segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Baixa adesão ao ENEN é sintoma da crise

Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trazem uma relação incômoda: na média, quanto mais baixa a participação dos alunos, menor a nota das escolas. O fenômeno é um indicativo de um ciclo perverso do ensino médio brasileiro, incapaz de criar nos adolescentes a vontade de prosseguir nos estudos. Sem precisar da nota do Enem para entrar em uma faculdade ou curso pós-médio, já que o exame não é obrigatório, estudantes das escolas de pior qualidade ou mais isoladas têm pouca motivação para se inscrever no teste.

Criado para avaliar a qualidade do ensino médio, o Enem passou a “esquecer” aqueles que mais podem ser ajudados pela criação de indicadores de qualidade. No ano passado, apenas 18% dos colégios do país e 12% do Paraná tiveram participação acima de 75%. Estão entre eles as melhores notas do país – com a exceção de escolas técnicas, nas quais a participação é mais baixa porque a formação conduz os alunos ao mercado de trabalho e é boa o suficiente para garantir melhores notas no teste. A fatia de 82,5% das escolas desse grupo ficou acima da média nacional.

Pontuação

A média obtida nas escolas brasileiras no Enem foi de 511 pontos. No Paraná, a pontuação média está 7% acima da nacional, ou seja, 548,39 pontos. Embora os quatro grupos de participação estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC) tenham tirado notas acima da nacional no Paraná, a pontuação aumentou conforme o índice de participação, chegando à diferença de 11,26% entre o grupo de menor adesão e o de maior.

Nos grupos que tiveram adesão abaixo de 25%, a média alcançou 526,52 pontos, en­­quanto na faixa até 50% a pontuação melhorou. Quando a participação foi superior à metade dos alunos e menor que 75%, as escolas ficaram com nota média de 550,87. Já as escolas com maior participação no Enem alcançaram pontuação média de 585,85, bem próximo dos 600 pontos médios característicos dos países desenvolvidos e tidos como meta do MEC para os próximos 15 anos. A maioria das escolas desse grupo (79%) é da rede privada.

Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, a qualidade do ensino das escolas públicas e privadas não deve ser comparada a partir dos dados do Enem devido às diferentes faixas de participação. Em nota, o MEC informa que “uma reduzida taxa de participação torna a nota média pouco representativa do conjunto de estudantes da escola”. Por outro lado, mesmo nos estabelecimentos com alta adesão, “os participantes podem não representar o desempenho médio que a escola obteria caso todos os alunos participassem”.

Crise

Segundo especialistas, a baixa participação reflete o desestímulo do jovem. O professor da faculdade de Educação da Universidade de Brasília Remi Castioni aponta uma possível causa. “O ensino médio é muito conteudista, baseado cada vez mais numa concentração de conteúdos que têm pouca aplicação no dia a dia dos alunos.”

“O ensino médio é visto como um corredor para a faculdade”, avalia a professora-doutora do setor de Educação da Univer­­sidade Federal do Paraná (UFPR) Sônia Guariza Miranda. Isso compromete o processo de conclusão da educação básica. Castioni aponta que, dessa forma, os alunos das escolas privadas se sobressaem, com melhor pontuação e participação no teste. Já o estudante da escola pública “não se vê numa faculdade”. Ela considera que uma eventual obrigatoriedade do Enem não resolveria o problema. “Ele não pode ter caráter punitivo.”

Entre a roça e os estudos

Das 273 escolas paranaenses que tiveram participação abaixo de 25% dos concluintes do ensino médio no Enem 2010, o Colégio Estadual de Calógeras, em Arapoti, no Norte Pioneiro, teve proporcionalmente a menor adesão do estado. A taxa de participação foi de 3,3%. O motivo, segundo os próprios alunos, é a distância dos centros universitários e a intenção de trabalhar no sítio com os pais.

Na sala do terceiro ano do ensino médio do período matutino, os 12 alunos matriculados pretendem prestar o Enem nos dias 22 e 23 de outubro. Todos dizem ter interesse em entrar no ensino superior. “Vontade não falta, mas tem que esperar para ver se vai dar certo”, arrisca Cleiton Jhonatas Garcia, de 17 anos. Ele pretende fazer Administração, mas não sabe qual faculdade da região oferta o curso.

Camila da Silva Bispo, 17 anos, quer ser veterinária, mas também não sabe em qual instituição. “Meus pais me incentivam muito e eu quero fazer veterinária para ficar trabalhando no sítio ou na região”, explica. Se não passar no vestibular, a partir do ano que vem ela vai fazer um curso de inseminação artificial para ajudar na reprodução das vacas do sítio.

O distrito de Calógeras fica a 20 quilômetros de Arapoti. A maioria dos estudantes mora em sítios do e usa o transporte escolar rural. O centro universitário de referência para a região é de Ponta Grossa, mas a escola incentiva os estudantes a fazer o curso de licenciatura em Educação do Campo, ofertado no câmpus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná em Dois Vizinhos, no Sudoeste, a quase 500 quilômetros de Arapoti.

O incentivo vem de um dos concluintes do ensino médio da escola, que está fazendo o curso no Sudoeste. Ele é irmão de Luana dos Santos Cândido, 15 anos, aluna do primeiro ano do ensino médio. Ela quer seguir os passos do irmão. Luana vai fazer o Enem como treineira. “Só para saber como é a prova”, diz. Ao terminar o ensino médio, quer estudar Biologia.

Até lá, ela enfrenta uma rotina pesada. Levanta às 5h30 para tirar leite de vaca no sítio e às 6 horas toma o ônibus até a escola, distante oito quilômetros. Volta para casa às 11h30 e ajuda a mãe a fazer queijo e bolachas para vender. Faz aulas extras de agricultura para jovens, espanhol e informática. “Minha mãe fez até a oitava série, mas sabe que a gente precisa estudar para ser alguém na vida.” (GP)

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