terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O bom negócio que é a reconstrução do Haiti

Os feitos sobre a "cooperação" no Haiti após o terremoto são escandalosos. Apesar da falta de transparência com que são geridas, as investigações já conseguem mostrar um emaranhado de negócios privados, colonialismo, ineficiência e discriminação. Um desastre é uma "boa oportunidade" ... para os negócios.

A ONG Oxfam conclui que, dois anos após o terremoto, "mais de 519.000 pessoas ainda vivem em barracas de campanha e sob lonas em 758 acampamentos, metade dos escombros ainda não foram recolhidos, a cólera já ceifou milhares de vidas e representa uma enorme ameaça à saúde pública, poucos haitianos têm acesso a serviços básicos, a maioria da força de trabalho está desempregada ou subempregada, 45% da população está em situação de insegurança alimentar e as eleições, seguidas por um confronto político entre o presidente eleito e o parlamento, impede o progresso de reconstrução". É parte de seu relatório o lento caminho para a reconstrução. Como relatam no relatório da Oxfam, as eleições e o posterior confronto entre o presidente e o parlamento "impedem a reconstrução" e é hora de recuperar o tempo perdido tornando-a atraente a todas as partes.

É como se dissesse: no final das contas, a culpa é dos haitianos. Ocorre que a Oxfam peca em omissão - voluntária ou involuntária -, em seu relatório. Ou, o que seria pior, apresenta um imperdoável olhar colonialista. A ONG insiste que 7 de cada 10 dólares que entram no país procedem de cooperação internacional, mas não informa que 9 de cada 10 dólares desta cooperação são geridos por ONGs e órgãos estatais ou empresas privadas estrangeiras. Isto significa que o Governo e entidades do Haiti têm acesso a apenas 1% das doações destinadas ao país (cerca de 3,6 milhões de dólares em dois anos se somarmos a ajuda humanitária e a para reconstrução). Também não diz que 1,556 milhão de dólares foram gastos desde janeiro de 2010 para pagar aos controvertidos militares da Missão de Estabilização no Haiti da ONU.

Para obter uma visão mais centrada na realidade, temos de olhar o artigo de Bill Quigley e Amber Ramanauskas, Sete lugares para onde foi e não foi o dinheiro do terremoto, publicado em BahiaNoticias e traduzido por Alicia Vega. Nele se resumem as principais investigações sobre o destino das doações ao Haiti. Publicamos um trecho revelador:

  • O maior receptor individual de dinheiro nos EUA para o terremoto foi o governo dos EUA. O mesmo vale para as doações de outros países.

  • Imediatamente após o terremoto, os EUA alocaram US$ 379 milhões em ajuda e enviaram tropas integradas por 5.000 soldados.

  • A Associated Press descobriu que, dos US$ 379 milhões iniciais prometidos pelos EUA ao Haiti, a maior parte não era realmente dinheiro direto ao Haiti, e em alguns casos nem indireto. Foi relatado em janeiro de 2010 que 33 centavos de cada um desses dólares para o Haiti foi na verdade dinheiro destinado aos próprios EUA.

  • 42 centavos de cada dólar foi destinado a ONGs privadas e públicas como o Save the Children,o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas e a Organização Pan-Americana da Saúde.

  • O enviado especial da ONU para o Haiti informou que dos US$ 2,4 bilhões de financiamento humanitário, 34% foram reembolsados pelas próprias autoridades civis e militares doadoras para a resposta ao desastre, 28% foram destinados às agências das Nações Unidas e organizações não-governamentais (ONGs) para projetos específicos da ONU, 26% foram entregues às empresas privadas e outras ONGs, 6% foram gastos como serviços em espécie aos beneficiários, 5% para a comunidade internacional e as sociedades nacionais da Cruz Vermelha, e 1% dos fundos ficou com o governo do Haiti e quatro décimos de um por cento com ONGs do Haiti.

  • O Centro para Pesquisa Econômica e Política, a fonte mais confiável para obter informações precisas sobre este assunto, ao analisar todos os 1.490 contratos celebrados pelo governo dos EUA após o terremoto de janeiro de 2010 até abril de 2011, apurou que apenas 23 deles foram assinados com empresas haitianas.

  • A Cruz Vermelha dos EUA recebeu mais de 486 milhões de dólares em doações para o Haiti. Diz-se que dois terços do dinheiro foi gasto com os esforços de socorro e recuperação, embora o detalhamento desse gasto seja difícil de obter. O CEO da Cruz Vermelha dos EUA tem um salário de mais de 500.000 dólares por ano.

  • Existe um contrato conjunto de US$ 8,6 milhões entre a USAID e a empresa privada CHF para remoção de escombros em Porto Príncipe. A CHF é uma empresa internacional de desenvolvimento bem relacionada politicamente, com um orçamento anual superior a US$ 200 milhões, cujo CEO ganhou 451.813 dólares em 2009.

  • Os presidentes George W. Bush e Bill Clinton anunciaram uma iniciativa para levantar fundos para o Haiti em 16 de janeiro de 2010. Até outubro de 2011, o Fundo havia recebido US$ 54 milhões em doações. E se associou a várias organizações haitianas e internacionais. Embora a maioria de sua obra pareça ser admirável, doou US$ 2 milhões para a construção de um hotel de luxo no Haiti, orçado em US$ 29 milhões.

  • Aproveitando-se do desastre, Lewis Lucke, um coordenador de ajudas sênior da USAID, reuniu-se duas vezes como representante do órgão com o primeiro-ministro do Haiti logo após o terremoto. Depois disso, demitiu-se da agência e foi contratado por US$ 30.000 ao mês por uma empresa da Flórida, a Ashbritt (já conhecida por sua grande oferta de ajuda não concedida após o Katrina), e um sócio próspero do Haiti para fazer lobby acerca dos contratos sobre o desastre. A Ashbritt e seus parceiros haitianos foram premiados com 10 milhões dólares, sem licitação. Lucke afirma ter sido fundamental na obtenção de um outro contrato de US$ 10 milhões junto ao Banco Mundial e outro menor, a partir do CHF Internacional, antes de sua passagem pela USAID terminar.

  • Quase dois anos após o terremoto, menos de 1% dos US$ 412 milhões em fundos dos EUA destinados especificamente para as atividades de reconstrução da infra-estrutura do Haiti tinham sido gastos pela USAID e o Departamento de Estado dos EUA. (Otramerica)

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