quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Unicamp na trajetória de Serra

Colegas e ex-alunos de José Serra no Instituto de Economia relembram seu perfil acadêmico

A Unicamp na trajetória de um governador eleito

Janeiro de 1978. Após catorze anos no poder, a ditadura militar dá sinais de declínio. A Justiça responsabiliza a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog e, ainda no mesmo ano, o então presidente Ernesto Geisel revoga o AI-5. Exilado desde 1964 por conta de sua atuação à frente da União Nacional dos Estudantes (UNE), o economista José Serra – governador eleito de São Paulo nas eleições de 2006 – prepara-se para voltar ao Brasil. E é pelas portas da Unicamp, na qualidade de professor, que pretende retomar a vida em seu país.

Embora a pena de prisão imposta pela ditadura houvesse prescrito naquele ano, o reingresso no mundo acadêmico brasileiro não seria de todo tranqüilo. Arestas tiveram de ser aparadas. Serra constara de listas negras da USP desde o tempo de estudante da Escola Politécnica, estivera exilado no Chile de Allende e, com a ascensão do ditador Pinochet em 1973, refugiou-se nos Estados Unidos, onde fez carreira acadêmica. Em 1977, podia ser encontrado na Universidade de Princeton como professor visitante. Os economistas da Unicamp, liderados por João Manuel Cardoso de Mello, ansiavam pela contratação do colega, mas o processo estava parado na gaveta do coordenador dos Institutos, o físico Sérgio Porto, que tinha birra com os intelectuais de esquerda.

Aos 36 anos, José Serra assumiu aulas na graduação e na pós-graduação, ensinando Economia Política, Política e Programação, Análise Macroeconômica, Economia Brasileira e Teoria Econômica. Àquela altura, já era mais que um simples professor. Sua convivência com economistas heterodoxos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que fazia contraponto aos monetaristas da chamada “Escola de Chicago”, estimularia a produção de trabalhos que constam até hoje na lista de textos básicos.

Um deles, o conhecido Além da Estagnação, escrito em colaboração com Maria da Conceição Tavares e publicado em 1970, se tornaria um clássico do pensamento desenvolvimentista latino-americano. Na ocasião, predominava na Cepal a visão – expressa por Celso Furtado, por exemplo – de que as economias da América Latina, em especial a brasileira, apresentavam uma tendência à estagnação. O texto publicado faz uma crítica a essa interpretação, alegando que o declínio das taxas de crescimento da economia brasileira na ocasião não representava uma tendência persistente à estagnação, mas apenas uma crise episódica, que poderia ser superada.


Em 1981, três anos após entrar para os quadros da Unicamp, Serra publicaria outro importante trabalho: Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra. Nele, o autor descreve e analisa as principais tendências e transformações da economia brasileira no período posterior à Segunda Guerra Mundial. “É um texto de referência”, observa Paulo Baltar, professor e ex-diretor do Instituto de Economia, e colega de Serra no início da década de 1980. A produção inclui outros trabalhos de relevância acadêmica, abordando temas gerais como A trajetória do desenvolvimento brasileiro de JK aos anos 80, e outros mais específicos, como sistema tributário e saúde.

No Link: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2006/ju340pag2.html

Jornal Unicamp

Em 1983, Serra se licenciou da Unicamp para assumir o cargo de secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo no governo Franco Montoro (1983-1987). Na seqüência, foi eleito deputado federal e senador, nomeado ministro do Planejamento e da Saúde, e escolhido prefeito de São Paulo. A mudança para a esfera política não chegou a causar surpresa entre os alunos do até então professor. “Já naquela época ele gostava de debater política”, recorda Claudio Dedecca, aluno de Serra na graduação e hoje no corpo docente do Instituto de Economia.

O perfil descrito pelo professor Waldir Quadros, aluno de Serra no mestrado e atual secretário municipal de Cidadania, Trabalho, Assistência e Inclusão Social em Campinas: “Nos debates em classe, ele era muito convicto de seus pontos de vista”, afirma. “E sabia defendê-los”, completa. O estilo discreto, pouco exuberante, citado como uma das marcas registradas de Serra, foi logo assimilado pelos estudantes. “Era o jeitão dele mesmo”. Na pós, entre os alunos de Serra figurariam Aloizio Mercadante, Antonio Kandir e Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior, entre outros nomes.

Nem mesmo a carreira política interrompeu o viés acadêmico de José Serra. Na verdade, foi a vida de estudante que despertou o militante político. Sua trajetória teve início aos 18 anos, quando ingressou no curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP, que não chegou a concluir. Nesse período, foi presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1963. Com o golpe militar de 1964, exilou-se na Bolívia, no Uruguai e, em seguida, no Chile, onde fez o curso de Economia da Cepal, em 1966, especializando-se em Planejamento Industrial. Fez mestrado em Economia pela Universidade do Chile (1968), da qual foi professor entre 1968 e 1973. Em 1974, o mestrado e o doutorado em Ciências Econômicas na Universidade de Cornell, Estados Unidos. Também figurou como membro do Institute for Advanced Study, de Princeton.

As derrotas na política funcionaram como estímulo ao desenvolvimento intelectual. Quando perdeu a disputa presidencial em 2002, tirou um período sabático em Princeton, nos Estados Unidos, onde se dedicou a estudar teorias de desenvolvimento. “São paradas estratégicas de reflexão”, disse ele na época. De certa forma, essa tendência de manter-se ligado à esfera acadêmica talvez expresse o desejo de preservar as próprias raízes. E, embora já não exista o que se poderia chamar de pensamento da Cepal, há, segundo João Manuel Cardoso de Mello, pessoas que pensam criativamente a partir da herança cepalina. “José Serra é uma delas”, garante o economista que trouxe o governador eleito de volta ao Brasil.

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