terça-feira, 28 de junho de 2011

Jobim: documentos da época da ditadura não existem mais

Josias de Souza

Dias atrás, uma informação repassada pelo ministro Nelson Jobim (Defesa) a Dilma Rousseff ateou surpresa no noticiário.
As Forças Armadas, disse Jobim à chefe, não se opõem à ideia de acabar com o sigilo eterno de documentos oficiais.
Nesta segunda (27), Jobim levou aos microfones declaração que ajuda a entender o porquê da boa vontade dos militares.
Declarou que os documentos produzidos na época da ditadura já não existem. Sim, isso mesmo, você não leu errado. O papelório “desapareceu”.
Vem daí, insinua Jobim, o lavar de mãos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica quanto às regras do sigilo.
"Não há documentos [sobre a repressão]. Nós já levantamos os documentos todos, não tem. Os documentos já desapareceram…”
“…Já foram consumidos à época. Então, não tem nada, não tem problema nenhum em relação a essa época."
Curioso, muito curioso, curiosíssimo. Jobim virou pregoeiro de um ‘historicídio’. Seria grave em qualquer circunstância.
Sob Dilma, uma ex-torturada que ganhou do eleitor o direito à continência dos militares, o inacreditável ganha ares de inaceitável.
Jobim não é o primeiro a anunciar o sumiço de papéis. Ministro inaugural da Defesa na Era Lula, o embaixador José Viegas soara em timbre parecido.
Em outubro de 2004, fustigado por uma decisão judicial que exigia a abertura dos arquivos do Araguaia, Viegas respondera que tinham sido “incinerados”.
"Imagino que isso tenha ocorrido nos anos 70 ou nos anos 80", dissera Viegas sete anos atrás. Jobim supera-o em desfaçatez.
Diz agora que sumiram todos os arquivos, não apenas os do Araguaia. De resto, fala do desaparecimento sem especificar o método.
Documento interno da contra-espionagem do Exército estabelece regras estritas para a queima de documentos.
Vigoram desde a década de 70. Constam de um manual que, atualizado ao longo dos anos, mantém a mesma política quanto aos arquivos secretos.
A última versão é de 1994. Dedica um tópico específico à eliminação de papéis. Anota:
"A destruição de documentos sigilosos deve ser centralizada, de forma a evitar desvios".
Meticuloso, o texto recomenda que "os documentos sejam triturados e depois queimados".
Anota ainda que a queima deve ser precedida da "lavratura de um termo de destruição".
Viegas falou de fogueira sem mostrar o “termo” que autorizou o fósforo. Jobim nem de fogo fala. Os papéis simplesmente “desapareceram”, “foram consumidos”.
O signatário do blog ajudou a preparar uma série de reportagens sobre o Araguaia. A coisa foi veiculada pela Folha em agosto de 2001, ainda sob FHC.
As notícias basearam-se em papéis oficiais, desses que Jobim vende como desaparecidos.
Num dos documentos, o Exército indicava que, ao desembarcar no sul do Pará, sua tropa sabia o que fazer com os corpos dos “subversivos” do Araguaia.
Os cadáveres não poderiam ser desovados a esmo na selva. Depois de identificados, teriam de ser depositados em covas previamente selecionadas.
Naquela ocasião, o repórter enviou um questionário ao Exército, que respondeu por escrito.
O texto repetia a pantomima da ausência de dados sobre o destino dos corpos da turma do PCdoB. Porém…
…Porém, o Exército admitia a existência dos arquivos que Viegas apresentaria como “queimados” e que Jobim agora declara “desaparecidos”.
Li-se na nota, datada de 7 de agosto de 2001: "Quanto aos desaparecidos nos combates travados naquela região…”
“…É importante salientar o que o Exército tem reiterado exaustivamente quando consultado a respeito do assunto…:”
“…Nos arquivos existentes, nada foi encontrado que pudesse indicar a localização de seus corpos".
Se não quiser que sua biografia também desapareça, convém a Dilma exigir de Jobim ao menos a apresentação dos “termos de destruição”.
Sugere-se conferir a idade dos papéis. Não ficaria bem trazer à luz "termos" que ruíssem à primeira análise tipográfica.

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