terça-feira, 28 de junho de 2011

Carvão ainda consome mata nativa


Apesar de já ser o principal meio de se obter carvão vegetal no país, a opção pela silvicultura (utilização de árvores plantadas) ainda é insuficiente para atender à demanda crescente de madeira para a indústria e para o uso energético. Dados do Instituto Brasi­­leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE-USP) mostram que, nos últimos 20 anos, a área de florestas plantadas é praticamente constante. Os investimentos de grandes siderúrgicas no plantio de madeira, apesar de crescentes nos últimos anos, não conseguem freiar a produção de carvão a partir de matas nativas – o que ocasiona o desmatamento de áreas florestais como o cerrado e a caatinga e a consequente emissão de gases de efeito estufa.

Nas últimas duas décadas, só houve diminuição significativa no uso do extrativismo para se obter carvão no período entre 2008 e 2009, quando explodi­u a crise financeira internacional, que acabou fazendo com que empresas siderúrgicas brasileiras desligassem parte dos fornos. Estudo do IEE-USP estima que, somente em 2005, ano em que a produção nacional de carvão a partir de árvores nativas atingiu o ápice, somando 2,972 milhões de to­­neladas, foram desmatados ilegalmente 245 mil hectares e emitidas 72 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, devido à ação das siderúrgicas. No setor, o carvão vegetal é utilizado quase que exclusivamente para transformar minério de ferro em ferro-gusa.

Segundo o IBGE, a situação é ainda mais crítica no Paraná, estado em que a produção de carvão vegetal se dá em grande parte por meio do desmatamento, ao contrário do cenário nacional. De 1990 a 2009, o Paraná foi o sétimo estado que mais utilizou florestas nativas – principalmente a bracatinga – para produzir carvão (veja infográfico). Somente entre 2005 e 2009 a produção no estado chegou a 905,6 mil toneladas, e 76% do carvão vegetal foi obtido por meio do extrativismo, principalmente na Região Centro-Sul.

Valor

Para especialistas, a disparidade de preços entre o carvão vegetal obtido por meio da silvicultura e pelo extrativismo é um dos principais fatores que ainda freiam a busca por uma produção ambientalmente sustentável. Em média, o valor do carvão proveniente de florestas plantadas é 20,5% maior do que aquele que vem de árvores nativas. No Paraná, o perfil dos produtores reforça esse cenário: em geral são pequenos agricultores, que veem no carvão uma renda complementar e não têm condições de investir no plantio de árvores para obter o carvão.

“A diferença de preço é devido aos custos de produção da madeira, como o plantio, tratos culturais e colheitas, que não existem no carvão do extrativismo, além da disputa pela indústria de papel e celulose pela mesma madeira que poderia ser utilizada para produzir carvão vegetal”, explica o físico e doutor em Energia pela USP Alexandre Uhlig.

Efeitos

Mesmo o uso da silvicultura, porém, é preciso ser visto com restrições, alerta o engenheiro florestal e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Alexandre França Tetto. Para ele, um dos impactos causados pela indústria siderúrgica é a perda de diversidade biológica em relação à cobertura florestal existente. “A mesma legislação que incentiva a silvicultura acaba dificultando o manejo e plantio de espécies nativas, além de não motivar a conservação dos remanescentes florestais. Assim, é mais fácil e prático cultivar espécies exóticas como o pinus e eucalipto do que cultivar espécies nativas”, defende.

A ressalva não significa que a produção de carvão vegetal no país esteja em meio a um impasse sem solução. Para Uhlig, que também é responsável pela área de sustentabilidade do Instituto Acende Brasil, o incremento da fiscalização e o aprimoramento das técnicas de produção do carvão – que ainda é um processo rústico, altamente dependente do trabalho humano – podem ajudar a promover a ampliação da área florestada no Brasil, com estratégias ecológicas mais modernas. “Infelizmente, as iniciativas para a sustentabilidade do carvão vegetal no Brasil são lentas”, critica o físico. “Sinto falta da inclusão da madeira no planejamento energético do país, principalmente se considerarmos que trata-se da nossa quarta maior fonte de energia”, diz. (GP)

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