quarta-feira, 20 de julho de 2011

Último fugitivo de tribunal para crimes na ex-Iugoslávia é preso


As autoridades da Sérvia anunciaram nesta quarta-feira, 20, a prisão de Goran Hadzic, último dos fugitivos procurados pelo tribunal da ONU para crimes de guerra na ex-Iugoslávia.


Ele é responsabilizado pelo assassinato de centenas de croatas e outros cidadãos não-sérvios da Croácia.

A prisão ocorre menos de dois meses após a Sérvia prender o antigo comandante militar servo-bósnio Ratko Mladic.

Acusações Hadzic havia desaparecido há sete anos, após seu indiciamento pelo tribunal da ONU ter sido comunicado ao governo sérvio.

Ele foi uma figura central na auto-proclamada República sérvia de Krajina, entre 1992 e 1993.

Hadzic foi indiciado por 14 acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, incluindo perseguição, extermínio, deportação e destruição por seu envolvimento em atrocidades cometidas pelas tropas sérvias na Croácia.

Entre as principais acusações contra ele está a deportação de 20 mil pessoas após a ocupação da cidade de Vukovar. (BBC)


A vergonha da Sérvia e a prisão de Mladic

Só haverá justiça para as vítimas do genocídio e da limpeza étnica se os líderes sérvios e servo-bósnios reconhecerem o papel que desempenharam no genocídio

Natasha Kandic, The New York Times

A detenção de Ratko Mladic, em 26 de maio, pegou-me de surpresa. Cerrei os punhos, tentando apertá-lo com toda a força nas minhas mãos. Finalmente, suspirei aliviada.

Mas então ouvi o discurso do presidente sérvio, Boris Tadic. Para ele, a detenção de Mladic representa o encerramento de um capítulo sombrio de nossa história e o fim da marca da vergonha que manchou o povo sérvio por duas décadas. Mas não foi feita menção aos muitos outros que participaram do genocídio durante a década de 90, nem à responsabilidade que o Estado sérvio carrega por estes crimes. Parece que, mais uma vez, podemos desperdiçar a chance de abrir um debate doloroso e necessário sobre o passado.

Não faz tanto tempo que, por um breve instante, pareceu que toda a Sérvia tomaria o partido das vítimas "estrangeiras" contra seus "próprios" criminosos. Isso foi em 2005, depois que eu e meus colegas descobrimos e divulgamos um vídeo feito em 1995 mostrando a execução de seis bósnios da cidade de Srebrenica. Pela primeira vez, o público sérvio testemunhou provas incontestáveis do envolvimento do Estado no massacre de mais de 8 mil bósnios muçulmanos naquela cidade.

O governo respondeu dissociando o Estado do massacre. A polícia deteve cinco homens e os declarou membros de um grupo criminoso, negando todos os vínculos que a unidade pudesse ter com instituições do Estado.

No julgamento, o tribunal sérvio rejeitou o depoimento das mães e dos filhos dos seis muçulmanos executados. A corte concluiu que não havia provas determinando que as vítimas fossem prisioneiros de Srebrenica. Tal decisão representou uma marca vergonhosa para todos nós. E não podemos apagá-la simplesmente enviando Mladic para o tribunal em Haia encarregado de investigar os crimes cometidos na ex-Iugoslávia.

Alívio. A detenção de Mladic trouxe alívio às famílias das vítimas. Proporcionou ao tribunal de Haia o reconhecimento do seu sucesso enquanto agente da justiça internacional. E garantiu à Sérvia a tão cobiçada perspectiva de se tornar um país-membro da União Europeia. O governo sérvio conseguiu convencer o mundo de que dá mais valor a um futuro europeu do que aos criminosos heróis do passado. Mas não estou tão certa de que a Sérvia tenha desistido de Mladic e de seus colegas generais, comandantes de uma guerra genocida na Bósnia. A compaixão que os representantes do governo e a mídia jornalística demonstraram por Mladic na semana passada é mais uma marca vergonhosa que recai sobre todos nós.

O desejo de Mladic de ser visitado pelo ministro da Saúde e pelo presidente do Parlamento foi atendido, assim como o pedido de visitar o túmulo da filha. Ele foi tratado como um astro. Este tipo de bajulação dos assassinos é perigoso numa região em que as feridas da guerra ainda não cicatrizaram. O nacionalismo ainda é forte na Bósnia, na Croácia, em Kosovo e em Montenegro, às vezes até mais forte do que na época das guerras que dilaceraram a Iugoslávia nos anos 90.

Recentemente, na Croácia, políticos, imprensa, Igreja e grupos da sociedade civil protestaram contra o veredicto de Haia condenando dois generais croatas por crimes de guerra - decisão que contestava a interpretação oficial da guerra naquele país. Todos reconhecem que houve mortes em 1995, mas negam que o Estado e ex-líderes como Franjo Tudjman, então presidente croata, tenham sido responsáveis por planejar a limpeza étnica de sérvios.

Justiça. Aos olhos do establishment político bósnio e das famílias dos mortos, só haverá justiça para as vítimas do genocídio e da limpeza étnica se os líderes sérvios e servo-bósnios reconhecerem o papel que desempenharam no genocídio. Mas os líderes servo-bósnios ainda negam que tais crimes tenham ocorrido e exigem que mais líderes bósnios muçulmanos sejam julgados por crimes de guerra.

De maneira semelhante, pouco mudou em Kosovo, onde o público se opõe ao julgamento dos comandantes do antigo Exército de Libertação de Kosovo por crimes de guerra. E, em Montenegro, um tribunal decidiu que os policiais responsáveis por entregar refugiados muçulmanos a forças servo-bósnias, em maio de 1992, não eram culpados de crimes de guerra - um tapa no rosto das famílias das vítimas.

A região precisa desesperadamente de um debate sincero sobre o passado. Esta é a única maneira de reconhecer todas as vítimas e pôr fim às mentiras que contamos a respeito de nós mesmos e dos outros. As famílias das vítimas, 1.600 organizações não governamentais, veteranos e religiosos estão apoiando os esforços para financiar uma comissão regional que teria o objetivo de compilar um registro completo das vítimas, incluindo soldados, policiais, voluntários e aqueles que se tornaram os alvos da limpeza étnica.

Um pedido solicitando o estabelecimento desta comissão será entregue este mês a líderes de todos os Estados que ocupam atualmente a região da antiga Iugoslávia. Se criada, a comissão encerrará a antiga prática balcânica de manter as vítimas sem nome. E só podemos torcer para que a comissão possa finalmente lavar para sempre as manchas do passado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É ATIVISTA SÉRVIA DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS


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