sexta-feira, 9 de março de 2012

PRONUNCIAMENTO DE VALÉRIA PROCHMANN NA SESSÃO SOLENE ALUSIVA AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER

CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA - 8 DE MARÇO DE 2012

Valéria Bassetti Prochmann

Excelentíssimas autoridades:

Vereadoras Julieta Reis – que me dignifica com esta homenagem, a quem muito honrada agradeço -, Professora Josete, Dona Lourdes, Renata Bueno, Noêmia Rocha e Nely Almeida, em nome das quais cumprimento todos os vereadores que prestigiam esta sessão especial;

Dignos representantes de entidades comunitárias já nominados;

Companheiras de homenagem Angela, Cecília, Dayana, Dirce, Dora, Elaine, Eliana, Erika, Florlinda, Hedy, Isabel, Izabel, Jane, Janete, Liana, Loide, Lucimara, Mara, Michely, Regina, Rita de Cássia, Rosa, Roseli, Solange, Sonia, Terezinha e Terry – mulheres com significativa presença em nossa sociedade, o que dá a dimensão da minha responsabilidade ao aqui representá-las.

Senhoras e Senhores:

8 de Março é mundialmente celebrado como Dia Internacional da Mulher. Segundo o registro tradicional, a data faz alusão ao sacrifício de 129 operárias que protestaram contra condições de trabalho indignas e morreram num incêndio criminoso, em 1857, em Nova York. Segundo versão alternativa, tal incêndio ocorreu em 25 de março de 1911 na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, vitimando 146 pessoas, das quais 123 mulheres. O fato contribuiu decisivamente para a melhoria das condições de segurança do trabalho. Pesquisas alternativas sugerem ainda que a data remete a uma manifestação de milhares de mulheres ocorrida em Petrogrado, Rússia, em 1917, em protesto contra a escassez e os altos preços dos alimentos, que culminou com a adesão dos soldados. A verdade histórica é que a data celebra o protagonismo de mulheres em ações organizadas de caráter coletivo como fato social, político e cultural significativo. Tal protagonismo tomou impulso após as duas Grandes Guerras Mundiais, quando as mulheres assumiram os postos de trabalho e o sustento dos lares. Os movimentos de mulheres determinaram importantes transformações comportamentais ocorridas no século 20 em todo o mundo.

Em 1910, a feminista alemã Clara Zetkin propôs o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora num congresso em Copenhage, Dinamarca, com foco no direito ao voto. No Brasil, a organização de mulheres como fenômeno social teve início no final do Século 19 pelo direito de estudar e tomou vulto nos anos 30, com o chamado movimento sufragista que culminou com a conquista do direito ao voto em 1932.

Em 1975 a Organização das Nações Unidas estabeleceu o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. Foi precisamente nesse ano – quando eu tinha 9 anos de idade – que o tema despertou minha atenção, numa aula sobre o Ano Internacional da Mulher. A partir daí, minha história pessoal mesclou-se com as lutas democráticas e femininas, no contexto dos regimes militares que no Brasil e em países vizinhos da América Latina impediam em nações inteiras o exercício da cidadania e da democracia e oprimiam brutalmente suas populações. Destaco a intensa participação feminina nos movimentos contra a carestia, nos comitês pela Anistia em 1979, nas eleições diretas dos governadores oposicionistas em 1982 e na campanha das Diretas que inundou o país de verde e amarelo em 1984. Foi nesta época que os governadores eleitos Franco Montoro em São Paulo, Tancredo Neves em Minas Gerais e José Richa no Paraná criaram os primeiros conselhos estaduais da condição feminina - órgãos de Estado empenhados na promoção da cidadania da mulher – e as delegacias da mulher – que tiraram a violência doméstica do contexto intramuros. Estivemos presentes e fomos partícipes do primeiro comício brasileiro realizado em 12 de janeiro de 1984 em Curitiba e na caravana que levou a campanha a 44 municípios paranaenses. Em cada um deles, reuníamos as mulheres mobilizadas, que escolhiam uma representante para falar em seu nome. Quando algum cacique político tentava impedir a fala feminina, o cantor Wando – que nos acompanhava – se recusava a cantar, garantindo assim a nossa representação nos palanques. Fomos também à tomada do Congresso Nacional em Brasília a uma semana da votação da emenda Dante de Oliveira que restabeleceria as eleições diretas para presidente – fizemos um comício em pleno voo e também uma vigília na Assembleia Legislativa do Paraná, junto com todo o Brasil, na noite que antecedeu a sua derrota na votação. A maioria de nós houve por bem então reunir-se à campanha intitulada Nova República para eleger Tancredo Neves no colégio eleitoral a fim de reconquistar a democracia perdida. No governo de transição, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, presidido por Jaqueline Pitanguy, que liderou as mulheres brasileiras no processo da Assembleia Nacional Constituinte.

Este foi o mais importante capítulo da luta feminina por cidadania na história brasileira recente. Importa relembrar para as mais maduras como eu e contar às mais jovens aqui presentes o panorama de injustiça no qual vivia a mulher brasileira naquela época.

Ao marido cabia a chefia da sociedade conjugal, incluindo o pátrio poder, a decisão sobre o domicílio da família e o direito de devolver aos pais a esposa que não fosse virgem ao se casar. À mulher, restava obedecer, pois era considerada parcialmente incapaz pela legislação civil, que empregava a expressão "mulher honesta" para referir-se à conduta sexual feminina. Mãe que não tivesse marido era qualificada como "mãe solteira" e filhos nascidos de relações fora do casamento eram chamados de "ilegítimos", sem direitos hereditários. Anúncios de empregos continham expressamente "sexo masculino" e quando dirigidos a mulheres, não raro a expressão discriminatória "boa aparência". Editais de concursos públicos também eram dirigidos ao sexo masculino – e foram precisas muitas ações na Justiça empreendidas pelo Ministério Público para que as mulheres pudessem, por exemplo, prestar concursos nas polícias civil e militar, cursar as academias, receber seus diplomas e assumir seus postos e cargos plenamente. Além de oferecerem salários muito inferiores, empresas costumavam exigir testes de não-gravidez e até de esterilidade para empregar mulheres, chegando ao cúmulo de promover verificações do período menstrual de suas empregadas.

Em 1986, quando foi eleito o Congresso Constituinte, tive a honra de ser a primeira mulher eleita presidente da UPE – União Paranaense dos Estudantes, em eleições diretas. Integrante do Conselho Estadual da Condição Feminina do Paraná desde sua fundação, atuei junto com muitas bravas brasileiras no chamado lobby do batom. E foi assim que a Constituição promulgada em 1988 vedou expressamente toda e qualquer forma de discriminação sexual; conferiu à mulher igualdade de status na chefia da sociedade conjugal e no pátrio poder; assegurou a proteção do estado e da sociedade à união estável - equiparada ao casamento - e à entidade familiar formada por um dos pais e seus descendentes; equiparou os direitos dos filhos em qualquer situação jurídica parental; ampliou a licença-maternidade para 120 dias e instituiu a licença-paternidade; assegurou o direito da mulher à assistência integral à sua saúde em todas as fases de sua vida, inclusive ao planejamento familiar com informação e meios proporcionados pelos serviços de saúde pública.

Com base na então nova Constituição Federal, foram elaboradas as novas Constituições estaduais e pudemos questionar juridicamente todos os atos discriminatórios que descrevi. O mais emblemático para mim foi a revogação de uma punição aplicada pelo Comando da Capital da Polícia Militar do Estado do Paraná a cinco policiais femininas por terem engravidado sendo solteiras, o que contrariava uma diretriz interna da corporação. Com ampla repercussão na mídia nacional e junto a entidades de direitos humanos e civis internacionais, nosso questionamento levou o Governo do Paraná e revogar a punição e a diretriz discriminatória. Não foram poucos os julgamentos a que assistimos, como representantes do Conselho Estadual da Condição Feminina, no Tribunal do Júri para que assassinos de mulheres passassem a ser condenados por seus atos criminosos, pondo em desuso a velha tese da "defesa da honra" que costumava livrá-los das penas.

Neste Século 21, constatamos e vivenciamos felizes a nova situação da mulher e sua presença cada vez mais significativa na cultura, nos negócios, nas ciências, na educação, nas profissões, nos esportes, nos serviços públicos, na política – tudo isso sem reduzir sua importância no âmbito familiar e seu privilégio natural de ser mãe. É uma imensa contribuição para a riqueza das nações!

Senão vejamos:

Segundo o IBGE, 42% dos trabalhadores do mercado formal e 35% dos chefes de lares. Segundo o Sebrae, 45% dos empreendedores individuais. Segundo o Dieese, 40% dos sindicalizados. Segundo o TSE, 51% do eleitorado. E ainda 20% dos cargos de direção nas empresas e 89% das pessoas que atuam em voluntariado. Segundo Gilberto Dimenstein, 41% da renda da classe C resulta do trabalho feminino. Segundo Contardo Calligaris, nas periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam ao redor de mulheres. Segundo a revista Claudia, "os garotos que nos perdoem, mas quem manda na internet são as menin@s" – o que o especialista em tendências sociais Mark Penn qualifica como "Tech Fatales" devido à habilidade feminina para conexões.

Por influência de Ruth Cardoso, referência do movimento feminista, há muitos anos o governo brasileiro deposita nas mãos femininas os recursos financeiros de auxílios sociais, pois são assim melhor empregados com melhores resultados.

As mulheres assumiram profissões e ocupações antes impensadas. Muitas empresas vêm dando preferência à contratação de mulheres, cujo modo de trabalhar passou a ser enaltecido por consultores. Boa parte da iniciativa privada contemporânea preocupa-se em ter mulheres nos seus quadros, inclusive nas funções executivas. Na política, cada vez mais temos vereadoras, prefeitas, deputadas, senadoras, ministras e até a presidente da República. No âmbito da Justiça, promotoras, procuradoras, juízas e ministras dos tribunais superiores. Ontem mesmo a ministra Carmen Lúcia tornou-se a primeira mulher a presidir o TSE – Tribunal Superior Eleitoral. A presença da mulher também é expressiva no mercado informal, como ambulantes e carrinheiras. Na educação, a mulher já é maioria em muitos cursos em todos os níveis e frequentemente ocupa o primeiro lugar da turma. Dados do IBGE indicam que 28% das mulheres têm mais de 11 anos de escolaridade, enquanto o percentual é de 19% para os homens.

As transformações foram profundas, mas ainda é preciso aperfeiçoar estruturas e políticas ainda sexistas, racistas e excludentes que constituem uma perversa realidade e mantêm a mulher em condição de vulnerabilidade.

Temos que sobreviver ao que a procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf chama de femicídio, protagonizado em 66% dos casos por parceiros afetivos, surpreendentemente em todas as faixas etárias. É preciso denunciar e reduzir drasticamente todas as formas de violência contra a mulher – inclusive a verbal -, com destaque para a educação e o papel da família, da escola, do estado, do ambiente de trabalho e da mídia; e com necessidade de apoio e amparo social efetivo às vítimas e punição de acordo com o estado de direito, com destaque para a Lei Maria da Penha – um marco importante na defesa da integridade física e moral da mulher. No âmbito internacional, é preciso adotar sanções contra as formas vis de violência sofridas por mulheres em todas as nações, de que são exemplos mais gritantes as regras de conduta e penalidades impostas nas teocracias.

No campo da saúde, é mister melhorar a nota da saúde pública brasileira – média de 5,4% - para beneficiar a população feminina com a devida assistência, pois ainda são muito elevados os índices de mortalidade materna, cânceres do aparelho reprodutor e de mama, entre outras enfermidades típicas da condição da mulher. No campo da educação, é preciso combater os estereótipos e promover o respeito à dignidade humana e à diversidade como valor. Na cultura, é preciso promover o acesso à produção e à fruição dos bens culturais, bem como a ampliação do repertório cultural feminino.

O repúdio à desigualdade e ao preconceito passa pela igualdade salarial, pela inclusão social, pelo combate ao estereótipo dos padrões de beleza e pela promoção do empoderamento feminino. Segundo o Banco Mundial, os indicadores de desenvolvimento econômico e de honestidade na gestão de recursos públicos melhoram onde a mulher tem mais acesso à educação e ao poder.

É por isso que - ao encerrar a minha fala - proponho aos senhores edis que uma mulher seja a próxima presidente da Câmara Municipal de Curitiba. Sim, senhores vereadores e senhoras vereadoras, elejam uma mulher presidente e permitam a esta Casa de Leis a oportunidade de experimentar um estilo feminino de administrar: eficiente, dinâmico, humanista, sustentável, criativo, calcado em diálogo, cooperação, entendimento, seriedade, integridade e sensibilidade.

Considero a vereadora Julieta Reis plenamente capaz para assumir essa nobre missão, com sua respeitável carreira política, sua liderança e sua dedicação à função pública, motivo pelo qual espero sinceramente que ela venha a ser a primeira mulher a presidir a nossa Câmara Municipal! Eis a melhor forma de homenagear as mulheres que nasceram, trabalham, mantêm famílias e vivem em Curitiba!

Amigas queridas, minha família – mãe Alzeli, irmãs Valquíria e Viviane, sobrinhas Victoria e Fernanda e sobrinhos Henrique e Thiago, meu marido Paulino e a todos os presentes, muito obrigada pela atenção.

0 comentários :

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | belt buckles