terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Políticas de radiodifusão: omissão do Congresso, desprezo dos concessionários


A advertência feita pela deputada Luiza Erundina sobre a omissão e o desinteresse dos parlamentares no debate sobre a regulamentação da comunicação se materializou, na forma de uma prova irrefutável, na audiência pública realizada dia 15 de dezembro na Câmara dos Deputados.


(*) Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Em debate sobre a regulação da mídia realizado na Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), em Porto Alegre, em 3 de novembro último, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) advertiu:

“Não esperem que os partidos políticos façam algo para enfrentar o atual esquema de poder da mídia. Há muita omissão no Congresso Nacional sobre esse tema. Sou uma voz isolada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Tento apenas incomodar um pouco” (ver aqui).

Se houvesse alguma dúvida sobre a veracidade dessas afirmações – e do quanto elas alcançam para além do Congresso Nacional – a audiência pública da CCTCI realizada na manhã de quinta feira (15/12), constitui uma prova irrefutável. Convocada por Requerimento da própria deputada Erundina para debater "a prática de subconcessão, arrendamento ou alienação a terceiros promovida por concessionários de serviços públicos de radiodifusão sonora e de sons e imagens sem a autorização competente", a audiência pública foi simplesmente ignorada por deputados e concessionários de radiodifusão.

Dos oitenta deputados titulares e suplentes da CCTCI (ver abaixo relação completa dos seus integrantes), apenas quatro, incluída a autora do requerimento, compareceram, ou seja, 5% do total – Luiza Erundina (PSB-SP); Bruno Araújo (PSDB-PE); Paulo Foletto (PSB-ES) e Sandro Alexis (PPS-PR); o representante do Ministério Público não compareceu; e dos sete representantes dos concessionários convidados – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), Grupo Silvio Santos, Rede Record, Organizações Globo, Grupo Bandeirantes e MIX e Mega TVs – nem sequer um único compareceu.

Poderia haver atestado maior da veracidade das afirmações da deputada Luiza Erundina do que este?

Breve história da audiência

Em sua intervenção, a deputada Erundina esclareceu que, na verdade, aquela era a terceira tentativa de se colocar a prática ilegal de arrendamento do serviço público de radiodifusão em discussão na CCTCI. A primeira tentativa ocorreu em 2009, quando a OAB Nacional encaminhou à CCTCI parecer sobre a matéria, elaborado pelo jurista Fábio Konder Comparato, solicitando ao seu presidente que o distribuísse aos membros (ver abaixo a íntegra do parecer).

O então presidente da CCTCI, deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), não distribuiu o parecer nem colocou o assunto em discussão. Em 2011 a deputada Erundina apresentou requerimento solicitando a realização da audiência pública que chegou a ser marcada para novembro, mas acabou adiada sine die exatamente porque não se obteve confirmação de presença dos concessionários. Finalmente, ao apagar das luzes do ano legislativo, a audiência pública foi “realizada” no dia 15 de dezembro. O que está em jogo? Dados de arrendamento de concessões de três redes de televisão, somente no estado de São Paulo, revelam: (1) TV Gazeta: arrendamento de 37 horas e 5 minutos por semana, assim distribuídos:

2a a 6ª feiras 6h - 8h - Igreja Universal do Reino de Deus 20h - 22h - Igreja Universal do Reino de Deus 1h - 2h - Polishop Sábado 6h - 8h - Igreja Universal do Reino de Deus 20h - 22h - Igreja Universal do Reino de Deus 23h - 2h - Polishop Domingo 6h - 8h - Igreja Universal do Reino de Deus 8h - 8h30 - Encontro com Cristo 14h - 20h - Polishop 0h - 2h – Polishop

(2) Rede TV!:

arrendamento de 30 horas e 25 minutos por semana (tempo estimado), assim distribuídos:

Domingo 6h - 8h - Programa Ultrafarma 8h - 10h - Igreja Mundial do Poder de Deus 10h - 11h - Ultrafarma Médicos de Corpos e Alma 16h45 - 17h - Programa Parceria5 3h - Igreja da Graça no Seu Lar 2a e 3ª feiras 12h - 14h - Igreja Mundial do Poder de Deus 14h - 15h - Programa Parceria 5 17h10 - 18h10 - Igreja da Graça - Nosso Programa 1h55 - 3h - Programa Nestlé 3h - Igreja da Graça no Seu Lar

4a feira 12h - 14h - Igreja Mundial do Poder de Deus 14h - 15h - Programa Parceria 5 17h10 - 18h10 - Igreja da Graça - Nosso Programa 3h - Igreja da Graça no Seu Lar 5a e 6ª feiras 12h - 14h - Igreja Mundial do Poder de Deus 17h10 - 18h10 - Igreja da Graça - Nosso Programa 3h - Igreja da Graça no Seu Lar Sábado 7h15 - 7h45 - Igreja Mundial do Poder de Deus 7h45 - 8h - Tempo de Avivamento 8h - 8h15 - Apeoesp - São Paulo 8h15 - 8h45 - Igreja Presbiteriana Verdade e Vida 8h45 - 10h30 - Vitória em Cristo 10h30 - 11h - Igreja Pentecostal 11h - 11h15 - Vitória em Cristo 2 12h - 12h30 - Assembléia de Deus do Brasileiro 12h30 - 13h30 - Programa Ultrafama 2h - 2h30 - Programa Igreja Bola de Neve 3h - Igreja da Graça no Seu Lar

(3) Rede Bandeirantes: arrendamento de 24 horas e 35 minutos por semana (tempo estimado), assim distribuídos:

2a a 6a feira 5h45 - 6h45 (Religioso I) 20h55 - 21h20 (Show da Fé) 2h35 (Religioso II) Sábado e domingo 5h45 - 7h (Religioso III) 4h (Religioso IV)

No parecer que elaborou para a OAB em 2009, o professor Comparato concluiu pela completa ilegalidade da pratica afirmando que “o direito de prestar serviço público em virtude de concessão administrativa não é um bem patrimonial suscetível de negociação pelo concessionário no mercado.

Não se trata de um bem in commercio. O concessionário de serviço público não pode, de forma alguma, arrendar ou alienar a terceiro sua posição de delegatário do Poder Público. O que o direito brasileiro admite (Lei nº 8.987, de 13/02/1995, art. 26) é a subconcessão de serviço público, mas desde que prevista no contrato de concessão e expressamente autorizada pelo poder concedente; sendo certo que a transferência da concessão sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão (mesma lei, art. 27)”.

O que fazer? A omissão de parlamentares em relação às políticas públicas de comunicações não constitui novidade. Está no Supremo Tribunal Federal, desde novembro de 2010, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) que pede à Corte que declare “a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em legislar sobre as matérias constantes dos artigos 5°, inciso V; 220, § 3º, II; 220, § 5°; 211; 222, § 3º, todos da Constituição Federal, dando ciência dessa decisão àquele órgão do Poder Legislativo, a fim de que seja providenciada, em regime de urgência, na forma do disposto nos arts. 152 e seguintes da Câmara dos Deputados e nos arts. 336 e seguintes do Senado Federal, a devida legislação sobre o assunto” (ver aqui).

A recusa sistemática dos empresários de mídia em discutir democraticamente questões ligadas ao setor também não constitui qualquer surpresa. Desprezam e se ausentam da CCTCI exatamente como boicotaram a 1ª Conferência Nacional de Comunicação realizada em dezembro de 2009.

Diante disso, ao final da audiência pública do dia 15/12, a deputada Luiza Erundina anunciou que (1) encaminharia à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados proposta de fiscalização e controle para que o Tribunal de Contas da União (TCU) realize auditoria nos contratos de permissões e concessões das empresas de radiodifusão; e (2) ao Ministério Público, representação para que proceda a uma investigação da prática ilegal de subconcessão, arrendamento ou alienação a terceiros, promovida por concessionários de radiodifusão.

Perspectivas

Infelizmente a advertência da deputada Luiza Erundina no debate da Ajuris está correta. Não se consegue debater ilegalidades como esta na CCTCI da Câmara dos Deputados, sua comissão específica.

Além disso, mais um ano termina sem que se conheça o prometido projeto do governo Dilma Rousseff de marco regulatório para as comunicações. Ele necessariamente terá que contemplar questões como a tratada aqui. E, por óbvio, terá que tramitar na CCTCI do Congresso Nacional.

O(a) eventual leitor(a) concordará que as perspectivas confirmam um longo e difícil caminho a ser percorrido no rumo da regulação da mídia para a democratização das comunicações.

A ver.

1 comentários :

SENÔ BEZERRA disse...

Precisamos desamarrar esse troço todo.Se não houvesse um loteamento dessas concessões, e isso sempre houve, por certo outras instituições religiosas já teriam seu canal de televisão e outros grupos comerciais também.En~toa porque não paramos com esse blá blá blá inútil e ampliemos esse leque para que todos possam participar desse processo?Sobre as sub concessões,creio que deveria ser permitida.

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