domingo, 23 de outubro de 2011

A fúria popular toma as ruas do planeta

De Seattle a Sydney, manifestantes tomaram as ruas. Sejam eles inspirados pelo movimento de ocupação da Wall Street, em Nova York, ou pelos indignados de Madri, os manifestantes despejam sua insatisfação com o estado da economia, a maneira injusta pela qual os pobres pagam pelos pecados dos ricos banqueiros, e em alguns casos, com o próprio capitalismo.


No passado, tratar tais surtos de fúria como atos de uma turba de extremistas desorientados era uma tarefa fácil para os políticos ocidentais e liberais econômicos. Em Seattle, por exemplo, os últimos grandes protestos (contra a Organização Mundial do Comércio, em 1999) pareciam sem propósito. Se havia alguma meta, ela era egoísta – uma tentativa de empobrecimento no mundo emergente por meio do protecionismo. Dessa vez, também, certos pontos são familiares: a estranha porção de violência, vários discursos incoerentes e muita inconsistência. Os manifestantes têm metas diferentes nos diferentes países. Impostos mais altos para os mais ricos parecem ser o mais próximo de um denominador comum, embora nos Estados Unidos pesquisas apontem que a fúria popular contra o governo ofusca a rejeição a Wall Street.

Ainda que os protestos sejam pequenos e confusos, é perigoso desdenhar da ampla raiva que existe por todo o Ocidente. Existem mágoas profundas e legítimas. Jovens – e não apenas aqueles nas ruas – deverão encarar impostos mais altos, benefícios menos generosos e um período maior vivendo sob o teto de seus pais. Casas são caras, o crédito é difícil, e os empregos são cada vez mais raros – não apenas na indústria manufatureira, mas também nos serviços mais sofisticados que atraem um número cada vez maior de formandos com dívidas cada vez maiores. Nos Estados Unidos, 17,1% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na União Europeia, o desemprego na juventude é de 20,9%. Na Espanha, esse índice é de 46,2%. Apenas na Alemanha, na Holanda e na Áustria, o índice de desemprego entre jovens com menos de 25 anos está abaixo dos 10%.

Não são apenas os jovens que se sentem oprimidos. Cidadãos de meia-idade têm pela frente uma redução em seus salários e direitos de pensão. E enquanto os mais velhos veem a inflação diminuir o valor de suas economias, no Reino Unido, os preços estão aumentando em 5,2%, mas os depósitos bancários têm um rendimento inferior a 1%.

História, pobreza e protesto

Para o homem comum, tudo isso indica que o sistema falhou. Nenhum dos principais métodos ocidentais tem muito crédito no momento. A social-democracia europeia prometeu aos eleitores benefícios que a sociedade não pode mais bancar. O modelo anglo-saxão afirmava que mercados livres criariam prosperidade, mas muitos eleitores agora têm a sensação de que ganharam uma série de bolhas de endividamento de bens e uma economia de cartas marcadas a favor da elite financeira que colheu toda a receita dos bons tempos e deixou o mundo sem nenhuma alternativa a não ser resgatá-los financeiramente. Usando um dos slogans favoritos dos manifestantes, 1% lucrou às custas dos outros 99%.

Se as mágoas são mais legítimas e amplas que as dos protestos anteriores, então os perigos também são maiores. A fúria populista, especialmente aquela desprovida de um objetivo coerente, pode ser direcionada para qualquer lado no momento das demandas. Os anos 1930 deram o maior exemplo. Um fenômeno mais recente (e menos apavorante) é o Tea Party. A fúria justificada da batalhadora classe média norte-americana contra um Estado repleto de obstáculos se traduziu, na prática, em uma forma de niilismo obstrucionista: nada que envolva impostos pode ser aprovado em Washington, nem mesmo uma reforma fiscal.

O que torna tudo mais preocupante, é que os políticos já se encontram em uma espécie de depressão. Os republicanos começaram condenando os ocupantes da Wall Street, e depois se uniram a eles. Na Europa, partidos social-democratas tendem a perder eleições caso se afastem demais do centro, mas líderes, como Ed Miliband no Reino Unido e François Hollande na França, ainda se encantam com a retórica anti-bancos. Por que não optar por um gesto – tarifas ou um enorme imposto sobre os ricos – que poderia apenas piorar as coisas? Barack Obama, que já flertou com a luta de classes e ataques ao setor dos negócios, pode considerar fazer da China e de sua moeda, seu novo alvo. E a situação só tende a piorar: austeridade e protesto sempre caminharam juntos.

Combata as causas, não os sintomas

Políticos mais corajosos se concentrariam em duas coisas. A primeira seria o rápido combate às causas da fúria. Acima de tudo, isso significaria fazer mais para colocar as economias novamente em movimento. Uma solução razoável para a crise do euro seria um grande começo. De maneira geral, o foco deve estar nas políticas que impulsionam o crescimento econômico: ajustes de médio prazo, como um aumento na idade de aposentadoria, ao invés de austeridade de curto prazo. Garantir que os ricos paguem sua parte, mas de uma maneira que faça sentido economicamente: seria possível impulsionar o imposto sobre a fortuna, eliminando brechas ao mesmo tempo em que se eliminam taxas marginais. Reformar o sistema financeiro de maneira vigorosa. “Adote o modelo Basileia III e maiores pré-requisitos de alto capital” não é um slogan cativante, mas seria mais eficaz na redução de bônus a Wall Street do que a maioria das ideias que ecoam do Zuccotti Park.

O segundo passo seria dizer a verdade – especialmente sobre o que deu errado. O maior perigo é que as críticas legítimas ao excesso de risco financeiro se tornem um ataque desenfreado à globalização como um todo. É importante lembrar que o centro do desastre de 2008 foram as propriedades norte-americanas, nem de longe, um mercado livre sem distorções governamentais. Apesar de toda a culpa dos financiadores, o grande rombo na maioria das finanças governamentais vem menos dos resgates dos bancos e mais de políticos gastando excessivamente, e fazendo promessas relativas à previdência e à saúde que nunca poderiam ser cumpridas. Observe as razões por trás dos problemas atuais – desde alto preço dos alimentos até a escassez de empregos para os jovens espanhóis – e é fácil perceber que eles têm menos a ver com a ascensão do mundo emergente do que com a interferência estatal.

A integração global tem seu preço, e colocará cada vez mais pressão sobre os ocidentais. Mas em qualquer que seja a análise, os benefícios sempre serão muito maiores que os custos, e virtualmente todas as maneiras de geração de empregos surgem da abertura das economias, e não da obediência aos instintos dos manifestantes. Os governos ocidentais falharam com seus cidadãos no passado, e criar mais barreiras para impedir que bens, ideias, capital e pessoas cruzem as fronteiras será um grande erro. (ON)

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