sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O LORDE DO BRASIL

Isto É Dinheiro

Vizinho à sala do trono, o imponente salão de recepções do Palácio St. James, em Londres, foi, durante três séculos, o epicentro do poder do Império Britânico, aquele em que o sol jamais se punha. Se suas paredes – revestidas do mais fino veludo produzido na face da terra, bordejadas com frisos revestidos em ouro e decoradas com grandes telas a óleo retratando épicas vitórias militares inglesas, como a da batalha de Waterloo – falassem, revelariam ao mundo os bastidores do tempo em que, ali, gerações de soberanos elegiam quem era quem na nobreza que os cercava e definiam, com suas decisões, os destinos de, literalmente, meio mundo. Hoje, a rainha Elizabeth II vive e despacha do Palácio de Buckingham – a separá-los, apenas os jardins do Green Park – e os domínios do Reino Unido já não se estendem por tantas terras. As paredes do St. James, agora residência oficial do Duque de York (título oficial do príncipe Andrew, filho de Elizabeth e irmão de Charles, o herdeiro do trono) e palco dos mais concorridos eventos da realeza, porém, continuam a vislumbrar os fascinantes minuetos do poder e ainda teriam muito o que contar. Sua mais recente história teria como protagonista um certo brasileiro, que roubou a cena em um almoço oferecido por Andrew, na terça-feira 18. “Mário Garnero é um exemplo de como o Brasil pode liderar a aproximação comercial entre o Ocidente e os novos mercados do Oriente”, disse o príncipe à DINHEIRO ao final do banquete para cerca de 100 seletos convidados. Minutos antes, Andrew havia decretado, em alto e bom som, que cabia aos brasileiros “um papel estratégico no novo cenário das relações comerciais internacionais” e, usando Garnero como uma espécie de embaixador informal, avisado: “O Reino Unido quer caminhar cada vez mais próximo ao Brasil”.

Apresentado o cenário, nomeie-se as testemunhas. Andrew sagrou Garnero no dia em que o homenageado principal era o ex-presidente americano George Bush, o pai – os três ocuparam cadeiras vizinhas na mesa central. A poucos metros de distância, a ex-primeira ministra Margareth Thatcher, lendária Dama de Ferro britânica. Espalhada pelo salão, a elite da nobreza e dos negócios em cinco continentes, ostentado títulos de lordes e sobrenomes como Rothschild, Churchill, De Benedetti... Foi o fecho dourado para uma breve temporada de pompa, circunstância, poder e bilhões. Garnero comandou em Londres a reunião anual do Conselho Internacional do Brasilinvest, o banco de negócios que lidera cerca de US$ 3 bilhões de investimentos ao redor do mundo. Durante três dias, os melhores salões da corte britânica se abriram para a não menos impressionante corte de conselheiros do brasileiro. Bush pai, amigo dos Garnero há três décadas, não é membro do board, mas, como convidado especial, foi a estrela maior em um clube cujos sócios reúnem patrimônio que, somado, se aproxima dos US$ 20 bilhões. A tradicional família de banqueiros ingleses Rothschild, por exemplo, tem um assento lá, ocupado pelo jovem Nathanael, 38 anos, presidente do fundo Atticus, com US$ 3 bilhões em ativos. Os petrodólares do Oriente Médio falam pelas vozes do sheik Salman Bin-Khalifa Al Khalifa, vice-presidente da estatal petrolífera do Bahrein – cuja produção de óleo corresponde a três Petrobras --, e de Youssef Hamada Al-Ibrahim, ex-ministro das finanças do Kuwait. Rei da seda e sócio de um império no varejo de luxo, David Tang faz a ponte com a emergente China, nova fronteira dos negócios dos Garnero. Oleg Deripaska, russo de US$ 12 bilhões que lidera a produção mundial de alumínio, e Armen Sarkissian, ex-primeiro ministro da Armênia, abrem as portas para a riquezas do antigo bloco soviético. E é só o começo.
Seria uma Babel dos negócios, não houvesse a uni-los a linguagem universal das oportunidades e o magnetismo de Garnero. Todos lucram com a convivência. Conselheiros, não raro, viram parceiros em empreitadas milionárias. E, com seus dólares e prestígios unidos, fazem do conselho do Brasilinvest uma entidade multinacional da qual todo mundo quer se aproximar. Garnero colhe os louros por onde passa.
“Quando ele me convidou para participar do conselho, há alguns anos, durante o Carnaval do Rio, não tinha idéia do que era o Brasilinvest”, conta o elétrico e bem humorado Tang. “Aceitei mais porque estava seduzido pelas mulatas, mas hoje sei do que Garnero é capaz. E ele leva o nome do Brasil com ele”. Bush, o amigo fiel, não cansa de disparar elogios ao brasileiro. Desta vez, repetiu a dose em pelo menos quatro diferentes eventos em Londres. No Palácio St. James, dividiu as honras reais com Garnero. “Espero que mais homens de negócios do mundo sigam o exemplo de Mário e procurem construir parcerias internacionais pela prosperidade”, discursou. Ergueu sua taça e brindou.

NA CASA DOS ROTHSCHILD
No restrito perímetro que concentra as propriedades reais no coração de Londres, uma única propriedade privada se destaca. Com suas linhas neoclássicas, inspiradas nos templos da Grécia antiga, a Spencer House é a única mansão londrina do século XVIII a permanecer intacta às ações do tempo e dos bombardeios sofridos pela cidade em duas guerras mundiais. Foi erguida a partir de 1756 pelo John Spencer, o primeiro de uma linhagem de condes. Fora da corte britânica, ninguém os conheceria, a não ser por uma de suas descendentes diretas, Diana Spencer, a Lady Di. Ela herdou a nobreza, mas não o palacete, que a família, com dificuldades financeiras, teve de vender no início do século passado. Hoje, o senhor da propriedade é Lorde Jacob Rothschild, pai do jovem Nathanael e decano da família de banqueiros mais influente dos últimos dois séculos, que a usa apenas em ocasiões especiais.
No domingo 16, Lorde Rothschild abriu as portas da casa no ensolarado fim de tarde de primavera. Serviu champanhe no terraço, diante da bucólica vista do Green Park. O sol se punha quando um arauto esmurrou o piso de madeira da biblioteca para atrair a atenção – assim manda a tradição da corte – e, com voz impostada, anunciou que era chegada a hora do banquete. Os convidados – o estelar elenco de conselheiros do Brasilinvest, acrescido de poucos convidados de Garnero (entre eles o governador de Minas Gerais, Aécio Neves) e de Rothschild (como Javier Valls Taberner, controlador do Banco Popular, o terceiro maior da Espanha) – foram guiados para o Great Room, no andar superior. Desfilaram por entre o mais completo acervo de mobiliário de época existente fora dos palácios reais e uma coleção ímpar de obras dos melhores artistas ingleses, com destaque para uma série de pinturas de Benjamin West cedida pela rainha. Para chegarem ao salão, cruzam portas emolduradas por colunas em estilo corinto em puro mármore grego, retirado das ruínas do antigo templo Erechteum. O mármore branco também abraça as esquadrias das janelas e dá acabamento à lareira. O teto, ricamente trabalhado, é réplica da capela de Greenwich, um dos orgulhos da arquitetura inglesa.
Foi este o cenário do primeiro brinde, comandado pelo anfitrião. As taças de cristal da Bohemia ergueram-se para Bush e para Garnero. “Tenho-o como um quarto filho” , disse Rothschild referindo-se ao brasileiro. Na grande família das finanças internacionais, o lorde lembrou à DINHEIRO que tem outros irmãos no Brasil. “Há muito tempo tenho relações fraternas com os Safra”, contou. Lily, viúva e herdeira do banqueiro Edmond Safra, não perde a sua companhia quando está em Londres. Os laços de Rothschild se estendem por todas as direções. O magnata australiano da mídia Rupert Murdoch, por exemplo, o elegeu como tutor de seu filho James, de 31 anos, no comando da TV por satélite BSkyB. Entre a novíssima safra de bilionários russos, ele é quase uma unanimidade. Mikhail Khodorkovsky, do grupo petrolífero Yukos, apontou seu nome como uma espécie de chairman interino enquanto tenta livrar-se das acusações de fraude e sonegação que o levaram à prisão. Já Deripaska negocia com Rothschild o lançamento de um fundo para investimentos na Rússia. No jantar do domingo, o rei do alumínio sentou-se ao lado de Garnero. Queixou-se da dificuldade em obter mais bauxita no mercado internacional para ampliar sua produção. E segredou que sonhava com um projeto trinacional, envolvendo russos, chineses e brasileiros e que, em troca da bauxita, pode levar a qualquer país, inclusive ao Brasil, uma nova fábrica com investimentos de US$ 500 milhões.


Terá surgido ali uma futura transação? Dará frutos aquele breve bate-papo no terraço em que o sheik Al-Khalifa disse, com todas letras, a Garnero que tem o maior interesse em qualquer negócio envolvendo a Petrobras? Nesse universo, conversas informais devem ser levadas a sério, assim como o jogo da diplomacia, explicitamente trabalhado na Spencer House. Ao final do jantar, Al-Khalifa entregou a Bush um presente. O relógio, cravejado de diamantes e com valor estimado em US$ 50 mil, era uma homenagem pelos 80 anos que o ex-presidente americano completa no dia 12 de junho. “Mas também um agradecimento por ter expulsado Saddam Hussein do Kuwait na primeira Guerra do Golfo, preservando os poços de petróleo da região”, disse o sheik à DINHEIRO. O local para a expressão de gratidão não podia ter sido melhor escolhido. A Spencer House ficou marcada na biografia de Bush como um de seus grandes palcos. O local serviu de cenário para uma histórica reunião de cúpula do G7, o grupo das nações mais ricas do mundo, em julho de 1991. O convidado especial era Mikhail Gorbatchov, líder da União Soviética. Ali, os dois líderes das superpotências encerraram de vez a era da Guerra Fria. Em dezembro daquele ano, Gorbatchov seria deposto e a União Soviética, desmantelada. “É como uma volta no tempo”, suspirou Bush.


O CLUBE DO CHURCHILL

A história caminha também pelos luxuosos ambientes do Savoy Hotel, quartel-general do Brasilinvest na reunião de Londres. Tromba-se com ela já na exclusiva ruela de acesso à imponente entrada – nas paredes do prédio, placas relatam passagens dos quase oito séculos que se passaram desde que, em 1246, Peter, o nono conde de Savoy, ergueu ali o seu palácio, “grande o suficiente para acomodar um exército inteiro”. Exatos 758 anos depois, um estado-maior corporativo instalou-se ali, com sua profusão de idiomas e temas. Na manhã da segunda-feira 17, o board do Brasilinvest reuniu-se em torno de uma grande mesa em forma de U. Colegas do conselho trocam experiências e falam de investimentos mútuos. O francês Marc Pietri – dono da Constructa, maior construtora da França -- é consultado sobre as últimas cotas de aplicação no Mary Brickel Village, empreendimento comercial e residencial de US$ 130 milhões no coração de Miami em fase final de construção. Oferece desconto para os presentes: só eles podem entrar com aporte mínimo de US$ 1 milhão, um terço do exigido no mercado. Há interessados. O sheik Khalifa anota tudo com atenção – projeto de US$ 1 bilhão para recuperação de uma área em São Paulo, ferrovias no coração do Brasil, lançamento de bônus ecológicos e ecoresort na Amazônia, sociedade com o megainvestidor George Soros para atuar no mercado de securitização de recebíveis no Brasil, US$ 250 milhões em hotéis em Cuba, um complexo turístico/empresarial em Santa Catarina... O cardápio dos projetos que passa por Garnero é extenso. E aumenta a todo minuto. Lado a lado estão o presidente da fábrica de artigos esportivos Head, Johan Eliasch, e a americana Georgette Mosbacher, dona de um império de cosméticos (Borghese) e spas avaliado em US$ 300 milhões. Um grupo de empresários escandinavos vem prospectar negócios na área de petróleo. O jovem financista Nicolas Berggruen – cujo grupo Alpha Investments and Management, com US$ 2,5 bilhões em caixa e aplicações em setores como bebidas e mídia – quer informações sobre o mercado de televisão no Brasil. Amigo de Jorge Paulo Lehman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, os donos da Ambev, ele foi o controlador do Media Capital, um dos maiores conglomerados de comunicação de Portugal. “Esse é o conceito do encontro”, explica Garnero. “Juntamos forças de diferentes áreas e mercados para localizar as melhores oportunidades de negócios.”

Na entrada voltada para as margens do rio Tâmisa, um comboio de Land Rovers movimenta a pacata viela. O séquito de seguranças desembarca primeiro. Em seguida, David Tang, Mário Bernardo Garnero, filho do anfitrião, e George Bush. Chegam de um seção de compras na Asprey’s, nova meca do consumo de luxo na cidade. A loja só seria inaugurada no dia seguinte, mas Tang conseguiu que o dono, Lawrence Stroll, a abrisse exclusivamente
para o grupo. A escolha era de Bush, a conta, um presente de Tang. O ex-presidente levou três echarpes, lembranças para a mulher Barbara, que ficou nos EUA. O almoço é em um dos salões do Savoy. Bush senta-se à cabeceira, ao lado de Winston Churchill. Ele mesmo, o mítico primeiro-ministro que comandou a reação inglesa na II Guerra Mundial. Um busto de Churchill fazendo o sinal da vitória indica que sua alma está ali. Antes de ascender ao poder, ele caminhava os 500 metros que separam o Parlamento britânico do Savoy e reunia-se com seus pares para discutir a situação internacional. Naquela sala revestida de madeira nobre, fundaram o The Other Club, cujo ritual de chá e política se repete até hoje.
Às quartas-feiras, no final da tarde, os últimos remanescentes do clube ainda se reúnem e mantêm mais essa tradição.

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