segunda-feira, 12 de março de 2012

MEDICINA PERDIDA: Brócolis, teias de aranha e outros remédios da antiguidade

Como diretor científico do Instituto para Preservação das Tradições Médicas da Smithsonian, Alain Touwaide está compilando uma base de dados de plantas medicinais da antiguidade. Fluente em 12 línguas, ele tem um PhD em clássicos da Universidade Católica de Louvain (UCL) na Bélgica. A revista New Scientist perguntou a ele sobre sua missão de desenterrar sabedoria medicinal perdida em manuscritos antigos.

O que o médico da Grécia Antiga Hipócrates teria usado para tratar, por exemplo, uma dor de cabeça?
Um cataplasma — ou emplastro — feito de íris misturada com vinagre e perfume de rosa. E para dor de cabeça crônica, pepino-de-São-Gregório.

E se ele tivesse doença de estômago?
Tâmaras, caldo de galinha e alface cultivada.

Qual é o remédio mais memorável que você já encontrou?
Teias de aranha. Incrivelmente, eu encontrei teias de aranha e muitas outras materia medicamencionadas na literatura antiga quando minha mulher e eu visitamos a loja de um curandeiro tradicional na cidade turca Konya. Nos sentimos como se tivéssemos viajado 2 mil anos no tempo.

Como você descobriu esses remédios?
Eu os procuro em manuscritos antigos de bibliotecas de todo o mundo — a Biblioteca Britânica em Londres, a Biblioteca do Vaticano ou nas muitas coleções abrigadas em monastérios na península de Atos, na Grécia. É o que chamo de meu campo de trabalho. Mas muitos manuscritos estão também em bibliotecas menores espalhadas por toda Europa. Eu também acompanho o mercado de livros em antiquários.

Eu me especializei em literatura médico-farmacêutica antiga baseada na flora do Mediterrâneo, e estudo os textos em sua língua original— grego, latim, árabe.

Na busca por novos medicamentos baseados em plantas, o brócolis é um alvo popular. Ele já foi usado como remédio no passado?
Descobrimos a riqueza de dados sobre o brócolis na literatura antiga. Originalmente era usado principalmente para tratar desordens ginecológicas. Já no século III AC era usado também para problemas digestivos, tétano e possivelmente hidropsia (retenção de líquidos). No século I DC, infecções de pele eram as doenças mais importantes tratadas com brócolis, seguidas de problemas do sistema digestivo.

Marco Pórcio Catão, cônsul de Roma, achava que todos os cidadãos romanos deviam cultivar brócolis em seus pomares para usar como uma espécie de “remédio para tudo”, e o médico grego Galen prescrevia brócolis para tratar uma condição médica que era provavelmente câncer de cólon.

Surgiram novos remédios do estudos dos antigos?
O melhor exemplo é artemisinina— o tratamento contra malária derivado da planta artemisia. A malária era uma praga no mundo antigo, e nós encontramos mais de 70 agentes de tratamento na literatura médica grega do período clássico, do século V AC ao III DC — incluindo artemisia. Ela foi identificada recentemente por farmacologistas chineses na base de sua literatura antiga.
Atualmente, temos uma série de plantas em nosso banco de dados que devem ser testadas para o tratamento de malária.

O que você aprendeu sobre a forma como as culturas antigas usavam plantas medicinais?
Os remédios deles eram baseados em um núcleo de 45 plantas, que eram cultivadas no pomar perto das casas dos pacientes.

O que é mais interessante nos escritos atribuídos a Hipócrates é que as plantas mencionadas são muito comuns: helleborus, alho, mercurialis, aipo, alho-poró, linho, anis, beterraba e repolho, entre outros. Essa lista é significativa porque mostra que comida e remédio são duas faces da mesma moeda, e que a melhor medicina é a preventiva. Mirra também era usada como antisséptico e agente antibiótico. Se você têm um desinfetante e uma boa variedade de substâncias básicas com as quais tratar muitas doenças, você tem um bom arsenal terapêutico à sua disposição.

O seu trabalho mostrou quais doenças eram mais prevalentes muitos anos atrás?
Da literatura que encontramos o grupo mais importante de doenças eram as infecções de pele, seguidas pelas do sistema digestivo, trato urinário e doenças ginecológicas. Nós não temos informação explícita sobre a epidemiologia das populações com as quais estamos trabalhando, mas podemos reconstruí-la hipoteticamente com base nos textos e restos humanos.

Você ficou tentado a tentar algum dos remédios antigos que você estuda?
Não. Eu não praticaria a auto-medicação! Estudar esses remédios antigos é uma atividade científica para mim, não uma “busca” por estilo de vida. (ON)

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