o Brasil pode contribuir no mundo. Ele teria criado uma aliança mais sólida, e isso teria contribuído para uma relação de confiança profunda. Essa coisa assim, com a xícara meio cheia, meio vazia... Vai continuar tudo como estava.

O Obama simbolicamente é um presidente muito importante, porque é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Tem um apelo natural para a população brasileira, o que é bom. Antes da visita, analistas americanos diziam que essa era grande coisa que ele poderia fazer, uma vez que na área comercial os avanços seriam limitados.

Os EUA estão vivendo um momento de dúvida sobre o próprio poder. Mesmo na questão da Líbia, apesar de estarem engajados, há dúvida de quem está liderando.

Os EUA precisarão de outros países, precisarão discutir mais. Você não pode pensar que a pluralidade no mundo se obtém pela terceirização. "Ah, você faz isso, mas faz do jeito que eu quero." Não. "Você faz isso, então vou ter que levar em conta a sua opinião." É uma realidade diferente, e países como o Brasil, a Turquia, a Índia, totalmente diversos, podem atuar. Então, acho que ele perdeu essa oportunidade.

BBC Brasil - Em abril, a presidente Dilma Rousseff faz sua primeira visita de Estado à China. Há notícia de que os Estados Unidos se preocupam com a crescente influência da China na América Latina e nos países africanos. Como o Brasil se encaixa nesse contexto?

Para Amorim, EUA vivem momento de dúvida sobre o próprio poder

Amorim - Se os Estados Unidos estão preocupados com isso, podia ter feito duas coisas: uma é apoiar o Brasil para o Conselho de Segurança. Outra é abrir o mercado de etanol. Porque é dessa maneira que você neutraliza a influência dos outros. Não é só ficar preocupado em teoria.

As pessoas criticam que o nosso comércio com a China não é bom do ponto de vista qualitativo. Mas o Brasil tem, como país individual, o maior superavit comercial com a China. O maior deficit comercial é com os Estados Unidos.

Quando dizem que a bola está no nosso campo, eu discordo totalmente. A bola ainda está do lado dos americanos, eles é que têm que fazer os gestos que resultem numa mudança. Eles que abram os seus mercados, não como a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) queria fazer – porque ia abrir muito parcialmente o mercado americano e fazia exigências tremendas.

BBC Brasil - O Brasil exporta principalmente commodities para a China, e importa manufaturados. Há uma grita em setores da indústria brasileira, que se sentem prejudicados pela entrada de produtos chineses...

Amorim - Primeiro, é preciso reconhecer que, quando falamos de commodities hoje, não é como no início do século 20, quando eram produtos de baixíssimo valor agregado. Seja no agronegócio, no etanol, em outros produtos, há um alto grau de pesquisa tecnológica agregado ali.

Mas veja bem. Os grandes deficits comerciais que o Brasil tem hoje não são com a China, são com os países desenvolvidos, os países produtores de manufaturados, EUA, Alemanha... O maior deficit que o Brasil tem é com os EUA, de quase US$ 10 bilhões. E o maior superávit que os EUA tem no mundo é com o Brasil.

Se eles querem mudar a relação, o que tem que ser reformado é por aí. Facilitar a importação do etanol brasileiro, concluir a Rodada de Doha. Com isso, ele nos conquistaria no bom sentido. Ainda que a China esteja comprando commodities, a gente precisa vender para sustentar o nível de vida que se alcançou no Brasil. Se ele (Obama) não faz isso, aí não pode evitar que a influência chinesa aumente.

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