sábado, 3 de dezembro de 2011

Os "perdoados" (cachorros) da ditadura

Cabo Anselmo


A revista Época n? 706 traz uma boa reportagem sob o nome de “Os infiltrados da ditadura”. Antes de continuar, é bom esclarecer que a reportagem é boa pelo assunto e por alguma verdade que deixa escapar, apesar da pauta e direção da revista. O fato é que, num surto de bom tema, a reportagem traz a público os perfis breves de cinco agentes do Centro de Informações da Marinha, que se infiltraram na resistência à ditadura.

Assim, ficamos sabendo dos infiltrados Manoel Antonio Rodrigues, Gilberto de Oliveira Melo, Álvaro Bandarra, este na cúpula do PCB, de Maria Thereza Ribeiro da Silva, no PCBR, e mais Vanderli Pinheiro dos Santos, executor da sua farsa de tal maneira, que recebeu da Comissão da Anistia 234 mil reais e pensão acima de 3 mil por mês. Mas claro, recebeu e recebe porque alegou haver sofrido perseguição e torturas, ao requerer o benefício a pessoas de boa-fé na Anistia. Se uma pesquisa rigorosa se fizer, deve haver outros em igual situação, pois a decência é terra estranha a bandidos e assemelhados.

No sentido acima, a reportagem marca um tento. Os agentes duplos, as infiltrações nos partidos e movimentos clandestinos, cujo maior exemplo é o senhor cabo Anselmo, começam a aparecer. Esse é um terreno fértil de sombras e traições, que o Brasil inteiro ainda muito saberá, a partir da abertura dos arquivos e do trabalho da Comissão da Verdade. Sim, a partir dela, que hoje recebe ataques à ultradireita e à sectária esquerda. Da direita, por absoluto conhecimento do que pode vir da Comissão. Da esquerda à esquerda, por um desejo precoce de resultados, enquanto vira palmatória dos que julga vacilantes.

Importa agora destacar o quanto a orientação da revista limitou a exploração da mina da luta e infâmia. O quanto há de conflito entre a reportagem, o mundo terrível que revela, e a ideologia da empresa. São palavras do Diretor de Redação da revista Época, ao tentar pôr venda nos olhos do leitor:

“Na reportagem fica claro como é impossível separar bandidos e mocinhos de modo categórico. Havia, de ambos os lados, seres humanos movidos por medos, angústias e tensões – alguns deles capazes de todos os tipos de ação, do assalto ou justiçamento à tortura e execução. O repórter Leonel descreve, em especial, a realidade ambígua daqueles que foram infiltrados pelos órgãos da repressão nos movimentos de esquerda. Ele descobriu onde vivem alguns hoje e, ao conversar com eles, testemunhou como a ditadura marcou suas vidas.

As histórias narradas pelo repórter revelam como é simplista a visão daqueles defensores da Comissão da Verdade que tentam disfarçar seu desejo de vingança com a mais nobre roupagem de defesa dos direitos humanos... Porque, se há algo essencial a dizer a respeito daquele passado, é que ele felizmente passou”.

Se esses não fossem os ferros a prender o repórter, ele teria ouvido os feridos sobreviventes à delação, que até hoje estão machucados no corpo e na alma. E escrever isso não é rascunhar uma frase de retórica. Por exemplo, deveria ter ouvido Maria do Carmo, companheira de Juarez, da VPR, que ainda sofre dores atrozes no espírito por viver depois do então companheiro. Em lugar de “a vida dos infiltrados era cheia de medo, dúvida e tensão”, como está na reportagem, seria informado que a vida dos militantes socialistas era cheia de contínuo terror, tortura e assassinatos. Mas que ainda assim continuavam, pois não podiam deixar de crer em um Brasil fraterno.

No editorial da revista, as operações mentais, as táticas do discurso são conhecidas: relativiza-se para nivelar executores e executados, torturados e torturadores. No passo seguinte, instaura-se o reino de lobos a lamber carinhosos ovelhas, de leões a serem puxados pelos bigodes por zebras, porque todo o sangue e ferocidade é passado. Porque o passado, como diria o Marquês de Maricá, o passado passou. No entanto a realidade resiste a tão bons e piedosos propósitos. Perguntem a todo o mundo civilizado sobre os crimes de guerra de nazistas e se diga aos “vingativos” netos das vítimas que o passado passou. E nem se precisa perguntar aos humilhados e pisados no oriente. Aqui perto, na Argentina, perguntem. Se a humanidade assim concordar, poderemos todos chamar os companheiros de Fleury para um jantar de confraternização, ao som de “hoje é um novo dia, um novo tempo já começou”.

Mas enquanto esse futuro bobo não chega, que venha e se aprofunde a

Comissão da Verdade. Urgente, já. (Luis Nassif)

1 comentários :

Rebello disse...

Eu gostaria que se fizesse uma trilha de audio tal e qual foram os sons de uma prisão do DOI-CODI. Sim, como se estivessemos dentro de um estabelecimento desses escutando tudo, desde a entrada dos presos, o leva-los até o cárcere com sons de portas de grades sendo abertas e fechadas, sons de tortura com as perguntas, os gritos, as respostas, as negativas, e mais sons de tortura e os gritos até os silêncios estarrecedores das vítimas e as conversas entre os torturadores. Para que isso? Eu digo. Eu quria ver as expressões dos torturadores hoje ao escutarem isso tudo. E eu tenho uma pergunta: seria isso considerado uma forma de tortura a esses que torturaram? Ou seria um presente como se fosse um concerto musical? Eu acho que poderia ser até uma forma de liberação, desde que muitos deles se sentiriam em casa novamente. Aí sim poderiamos ver e analizar melhor a realidade desses monstros. Poderiamos ver até que ponto aguentariam essa realidade morta a ecoar e ricochetear e ecoar-lhes de novo no côco e na alma pelas sua expressões. Poderiamos ver o ponto de ruptura do que eles chamam de sanidade na realidade deles, porque fica apenas o som sem a ação, sem algo tangível que lhes possa servir de escora na realidade, como ver o produto da tortura em quem está sofrendo. Talvez possa-se observar ao vivo e a cores o princípio da insanidade mental. E talvez fosse essa uma última homenagem àqueles que fizeram do terror o seu modo de vida e ganha pão. Afinal, foi o que fizeram, e nada mais justo que colocá-los de novo na sua realidade para que desfrutem dela. Pelo menos pelo prazer auditivo na volta ao passado.

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