quinta-feira, 11 de outubro de 2012

ESPIÃO, CANALHA E HERÓI: Historiador americano lança livro sobre o agente secreto que sabotou a Intentona Comunista


Em 1935, o Komintern despachou para o Brasil um grupo de homens e mulheres com uma missão: derrubar o governo de Getúlio Vargas e instaurar o comunismo no país. A força-tarefa incluía Luis Carlos Prestes, que então vivia em Moscou, e Olga Benário, responsável por sua segurança, além de agentes italianos, argentinos e russos. Incluía também um terrorista alemão, Johnny de Graaf, e sua falsa esposa, Helena Krüger, designada motorista de Prestes. O resultado é conhecido: o levante fracassou, e seus protagonistas acabaram exilados, presos (como Prestes) ou mortos (como Olga, entregue pelo governo aos nazistas). A história da Intentona Comunista, seus dramas e tragédias pessoais, e da ação dos agentes secretos de esquerda no Brasil já foi bastante estudada, resultando em livros como “Olga”, de Fernando Morais, e “Camaradas”, de William Waack. Mas ainda havia muito a descobrir, como mostra o historiador americano R.S.Rose em “Johnny — A vida do espião que delatou a rebelião comunista de 1935”, escrito em parceria com Gordon D.Scott, recém-lançado pela Editora Record (tradução de Bruno Casotti). Rose demonstra que Johnny era na verdade um agente duplo, que trabalhava para o Serviço Secreto Inglês, o M16, ao mesmo tempo em que treinava brasileiros para a revolta. Mas revela, também, que Prestes não estava nem de perto preparado para conduzir uma revolução vitoriosa, nem como comandante militar nem como analista político. A participação decisiva de Johnny no fracasso da Intentona Comunista é apenas um dos capítulos do livro. O espião também participou de missões na Inglaterra, na Argentina e na China, entre outros países, numa sequência de aventuras, traições, assassinatos e intrigas digna dos filmes de 007 ou dos romances de John Le Carré. Nesta entrevista, R. S.Rose, também autor de “Uma das coisas esquecidas” (sobre o aparelho repressivo montado pelo Governo Vargas), fala sobre a sua pesquisa e a trajetória de Johnny de Graaf.

O ESPIÃO Johnny de Graaf em 1932: agente duplo a serviço do Reino Unido

O historiador R.S. Rose

LUIZ CARLOS Prestes conheceu o espião quando vivia em Moscou

Luciano Trigo

Como surgiu seu interesse pela vida do espião Johnny de Graaf e como foi feita a pesquisa que resultou no livro?

R.S.ROSE: Fiquei interessado em Johnny após a leitura do livro “Olga”, de Fernando Morais. Minha pesquisa sobre De Graaf durou 14 anos. Visitei o Brasil, Argentina, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Polônia, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Escócia e Rússia. Os mais importantes arquivos e informações estão no FBI em Washington, no Serviço de Inteligência Canadense em Ottawa, nos Arquivos do Komintern em Moscou, no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Dops), e em vários arquivos na Alemanha.

Fale sobre a juventude de Johnny de Graaf: por que ele se tornou um anticomunista convicto e como ele se tornou um espião?

ROSE: Johnny amava seu pai, mas detestava sua mãe. Ela era uma mulher que usava os filhos para tentar arrancar dinheiro de parentes. Mas o ponto crítico foi quando Johnny, ainda jovem, descobriu que sua mãe trabalhava como prostituta, ocasionalmente. Sua família era da classe trabalhadora. Eles viviam na pobreza e ele de início viu o socialismo como uma saída. O imperialismo alemão antes da Primeira Guerra o levou ainda mais para a esquerda. Por estar envolvido na morte do ativista nazista Horst Wessel, em 1930, e por suas outras atividades políticas, o KPD (Partido Comunista Alemão) queria tirá-lo da Alemanha. Nesse momento, os soviéticos lhe ofereceram educação universitária em Moscou. Ele aceitou e foi para a capital mundial do socialismo, mas, depois de três meses, chegou à conclusão que o comunismo soviético era terrível. Então, ele quis sair da URSS, mas não era uma questão fácil. Assim, Johnny decidiu estudar a fabricação de bombas e terrorismo, dois temas que fariam seus superiores soviéticos quererem tirá-lo do país. E aconteceu. Uma vez no exterior, ele começou a pensar qual embaixada ou consulado de que país deveria abordar. Os americanos recusaram, e sua segunda tentativa, em 1933, foi a Embaixada inglesa, em Berlim. Os ingleses o transformaram então em um agente duplo.

Qual o papel dele em outros episódios, por exemplo, na China?

ROSE: Johnny afirmou ter tido o papel de provocar o início da Longa Marcha na China. Mais tarde também fez uma série de coisas na Argentina, que incluíram matar pessoalmente um membro da família real inglesa que era um espião nazista, além de assassinar Helena Krüger (que foi motorista de Prestes e “esposa” de Johnny em sua missão brasileira) e entregar líderes do Partido Comunista Argentino à polícia. Ainda assim, ele conseguiu convencer um de seus companheiros no Brasil, Amleto Locatelli, de que era inocente de qualquer cumplicidade no fracasso da Intentona Comunista.

Johnny de Graaf sai de seu livro como um herói ou um vilão?

ROSE: Para os que quiserem um vilão, por tudo que Johnny fez contra os comunistas desde que começou a trabalhar para o MI6, o canalha está lá. Para os que estiverem atrás de um herói, por seu profundo ódio aos nazistas, chegando a ameaçar matar o próprio irmão por sua adesão ao Partido Nazista, ele está lá também.

Que impressão Luis Carlos Prestes causou em Johnny? E que impressão Johnny causou nos comunistas brasileiros?

ROSE: Quando Johnny e Luis Carlos Prestes se encontraram pela primeira vez, ainda em Moscou, Johnny pensou que Prestes era confiante demais, principalmente quando ele afirmou que 90% dos trabalhos para iniciar uma revolução já haviam sido feitos. Johnny se deu bem com todos, exceto com Prestes e Arthur Ewert, também conhecido como Harry Berger. Mas Ewert e Johnny já eram inimigos muito antes de 1935.

Sem a atuação de De Graaf, o que teria acontecido de diferente com Prestes e a rebelião comunista de 1935?

ROSE: Essa é uma questão impossível de responder. É meu palpite, no entanto, que as coisas poderiam muito bem ter sido diferentes se Johnny e Helena não tivessem feito parte da equipe designada por Moscou para vir para o Brasil.

Graaf adotou 69 identidades diferentes, mas como era a sua personalidade verdadeira? Qual era o seu perfil psicológico, suas motivações? Qual era a sua relação com os judeus? E com as mulheres? Ele era um homem vingativo?

ROSE: Johnny era um homem de um outro tempo, de uma época em que a palavra pessoal era um contrato. Ele detestava mentirosos e pessoas que abusavam, na sua opinião, de gente honesta da classe trabalhadora. Como um homem pobre depois da Primeira Guerra, ele sentia que um judeu ou alguns judeus o haviam enganado. A partir desse momento, ele se tornou desconfiado de indivíduos daquela religião. Com as mulheres, Johnny não teve nenhum problema. Ele foi casado duas vezes, e Gertrude Krüger (irmã de Helena, que Johnny assassinou) foi o amor da sua vida. Certamente ele era vingativo, se alguém o traísse.

Em que momento a vida de Graaf correu mais perigo?

ROSE: O regresso a Moscou, durante os expurgos stalinistas, pode ser classificado como o momento mais perigoso em sua vida. Valentine Vivian e Frank Foley, do Serviço Secreto Inglês, o MI6, o avisaram para não voltar, mas Johnny rejeitou o aviso. Ele sentiu que, se não voltasse, os soviéticos iriam rastreá-lo. Da mesma forma, em 1939, a descoberta de Johnny do couraçado alemão Graf Spee e o relatório dele para Londres provocou os nazistas no Brasil a “comprarem sua prisão”. Ele chegou quase a morrer na Fortaleza de Santa Cruz. Dutra ordenou sua prisão. Filinto Müller encarregou seus homens de cuidar disso, então ele, Filinto, mentiu para Johnny dizendo que não sabia de nada sobre isso.

Um pouco mais:

Apoiados pela União Soviética de Josif Stálin, os comunistas brasileiros tentaram derrubar o presidente Getúlio Vargas em 1935 mas foram fragorosamente derrotados. Entretanto, ao contrário do que podem depreender alguns leitores, a Intentona Comunista fracassou não porque foi delatada, e sim porque era de um irrealismo abissal. Era uma formiguinha maluca brigando contra um astuto exército de elefantes. A traição serviu apenas, quem sabe, para antecipar e, assim, debelar a rebelião mais cedo. A história está devidamente anotada em livros de qualidade, como “A Rebelião Vermelha” (Record, 217 páginas, 1986), do brasilianista Stanley Hilton, “Camaradas — Nos Arquivos de Moscou: A História Secreta da Revolução Brasileira de 1935” (Companhia das Letras, 416 páginas, 1993), de William Waack, “Olga” (Companhia das Letras, 259 páginas, 1984), de Fernando Morais, “Revolucionários de 1935: Sonhos e Realidade” (Companhia das Letras, 432 páginas, 1992), de Marly de Almeida Gomes Vianna, e “Uma das Coisas Esquecidas — Getúlio Vargas e Controle Social no Brasil/1930-1945” (Companhia das Letras, 341 páginas, 2001), do brasilianista R. S. Rose. Agora, 75 anos depois, sai um livro excepcional sobre um personagem misterioso, comentado apenas episodicamente nos livros citados. “Johnny — A Vida do Espião Que Delatou a Rebelião Comunista de 1935” (Record, 600 páginas), de R. S. Rose e Gordon D. Scott, é uma obra do balacobaco sobre o alemão Johann Heinrich Amadeus de Graaf, mais conhecido como Johnny. Rigorosamente documentada, a obra é vazada no estilo de romance policial. Johnny começou a espionar para os soviéticos, chegou a se encontrar com Stálin e Molotov, para citar duas eminências soviéticas, mas depois se tornou espião dos ingleses. Uma das revelações, embora não devidamente explorada, é que Urbano “Bercuó” espionou para Johnny, em 1940, no Rio de Janeiro. Espionava navios de origem alemã e, aparentemente, estava na folha de pagamento dos ingleses. O promotor de justiça e pesquisador Jales Guedes Mendonça diz que se trata do advogado e jornalista goiano Urbano Berquó. “Foi advogado de Pedro Ludovico e jornalista do ‘Correio da Manhã’.”

Ao leitor mais interessado em assuntos brasileiros, recomendo a leitura de cinco capítulos, “Brasil um”, “Argentina”, “O retorno a Moscou”, “Brasil dois” e “Primeiros anos da guerra”. Se quiser entender como os espiões eram formados, e por quais motivos Johnny desencantou-se com o comunismo soviético — o paraíso social só existia na teoria e a repressão aos dissidentes era brutal —, é preciso ler todo o livro do americano R. S. Rose e do canadense Gordon D. Scott (que conheceu Johnny). A história de Johnny, de tão impressionante, às vezes parece inventada. Não há, porém, nada de ficcional. Os estudiosos são criteriosos e parcimoniosos no uso da documentação. Muitos documentos a respeito de Johnny, sobretudo na Inglaterra, ainda não estão disponíveis.

Delírio de Prestes

Luís Carlos PrestesConquistado pelos comunistas alemães, o ex-marinheiro Johnny se tornou um tarefeiro do partido. Perseguido na Alemanha, escapou para a União Soviética, de onde, espião especialíssimo, foi enviado a vários países, com o objetivo de semear a revolução. Esteve na Romênia, na Hungria e na China. Ao voltar da Ásia, foi convidado pelo general soviético Manfred Stern para acompanhá-lo à Espanha, país onde, pelo menos no início, Stálin pretendia implantar uma espécie de república soviética. Diante da recusa, Alfred Langner deu-lhe a chance de voltar à China ou participar da revolução no Brasil. O célebre Dmitri Manuilski, do Comintern, participou da conversa.

O papel de Johnny, espião do M4, a Inteligência do Exército soviético, seria “cultivar, recrutar e desenvolver células dentro e fora das forças armadas” brasileiras. Langner garantiu que o capitão Luís Carlos Prestes, que seria o chefe da revolução patropi, era “um líder nato”. Foram escalados para comandar a derrubada de Vargas os comunistas Arthur Ernst Ewert (codinome Harry Berger), Johnny de Graaf (codinome Franz Paul Gruber), o americano Victor Allen Barron, o italiano Amleto Locatelli, o argentino Rodolfo José Ghioldi, os soviéticos Pavel Vladimirovich Stuchevski (com o codinome de Leon Jules Vallée, era da NKVD, a futura KGB) e Sofia Semionova Stuchevskaya (mulher de Pavel), a alemã Olga Benario (guarda-costas e amante de Prestes). Na primeira reunião, em Moscou, Prestes disse que a revolução estava madura no Brasil e que 90% do trabalho “já havia sido feito”. Realista absoluto, Johnny pensou: “Esse homem tem a cabeça nas nuvens. Às vezes a realidade e a lógica sensata lhe escapam”. Logo depois, Johnny informou seu contato no MI6 (serviço secreto de inteligência inglês), o britânico Frank Foley, que reportou-se ao major Valentine Patrick Terrel Vivian, “Vee-Vee”. O espião Alfred Hutt, superintendente-assistente-geral da Light no Rio de Janeiro, havia sido informado.

Na década de 1930, depois de, um pouco antes, ter acusado a social-democracia de “social-fascismo”, o Comintern (Internacional Comunista) mudou de tática e passou a incentivar a política de construção de frentes políticas com a participação de comunistas e democratas. “A intenção era radicalizar aos poucos cada Frente”, ressaltam Scott e Rose. No Brasil, o Partido Comunista do Brasil (erroneamente, apontado como Partido Comunista Brasileiro; esta nomenclatura só vai ser empregada décadas adiante) aderiu à Aliança Nacional Libertadora (ANL). Numa reunião, no Rio de Janeiro, Johnny ficou estupefato com o superficialismo político e tático de Prestes, que acreditava, era fé mesmo, que o Brasil estava “pronto” para a revolução. Quando Johnny duvidou, Prestes vociferou: “Sim, estamos!” Johnny contestou-o e ficou impressionado com o fato de que o PCB estava afastado do centro das decisões. Mas o líder personalista não desistiu. Avaliava que era possível construir uma revolução sem as mínimas condições objetivas, numa leitura simplista das ideias leninistas.

Afastado do centro das decisões, por ser cético quanto ao poder de fogo do grupo de Prestes, Johnny passou a ser informado dos assuntos da cúpula por sua mulher, Helena Krüger, que atuava como motorista do líder revolucionário. As informações eram repassadas aos ingleses, que as transmitiam ao governo de Vargas. Mesmo sabendo que a revolução estava fadada ao fracasso, porque era uma mera “revolta militar”, Johnny treinou alguns recrutas, totalmente despreparados, e deu orientações a Prestes, que as recusou.

Com ou sem preparação, a rebelião estourou em Natal, em novembro de 1935, e em Recife. Os rebeldes assumiram o controle da capital do Rio Grande do Norte, mas por pouco tempo. No Rio de Janeiro, a revolta também explodiu. O presidente Getúlio Vargas, no lugar de inquirir sua polícia, ligou para Hutt e perguntou se os comunistas tinham chance de vencer. Johnny disse a Hutt que deveria tranquilizar o presidente, pois “não havia a menor chance” de a revolta ser bem-sucedida. Era uma quartelada. “A Revolução Social, ou Intentona Comunista, estava encerrada em um fiasco de quatro dias.” Johnny a delatara, é verdade, mas o fracasso se deu muito mais por causa da orientação inconsistente de Prestes. Os militares de esquerda e os comunistas não estavam preparados para tomar o poder, mas confundiram desejo com realidade.

O governo de Vargas reprimiu ferozmente a rebelião, prendeu (a estatística varia de 7 mil a 35 mil pessoas) e torturou centenas. Um alemão da Gestapo, da equipe do diretor da polícia Filinto Müller, torturou Arthur Ewert logo depois de sua prisão. Quebrou um dos polegares de Ewert com um quebra-nozes e ficou irritado porque o comunista não gemeu. Brutalmente espancado, Ewert enlouqueceu. Sua mulher, Elise (Sabo), foi enviada para um campo de concentração, onde morreu em 1941. Olga Benario morreu, “em uma câmara de gás em Bernburg, em março de 1942”. Delatado por Rodolfo Ghioldi, o americano Victor Allen Barron foi morto sob tortura.

Moscou desconfiou de Johnny, procedeu a uma grande investigação, mas, usando a velha dialética leninista, o espião conseguiu convencer os veteranos stalinistas — a feroz “inquisidora” búlgara Stella Blagoeva continuou duvidando de sua integridade — que o fracasso da revolução brasileira tinha a ver unicamente com o voluntarismo de Prestes.

Depois de um período na geladeira, Johnny voltou ao Brasil, agora com a missão de espionar os nazistas para os soviéticos e, claro, para os britânicos. Era eficientíssimo. Montou uma rede de espiões, pagos pelos ingleses, e começou a repassar informações confiáveis sobre negócios dos alemães com os brasileiros. Chegou a ser preso e torturado pela polícia de Filinto Müller, que era simpático aos nazistas, e só foi liberado por conta de pressões inglesas. Com o fim da guerra, foi dado como morto por seus chefes soviéticos e mudou-se para a Inglaterra, onde adotou outro nome e continuou a espionar, especialmente no Canadá. Quem era Johnny? “Não era um comunista de carreira, tentando agradar superiores na órbita stalinista, mas alguém que estava do lado de fora olhando para dentro”, sintetizam seus biógrafos. Johnny morreu em 1980, aos 86 anos, no Canadá, com o nome de John Henry de Graff (ligeira alteração de seu sobrenome). (BL)


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